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Continuidade do cuidado a pacientes recuperados da Covid-19 à luz dos princípios da gestão da clínica

RESUMO

Objetivo:

Analisar as estratégias utilizadas por enfermeiros de um hospital universitário para garantir continuidade do cuidado na alta hospitalar de pacientes recuperados da Covid-19, à luz dos princípios da gestão da clínica.

Método:

Estudo descritivo de abordagem qualitativa, realizado com sete enfermeiros plantonistas das clínicas médicas e ginecologia/obstetrícia de um hospital universitário da região centro-oeste do país. Os dados foram processados pelo software IRaMuTeQ e analisados pelo método de Análise de Conteúdo.

Resultados:

Os dados resultaram em cinco classes pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que compôs duas categorias: “Práticas desenvolvidas pelos enfermeiros para a continuidade do cuidado no ambiente hospitalar” e “Continuidade do cuidado durante a alta hospitalar para o domicílio”. As estratégias utilizadas pelos enfermeiros foram: cuidados diários sistematizados no processo de enfermagem e orientações tanto para o preparo quanto para o dia de alta.

Conclusão:

A ausência de protocolo institucional para alta segura, bem como o cargo de enfermeira coordenadora para gerenciar as altas dos pacientes com Covid-19 podem comprometer a continuidade do cuidado a esses pacientes.

DESCRITORES
Continuidade da Assistência ao Paciente; Alta do Paciente; Covid-19; Cuidados de Enfermagem; Assistência Centrada no Paciente

ABSTRACT

Objective:

To analyze the strategies used by nurses at a university hospital to ensure continuity of care at hospital discharge for patients recovered from Covid-19, under the angle of the principles of clinical management.

Method:

A descriptive study with a qualitative approach, carried out with seven nurses on duty in the medical and gynecology/obstetrics clinics of a university hospital in the Midwest region of the country. The data was processed using IRaMuTeQ software and analyzed using Content Analysis.

Results:

The data resulted in five classes by the Descending Hierarchical Classification (DHC), which made up two categories: “Practices developed by nurses for continuity of care in the hospital environment” and “Continuity of care during discharge to the home”. The strategies used by the nurses were: daily care systematized in the nursing process and guidance both for preparation and for the day of discharge.

Conclusion:

The absence of an institutional protocol for safe discharge, as well as the position of nurse coordinator to manage the discharge of patients with Covid-19, can compromise the continuity of care for these patients.

DESCRIPTORS
Continuity of Patient Care; Patient Discharge; Covid-19; Nursing Care; Patient-Centered Care

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las estrategias utilizadas por el personal de enfermería de un hospital universitario para asegurar la continuidad asistencial al alta hospitalaria de pacientes recuperadas de Covid-19, a la luz de los principios de gestión clínica.

Método:

Estudio descriptivo con abordaje cualitativo, realizado con siete enfermeras de guardia en las consultas de medicina y ginecología/obstetricia de un hospital universitario de la región centro-oeste del país. Los datos se procesaron con el programa IRaMuTeQ y se analizaron mediante Análisis de Contenido.

Resultados:

Los datos resultaron en cinco clases por la Clasificación Jerárquica Descendente (CJD), que constituyeron dos categorías: “Prácticas desarrolladas por las enfermeras para la continuidad de los cuidados en el ambiente hospitalario” y “Continuidad de los cuidados durante el alta al domicilio”. Las estrategias utilizadas por las enfermeras fueron: cuidados diarios sistematizados en el proceso de enfermería y orientación tanto para la preparación como para el día del alta.

Conclusión:

La ausencia de un protocolo institucional para el alta segura, así como del cargo de enfermera coordinadora para gestionar el alta de pacientes con covid-19, puede comprometer la continuidad de cuidados de estos pacientes.

DESCRIPTORES
Continuidad de la Atención al Paciente; Alta del Paciente; Covid-19; Atención de Enfermería; Atención Dirigida al Paciente

