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Uma espécie nova de Xylocopa Latreille, 1802, e notas sobre Xylocopa transitoria Pérez e X. mordax Smith (Hymenoptera, Apoidea)

Resumo

A new species of Xylocopa Latreille, 1802, and notes on Xylocopa transitoria Pérez and X. mordax Smith (Hymenoptera, Apoidea). Xylocopa (Neoxylocopa) orthogonaspis sp. nov. (Brazil, Amazonas) is described. It is a remarkable species from the Amazonian Region easily recognized by the strong and sharp right angle between upper and posterior portions of the scutellum; the wings are slightly brown with a brassy hue and a little vinaceous apex. Some notes to separate Xylocopa (N.) orthogonaspis sp. nov. from X. (N.) transitoria Pérez, 1901, and X. (N.) mordax Smith, 1874, are given. Xylocopa (N.) submordax Cockerell, 1935, on the other hand, is considered as a new synonym of X. (N.) transitoria Pérez, 1901.

Apoidea; Hymenoptera; Neotropical bees; taxonomy; Xylocopa


Apoidea; Hymenoptera; Neotropical bees; taxonomy; Xylocopa

Uma espécie nova de Xylocopa Latreille, 1802, e notas sobre Xylocopa transitoria Pérez e X. mordax Smith (Hymenoptera, Apoidea)1 1 Contribuição nº 1335 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná

Jesus Santiago Moure

Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. Caixa Postal 19020, 81531-980 Curitiba-PR, Brasil. Professor Emérito. Bolsista do CNPq

ABSTRACT

A new species of Xylocopa Latreille, 1802, and notes on Xylocopa transitoria Pérez and X. mordax Smith (Hymenoptera, Apoidea). Xylocopa (Neoxylocopa) orthogonaspis sp. nov. (Brazil, Amazonas) is described. It is a remarkable species from the Amazonian Region easily recognized by the strong and sharp right angle between upper and posterior portions of the scutellum; the wings are slightly brown with a brassy hue and a little vinaceous apex. Some notes to separate Xylocopa (N.) orthogonaspis sp. nov. from X. (N.) transitoria Pérez, 1901, and X. (N.) mordax Smith, 1874, are given. Xylocopa (N.) submordax Cockerell, 1935, on the other hand, is considered as a new synonym of X. (N.) transitoria Pérez, 1901.

Keywords: Apoidea; Hymenoptera; Neotropical bees; taxonomy; Xylocopa.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho é proposta uma espécie nova, Xylocopa (Neoxylocopa) ortogonaspis sp. nov. que, de acordo com o nome, tem como principal caráter o formato do escutelo com as áreas dorsal e vertical em ângulo reto formando um rebordo agudo. Algumas considerações taxonômicas são feitas sobre X. (N.) transitoria Pérez e X. (N.) mordax Smith. Por sua vez, X. (N.) submordax Cockerell, 1935 é considerada como um novo sinônimo de X. (N.) transitoria Pérez, 1901 que, de acordo com o exemplar-tipo no Muséum National d'Histoire Naturelle, Paris, é uma X.(Neoxylocopa) proveniente de Mérida (Venezuela) e das pequenas Antilhas, e não da Argentina como foi considerada.

No trabalho, a sigla dp significa quantos diâmetros de ponto tem o intervalo entre os mesmos; d, diâmetro e µ, micra ou micron. Os valores numéricos entre ( ) são dados em centésimos de mm, caso não haja indicação expressa do contrário.

Xylocopa (Neoxylocopa) orthogonaspis sp. nov.

(Figs. 1-2)


Trata-se de uma espécie relativamente comum na Amazônia.

O caráter mais chamativo para reconhecimento da espécie está no formato do escutelo que é diverso da maior parte das X. (Neoxylocopa), com forte ângulo reto entre a parte dorsal e a vertical posterior, com o ponto de junção entre os dois planos muito marcado em rebordo agudo; a parte dorsal levemente côncava, antes do rebordo, logo chama a atenção e valeu-lhe o nome específico. Este tipo de escutelo é quase como em Xylocopa (N.) transitoria Pérez, 1901, que difere pelas asas, de um azul-escuro quase negro e reflexos azul-violáceos; em X. (N.) orthogonaspis sp. nov. as asas são fracamente pardas com brilho brônzeo-amarelado-pálido na base e reflexos um pouco avinhados apicalmente.

Fêmea. Comprimento total aproximado 25 mm e da asa, 11,75 mm; largura e comprimento da cabeça 7,65 e 5,81 mm; largura de T2 11,2 mm.

