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Perdas de solo e água em diferentes sistemas de manejo de um nitossolo háplico submetido à chuva simulada

Soil and water losses in different soil tillage systems on a hapludox under simulated rainfall

Resumos

O manejo do solo pode influenciar a cobertura e a rugosidade do terreno e, associado à chuva e a outras variáveis, é um dos principais fatores que afetam a erosão hídrica. Aplicando três testes de chuva simulada, com intensidade constante de 64 mm h-1, foram avaliados, em São José do Cerrito (SC), entre março de 2000 e junho de 2001, em condições de campo, os seguintes tratamentos de manejo do solo, em duas repetições, durante o ciclo da soja: uma aração + duas gradagens, sem cultivo - SSC; uma aração + duas gradagens sobre resíduo de aveia dessecada, e semeadura de soja - PCO; uma escarificação + uma gradagem sobre resíduo de aveia dessecada, e semeadura de soja - CMI; semeadura direta de soja sobre campo natural dessecado - SDD, e semeadura direta de soja sobre campo natural dessecado e queimado - SDDQ. Utilizou-se um Nitossolo Háplico alumínico argiloso, com declividade média de 0,18 m m-1. As perdas de solo foram fortemente influenciadas pelo sistema de manejo, enquanto as perdas de água sofreram efeito apenas moderado. O CMI reduziu as perdas de solo e água em 85 e 34 %, respectivamente, em relação ao PCO e, em relação ao SSC, essa redução foi de 96 e 40 %, respectivamente, na média dos testes de chuva simulada. Os tratamentos SDDQ e SDD apresentaram perdas de solo e água praticamente iguais entre si, sendo as perdas de solo, em média, 88 % inferiores aos do CMI e, no caso das perdas de água, praticamente iguais a este tratamento.

erosão hídrica; preparo conservacionista; semeadura direta


Soil management has an impact on soil cover and roughness, and, together with other variables, affects water erosion. In São José do Cerrito, State of Santa Catarina, Brazil, three simulated rainfall tests were evaluated during the soybean cycle March 2000 through June 2001 in combination with the five tillage systems: plowing + disking (bare soil) (BS); plowing + disking and soybean crop on dry oat residues (PD); chiseling + disking and soybean crop on dry oat residues (CD); soybean crop and no-tillage on desiccated natural pasture (NTD); and soybean crop and no-tillage on desiccated and burned natural pasture (NTDS). The experiments were carried out in two replications under field conditions, in a clay loam structured soil (Hapludox) with 0.18 m m-1 average slope, under a constant rainfall intensity of 64 mm h-1. There was a remarkable impact of the tillage systems on soil losses, while water losses were moderately influenced. The CD treatment reduced soil and water losses by 85 and 34 %, respectively, in relation to the PD treatment. Under the BS treatment, this reduction was 96 and 40 %, respectively, in the mean of the simulated rainfall tests. Treatments NTD and NTDS presented very similar soil and water losses. Soil losses were 88 % lower than in the CD treatment and, in the case of water losses, practically identical to the CD treatment.

water erosion; conservation tillage; no-tillage


SEÇÃO VI - MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA

Perdas de solo e água em diferentes sistemas de manejo de um nitossolo háplico submetido à chuva simulada1 1 Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada à Faculdade de Agronomia, Universidade do Estado de Santa Catarina — CAV/UDESC.

Soil and water losses in different soil tillage systems on a hapludox under simulated rainfall

E. L. MelloI; I. BertolII; A. L. V. ZaparolliIII; M. R. CarrafaIV

IPós-Graduando em Agronomia, Universidade do Estado de Santa Catarina — CAV/UDESC. Caixa Postal 281, CEP 88520-000 Lages (SC). Bolsista do CNPq

IIProfessor do Centro de Ciências Agroveterinárias, CAV/UDESC. Bolsista do CNPq. E-mail a2ib@cav.udesc.br

IIIEngenheiro-Agrônomo, Professor do Colégio Agrícola Caetano Costa. BR 202, Km 25, Itararé. São José do Cerrito (SC)

IVGraduando do Curso de Agronomia do CAV/UDESC. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq

RESUMO

O manejo do solo pode influenciar a cobertura e a rugosidade do terreno e, associado à chuva e a outras variáveis, é um dos principais fatores que afetam a erosão hídrica. Aplicando três testes de chuva simulada, com intensidade constante de 64 mm h-1, foram avaliados, em São José do Cerrito (SC), entre março de 2000 e junho de 2001, em condições de campo, os seguintes tratamentos de manejo do solo, em duas repetições, durante o ciclo da soja: uma aração + duas gradagens, sem cultivo — SSC; uma aração + duas gradagens sobre resíduo de aveia dessecada, e semeadura de soja - PCO; uma escarificação + uma gradagem sobre resíduo de aveia dessecada, e semeadura de soja — CMI; semeadura direta de soja sobre campo natural dessecado — SDD, e semeadura direta de soja sobre campo natural dessecado e queimado — SDDQ. Utilizou-se um Nitossolo Háplico alumínico argiloso, com declividade média de 0,18 m m-1. As perdas de solo foram fortemente influenciadas pelo sistema de manejo, enquanto as perdas de água sofreram efeito apenas moderado. O CMI reduziu as perdas de solo e água em 85 e 34 %, respectivamente, em relação ao PCO e, em relação ao SSC, essa redução foi de 96 e 40 %, respectivamente, na média dos testes de chuva simulada. Os tratamentos SDDQ e SDD apresentaram perdas de solo e água praticamente iguais entre si, sendo as perdas de solo, em média, 88 % inferiores aos do CMI e, no caso das perdas de água, praticamente iguais a este tratamento.

