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Práticas Avançadas em Enfermagem no Brasil: como estamos e o que falta?

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre o papel e as iniciativas da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) no desenvolvimento, reconhecimento e regulamentação necessários à implantação da Enfermagem de Prática Avançada (EPA) no Brasil.

Método:

Ensaio teórico-reflexivo resultante da mesa-redonda intitulada “Regulamentação e reconhecimento das práticas avançadas em enfermagem no Brasil: Como estamos e o que falta?”, realizada em maio de 2021, no III Simpósio Internacional de Saúde do Adulto.

Resultados:

Fica evidenciado que a ABEn e o Cofen são parceiros estratégicos para definição das áreas de atuação desta especialização no país. As responsabilidades das organizações da Enfermagem consistem em definir o perfil profissional, o currículo, as condições para o exercício dos enfermeiros de prática avançada, adequação dos cursos de pós-graduação existentes, com vistas ao apoio técnico, liderança política, regulação, regulamentação e construção de bases para EPA no país.

Conclusão:

É preciso ampliar o debate sobre a EPA no Brasil, definir o modelo de formação e articular esforços com todos os parceiros estratégicos, no intuito de construir um arcabouço teórico, político e laboral para o pleno exercício profissional do enfermeiro de prática avançada.

DESCRITORES
Prática Avançada de Enfermagem; Enfermagem; Sistema de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To reflect on the role and initiatives of the Brazilian Nursing Association (ABEn) and the Federal Nursing Council (Cofen) in the development, recognition, and regulation necessary to implement advanced practice nursing (APN) in Brazil.

Method:

This is a theoretical-reflective essay resulting from the roundtable discussion entitled “Regulation and recognition of advanced nursing practices in Brazil: how are we and what is missing” held in May 2021, at the III International Symposium on Adult Health.

Results:

ABEn and Cofen are strategic partners to define the areas of activity of this specialization in Brazil. Nursing organizations are responsible for defining professional profiles and curricula, advanced practice nursing conditions, and adequacy of existing graduate courses aiming at technical support, political leadership, regulation, and construction of an APN foundation in Brazil.

Conclusion:

Brazil must broaden the national debate on APN, define a training model for it, and articulate efforts with all its strategic partners to build a theoretical, political, and labor framework for advanced practice nurses’ full professional practice.

DESCRIPTORS
Advanced Practice Nursing; Nursing; Health Systems

RESUMEN

Objetivo:

Reflexionar sobre el papel y las iniciativas de la Asociación Brasileña de Enfermería (ABEn) y del Consejo Federal de Enfermería (Cofen) en el desarrollo, reconocimiento y regulación necesarios a la puesta en práctica de Enfermería de Práctica Avanzada (EPA) en Brasil.

Método:

Ensayo teórico-reflexivo a partir de la mesa redonda titulada “Regulación y reconocimiento de la enfermería de práctica avanzada en Brasil: ¿Cómo vamos y qué nos falta?”, celebrada en mayo de 2021 en el III Simposio Internacional de Salud del Adulto.

Resultados:

Es evidente que la ABEn y el Cofen son socios estratégicos para definir las áreas de actuación de esta especialización en el país. Las responsabilidades de las organizaciones de Enfermería consisten en definir el perfil profesional, el currículo, las condiciones para el ejercicio de las enfermeras de práctica avanzada, la adecuación de los cursos de posgrado existentes, con miras al apoyo técnico, liderazgo político, regulación y construcción de bases para la EPA en el país.

Conclusión:

Es necesario ampliar el debate sobre la EPA en Brasil, definir el modelo de formación y articular esfuerzos con todos los socios estratégicos, con el fin de construir un marco teórico, político y laboral para el pleno ejercicio profesional de los enfermeros de práctica avanzada.

DESCRIPTORES
Enfermería de Práctica Avanzada; Enfermería; Sistemas de Salud

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos, as mudanças no perfil epidemiológico, os determinantes do processo saúde-doença, o envelhecimento da população, o surgimento de doenças emergentes, os desastres naturais e o enfrentamento às doenças e pandemias têm suscitado preocupações referentes à saúde da população e à cobertura e acesso universal aos serviços de saúde.

O alerta publicado em 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) intitulado “Desafios urgentes de saúde para a próxima década” ressalta prioridades, como o acesso mais justo aos serviços de saúde, proteção contra doenças infecciosas e produtos perigosos à população, preparo para epidemias, garantia de acesso a medicamentos e estratégias para investimentos nos profissionais que protegem a saúde da população(11. World Health Organization. Urgent health challenges for the next decade [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2021 Sept 19]. Available from: https://www.who.int/news-room/photo-story/photo-story-detail/urgent-health-challenges-for-the-next-decade
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).

Considerando o enfermeiro como a grande força motriz do sistema de saúde e como importante agente para garantir o cuidado e a cobertura do acesso aos serviços de saúde, a OMS declarou o ano de 2020 como o “Ano da enfermeira e da parteira”, com o lançamento da campanha “Nursing Now”(22. Crisp N, Iro E. Nursing Now campaign: raising the status of nurses. Lancet. 2018;391(10124):920-1. DOI: http:/dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30494-X
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).