Corpo inteiramente preto. Asas fracamente pardas com brilho brônzeo-amarelado-pálido na base e reflexos um pouco avinhados apicalmente.

Pontuação moderadamente densa na cabeça; no clípeo com uma faixa média longitudinal lisa, um pouco alargada para baixo; o bordo apical em faixa lisa transversa abaixo da franja pilosa preapical que a separa da faixa lisa vertical superior; nos 3/5 superiores do clípeo bastante densa com pontos pilígeros até cerca de 10µ de diâmetro, com intervalos lisos menores que 1 dp, às vezes com alguns pontinhos intercalados e todos intervalos mate-reticulados; na área apical a superfície com finas estrias hexagonais bastante densas (50x); nas áreas paroculares um pouco mais densa em cima e mais esparsa em baixo; na área supraclipeal um pouco mais densa aos lados da linha média lisa; no vértice e na fronte um pouco mais fina que nas paroculares e no vértice com os intervalos muito variáveis ao redor de 1 dp; nas genas os intervalos grandes entre 3-5 dp, para baixo os pontos ainda mais esparsos. Disco do mesoscuto largamente liso, os pontos pequenos cerca de 30µ e os intervalos micro-reticulados bem como o disco sem pontos; das parápsides para o disco de tamanho normal ficando a pontuação cada vez mais esparsa, para os bordos externos com uma área lisa depois da parápside e tornando-se mais fina e mais densa para o bordo externo; no escutelo muito esparsa, com alguns pontos maiores (até 10µ) para os lados, nulos no disco; na parte vertical posterior com pontos iguais porém um pouco mais numerosos. No T1 os intervalos micro-reticulados de 2-5 dp, um pouco mais densos para os lados; em T2 os intervalos micro-reticulados cerca de 1,5-2 dp, alguns pontos até 40µ de diâmetro; em T3 para o disco a pontuação ainda mais esparsa e em T4 os pontos maiores; em T5 maiores e mais densos principalmente para os lados.

Pilosidade inteiramente preta, um pouco mais densa e plumosa nas paroculares; na faixa pilosa transversa preapical com alguns pêlos até 1000µ; no vértice escassa e curta. Disco do mesoscuto sem pêlos porém estes muito densos nos cantos anteriores; a parte dorsal do escutelo praticamente toda glabra. Em T1 plumosa, relativamente curta, sobrepassando pouco, quando deitada, a margem posterior do tergito; em T2 os pêlos simples e as cerdinhas mal sobressaindo ao ponto no terço discal, para os lados mais longas; em T3 no meio sem chegar à metade do intervalo entre os pontos, maiores aos lados; em T4 com distribuição parecida, as cerdinhas discais pouco mais da metade da distância ao ponto seguinte, porém em T5, mesmo no meio, as cerdas sobrepassam os pontos seguintes.

Cabeça mais larga que longa (765 e 581); o clípeo nos dois terços superiores com carena lisa anterior à sutura epistomal, esta em forma de "chapéu napoleônico", típico de Neoxylocopa, porém um pouco achatado em cima, em linha transversa quase reta. Labro com a carena média curta e brilhante, a placa labral para os lados larga, o tubérculo a cada lado truncado lateralmente e simulando tubérculos laterais mal formados; mandíbulas bidentadas, o dente apical inferior mais saliente e com o bordo apical arredondado. Carena frontal moderadamente elevada, sua ponta inferior mais próxima à sutura epistomal que ao bordo anterior do ocelo médio (16:27); no vértice, logo atrás dos ocelos laterais, um forte sulco oblíquo; distância ocelorbital maior que a interocelar (55:45:d20). Escapo longo (280:40) mais de duas vezes o comprimento do flagelômero basal; os três flagelômeros basais como 120:44:37:d34. Escutelo com a face dorsal levemente côncava antes do forte ângulo reto, rebordado, que a separa da face vertical posterior.

Holótipo fêmea, de "Manaus, AM-BRASIL, 8-1941, Parko leg.", depositado na Coleção de Entomologia Pe. J. S. Moure, do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná (DZUP). Parátipos: 23 fêmeas (DZUP); o material é proveniente de várias localidades do Amazonas e Pará; um exemplar da Colômbia.

Inicialmente, interpretei-a como sendo X. mordax Smith, 1874. Mudei essa interpretação ao ver o tipo de X. mordax, no Natural History Museum, Londres (com o nº 17B.184; em perfeito estado). Este é de San Domingo, a que SMITH (1874:295) acrescenta na descrição "Island of Nevis (Lesser Antilles)". Nesse, o escutelo não tem a parte dorsal em forte ângulo reto, mas arredondado-obtuso e o bordo não ressaltado.

