Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização de ecossistemas da mata atlântica de tabuleiros por meio das formas de húmus

Characterization of tableland atlantic forest ecosystems according to humus forms

Resumos

O conhecimento das formas de húmus permite a caracterização de ecossistemas primários, bem como dos interferidos. Dentro desta perspectiva, pretendeu-se identificar as formas de húmus, estudando-se os horizontes holorgânicos em relação às variáveis do solo mineral, em três áreas de Mata Atlântica de Tabuleiros do norte do Espírito Santo: duas matas primárias, a Mata Alta e a Mata de Córrego, e uma mata secundária, resultante do corte e da queima da vegetação há mais de 40 anos (Capoeira Queimada). Na Mata Alta, encontrou-se um mull mesotrófico tropical, caracterizado por uma rápida decomposição dos aportes foliares dos horizontes holorgânicos e por uma percentagem de saturação por bases em torno de 50-70% no horizonte hemiorgânico. A Mata de Córrego teve a estrutura do seu perfil húmico alterado em comparação com a Mata Alta, ou seja, verificou-se maior acúmulo nas camadas holorgânicas, representando menor velocidade na decomposição, como o oligotrofismo do solo mineral (V%: 14-35%). Estes resultados levaram à classificação da forma de húmus na Mata de Córrego como um mull oligotrófico. Na Capoeira Queimada, o estoque dos horizontes holorgânicos foi de 2 t ha-1 maior que na Mata Alta, com o desenvolvimento esporádico da camada F2. No horizonte A1, porém, o estoque de matéria orgânica foi inferior e observou-se, igualmente, uma percentagem de saturação por bases menor (30-56%), indicando que o ciclo de carbono e de nutrientes ainda não foi restabelecido. A forma de húmus da Capoeira Queimada foi classificada como mull mesotrófico.

decomposição; fertilidade; mata secundária; mata primária; matéria orgânica; serapilheira; solo; floresta tropical


Humus forms allow the characterization of either a natural forest ecosystem or disturbed forests. Under this perspective, we aimed to identify the humus forms in three Tabuleiro Forest sites in northern Espírito Santo: two primary forests, "Mata Alta" and "Mata de Córrego", and one secondary forest resulting from slash and burn, over 40 years old (Capoeira Queimada). Therefore, the holorganic horizons were studied in regard to the pedological parameters of the mineral soil. At "Mata Alta", a mesotrophic mull was found, characterized by high litter decomposition rates in the holorganic horizon, and by base saturation values around 50-70% in the hemiorganic horizon. The humus profile in "Mata de Córrego" was different from that at "Mata Alta" both due to the higher accumulation in the holorganic horizon, which reflected lower decomposition rates, and soil oligotrophism (V%: 14-35%). These results lead to the classification of the humus form in the "Mata de Córrego" as an oligotrophic mull. In the "Capoeira Queimada", the stock in the holorganic horizons was 2 t ha-1 higher than in the Mata Alta, with sporadic presence of the F2 layer. Nevertheless, regarding the A1 horizon, both the organic matter stocks and the base saturation ratio were lower (30-56%), showing that the carbon and nutrient cycle were not reestablished. The humus form in the "Capoeira Queimada" was classified as an mesotrophic mull.

decomposition; fertility; litter; organic matter; primary forest; secondary forest; soil; tropical forest


SEÇÃO II - QUÍMICA DO SOLO

Caracterização de ecossistemas da mata atlântica de tabuleiros por meio das formas de húmus(1 (1 ) Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro para obtenção do título de Mestre em Ecologia. Trabalho financiado pelo CNPq, sub-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Fundação José Bonifácio e FAPERJ. )

Characterization of tableland atlantic forest ecosystems according to humus forms

A. KindelI; I. GarayII

IDoutoranda do Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Departamento de Botânica, Instituto de Biologia, CCS, UFRJ, Ilha do Fundão, CEP 21941-590 Rio de Janeiro (RJ). E-mail: kindel@connection.com.br

IIProfessora Adjunta do Departamento de Botânica, UFRJ e pesquisadora do CNRS, França