As ações previstas pela OMS visam fortalecer a prática de enfermagem e, dentre elas, destaca-se a Enfermagem de Prática Avançada (EPA), modelo assistencial desenvolvido, desde a década de 60, por enfermeiros com formação especializada e escopo de prática ampliado, primeiramente em países desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, com objetivo de garantir e ampliar o acesso à cobertura de saúde às populações vulneráveis e remotas.

Segundo o Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN), o enfermeiro de prática avançada é entendido como um “enfermeiro que adquiriu a base de conhecimento especializado, habilidades complexas de tomada de decisão e competências clínicas para a prática expandida, cujas características são moldadas pelo contexto e/ou país em que é credenciado para a prática”(33. International Council of Nurses. Nurse practitioner/advanced practice nurse: definition and characteristics [Internet]. Geneva: ICN; 2009 [cited 2021 Sept 19]. Available from: https://acnp.org.au/sites/default/files/33/definition_of_apn-np.pdf
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).

Estudos têm apontado que nos países em que a EPA está consolidada, há reconhecimento dos profissionais enfermeiros, tanto no que se refere à qualidade do cuidado, quanto em relação à satisfação dos usuários com significante impacto no custo-benefício(44. Barrio-Libares M. Competencias y perfil profesional de la enfermera de práctica avanzada. Enferm Intensiva. 2014;25(2):52-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.enfi.2013.11.005
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,55. Bergman K, Perhed U, Eriksson I, Lindblad U, Fagerström L. Patients’ satisfaction with the care offered by advanced practice nurses: a new role in Swedish primary care. Int J Nurs Pract. 2013;19(3):326-33. DOI: http:/dx.doi.org/10.1111/ijn.1207
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). Ademais, evidências científicas demonstram como benefícios da EPA a redução de custos com doenças crônicas, otimização dos recursos de saúde, melhoria e qualidade da assistência prestada e gerenciamento de condições crônicas(66. Cassiani SHB, Aguirre-Boza F, Maynara MCH, Barreto FC, Peña LM, Mackay MCC, et al. Competencies for training advanced practice nurses in primary health care. Acta Paulista de Enfermagem. 2018;31(6):572-84. DOI: http:/dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800080
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).

O Brasil não possui formação em EPA, que requer um curso de pós-graduação em nível de mestrado com extensa carga horária em atividades clínicas. Além disso, prevê-se muitas dificuldades na regulamentação para exercício da enfermagem de práticas avançadas no país, considerando as características do sistema de saúde brasileiro, que segue fortalecendo a hegemonia médica em sua organização. Entretanto, observa-se nos países da América Latina que os enfermeiros desempenham ações cada vez mais complexas frente às demandas de saúde da população atendida, evidenciando o potencial para ampliação do seu escopo de prática(77. Andriola IC, Sonenberg A, Lira ALBC. A compreensão da prática avançada de enfermagem como um passo à sua implementação no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e115. DOI: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.115
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).

Além disso, no Brasil, a regulamentação da EPA poderá enfrentar diversos desafios, tais como a compreensão do papel de atuação, definição do escopo de prática profissional, alinhamento das ações com outros membros da equipe, regulamentação e legislações relacionadas à prática profissional(66. Cassiani SHB, Aguirre-Boza F, Maynara MCH, Barreto FC, Peña LM, Mackay MCC, et al. Competencies for training advanced practice nurses in primary health care. Acta Paulista de Enfermagem. 2018;31(6):572-84. DOI: http:/dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800080
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).

Nesse contexto, identificam-se movimentos como fóruns de discussão entre sociedades, entidades de classe e órgãos governamentais, visando a elaboração de estratégias para a implementação do modelo ampliado de prática a nível nacional, especialmente no que se refere à atenção primária em saúde(88. Miranda Neto MV, Rewa T, Leonello VM, Oliveira MAC. Advanced practice nursing: a possibility for Primary Health Care? Rev Bras Enferm. 2018;71 Suppl 1:716-21. DOI: http:/dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0672
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).

Ressalta-se que há cenário favorável à implementação da EPA no Brasil, considerando marcos legislativos que sustentam esse escopo de atuação, como a Lei do Exercício Profissional; Política Nacional de Atenção Básica; resoluções e pareceres emitidos pelo conselho de classe, normatizando procedimentos e ações de alta complexidade; além da prática baseada em evidências(66. Cassiani SHB, Aguirre-Boza F, Maynara MCH, Barreto FC, Peña LM, Mackay MCC, et al. Competencies for training advanced practice nurses in primary health care. Acta Paulista de Enfermagem. 2018;31(6):572-84. DOI: http:/dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800080
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,88. Miranda Neto MV, Rewa T, Leonello VM, Oliveira MAC. Advanced practice nursing: a possibility for Primary Health Care? Rev Bras Enferm. 2018;71 Suppl 1:716-21. DOI: http:/dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0672
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).