Xylocopa (Neoxylocopa) transitoria Pérez, 1901

Xylocopa transitoria Pérez, 1901:95.

Xylocopa submordax Cockerell, 1935:13. Syn. nov.

Encontrei no Museu Britânico, vários exemplares com o escutelo idêntico ao de X. (N.) orthogonaspis sp. nov., com forte ângulo reto entre as placas dorsal e posterior, porém, que correspondem à X. transitoria Pérez, 1901 [Holótipo (Argentine, Mérida (Vénézuele)], que tem como sinônimo novo X. submordax Cockerell, 1935 [Type: BMNH 17B.1164, de Patos, Trinidad I., Fitz Gerald, xi-1933]. São extremamente parecidos: uma fêmea, de Caroni River, Trinidad, Harold Morrison. Oct. 12, 1918; mais 4 fêmeas de Plymouth, Montserrat, W.I., March, 1884, C. V. Riley; mais dois exemplares de Montserrat, W.I., H. G. Hubbard collector, April 1894. Uma fêmea de Dominica, A. H. Verril coll.

PÉREZ (1901), na descrição de X. transitoria, é muito claro quando chama a atenção para o caráter em ângulo reto da junção da face dorsal e vertical posterior do escutelo: "Facile à reconaître à ce que le corselet es tronqué, alors que le 1er segment de l'abdomen ne l'est pas." e mais adiante: "Écusson très convexe, son bord postérieur relevé en tranchant, çà et là un peu ébréché par des points, précédé d'une étroite dépression qui l'accompagne tout du long; face postérieure pas tout à fait verticale, ausi longue que la moitié de la face dorsale. Postécusson vertical." Depois de dizer que esta espécie possui os carateres assinalados por Smith à sua X. ordinaria; mas todos esses carateres acha-os de tal maneira vagos que podem ser encontrados em muitas outras espécies. "Cette incertitude n'existirait pas, si l'auteur avait fait connaître la forme de la partie posteriéure du corselet sur laquelle il est absolument muet".

Pelo que sei, essa abelha não ocorre na Argentina, embora Cockerell designe esse local como "localidade típica", mas apenas no extremo norte da América do Sul (com Mérida, nos altos Andes ao Oeste da Venezuela), outras ao Norte da Colômbia, nas Pequenas Antilhas e Trinidad. Deve prevalecer assim, Mérida, Venezuela, como localidade-tipo.

Sobre os exemplares das Antilhas, vistos no Museu Britânico, fiz pequenas notas ou descrição sumária: "O escutelo em ângulo reto muito pronunciado, precedido de fraca concavidade, logo as identifica; o rebordo, entretanto, não é contínuo mas interrompido no meio, o que visto de cima dá uma impressão grosseira de dois arcos; proporção entre a parte dorsal e vertical como 39:15. O tubérculo médio do clípeo bastante grosso e roliço, brilhante, lembrando uma gota de base larga antes de cair. As distâncias entre o limite superior do clípeo até o tubérculo frontal e o bordo inferior do ocelo médio estão na proporção de 13:21; distância entre os ocelos 15:19:35 e a ocelocipital 30. Há pouca pontuação na área entre as parápsides, e bastante esparsa mesmo entre as parápsides e os bordos laterais do mesoscuto; escutelo com os pontos extremamente esparsos na parte horizontal e esparsíssimos na vertical, porém nesta a superfície é mate. Nos tergos a pontuação bastante densa, principalmente aos lados de T1. A pilosidade no disco de T1 plumosa; em T2 as cerdinhas quase atingindo o ponto seguinte; nos tergos seguintes mais longas sobrepassando o ponto seguinte. Comprimento total 22 mm, da asa 21 mm; largura da cabeça 7,5 mm e do segundo tergo 11 mm."

Quando estive no Museu de Paris, em 3 de março de 1958, estudei a coleção de Pérez e encontrei aí o tipo de Xylocopa transitoria. É, em tudo, semelhante à minha X. orthogonaspis sp. nov., porém com diferente cor nas asas, de um azul-escuro quase negro e reflexos azul-violáceos. Aparentemente, X. orthogonaspis sp. nov. está restrita ao norte da Amazônia e X. transitoria ao litoral Venezuelano, Trinidad e Pequenas Antilhas.

A cor das asas seria o ponto de destaque entre a X. orthogonaspis sp. nov., a de Pérez e a de Cockerell: "Ailes noirâtres à reflets verte-bleuâtres ou bleue-violacés". Na X. orthogonaspis as asas são fracamente pardas, com brilho brônzeo-amarelado-pálido na base e reflexos um pouco avinhados apicalmente.