INTRODUÇÃO

Pensar na continuidade do cuidado é tarefa desafiadora quando o paciente muda de cenário de atenção à saúde, pois corre o risco de perder-se no arranjo assistencial por falta de conhecimento dos serviços de que precisa(11. Costa MFBNA, Perez EIB, Ciosak SI. Practices of hospital nurses for continuity of care in primary care: an exploratory study. Texto Contexto Enferm. 2021;30:20200401. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0401
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). Esse momento de transição do cuidado, compreendido como ações coordenadas e eficazes para assegurar a continuidade dos cuidados na transferência do paciente entre diferentes serviços de saúde na alta hospitalar(22. Weber LAF, Lima MADDS, Acosta AM, Marques GQ. Transição do cuidado do hospital para o domicílio: revisão integrativa. Cogitare Enfermagem. Curitiba. 2017;22(3):e47615. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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,33. Bernardino E, Sousa SMD, Nascimento JDD, Lacerda MR, Torres DG, Gonçalves LS. Cuidados de transição: análise do conceito na gestão da alta hospitalar. Esc Anna Nery. 2021;26:e20200435. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0435
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), é período de vulnerabilidade, sendo importante que os profissionais de saúde façam um planejamento da alta hospitalar, acompanhamento pós-alta e orientações para os cuidados no domicílio, a fim de melhorar a qualidade dos resultados assistenciais e influenciar a qualidade de vida dos pacientes, prevenindo reinternações e, consequentemente, a diminuição de custos hospitalares desnecessários(11. Costa MFBNA, Perez EIB, Ciosak SI. Practices of hospital nurses for continuity of care in primary care: an exploratory study. Texto Contexto Enferm. 2021;30:20200401. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0401
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33. Bernardino E, Sousa SMD, Nascimento JDD, Lacerda MR, Torres DG, Gonçalves LS. Cuidados de transição: análise do conceito na gestão da alta hospitalar. Esc Anna Nery. 2021;26:e20200435. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0435
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).

O papel do enfermeiro durante a alta hospitalar é fundamental para garantir sucesso no processo de transição para retorno ao domicílio, por meio de articulação e comunicação entre os serviços de saúde(2), com experiências bem-sucedidas no cenário internacional(11. Costa MFBNA, Perez EIB, Ciosak SI. Practices of hospital nurses for continuity of care in primary care: an exploratory study. Texto Contexto Enferm. 2021;30:20200401. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0401
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44. Costa MFBNAD, Andrade SRD, Soares CF, Pérez EIB, Tomás SC, Bernardino E. A continuidade do cuidado de enfermagem hospitalar para a Atenção Primaria à Saúde na Espanha. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03477.). Todavia, ainda alguns desafios são encontrados nos serviços de saúde brasileiros: a ausência de protocolo para planejamento da alta hospitalar(55. Nunes ECDA, Menezes Fo NA. Sistematização da alta de enfermagem: uma análise fundamentada em Roy. Cogitare Enfermagem. 2016;21(2):1–9. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v21i2.45875
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), falta de referência e contrarreferência aos serviços de saúde(66. Brondani JE, Leal FZ, Potter C, Silva RM, Noal HC, Silveira Perrando M. Desafios da referência e contrarreferência na atenção em saúde na perspectiva dos trabalhadores. Cogitare Enfermagem. 2016;21(1):1–8. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v21i1.43350
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) e prática profissional dos enfermeiros limitada a orientações que, por vezes, são feitas de forma rápida e dentro de um período curto de tempo, decorrentes da carga horária de trabalho com inúmeras atividades para serem cumpridas(77. Acosta AM, Câmara CE, Weber LAF, Fontenele RM. Atividades do enfermeiro na transição do cuidado: realidades e desafios. Revista de Enfermagem UFPE. 2018;12(12):3190. doi: http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a231432p3190-3197-2018
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).

Associado a isso, no início de 2020, as instituições de saúde de todo o país vivenciaram um grande desafio para a saúde pública, a pandemia causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-COv-2), responsável por uma infecção com sintomas que variavam de leves a graves, com alta taxa de mortalidade, taxa elevada de ocupação dos leitos, e aumento exponencial da demanda de recursos materiais e humanos para a assistência ao paciente acometido pela infecção(88. Ciotti M, Ciccozzi M, Terrinoni A, Jiang WC, Wang CB, Bernardini S. The Covid-19 pandemic. Crit Rev Clin Lab Sci. 2020;57(6):365–88. doi: http://dx.doi.org/10.1080/10408363.2020.1783198. PubMed PMID: 32645276.
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1010. Silva GA, Jardim BC, Santos CVB. Excesso de mortalidade no Brasil em tempos de Covid-19. Cien Saude Colet. 2020;25(9):3345–54. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020259.23642020
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).