No entanto, percebe-se que, na maioria dos municípios brasileiros, ainda permanece a desarticulação entre a atenção primária e os demais níveis de saúde quanto à oferta de serviços à população, além de fragilidades/dificuldades nos mecanismos de articulação e diálogo entre eles. Somam-se a isso as adversidades enfrentadas pelos profissionais para lidar com a complexidade dos problemas de saúde mais frequentes(99. Cunha CLF, Bahia L. Construção de hospitais de pequeno porte como política de saúde: um caso emblemático no estado do Maranhão, Brasil. Journal of Management & Primary Health Care. 2014;5(2):249-54. DOI: https://doi.org/10.14295/jmphc.v5i2.222
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,1010. Feuerwerker LM. Modelos tecnoassistenciais, gestão e organização do trabalho em saúde: nada é indiferente no processo de luta para a consolidação do SUS. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2005;9(18):489-506. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000300003
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) e diferenças significativas nos indicadores de saúde entre as regiões brasileiras, com melhores resultados nas regiões Sudeste e Sul e piores nas regiões Norte e Nordeste(1111. Carmo RL, Camargo KCM. Dinâmica demográfica brasileira recente: padrões regionais de diferenciação. Texto para Discussão, n. 2415 [Internet] Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018. [cited 2021 Sept 19]. Available from: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2415.pdf
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). É nessa realidade que a EPA pode contribuir, de modo a ampliar o acesso e resolutividade dos serviços de saúde, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Com base nas discussões iniciadas a partir de 2016, envolvendo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), observa-se um esforço comum para ampliar o diálogo entre profissionais de serviços, instituições formadoras e demais entidades de classe sobre a necessidade e viabilidade do enfermeiro de práticas avançadas no Brasil, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS). Este artigo tem o objetivo de refletir sobre o papel e as iniciativas da ABEn e do Cofen no desenvolvimento, reconhecimento e regulamentação necessários à implantação da Enfermagem de Prática Avançada no Brasil.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de um ensaio teórico-reflexivo que apresenta os aspectos conceituais da EPA e as iniciativas da ABEn que buscaram problematizar a questão e discutir a possibilidade de acomodar a EPA dentro da estrutura dos atuais cursos de Residência e Mestrado Profissional, de modo a promover a equiparação com modelos e exigências de formação em EPA, assim como as iniciativas do Conselho Federal de Enfermagem, no sentido de construir o arcabouço político-institucional para sua implantação no país.

Tais aspectos foram apresentados na mesa-redonda intitulada Regulamentação e reconhecimento das práticas avançadas em enfermagem no Brasil: como estamos e o que falta?, realizada no dia 27 de maio de 2021, no III Simpósio Internacional de Saúde do Adulto, que contou com a participação de profissionais envolvidos com a temática, de representantes das entidades de representação da Enfermagem; como ABEn, Cofen e sociedade de especialidade; bem como de representantes da academia e da assistência, que debateram sobre o assunto da implementação de EPA no país.

As reflexões provenientes dessa mesa-redonda, a partir da perspectiva da ABEn e do Cofen, são apresentadas a seguir, de modo a contribuir para a construção de bases para implantação da EPA no Brasil.

O Papel da Aben na Discussão e Construção Das Bases Para a Epa no Brasil

Falar sobre o papel da ABEn na regulamentação da EPA exige retomar indicativos do ICN e da OPAS e apresentar uma breve história do início das discussões no Brasil.

O ICN(1212. International Council of Nurses. ICN framework of competencies for the nurse specialist [Internet]. Geneva: ICN; 2013 [cited 2021 Sept 19]. Available from: https://siga-fsia.ch/files/user_upload/08_ICN_Framework_for_the_nurse_specialist.pdf
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) usa o termo Advanced Practice Nursing (APN), traduzido para o português e espanhol como EPA, e indica que o mestrado é recomendado para o nível de entrada nesta prática. Nessa publicação de 2009, o ICN apresenta as características necessárias em relação à formação, às competências técnico-científicas e à regulamentação da prática profissional, são elas: preparação educacional em nível avançado; reconhecimento formal de programas educacionais que preparam enfermeiros para serem credenciados ou aprovados em funções de prática de enfermagem avançada; sistema formal de licenciamento, registro, certificação e credenciamento; natureza da prática; integração de pesquisa, educação, prática e gestão; alto grau de autonomia profissional e prática independente; gerenciamento de caso; habilidades avançadas de avaliação de saúde, tomada de decisão e raciocínio diagnóstico; competências clínicas avançadas reconhecidas; prestação de serviços de consultoria para provedores de saúde; planejamento, implementação e avaliação de programas.

Menciona ainda que são necessários mecanismos regulatórios e que os regulamentos específicos do país sustentam a prática de Nurse Practitioner/APN, são esses: direito de diagnosticar; autoridade para prescrever medicamentos e tratamento, encaminhar pacientes para outros profissionais e admitir pacientes no hospital; legislação para conferir e proteger o título “enfermeiro/enfermeiro de prática avançada”; legislação ou alguma outra forma de mecanismo regulatório específico para enfermeiros de prática avançada; títulos oficialmente reconhecidos para enfermeiras que se preparam para trabalhar em funções de prática avançada(1212. International Council of Nurses. ICN framework of competencies for the nurse specialist [Internet]. Geneva: ICN; 2013 [cited 2021 Sept 19]. Available from: https://siga-fsia.ch/files/user_upload/08_ICN_Framework_for_the_nurse_specialist.pdf
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).