RESUMO

O conhecimento das formas de húmus permite a caracterização de ecossistemas primários, bem como dos interferidos. Dentro desta perspectiva, pretendeu-se identificar as formas de húmus, estudando-se os horizontes holorgânicos em relação às variáveis do solo mineral, em três áreas de Mata Atlântica de Tabuleiros do norte do Espírito Santo: duas matas primárias, a Mata Alta e a Mata de Córrego, e uma mata secundária, resultante do corte e da queima da vegetação há mais de 40 anos (Capoeira Queimada). Na Mata Alta, encontrou-se um mull mesotrófico tropical, caracterizado por uma rápida decomposição dos aportes foliares dos horizontes holorgânicos e por uma percentagem de saturação por bases em torno de 50-70% no horizonte hemiorgânico. A Mata de Córrego teve a estrutura do seu perfil húmico alterado em comparação com a Mata Alta, ou seja, verificou-se maior acúmulo nas camadas holorgânicas, representando menor velocidade na decomposição, como o oligotrofismo do solo mineral (V%: 14-35%). Estes resultados levaram à classificação da forma de húmus na Mata de Córrego como um mull oligotrófico. Na Capoeira Queimada, o estoque dos horizontes holorgânicos foi de 2 t ha-1 maior que na Mata Alta, com o desenvolvimento esporádico da camada F2. No horizonte A1, porém, o estoque de matéria orgânica foi inferior e observou-se, igualmente, uma percentagem de saturação por bases menor (30-56%), indicando que o ciclo de carbono e de nutrientes ainda não foi restabelecido. A forma de húmus da Capoeira Queimada foi classificada como mull mesotrófico.

Termos de indexação: decomposição, fertilidade, mata secundária, mata primária, matéria orgânica, serapilheira, solo, floresta tropical.

SUMMARY

Humus forms allow the characterization of either a natural forest ecosystem or disturbed forests. Under this perspective, we aimed to identify the humus forms in three Tabuleiro Forest sites in northern Espírito Santo: two primary forests, "Mata Alta" and "Mata de Córrego", and one secondary forest resulting from slash and burn, over 40 years old (Capoeira Queimada). Therefore, the holorganic horizons were studied in regard to the pedological parameters of the mineral soil. At "Mata Alta", a mesotrophic mull was found, characterized by high litter decomposition rates in the holorganic horizon, and by base saturation values around 50-70% in the hemiorganic horizon. The humus profile in "Mata de Córrego" was different from that at "Mata Alta" both due to the higher accumulation in the holorganic horizon, which reflected lower decomposition rates, and soil oligotrophism (V%: 14-35%). These results lead to the classification of the humus form in the "Mata de Córrego" as an oligotrophic mull. In the "Capoeira Queimada", the stock in the holorganic horizons was 2 t ha-1 higher than in the Mata Alta, with sporadic presence of the F2 layer. Nevertheless, regarding the A1 horizon, both the organic matter stocks and the base saturation ratio were lower (30-56%), showing that the carbon and nutrient cycle were not reestablished. The humus form in the "Capoeira Queimada" was classified as an mesotrophic mull.

Index terms: decomposition, fertility, litter, organic matter, primary forest, secondary forest, soil, tropical forest.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

AGRADECIMENTOS

Ao Sr. Renato Moraes de Jesus, diretor da Reserva Florestal de Linhares (de propriedade da Companhia Vale do Rio Doce), pelo apoio inestimável e por ceder os dados meteorológicos. Aos seus funcionários Gilson e Agostinho (in memorian), pela ajuda de campo. À EMBRAPA-CNPS, nas pessoas de Daniel Vidal Pérez, pela análise das amostras de solo, e de Raphael Davi dos Santos, pelos dados e explicações de tipos de solos da RFL. À Patrícia Barbosa, pelo auxílio no tratamento das amostras. Aos revisores que muito contribuíram para uma melhor compreensão do trabalho.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em novembro de 1999