Nesse cenário pandêmico, foram realizados investimentos nos serviços de saúde para aumentar o número de leitos(1111. Santos JLGD, Menegon FHA, Andrade GB, Freitas EO, Camponogara S, Balsanelli AP, et al. Changes implemented in the work environment of nurses in the Covid-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201381. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1381. PubMed PMID: 34852037.
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), aquisição de insumos, contratação de novos profissionais, elaboração de ações de capacitação para a equipe de saúde(1212. Santos JLGD, Lanzoni GMDM, Costa MFBNAD, Debetio JO, Sousa LPD, Santos LSD, et al. Coo os hospitais universitários estão enfrentando a pandemia de COVID-19 no Brasil? Acta Paul Enferm. 2020;33:e20200175. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO01755
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), bem como reorganização dos processos de cuidado(1313. Medeiros EAS. Challenges in the fight against the Covid-19 pandemic in University hospitals. Rev Paul Pediatr. 2020;38:e2020086. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1984-0462/2020/38/2020086. PubMed PMID: 32320999.
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). Devido à gravidade da doença e o risco dos pacientes apresentarem sequelas, tornou-se mais necessário o acompanhamento sistematizado e multidisciplinar após a alta hospitalar, de modo a garantir melhor recuperação da saúde(1414. Graça NP, Viscont NRGR, Santos MIV, Capone D, Cardoso AP, Mello FCQ. COVID-19: seguimento após a alta hospitalar. Pulmão RJ. 2020;29(1):32–6.).

Estratégias como alta segura, gerenciamento de leitos, gestão da clínica, discussão de casos entre equipe multidisciplinar, educação permanente em saúde e enfermeira responsável pela coordenação de altas são algumas das estratégias apontadas na literatura para assegurar a continuidade do cuidado dentro e fora do ambiente hospitalar(1515. Belga SMMF, Jorge AO, Silva KL. Continuidade do cuidado a partir do hospital: interdisciplinaridade e dispositivos para integralidade na rede de atenção à saúde. Saúde Debate. 2022;46(133):551–70. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104202213321
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). Nesse ínterim, este estudo articula-se com a abordagem teórica de Gestão da Clínica(1616. Mendes EV. As Redes de Atenção. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011 [citado em 2023 Abr 26]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/redes_de_atencao_saude.pdf
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), que consiste em um conjunto de tecnologias de microgestão fundamentada em evidências científicas, destinadas a assegurar uma atenção à saúde de qualidade, segura, compartilhada, centrada na pessoa e orientada por melhores padrões de desempenho, a qual estrutura-se em princípios que articulam-se entre si nas dimensões gestão, assistência e educação(1717. Padilha RQ, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LMC, et al. Princípios para a gestão da clínica: conectando gestão, atenção à saúde e educação na saúde. Cien Saude Colet. 2018;23(12):4249–57. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182312.32262016. PubMed PMID: 30540008.
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). Assim, trata-se de um modelo de atenção com potencial estratégico para transversalizar os diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS), de modo a prover a prestação do cuidado integral, efetivo e contínuo.

Houve ampla divulgação sobre a doença nos meios científicos, porém, pouco se sabe sobre como os pacientes recuperados da Covid-19 foram acompanhados após a alta hospitalar. Em atenção ao ineditismo da doença, é preciso um acompanhamento desses pacientes para compreender como foi restabelecida a saúde e qualidade de vida. O enfermeiro é apontado como o profissional mais capacitado para assegurar a continuidade do cuidado(55. Nunes ECDA, Menezes Fo NA. Sistematização da alta de enfermagem: uma análise fundamentada em Roy. Cogitare Enfermagem. 2016;21(2):1–9. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v21i2.45875
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), portanto, a indagação deste estudo permeia a investigação de quais estratégias o enfermeiro utiliza para assegurar a continuidade do cuidado ao paciente com Covid-19 na alta hospitalar para o domicílio.

O presente estudo integra o projeto multicêntrico nacional intitulado “Avaliação do cuidado de Enfermagem a pacientes com Covid-19 em hospitais universitários brasileiros”. Ante o exposto, o objetivo é analisar as estratégias utilizadas por enfermeiros de um hospital universitário para garantir continuidade do cuidado na alta hospitalar de pacientes recuperados da Covid-19, à luz dos princípios da gestão da clínica.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de estudo descritivo-exploratório de natureza qualitativa, estruturado com base no Guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(1818. Souza VRDS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:e02631. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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).

População, Local e Critérios de Seleção

Os participantes foram enfermeiros plantonistas das unidades de internação clínica, a saber: médica, ginecológica e obstétrica. Dos oito enfermeiros que compunham a equipe das clínicas, sete atenderam ao convite de participação, sendo quatro lotados na clínica médica e três na ginecologia e obstetrícia. A inclusão dos enfermeiros foi pautada nos seguintes critérios: ter experiência no atendimento a pacientes com Covid-19, trabalhar no plantão diurno, pois é o período que melhor prepara e acompanha as altas hospitalares. Foram excluídos profissionais em gozo de férias ou de afastamento de qualquer natureza durante o período de produção dos dados.