A OPAS, por sua vez, reconhece a EPA como estratégia eficaz para ampliação do acesso e cobertura à saúde em países da América Latina e Caribe, tendo aprovado, em setembro de 2013, a Resolução CD52.R13, na qual orienta os países a priorizarem políticas públicas na APS, a qualificarem sua força de trabalho e aumentarem o número de enfermeiros de prática avançada para apoiar os sistemas baseados na Atenção Primária à Saúde(1313. Pan American Health Organization. Resolution CD52.R13 Human Resources for Health: increasing access to qualified health workers in primary health care-based health system [Internet]. Washington: PAHO; 2013 [cited 2021 Sept 19]. Available from: http://www.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=25587&Itemi
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,1414. Cassiani SHDB, Rosales LK. Iniciativas para a implementação da prática avançada em enfermagem na região das Américas. Escola Anna Nery. 2016;20(4):e20160081. DOI: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160081
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).

Esses são indicativos importantes em torno dos quais a EPA vem sendo discutida e regulamentada em todo o mundo(1515. Olímpio JA, Araújo JNM, Pitombeira DO, Enders BC, Sonenberg A, Vitor AF. Advanced practice nursing: a concept analysis. Acta Paulista de Enfermagem. 2018;31(6):674-80. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800092
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) e que, especificamente no Brasil, está em discussão e vem sendo abordada por entidades de representação como a ABEn e o Cofen.

A ABEn vem construindo as bases científicas, políticas e sociais da Enfermagem brasileira, defendendo o ensino de qualidade, o desenvolvimento do conhecimento em Enfermagem, a pesquisa e a prática profissional voltada às necessidades em saúde da população e fundamentada em evidências científicas. Essa discussão tem contribuição inegável na defesa e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS).

É desse lugar que nos colocamos, evidenciando o importante papel da ABEn nessa discussão e construção coletiva da EPA no país. Nessa direção, apresentamos a seguir iniciativas das presidentes em duas gestões.

A partir de 2015, houve importantes iniciativas de discussão coletiva da EPA na América Latina, com participação ativa da ABEn, à época sob presidência da Profa. Dra. Angela Maria Alvarez (2013–2016), juntamente com outros representantes de organizações de enfermagem da América Latina em oficinas e reuniões nos Estados Unidos e Canadá, em que os temas acesso universal, cobertura universal em saúde e EPA foram amplamente debatidos.

Destaca-se ainda participação da ABEn na XII Conferência de Educação em Enfermagem, promovida pela Asociación Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Enfermería (ALADEFE), em 2015, com o tema “Práticas Avançadas na Enfermagem na Região Íbero-América”, bem como na constituição e coordenação de um grupo de trabalho em parceria com a Área de Enfermagem da CAPES, com o intuito de propor diretrizes para a EPA na atenção primária à saúde (APS) no Brasil, contando com representação de docentes das mais conceituadas Universidades Públicas de Enfermagem do país.

O grupo produziu sua reflexão a partir da consideração de que a EPA poderia contribuir para a APS, com vistas a atender à cobertura universal, entendendo que o SUS já possui as prerrogativas de acesso universal e que, no Brasil, a Enfermagem de Práticas Avançadas é complementar a outras medidas de enfrentamento da escassez de profissionais de saúde, em particular dos médicos.

Em outubro de 2015, a OPAS promoveu o Seminário intitulado “Políticas de formação em enfermagem para práticas avançadas no SUS”, voltado a coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação em Enfermagem, com os objetivos de discutir políticas de formação de recursos humanos para enfermagem de práticas avançadas em Atenção Básica (AB) e vislumbrar possibilidades de formação em enfermagem no nível de pós- graduação para atender a demandas de práticas avançadas em AB.

A perspectiva discutida levava em consideração que a proposta de ampliação do escopo da enfermagem não representa ocupação de espaços e postos de trabalho que não interessam aos médicos, mas sim contribuição para assegurar acesso e qualidade da AB. A enfermeira desenvolveria prática avançada em articulação interprofissional, com reconhecimento da complementaridade e das interfaces das profissões, ou seja, com destaque e ênfase na prática clínica, mas numa perspectiva interprofissional, articulada e colaborativa entre equipes das unidades de saúde e entre os serviços da rede de atenção à saúde.

Em novembro de 2015, a reunião sobre a EPA realizada na sede da OPAS em Washington-Estados Unidos (EUA) contou com participação da ABEn e do Cofen, e teve como objetivos repensar o termo enfermagem de prática avançada; refletir sobre a proposta de EPA no contexto brasileiro e integrada ao SUS; e analisar as contribuições da enfermagem na atenção primária do âmbito de políticas públicas mais amplas. As entidades, por sua vez, se comprometeram a estruturar um plano de trabalho em cooperação com a OPAS para conceber uma diretriz preliminar a ser apresentada e discutida com o Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC).