X. transitoria Pérez, 1901, no Muséum National d'Histoire Naturelle, Paris, está representada apenas pelo holótipo. Fica estranha a sua afirmativa a respeito da procedência: "Argentine, Mérida (Vénézuele)". É possível que pensasse estar Mérida na Argentina, colocando (Vénézuele) entre parênteses. Entretanto, pela designação de COCKERELL (1926), Argentina deveria ser a localidade-tipo. Outros autores a confundiram com X. brasilianorum (Linnaeus, 1767) e X. ordinaria Smith, 1874 como registra HURD (1978).

Xylocopa (Neoxylocopa) mordax Smith, 1874

Xylocopa mordax Smith, 1874:294.

Minha confusão inicial desapareceu ao ver o tipo de X. mordax proveniente de "West Indies, including Greater Antille (Puerto Rico, Isla Mona, Hispaniola, Ille de la Tortue and Jamaica)" como assinala HURD (1978) em seu catálogo. Minhas notas sobre o tipo de X. (Neoxylocopa) mordax logo põem de manifesto o erro da minha interpretação. Trata-se de uma fêmea de "St. Domingo: 55". Na descrição original acrescenta: "Island of Nevis (Lesser Antilles)", talvez em referência a outros exemplares a que me refiro acima. Nas minhas notas completo, em alguns pontos, os dizeres de Smith: Comprimento total aproximado 20,5 mm, da asa anterior 20,2 mm, largura da cabeça 6,65 mm e do T2 cerca de 9,4 mm. Escapo sobrepassando os ocelos e o canto do olho, com as seguintes proporções: 62:6:20:7:9:10:d7,5. Labro com o tubérculo médio estreito, alongado, os laterais transversais um pouco oblíquo-truncados aos lados; clípeo com áreas lisas média vertical e outra transversa apical; supraclipeal densamente pontuada, a pontuação mais esparsa no vértice e genas, no vértice não há linha média lisa. Mesoscuto com pontuação fina e densa, com intervalos cerca de 1dp entre as parápsides e as tégulas; das parápsides para o disco com pontos maiores e mais esparsos chegando a 1/4 do disco, posteriormente a área lisa vai até o escutelo; o escutelo em ângulo obtuso, claramente mais aberto que um reto, entre a parte superior e declive posterior com o ponto de junção obtuso-arredondado (37:21), a parte horizontal muito lisa quase sem pontos e para os lados muito esparsos, intervalos de 3 a 4 dp, toda plana ou ligeiramente convexa. T1 com pêlos plumosos na base e nos lados, porém no disco os pêlos simples bem curtos; em T2-3 no disco os pontos esparsos (3-4 dp) com cerdas curtas mal sobressaindo ao ponto, sem atingir o ponto seguinte, porém em T4-5 chegando ao ponto seguinte. Placa basitibial emarginada no ápice e este a cerca de 6/11 da base da tíbia. Asas coloridas com os reflexos ligeiramente mais fracos. Smith define "the wings brown-black and adorned with a brilliant purple iridescence; the inferior margin of the posterior wings is coppery." Do abdome diz apenas "finely punctured". Dá duas localidades: San Domingo, considerada como localidade-tipo, e "Island of Nevis (Lesser Antilles, South of Anguilla and North of Montserrat)".

O formato do escutelo e o colorido das asas mostram que se trata de uma espécie bem diferente de X. orthogonaspis sp. nov. e de X. transitoria Pérez, 1901.

Recebido em 08.III.2002

Aceito em 20.X.2002

  • COCKERELL, T. D. A. 1926. Descriptions and Records of Bees, XCIV, Annals and Magazine of Natural History (9)9: 660-668.
  • COCKERELL, T. D. A. 1935. New Bees from Trinidad. Stylops 4: 10-13.
  • HURD, P. D. 1978. An Annotated Catalog of the Carpenter Bees (Genus Xylocopa Latreille) of the Western Hemisphere. (Hymenoptera: Anthophoridae). Smithsonian Institution Press, V+116p.
  • PEREZ, J. 1901. Contribution à l'étude des Xylocopes. Actes Societé Linneene de Bordeaux 56 (ser.6, vol.6): 1-128.
  • SMITH, F. 1874. Monograph of the genus Xylocopa Latr.,1802. Transactions of the Entomological Society of London, Part II, 1874: 247-302.
  • 1
    Contribuição nº 1335 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2003
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      20 Out 2002
    • Recebido
      08 Mar 2002
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