O cenário do estudo foi um hospital universitário da região centro-oeste do Brasil, considerado referência no atendimento a pacientes acometidos pela Covid-19, sob responsabilidade gerencial da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). As unidades de internação selecionadas justificam-se por terem sido referência no estado para o atendimento de pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado da Covid-19, bem como receberem aqueles pacientes recuperados do estado grave da doença oriundos da unidade de terapia intensiva (UTI).

Coleta de Dados

Os dados foram coletados no período de novembro de 2021 a fevereiro 2022, de forma presencial, no ambiente de trabalho dos profissionais, por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado composto por questões de caracterização profissional e questões relacionadas aos cuidados prestados pelo enfermeiro ao paciente com Covid-19, durante admissão hospitalar, internação, preparação para a alta, quanto às orientações fornecidas ao paciente, família ou cuidadores; contato com a Atenção Primária à Saúde, além de perguntas complementares se havia plano de alta na instituição. As entrevistas foram gravadas em mídia digital de áudio, realizadas por duas pesquisadoras treinadas, com duração média de 30 minutos. O material empírico obtido a partir das entrevistas foi transcrito na íntegra no software WORD, organizado em arquivos individuais e devolvidos aos participantes para aprovação do conteúdo transcrito.

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados foram organizados e gerenciados pelo software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), sendo adotado o método de Reinet que auxiliou na construção das classes, com aproveitamento do corpus textual de 85,9%, no tempo de um minuto e 12 segundos. Para análise de dados, utilizou-se a análise de conteúdo temática proposta por Bardin(1919. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016 [citado em 2023 Abr 26]. Disponível em: https://madmunifacs.files.wordpress.com/2016/08/anc3a1lise-de-contec3bado-laurence-bardin.pdf
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), que percorre três fases: (1) pré-análise; (2) exploração do material e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Aspectos Éticos

Este estudo é um recorte do projeto multicêntrico que objetivou avaliar o cuidado de enfermagem destinado a pacientes com Covid-19 em hospitais universitários em todas as regiões do País, aprovado em chamada pública (nº 005/2020 – nº07/2020) para pesquisas para enfrentamento da Covid-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves (Processo nº: 402392/2020-5). Toda a pesquisa respeitou as recomendações da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que aprova diretrizes e normas reguladoras de pesquisa envolvendo seres humanos. O projeto matricial foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Santa Catarina sob protocolo nº 4023392/2020-5, além desta, houve aprovação pelo CEP local em dezembro de 2020, sob o parecer nº 4.466.821, sendo enviado anteriormente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE para leitura prévia pelos participantes, informados acerca dos objetivos, riscos e benefícios de sua participação, para concordância em participar de forma voluntária das entrevistas e gravação das mesmas. O sigilo e anonimato dos participantes foi garantido através do código composto pela letra E, seguida por um número ordinal (Exemplo: E1).

RESULTADOS

A idade dos entrevistados foi entre 27,8 anos a 39,1 anos. Em relação ao gênero, apenas um era do sexo masculino, o tempo de atuação na unidade hospitalar foi de quatro meses a sete anos, todos os profissionais fazem parte do quadro efetivo de contratação por concurso público, com experiência de tempo de trabalho com Covid-19 desde março de 2020. Quanto ao nível de formação, a maior titulação foi mestrado de dois entrevistados, os demais eram especialistas e graduados.

O processamento do corpus textual gerou cinco classes conforme o dendrograma (Figura 1). Optou-se pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD) que forneceu duas subdivisões a partir dos segmentos: na parte superior do dendrograma está apresentada as classes 2 (ST = 24%) e 4 (ST = 16%), enquanto as classes 1 (ST = 21,6%) e 3 (ST = 12,8%) apresentam vocabulários convergentes, as quais estão relacionadas a classe 5 (ST = 25,6%), na segunda divisão.

Figura 1
Dendrograma do corpus textual das entrevistas.

Da análise, emergiram duas categorias, a primeira foi “Práticas desenvolvidas pelos enfermeiros para a continuidade do cuidado no ambiente hospitalar”, na qual foram desvelados os cuidados técnicos realizados pelo profissional, a sistematização deste cuidado por meio do processo de enfermagem, bem como, a comunicação do profissional com a equipe de enfermagem e outras categorias profissionais (Quadro 1).