Este documento, intitulado “A formação em enfermagem de prática avançada na atenção primária em saúde: proposta para o Brasil”, foi entregue ao Ministério da Saúde em dezembro de 2015, sendo produzido pela ABEn, Cofen, Coordenação da Área de Enfermagem da CAPES, Coordenação Geral das Residências em Saúde do MEC e técnicos da OPAS. O documento propunha a ampliação do escopo da prática de Enfermagem, voltada à APS e ao fortalecimento do SUS, sendo abordados: conceito e escopo da EPA; contexto de saúde no Brasil que justifica a relevância da EPA na APS; contexto da força de trabalho da enfermagem brasileira e necessidade de qualificação; perfil e competências do enfermeiro em práticas avançadas; desenvolvimento da proposta de formação de enfermeiros em práticas avançadas; e regulação do exercício profissional em EPA no Brasil.

No ano de 2016, o tema continuou sendo amplamente discutido em reunião da ABEn com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS) do MEC; no Congresso da Rede Unida, em uma oficina intitulada “Práticas de Enfermagem na Atenção Básica”, que contou com a participação da OPAS, ABEn e SGTES; em Reunião da Cúpula de Enfermeiros de Prática Avançada nos EUA, que discutiu o desenvolvimento de competências de EPA na América Latina para contribuir para a saúde universal(1414. Cassiani SHDB, Rosales LK. Iniciativas para a implementação da prática avançada em enfermagem na região das Américas. Escola Anna Nery. 2016;20(4):e20160081. DOI: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160081
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); como também no 67º Congresso Brasileiro de Enfermagem, com palestra ministrada pela presidente da ABEn sobre as perspectivas da EPA junto aos Programas de Mestrado Profissionais.

Além disso, ainda em março de 2016, foi organizada oficina pela OPAS com os objetivos de discutir a ampliação do escopo das práticas avançadas em enfermagem, resolutividade e qualificação do cuidado com ênfase na AB; mobilizar atores para a reflexão da formação e prática de enfermagem; debater perspectivas para a formação e prática de enfermagem com foco no acesso e resolutividade da Atenção Básica e linhas de cuidado prioritárias; e sistematizar contribuições para qualificar as ações de formação e prática de enfermagem, a serem aprofundadas por grupo de trabalho interinstitucional da formação em Enfermagem.

As discussões no grupo de trabalho citado avançaram; no sentido de considerar que a formação do enfermeiro de prática avançada deve aprofundar não apenas a prática clínica ampliada, mas também habilidades de liderança, autonomia, investigação, tomada de decisão pautada em evidências; de modo a imprimir mudanças na prática e ampliar espaços de poder. No entanto, o modelo de formação em saúde e, especialmente em enfermagem, não contempla o modelo de formação da EPA de países como Canadá, EUA e Inglaterra. Muitas discussões seguiram na tentativa de apresentar uma proposta híbrida que associasse a residência com o mestrado profissional, considerando a alta carga horária em prática clínica da formação na pós-graduação em Residências em Enfermagem e a formação em nível de mestrado, instrumentalizando para a pesquisa, liderança e gestão(1616. Scochi CGS, Gelbcke FL, Ferreira MA, Alvarez AM. Professional master’s degree: potential contribution to advanced practice nursing. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):874-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680626i
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), o que precisa ser mais debatido.

O tema volta a ser discutido pela ABEn, em 2021, sob presidência da Profa. Dra. Sonia Acioli de Oliveira (Gestão 2020–2022), sendo realizado Workshop Internacional de Enfermagem em Práticas Avançadas, em abril de 2021. Os palestrantes apresentam um panorama da EPA no mundo e no Brasil, além de reflexões que precisam ser consideradas no debate da enfermagem de práticas avançadas no Brasil, são estas: 1) definir o escopo da prática, o papel a desempenhar na equipe de saúde, cenários em que atuará, se seria uma alternativa para atuar em lugares remotos e como seria fixado nesses locais; 2) definir o perfil profissional do enfermeiro de prática avançada, que deve ter alto grau de autonomia e prática profissional independente; ser capaz de fazer o gerenciamento de casos, com habilidade para tomada de decisão com base em raciocínio clínico e integrar ações de pesquisa, gestão e educação, além de prestar auditoria; 3) que a atuação deve ser pautada nas necessidades em saúde e perfis epidemiológicos da população e no reconhecimento do papel do SUS; 4) que o enfermeiro de prática avançada precisa de formação sólida e, para isso, é preciso definir qual formação é necessária e como essa se daria. Além do investimento necessário na formação dos docentes que irão formar enfermeiros de prática avançada; 5) definir competências que o enfermeiro de prática avançada deverá desenvolver; e 6) definir como se dará a regulação, plano de carreira e piso salarial deste profissional.