Aprovado em abril de 2001

  • AERTS, R. Climate, leaf litter chemistry and leaf litter decomposition in terrestrial ecosystems: a triangular relationship. Oikos, 79:439-449, 1997.
  • ANDERSON, J.M.; PROCTOR, J. & VALLACK, H.W. Ecological studies in four contrasting lowland rain forests in Gunung Mulu National Park, Sarawak. III. Decomposition processes and nutrient losses from leaf litter. J. Ecol., 71:503-527, 1983.
  • BABEL, U. Micromorphology of soil organic matter. In: GIESEKING, J.E., ed. Soil component. Berlin, Springer-Verlag, 1975. p.369-473.
  • BARROS, M.E.O.; KINDEL, A. & GARAY, I. Comparação dos horizontes húmicos em dois ecossistemas de Floresta Atlântica: Mata de Tabuleiros e Mata de Encosta. In: SIMPÓSIO SOBRE ECOSSISTEMAS DA COSTA BRASILEIRA, São Paulo. Anais. São Paulo, Academia de Ciencia. 1994. p.100-113.
  • BERTHELIN, J.; LEYVAL, C. & TOUTAIN, F. Biologie des sols: Rôle des organismes dans l'alteration et l'humification. In: BONNEAU, M. & SOUCHIER, B., eds. Pédologie. 2 Constituans et propiétés du sol. Paris, Masson, 1994. p.143-211.
  • BRETHES, A.; BRUN, J.J.; JABIOL, B.; PONGE, J. & TOUTAIN, F. Classification of forest humus forms: a French proposal. Ann. Sci. For., 52:535-546, 1995.
  • CERRI, C.C.; ANDREUX, F. & EDUARDO, B.P. O Ciclo do Carbono no Solo. In: CARDOSO, E., TSAI, S.M. & NEVES, M.C.P., eds. Microbiologia do Solo. São Paulo, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1992. p.73-90.
  • DUCHAUFOUR, P. & TOUTAIN, F. Apport de la pédologie à l'étude des écosystèmes. Bull. Ecol., 17:1-9, 1985.
  • DUCHAUFOUR, P. Pédologie. Sol, végétation, environnement. Paris, Masson, 1991.
  • EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual de métodos de análise de solos. Rio de Janeiro, 1979. 255p.
  • EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema Brasileiro de classificação de solos. Rio de Janeiro, 1999. 412p.
  • FURCH, K. & KLINGE, H. Chemical relationships between vegetation, soil and water in contrasting inundation areas of Amazonia. In: PROCTOR, J., ed. Mineral nutrients in tropical forest and savanna ecosystems. Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1989. p.189-204.
  • GARAY, I. & KINDEL, A. Diversidade funcional em fragmentos de Floresta Atlântica. Valor indicador das formas de húmus florestais. In: GARAY, I. & DIAS, B., org. Conservação da Biodiversidade em Ecossistemas Tropicais: avanços conceituais e revisão de novas metodologias de avaliação e monitoramento. Petrópolis, Editora Vozes, 2001. p.350-368.
  • GARAY, I. & SILVA, B.A.O. Húmus florestais: síntese e diagnóstico das interrelações vegetação/solo. In: ESTEVES, F., ed. Oecologica Brasiliensis: estrutura, funcionamento e manejo de ecossistemas. Rio de Janeiro, 1995. p.19-46.
  • GARAY, I.; BARROS, M.E.O. & KINDEL, A. Diversity of humus forms in the Atlantic Forest ecosystems. I. The Shrubby-Arboreous Restinga Forests. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO, 25., Viçosa, 1995. Anais. Viçosa, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1995c. p.904-906.
  • GARAY, I.; KINDEL, A. & JESUS, R.M. Diversity of humus forms in the Atlantic Forest ecosystems (Brazil). The Table-land Atlantic Forest. Acta Oecol., 16:553-570, 1995b.
  • GARAY, I.; KINDEL, A.; CALLIPO, A.; BARROS, M.E.O. & JESUS, R.M. Formas de húmus em ecossistemas de Floresta Costeira Intertropical. I. A Mata Atlântica de Tabuleiros. In: ESTEVES, F., ed. Oecologica Brasiliensis: estrutura, funcionamento e manejo de ecossistemas. Rio de Janeiro, 1995a. p.1-18.
  • GREEN, R.N.; TROWBRIDGE, R.L. & KLINKA, K. Towards a taxonomic classification of humus forms. For. Sci. Monogr., 29:1-48, 1993.
  • GRUBB, P.J.; TURNER, I.M. & BURSLEM, D.F.R.P. Mineral nutrient status of coastal hill dipterocarp forest and adinandra belukar in Singapore: analysis of soil, leaves and litter. J. Trop. Ecol., 10:559-577, 1994.