Quadro 1
Categorias e subcategorias geradas a partir das falas dos entrevistados – Região Centro-Oeste, Brasil, 2022.

A segunda categoria foi “Continuidade do cuidado durante a alta hospitalar para o domicílio”, na qual as falas dos profissionais teceram aspectos de preparo para a alta baseado resumidamente em orientações, com tempo de preparo de forma diferente entre os casos, pois em algumas situações os enfermeiros tomam ciência da alta com antecedência por meio da equipe médica. Por outro lado, há casos em que a equipe de enfermagem é comunicada depois do paciente, desafiando os enfermeiros a orientar o paciente em tempo insuficiente, antes da sua saída.

No dia da alta, propriamente dito, o papel destacado pelos entrevistados foi baseado em orientações ao paciente e família, a depender do quadro clínico no momento da saída do hospital, pois houve casos de pacientes que foram embora para casa com sequelas da Covid-19, necessitando de cuidados mais complexos e apoio da atenção domiciliar. Para os pacientes sem sequelas, as orientações resumiram-se nas medidas de precaução para reinfecção ou ainda de transmissão para os familiares. Há de se destacar o trabalho da equipe multidisciplinar nesse processo, sendo comentada a importância do trabalho em conjunto com os demais profissionais para um preparo bem-sucedido. Ademais, ficou eloquente a inexistência de protocolo institucional para a alta hospitalar.

DISCUSSÃO

As estratégias utilizadas pelos enfermeiros para a continuidade do cuidado ao paciente recuperado da Covid-19 durante a alta hospitalar para o domicílio foram: a sistematização dos cuidados de enfermagem por meio do processo de enfermagem; orientações sobre os cuidados aos pacientes e familiares durante alta hospitalar, bem como a atenção domiciliar após a saída do ambiente hospitalar. A falta de protocolo para a alta hospitalar foi destacada como um desafio para promover o cuidado contínuo. Os princípios do modelo de gestão da clínica(1717. Padilha RQ, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LMC, et al. Princípios para a gestão da clínica: conectando gestão, atenção à saúde e educação na saúde. Cien Saude Colet. 2018;23(12):4249–57. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182312.32262016. PubMed PMID: 30540008.
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), apresentam elementos importantes para promover a continuidade do cuidado configurados na tríade gestão, educação e assistência, em busca de uma atenção em saúde integral, segura, de qualidade e direcionada à atender as necessidades do usuário.

Neste estudo, as altas no contexto analisado são geridas pelo enfermeiro assistencial, que por vezes, precisa realizar as orientações de alta em meio aos afazeres corriqueiros do plantão. O planejamento da alta hospitalar, é um processo de caráter educativo e preventivo que deve começar até 24 horas após a admissão do paciente(55. Nunes ECDA, Menezes Fo NA. Sistematização da alta de enfermagem: uma análise fundamentada em Roy. Cogitare Enfermagem. 2016;21(2):1–9. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v21i2.45875
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) sendo imprescindível a participação do enfermeiro para assegurar a continuidade do cuidado(11. Costa MFBNA, Perez EIB, Ciosak SI. Practices of hospital nurses for continuity of care in primary care: an exploratory study. Texto Contexto Enferm. 2021;30:20200401. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0401
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).

Os enfermeiros do estudo demonstram compreender a importância das orientações realizadas diariamente, como forma de preparar o paciente para a alta, todavia, como em outras realidades brasileiras(77. Acosta AM, Câmara CE, Weber LAF, Fontenele RM. Atividades do enfermeiro na transição do cuidado: realidades e desafios. Revista de Enfermagem UFPE. 2018;12(12):3190. doi: http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a231432p3190-3197-2018
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), não é uma prática realizar o planejamento da alta hospitalar, associando isso a ineficiência na comunicação da equipe médica, ausência de protocolos institucionais, bem como as inúmeras incumbências assistenciais do plantão como fatores que fragilizam o acompanhamento desse paciente até a alta hospitalar.