Nesse evento, a vice-presidente da Rede EPA Latina mencionou que, para a EPA ser reconhecida, é preciso regulamentação específica, porém não é necessário mudar a Lei brasileira do Exercício Profissional (Lei 7498/86). Além disso, a Política Nacional da Atenção Básica brasileira(1717. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a política nacional de atenção básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília; 2017 [cited 2021 Dec 20]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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) apresenta atribuições específicas do enfermeiro, como a realização de consulta de enfermagem, de procedimentos e estratificação de risco; elaboração do plano de cuidados para pessoas que possuem condições crônicas no território; solicitação de exames complementares; prescrição de medicamentos conforme protocolos; e encaminhamento, quando necessário, de usuários a outros serviços etc.

Outra importante iniciativa da ABEn foi lançar um número temático da REBEn, em 2021, intitulado “Práticas Avançadas em Enfermagem”, a ser publicado em 2022, para oportunizar aos pesquisadores a divulgação do conhecimento que abordasse a inovação e o avanço para a área, com destaque para as produções no ensino, na assistência e na gestão, tanto no ambiente hospitalar quanto na comunidade.

A Red EPA Latina, constituída em 2020, vem buscando aprofundar a discussão na América Latina e no Brasil com vistas à regulamentação e está desenvolvendo estudo multicêntrico em 14 países. No Brasil, o estudo tem o objetivo de analisar as competências da função de enfermagem de prática avançada desenvolvidas atualmente por profissionais de enfermagem, em diferentes contextos de atenção à saúde. Esse estudo conta com a participação da ABEn e apoio do Cofen para seu desenvolvimento em todo território nacional e será importante para fazer diagnóstico da EPA no Brasil e na América Latina.

O descritivo de ações da ABEn aqui relatadas, sobre a EPA no Brasil, mostra que esta tem papel de destaque em tudo que diz respeito à formação, pesquisa e à prática profissional em enfermagem. No entanto, é importante considerar que a ABEn não tem papel na regulamentação, pois não é função que lhe cabe como associação regulamentar. Mesmo assim, está participando desse movimento, construindo junto e colaborando para o debate nas suas várias instâncias.

Papel do Cofen na Regulamentação Das Práticas Avançadas em Enfermagem

O Cofen e os seus respectivos Conselhos Regionais (CORENs) foram criados em 12 de julho de 1973, por meio da Lei 5.905. Juntos, formam o Sistema Cofen/Conselhos Regionais e são responsáveis por normatizar e fiscalizar o exercício da profissão de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, zelando pela qualidade dos serviços prestados e pelo cumprimento da Lei do Exercício Profissional da Enfermagem em todo país, na defesa da autonomia, crescimento científico e exercício profissional de qualidade.

O Cofen vem, desde 2016, discutindo a EPA, tendo criado a Comissão de Práticas Avançadas de Enfermagem a partir do esforço conjunto de elaborar, em 2015, com representantes de área da CAPES, ABEn e MEC, documento sobre a viabilidade de organizar no país uma proposta política de formação e fixação de enfermeiros de prática avançada, incorporando novas competências profissionais, ampliando sua autonomia de cuidados de saúde e de enfermagem.

Desde sua criação, a referida comissão tem produzido estudos que visam a proposição de ações sobre regulamentação, regulação e formação de enfermeiros de prática avançada, uma vez que o Cofen tem responsabilidades legais relacionadas ao exercício qualificado de profissionais de Enfermagem em todo território nacional. Uma ação de destaque na atuação da Comissão foi a proposição de uma pesquisa nacional intitulada Práticas de Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde, para conhecer a realidade de atuação dos enfermeiros no primeiro nível de atenção à saúde, como vem desenvolvendo suas práticas no país, que novas competências foram assumidas e reconhecidas como inovadoras e quais as dificuldades neste exercício. A pesquisa coordenada pelo Núcleo de Estudos de Saúde Pública da Universidade de Brasília obteve adesão de todos os conselhos regionais dos estados brasileiros e universidades parceiras que a executaram localmente. Seus resultados encontram-se em fase final de análise para posterior divulgação nacional.

Outro destaque no protagonismo do Cofen, em relação à difusão do conhecimento sobre a EPA, foi a participação da Comissão de Práticas Avançadas, pautando a temática de sua criação, em eventos estratégicos, como o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado em 2018 no Rio de Janeiro, e a 16ª Conferência Nacional de Saúde, em 2019.

A Comissão de Práticas Avançadas do Cofen, que reúne especialistas da área de Atenção Básica, Saúde da Mulher, Gestores Municipais de Saúde, Docentes e Enfermeiros de Serviço, vem respondendo positivamente às demandas apresentadas por instituições públicas e privadas nacionais e internacionais para que a autarquia apresente as possibilidades de implementação de enfermeiros que atuem com avançado nível de prática no Brasil, de forma coerente com as necessidades da população. Além disso, participa de discussões em espaços políticos e universitários, socializando a temática entre docentes, técnicos de educação e estudantes, considerando a importância de se levar informação qualificada para dirimir dúvidas sobre quem é e o que faz o enfermeiro de práticas avançadas.