  • JESUS, R.M. Mata Atlântica de Linhares: aspectos florestais. In: SEMINÁRIO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E IMPACTO AMBIENTAL EM ÁREAS DE TRÓPICO ÚMIDO BRASILEIRO - A experiência da CVRD. Anais. Rio de Janeiro, 1987. p.35-71.
  • KIEHL, E.J. Manual de edafologia. Relações solo-planta. São Paulo, Ed. Agronômica Ceres, 1979.
  • KINDEL, A.; BARBOSA, P.M.S.; PÉREZ, D.V. & GARAY, I. Efeito do extrativismo seletivo de espécies arbóreas da Floresta Atlântica de Tabuleiros na matéria orgânica e outros atributos do solo. R. bras. Ci. Solo, 23:465-474, 1999.
  • LEPAGE, M. Structure et dynamique dês peuplements de térmites tropicaux. Acta Oecol., 1: 65-87, 1983.
  • MALAGON, D.; SEVINK, J. & GARAY, I. Methods for soil analysis. In: VAN DER HAMMEN, T.; MÜELLER-DOMBOIS, D. & LITTLE, M.A, eds. Manual of Methods for Mountain Transect Studies. Comparative Studies of Tropical Mountain Ecosystems. Paris, IUBS, 1989. p.29-40.
  • MEENTMEYER, V. Macroclimate and lignin control of litter decomposition rates. Ecology, 59: 465-472, 1978.
  • MEIS, M.R.M. Contribuição ao estudo do Terciário Superior e Quaternário da baixada da Guanabara. Tese de Doutorado.Rio de Janeiro, UFRJ, 1976.
  • MELILLO, J.M.; ABER, J.D. & MURATORE, J.F. Nitrogen and lignin control of hardwood leaf litter decomposition dynamics. Ecology, 63: 621-626, 1982.
  • MORELLATO, L.P. Nutrient cycling in two south-east Brazilian forests. I Litterfall and litter standing crop. J. Trop. Ecol., 8:205-215, 1992.
  • OLSON, J. Energy storage and the balance of producers and decomposers in ecological systems. Ecology, 44:321-331, 1963.
  • PEIXOTO, A.L. & GENTRY, A. Diversidade e composição florística da Mata de Tabuleiro na Reserva Florestal de Linhares (Espírito Santo, Brasil). R. Bras. Bot., 13:19-25, 1990.
  • PELLENS, R. & GARAY, I. Edaphic macroarthropod communities in fast-growing plantations of Eucalyptus grandis Hill ex Maid (Myrtaceae) and Acacia mangium Wild (Leguminosae) in Brazil. Eur. J. Soil Biol., 35:77-89, 1999.
  • RAMOS, M.C.L. & PELLENS, R. Produção de serapilheira em ecossistemas de restinga em Maricá, Rio de Janeiro. In: SIMPÓSIO SOBRE ECOSSISTEMAS DA COSTA BRASILEIRA, São Paulo. Anais. São Paulo, Academia de Ciência, 1994. p.89-98.
  • RIZZINI, C.M.; ADUAN, R.E.; JESUS, R.M. & GARAY, I. Contribuição ao conhecimento da Floresta Pluvial de Tabuleiros, Linhares, ES, Brasil. Leandra, 12:54-76, 1997.
  • RIZZINI, C.T. Tratado de fitogeografia do Brasil, aspectos sociológicos e florísticos. 2. São Paulo, HUCITEC-EDUSP, 1997. 374p.
  • SANTOS, R.D. Levantamento expedito dos solos das reservas florestais de Linhares e Sooretama no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro, EMBRAPA-CNPS, (no prelo).
  • SWIFT, M.J.; HEAL, O.W. & ANDERSON, J.M. Decomposition in terrestrial ecosystems. Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1979. 372p.
  • TOUTAIN, F. Les humus forestiers. Structures et modes de fonctionnement. R. Forest. Française, 33:449-477, 1981.
  • TOUTAIN, F.; DIAGNE, A. & LE TACON, F. Effets d'apports d'éléments minéraux sur le fonctionnement d'un écosystéme forestier de l'Est de la France. R. Écol. Biol. Sol, 24:283-300, 1987.
  • WESEMAEL, B. & VEER, A.C. Soil organic matter accumulation, litter decomposition and humus forms under Mediterranean-type forests in southern Tuscany, Italy. J. Soil Sci., 43:133-144, 1992.
  • (1
    ) Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro para obtenção do título de Mestre em Ecologia. Trabalho financiado pelo CNPq, sub-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Fundação José Bonifácio e FAPERJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2001
    • Recebido
      Nov 1999
    Sociedade Brasileira de Ciência do Solo Secretaria Executiva , Caixa Postal 231, 36570-000 Viçosa MG Brasil, Tel.: (55 31) 3899 2471 - Viçosa - MG - Brazil
    E-mail: sbcs@ufv.br