Ter um profissional enfermeiro responsável pela gestão de altas hospitalares, denominados enfermeiros de ligação, é uma estratégia eficiente para diminuir os problemas decorrentes da falta de comunicação entre os pontos de serviços de atenção à saúde e promover a continuidade do cuidado(33. Bernardino E, Sousa SMD, Nascimento JDD, Lacerda MR, Torres DG, Gonçalves LS. Cuidados de transição: análise do conceito na gestão da alta hospitalar. Esc Anna Nery. 2021;26:e20200435. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0435
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,2020. Ribas EDN, Bernardino E, Larocca LM, Poli Neto P, Aued GK, Silva CPCD. Nurse liaison: a strategy for counter-referral. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 1):546–53. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0490. PubMed PMID: 29562010.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
). As atividades desenvolvidas por esses profissionais centram-se nas necessidades do paciente, por meio de orientação quanto ao autocuidado, provisão de recursos necessários para os cuidados em domicílio e articulação com os serviços extra-hospitalares, em especial, a APS(2121. David HMSL, Riera JRM, Mallebrera AH, Costa MFLD. A enfermeira gestora de casos na Espanha: enfrentando o desafio da cronicidade por meio de uma prática integral. Cien Saude Colet. 2020;25(1):315–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.29272019. PubMed PMID: 31859879.
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). Portanto, a ausência do enfermeiro de ligação no contexto estudado, pode ser um fator capaz de fragmentar o cuidado, causar efeitos negativos na qualidade do cuidado, bem como favorecer as reinternações hospitalares(2222. García-Vivar C, Soto-Ruiz N, Escalada-Hernández P, Ferraz-Torres M, Orzanco-Garralda MR, Martín-Rodríguez LS. Continuity of care challenges for professional nursing practice. Aquichan. 2022;22(1):1–5. doi: http://dx.doi.org/10.5294/aqui.2022.22.1.1
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).

A falta de integração entre o hospital e a atenção primária é um aspecto negativo no contexto estudado, sendo divergente ao modelo ideal preconizado pela literatura(2323. Utzumi FC, Bernardino E, Lacerda MR, Santos JLG, Peres AM, Andrade SR. Acess versus care continuity in health network services: experiencing possibilities and contradictions. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20180502. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0502
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), todavia, não se pode dizer que a continuidade do cuidado não existe. A inexistência de contra referência nos serviços de saúde brasileiros ainda é trivial entre os cenários de atenção à saúde(2020. Ribas EDN, Bernardino E, Larocca LM, Poli Neto P, Aued GK, Silva CPCD. Nurse liaison: a strategy for counter-referral. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 1):546–53. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0490. PubMed PMID: 29562010.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
). Apesar da pandemia da Covid-19 demandar cuidados de alta complexidade na grande maioria dos casos, os autores referem que APS é um pilar importante para o enfrentamento a situações emergenciais(2424. Dunlop C, Howe A, Li D, Allen LN. The coronavirus outbreak: the central role of primary care in emergency preparedness and response. BJGP Open. 2020;4(1):101041. doi: http://dx.doi.org/10.3399/bjgpopen20X101041. PMid:31992543.
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).

Os profissionais inseridos neste cenário de atenção devem ser capazes de prestar cuidados primários abrangentes disseminando recursos para a tomada de decisão diante a detecção de possíveis complicações e/ou novos casos, prevenindo novos colapsos hospitalares(2525. Sarti TD, Lazarini WS, Fontenelle LF, Almeida APSC. Qual o papel da Atenção Primária à Saúde diante da pandemia provocada pela Covid-19? Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2020166. doi: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742020000200024. PubMed PMID: 32348404.
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), além de assegurar a continuidade do cuidado conforme a necessidade do usuário depois da alta hospitalar. Entretanto, no que tange a continuidade do cuidado, habitualmente a APS é vista como responsável pelo fornecimento de materiais e dispositivos em saúde, raramente, como um aspecto de cuidado na contrarreferência, sendo mais recorrente buscar apoio nos serviços domiciliares(2323. Utzumi FC, Bernardino E, Lacerda MR, Santos JLG, Peres AM, Andrade SR. Acess versus care continuity in health network services: experiencing possibilities and contradictions. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20180502. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0502
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).

A atenção domiciliar como modalidade de atenção à saúde integrada à (RAS), especialmente a APS, caracteriza-se como um conjunto de ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, a fim de garantir a continuidade de cuidados(2626. Ministério da Saúde. Portaria No 825. 2016 [citado em 2023 Abr 26]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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). O atendimento domiciliar configura-se como uma atribuição da APS(2727. Savassi LCM, Reis GVL, Dias MB, Vilela LO, Ribeiro MTAM, Zachi MLR, et al. Recomendações para a Atenção Domiciliar em período de pandemia por Covid-19. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):2611. doi: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc15(42)2611
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). Os pacientes mais estáveis, que demandam pouca necessidade de cuidado, podem ser acompanhados pelas unidades básicas de saúde. Já, os casos de maior complexidade com maior frequência de cuidado, recursos de saúde e acompanhamento contínuos, devem ser acompanhados por uma equipe multiprofissional de atenção domiciliar (EMAD) e equipe multiprofissional de apoio (EMAP) incluídas no Programa Melhor em Casa, a partir de uma assistência compartilhada entre os familiares e/ou cuidador responsável(2828. Ministério da Saúde. Nota técnica No 9/2020-CGAHD/DAHU/SAES/MS. 2020 [citado em 2023 Abr 26]. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/SEI_MS-0014382931-Nota-Tecnica_9.4.2020_parto.pdf
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).