DISCUSSÃO

A força de trabalho em Enfermagem no Brasil totaliza 2.756.699 profissionais, sendo 438.407 auxiliares de enfermagem, 1.688.798 técnicos de enfermagem, 629.160 enfermeiros e 334 obstetrizes(1818. Conselho Federal de Enfermagem. Enfermagem em números [Internet]. Brasília; 2021 [cited 2021 Sept 11]. Available from: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros
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). Este contingente profissional está desigualmente distribuído em regiões do país, em termos de ocupação de postos de trabalho e em relação aos estabelecimentos que conferem a formação em Enfermagem. O Cofen vem trabalhando articuladamente com a CAPES no sentido de qualificar profissionais em áreas estratégicas, como a de Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), visando seu fortalecimento e valorização de sua atuação e do processo de enfermagem, nos espaços assistenciais.

A ABEn, por sua vez, por meio da Comissão Permanente de Sistematização da Prática de Enfermagem (COMSISTE), vem investindo na formação permanente dos enfermeiros para implementação da SAE e executando ações voltadas à implantação efetiva do processo de enfermagem nas áreas/campos de prática profissional e à utilização de linguagem padronizada nos sistemas de documentação e informação de dados de enfermagem(1919. Associação Brasileira de Enfermagem. Regimento interno [Internet]. Brasília; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: https://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2019/01/regimento_COMSISTE.pdf
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). Essas iniciativas do Cofen e da ABEn conferem condições mais propícias para o desenvolvimento da EPA no Brasil.

Os grandes vazios sanitários, que persistem em regiões remotas e no interior no país, imprimem variadas perspectivas para atuação e autonomia de ações de enfermeiros. Tal aspecto tem levado a Comissão de Práticas Avançadas de Enfermagem do Cofen a identificar as regiões brasileiras que apresentam maiores necessidades de contar com os enfermeiros de prática avançada, formados adequadamente para este exercício profissional e com atuação diferenciada, principalmente quanto à ampliação do acesso aos serviços para populações vulneráveis e da cobertura das ações de saúde, considerando que são os profissionais que atuam no contato inicial e principal em unidades de primeiro nível de atenção à saúde.

Outro aspecto importante nas ações do Cofen, em prol da implementação das Práticas Avançadas de Enfermagem no Brasil, são as negociações políticas que vêm sendo construídas paulatinamente com atores estratégicos, como a OPAS, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e Instituições de Ensino Superior (IES) no alinhamento das discussões sobre o reconhecimento e diretrizes para introdução de papeis ampliados para os enfermeiros brasileiros. Esses, devem ter sólida formação clínica em universidades parceiras e unidades de saúde das secretarias municipais como exigências para sua certificação como enfermeiros de prática avançada. Mais recentemente, em 2020, o Cofen filiou-se à Red de Enfermería Práctica Avanzada de LatinoAmerica y el Caribe, como parceiro estratégico no país, representando a categoria da enfermagem brasileira(2020. Quiroz PAE, Toso BRGO. Advanced practice nursing in Latin America and the Caribbean: seeking its implementation. Rev Bras Enferm. 2021;74 Suppl 6:e74suppl601. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167.202174suppl601
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).

Uma importante ação cooperativa foi o estágio de 40 horas em Andaluzia, na Espanha, para os profissionais da Comissão de Práticas Avançadas do Cofen, Ministério da Saúde e ABEn, promovido pela OPAS em cooperação com a Escola de Saúde Pública de Andaluzia, em 2018. Houve troca de experiências e conhecimento de como é a atuação de enfermeiros de prática avançada no Sistema de Saúde Espanhol, da Atenção Primária à Atenção Especializada, incluindo as ações de enfermeiros gestores de caso e enfermeiros de ligação. Esta parceria vem contribuindo com interlocuções positivas entre as instituições, com a participação de docentes da Escuela Andaluza de Salud Pública nos Congressos Brasileiros dos Conselhos de Enfermagem e com enfermeiros de prática avançada da Holanda, Canadá, EUA, França e Portugal, trazendo muitas contribuições neste momento, a despeito da pandemia de COVID-19, em seminários internacionais promovidos pelo grupo de trabalho da Comissão de Práticas Avançadas do Cofen, a OPAS e o Centro Colaborador de Recursos Humanos da OPAS, sediado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP.

Outro resultado em direção à ampliação da autonomia dos enfermeiros de APS no Brasil foi a elaboração e divulgação de Diretrizes para Elaboração de Protocolos de Enfermagem na Atenção Primária, com incentivo e apoio de especialistas à organização dos protocolos nos estados pelos Conselhos Regionais, com participação de profissionais das secretarias estaduais e municipais de saúde, representantes de IES e especialistas de diferentes áreas. Além disso, o Cofen vem oferecendo aos enfermeiros da APS guidelines para fortalecer o seu processo de trabalho e autonomia. A Comissão de Práticas Avançadas ofereceu, nos anos de 2018 e 2019, duas capacitações sobre elaboração de protocolos de enfermagem na APS aos países do Mercosul com bons resultados de cooperação internacional.

Essa iniciativa já está na terceira edição do modelo, que vem trazendo boas perspectivas para dar agilidade a fluxos de atendimento, padronização de condutas assistenciais e agilidade na tomada de decisão, garantindo melhores condições de desenvolvimento dos processos de trabalho de enfermeiros na APS.