Os enfermeiros entrevistados revelaram como potencialidade a presença do Programa Melhor em Casa para a continuidade do cuidado. Os pacientes que demandam cuidados domiciliares recebem alta já com a visita da equipe EMAD para o tratamento e reabilitação no domicílio. Há de se destacar a potência deste cuidar em domicílio durante a pandemia, em virtude do risco de colapso do sistema de saúde, decorrente da sobrecarga e superlotação de leitos nos hospitais que trabalharam com capacidade máxima(2727. Savassi LCM, Reis GVL, Dias MB, Vilela LO, Ribeiro MTAM, Zachi MLR, et al. Recomendações para a Atenção Domiciliar em período de pandemia por Covid-19. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):2611. doi: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc15(42)2611
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).

Portanto, a atenção domiciliar, em virtude de realizar alta responsável e avaliar a condição clínica do paciente para continuidade do cuidado pela equipe multidisciplinar, demonstra-se eficaz para interromper a transmissão do vírus, ao diminuir a circulação de pessoas fora de casa; identificar, isolar e cuidar precocemente dos casos novos; bem como disponibilizar leitos hospitalares, reforçando que essa modalidade assistencial é capaz de resolver as necessidades de saúde dos sujeitos com efetividade dos serviços e desfragmentação(2727. Savassi LCM, Reis GVL, Dias MB, Vilela LO, Ribeiro MTAM, Zachi MLR, et al. Recomendações para a Atenção Domiciliar em período de pandemia por Covid-19. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):2611. doi: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc15(42)2611
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,2929. Castro EAB, Leone DRR, Santos CM, et al. Organização da atenção domiciliar com o Programa Melhor em Casa. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:1–8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2016-0002
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).

A análise das narrativas aponta para um desafio na prática do enfermeiro em relação a comunicação com a equipe médica no momento da alta, que pode dificultar a continuidade do cuidado, pois o enfermeiro não é informado com antecedência sobre a alta, restando pouco tempo para orientar o paciente antes de sua saída. A comunicação e colaboração entre os profissionais que cuidam do paciente são destacados como desafios para atender a dimensão relacional para a continuidade do cuidado na prática de enfermeiros(3030. Östman M, Bäck-Pettersson S, Sundler AJ, Sandvik AH. Nurses’ experiences of continuity of care for patients with heart failure: A thematic analysis. J Clin Nurs. 2021;30(1-2):276–86. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jocn.15547. PubMed PMID: 33141466.
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).

A comunicação eficiente e relações colaborativas entre os profissionais que cuidam do paciente são elementos fundamentais para a continuidade dos cuidados(2222. García-Vivar C, Soto-Ruiz N, Escalada-Hernández P, Ferraz-Torres M, Orzanco-Garralda MR, Martín-Rodríguez LS. Continuity of care challenges for professional nursing practice. Aquichan. 2022;22(1):1–5. doi: http://dx.doi.org/10.5294/aqui.2022.22.1.1
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). Os achados deste estudo demonstram que os enfermeiros potencializam essa prática ao ser o profissional que faz a comunicação com a equipe de enfermagem e demais profissionais do contexto hospitalar. Acredita-se que a prática profissional do enfermeiro pautada em liderança e confiança é uma forma de fazer com que os demais profissionais compreendam as competências do enfermeiro na continuidade do cuidado, respeitando o espaço e funções dos demais profissionais envolvidos no processo de cuidar conforme a necessidade individual de cada paciente(2222. García-Vivar C, Soto-Ruiz N, Escalada-Hernández P, Ferraz-Torres M, Orzanco-Garralda MR, Martín-Rodríguez LS. Continuity of care challenges for professional nursing practice. Aquichan. 2022;22(1):1–5. doi: http://dx.doi.org/10.5294/aqui.2022.22.1.1
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).