O Workshop Internacional promovido pela ABEn, em 2021, contribuiu para fortalecer esse debate, ao apresentar o panorama da EPA no mundo e no Brasil, experiências, posições, limites, desafios, papeis e perfis desejados do enfermeiro de prática avançada, bem como indicativos de formação.

Nas reuniões da Red EPA Latina(2020. Quiroz PAE, Toso BRGO. Advanced practice nursing in Latin America and the Caribbean: seeking its implementation. Rev Bras Enferm. 2021;74 Suppl 6:e74suppl601. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167.202174suppl601
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), é unânime a posição dos membros participantes dos diferentes países de que há necessidade de um entendimento claro e aprofundado do papel e das competências desse profissional de enfermagem para avançar em sua implementação no contexto local, e que líderes de enfermagem devem “promover uma visão compartilhada de desenvolvimento profissional que promova a coesão e a colaboração entre os profissionais e que lhes permitam avançar de forma organizada, apoiando e negociando como uma só voz na busca para o mesmo objetivo”.

A discussão da EPA no Brasil e na América Latina deve ser mantida a partir de uma perspectiva crítica, conforme necessidade de cada região e da organização dos sistemas municipais de saúde, com discussões ampliadas sobre um modelo de educação adequado à ampliação do escopo de práticas clínicas e do trabalho em enfermagem. Muitas iniciativas estão em curso, com realização de encontros e oficinas que vêm sendo promovidos por diferentes instituições, com participação da ABEn, Cofen, CAPES, CNPq e demais interessados, como a Red EPA Latina, que têm mostrado a necessidade de ampliação do escopo da prática profissional e de formação correspondente a partir da realidade e do papel dos enfermeiros no sistema de saúde brasileiro.

Temos clareza do difícil contexto que o país vivencia, não somente pela pandemia de COVID-19, mas pela grave crise política, social e econômica em que políticas sociais historicamente conquistadas vêm sendo fortemente atacadas. No entanto, precisamos de aprofundamento do debate.

Evidência recente sugere que a compreensão da EPA, o escopo de atuação dos enfermeiros e como eles se inserem no sistema de saúde deve ser o primeiro passo de sua implementação no Brasil(44. Barrio-Libares M. Competencias y perfil profesional de la enfermera de práctica avanzada. Enferm Intensiva. 2014;25(2):52-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.enfi.2013.11.005
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), e que o desenvolvimento da EPA como apoio às iniciativas de “acesso universal à saúde e cobertura universal de saúde” precisa estar alicerçado em forte apoio legislativo, estrutura educacional sólida e formação contínua(2121. Zug KE, Cassiani SHB, Pulcini J, Bassalobre Garcia A, Aguirre-Boza F, Park J. Advanced practice nursing in Latin America and the Caribbean: regulation, education and practice. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2807. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1615.2807
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).

Nessa direção, as várias iniciativas aqui apresentadas evidenciam o protagonismo da ABEn e do Cofen como representantes da Enfermagem brasileira no aprofundamento do debate e de construção das bases políticas, teóricas e de formação necessária ao enfermeiro de práticas avançadas.

A produção feita no documento já citado, intitulado “A formação em enfermagem de prática avançada na atenção primária em saúde: proposta para o Brasil”, foi uma importante iniciativa das entidades de representação da Enfermagem brasileira. Nos propomos a continuar nessa construção coletiva, ajudando a produzir diretrizes curriculares para a formação e apoio do enfermeiro de práticas avançadas, além do acompanhamento da sua implementação e avaliação do impacto e processo.

CONCLUSÃO

Tendo em vista o protagonismo do Cofen ao trazer para a discussão nacional a relevância da Enfermagem e do enfermeiro de práticas avançadas, seu papel regulador e fiscalizador do exercício profissional, bem como o protagonismo da ABEn na articulação política e constituição de diretrizes para a formação em enfermagem no Brasil, fica evidente que as entidades de representação da Enfermagem brasileira têm desenvolvido importantes iniciativas voltadas à consolidação político-laboral e construção de bases para a constituição da EPA no país.

É preciso ampliar o debate sobre a EPA no Brasil, definir o modelo de formação dos especialistas em áreas específicas que venham ao encontro das necessidades do SUS e contribuam para o desenvolvimento da Enfermagem na ampliação do acesso e da cobertura em saúde para toda a população. A articulação de esforços com todos os parceiros estratégicos é fundamental, pois não basta titular um enfermeiro de práticas avançadas sem construir um arcabouço teórico, político e laboral para seu pleno exercício.

Ainda é necessário identificar potencialidades e possibilidades de atuação para enfermeiros que já acumulam experiência profissional e que querem se qualificar em funções que ampliarão seu escopo de prática, de gestão e de acompanhamento de casos; inovação de cuidados clínicos; liderança dos profissionais no trabalho interprofissional; investimentos e avaliação dos resultados de saúde produzidos; e mecanismos de regulação para o enfermeiro de práticas avançadas. Esta é uma construção conjunta de sentidos e significados de uma nova área de atuação para o enfermeiro, que se descortina no país.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Lilia de Souza Nogueira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2021
  • Aceito
    01 Abr 2022
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