Além desta comunicação entre o enfermeiro-paciente, familiar e profissionais de saúde da equipe multidisciplinar, há outros elementos essenciais para garantir a continuidade do cuidado, a saber: assegurar o acesso ao cuidado a partir das necessidades do indivíduo, estabelecer flexibilidade na organização e possibilidades estruturais para o enfermeiro planejar e criar espaços para as visitas aos pacientes; responsabilizar aos profissionais enquanto produtores de cuidado ao paciente: bem como estabelecer relação de confiança entre todos os sujeitos envolvidos no processo de cuidar(3030. Östman M, Bäck-Pettersson S, Sundler AJ, Sandvik AH. Nurses’ experiences of continuity of care for patients with heart failure: A thematic analysis. J Clin Nurs. 2021;30(1-2):276–86. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jocn.15547. PubMed PMID: 33141466.
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).

Foi possível identificar os princípios da abordagem de gestão da clínica. Dentre os sete princípios descritos(1616. Mendes EV. As Redes de Atenção. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011 [citado em 2023 Abr 26]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/redes_de_atencao_saude.pdf
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), cinco deles foram notadamente praticados no contexto hospitalar estudado, favorecendo uma atenção à saúde orientada às necessidades de saúde do indivíduo, articulada entre os gestores, profissionais e usuário para uma atenção integral, segura e de qualidade. O princípio de maior destaque foi o de “Orientação às necessidades de saúde e à integralidade do cuidado”. A presença do acompanhante para o paciente dependente foi a prática de atenção de maior necessidade de saúde daquele momento.

Em relação ao “Compartilhamento de poder e corresponsabilização entre gestores, profissionais de saúde e cidadãos na produção da atenção em saúde”, que diz respeito a corresponsabilização e articulação dos serviços-profissionais nos diferentes níveis de cuidado, foi um princípio que demonstra fragilidade quando observa-se a falta de comunicação entre o hospital e a APS. Todavia, por ora, potencializa-se com as ações do Programa Melhor em Casa, da atenção domiciliar, no qual gestores e profissionais de saúde constroem objetivos comuns, com criticidade e comprometimento, em prol de uma assistência integral e de acordo com as necessidades do sujeito assistido.

A limitação deste estudo resume-se à ausência do cargo de enfermeiro coordenador de alta no local de estudo, o que dificulta um aprofundamento na investigação da continuidade do cuidado do contexto hospitalar para o domicílio. Outra limitação refere-se ao cenário local de um hospital de ensino, não sendo possível generalizações. Entretanto, na intenção de explorar as perguntas e aprofundar as experiências, os enfermeiros convidados foram todos aqueles que trabalharam com os pacientes com Covid-19 nas clínicas de internação na instituição investigada.

CONCLUSÃO

A sistematização dos cuidados de enfermagem embasados no processo de enfermagem, bem como as orientações diárias capazes de subsidiar o preparo para alta e a saída do hospital para o domicílio, foram as estratégias narradas pelos entrevistados como potencializadoras para promover a continuidade do cuidado. A ausência de protocolo institucional para alta segura, de enfermeiro destinado para gerenciar as altas dos pacientes com Covid-19 e de contrarreferência com o serviço básico de saúde, podem comprometer a continuidade do cuidado a esses pacientes. É de extrema importância que os serviços de saúde estejam articulados, de modo que as equipes consigam realizar comunicação entre os diferentes níveis de serviços, para que o paciente tenha alta do hospital sendo assegurada a assistência à saúde conforme suas necessidades na atenção primária à saúde ou atenção domiciliar.

Como contribuição para a Enfermagem, acredita-se que este estudo fornece informações das potencialidades e fragilidades da atuação de enfermeiros para promover a continuidade do cuidado em um momento complexo de mudança entre os cenários de atenção à saúde, o que pode tornar inexequível o cuidado integral pela ausência de ações coordenadas, centradas na pessoa. Considerando a fragilidade no que tange a instrumentalização da alta hospitalar observada neste estudo, recomenda-se a realização de mais estudos visando a construção de ferramentas para a alta hospitalar, e adicionalmente, estudos de acompanhamento de pacientes pós-Covid-19 após a saída do hospital, para identificar sequelas ou contribuintes para recuperação e manutenção da qualidade de vida do indivíduo.

  • Apoio financeiro

    Chamada MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit Nº 07/2020 – Pesquisas para enfrentamento da Covid-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves (Processo nº: 402392/2020-5).

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thereza Maria Magalhães Moreira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2023
  • Aceito
    04 Set 2023
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