Termos de indexação: erosão hídrica, preparo conservacionista, semeadura direta.

SUMMARY

Soil management has an impact on soil cover and roughness, and, together with other variables, affects water erosion. In São José do Cerrito, State of Santa Catarina, Brazil, three simulated rainfall tests were evaluated during the soybean cycle March 2000 through June 2001 in combination with the five tillage systems: plowing + disking (bare soil) (BS); plowing + disking and soybean crop on dry oat residues (PD); chiseling + disking and soybean crop on dry oat residues (CD); soybean crop and no-tillage on desiccated natural pasture (NTD); and soybean crop and no-tillage on desiccated and burned natural pasture (NTDS). The experiments were carried out in two replications under field conditions, in a clay loam structured soil (Hapludox) with 0.18 m m-1 average slope, under a constant rainfall intensity of 64 mm h-1. There was a remarkable impact of the tillage systems on soil losses, while water losses were moderately influenced. The CD treatment reduced soil and water losses by 85 and 34 %, respectively, in relation to the PD treatment. Under the BS treatment, this reduction was 96 and 40 %, respectively, in the mean of the simulated rainfall tests. Treatments NTD and NTDS presented very similar soil and water losses. Soil losses were 88 % lower than in the CD treatment and, in the case of water losses, practically identical to the CD treatment.

Index terms: water erosion, conservation tillage, no-tillage.

INTRODUÇÃO

O preparo do solo tem por objetivo melhorar as condições superficiais e internas do solo. Visa favorecer a germinação das sementes e o crescimento e desenvolvimento das plantas, facilitar o movimento de água e ar, controlar plantas indesejáveis e, às vezes, auxiliar no manejo dos resíduos culturais (Larson & Gill, 1973). Nos solos ácidos e pobres em nutrientes, por outro lado, o preparo pode objetivar, ainda, a incorporação de corretivos químicos. De forma geral, o preparo reduz a rugosidade e a cobertura do solo (Cogo, 1981; Bertol, 1995), pulveriza a superfície e forma camadas compactadas na subsuperficie (Dalla Rosa, 1981), além de facilitar a erosão hídrica das terras agrícolas (Bertol et al., 1997b; Hernani et al., 1997; Lindstrom et al., 1998).

Os preparos de solo conservacionistas caracterizam-se por pequena movimentação mecânica do solo, manutenção da maioria dos resíduos culturais sobre a superfície e, com exceção da semeadura direta, elevação da rugosidade superficial (Cogo et al., 1984; Bertol et al., 1987, 1997b), o que torna estes sistemas de manejo mais eficazes no controle da erosão hídrica do que os preparos convencionais (Schick, 1999; Schick et al., 2000).

O preparo do solo executado com escarificador produz elevada rugosidade superficial e mantém a maioria dos resíduos culturais na superfície (Cogo et al., 1984; Bertol, 1995; Bertol et al., 1997b; Schick et al., 2000). A semeadura direta, apesar da baixa rugosidade superficial que proporciona, possibilita o ancoramento dos resíduos nas soqueiras das culturas e, ainda, promove a consolidação da estrutura superficial do solo (Dissmeyer & Foster, 1981), o que aumenta a tensão crítica de cisalhamento e, conseqüentemente, a resistência do solo à erosão hídrica (Bertol, 1995; Schick et al., 2000).

Alguns estudos indicam que os sistemas de manejo que deixam os resíduos culturais sobre a superfície do solo reduzem perdas de água por escoamento superficial (Laflen et al., 1978; Johnson & Moldenhauer, 1979); outros, no entanto, não indicam diferenças expressivas nas perdas de água quando varia o sistema de manejo (Bertol et al., 1997a,b; Ghidey & Alberts, 1998; Schick et al., 2000).

O objetivo deste trabalho foi quantificar perdas de solo e água por erosão hídrica sob chuva simulada, em diferentes sistemas de manejo de solo, durante o cultivo da soja (Glicyne max).

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido em um Nitossolo Háplico alumínico (Terra Bruna estruturada) textura argilosa, localizado em São José do Cerrito, SC, 28 o 55 ' de latitude Sul e 51 o 08 ' de longitude Oeste de Greenwich, entre março de 2000 e junho de 2001. A área experimental apresentava declividade média de 0,18 m m-1. A profundidade dos horizontes, a granulometria e o teor de carbono orgânico do solo encontram-se no quadro 1.


A área experimental apresentava, inicialmente, cobertura vegetal de campo natural, recentemente melhorado pela introdução de gramíneas e leguminosas exóticas, além de calcário e fertilizantes aplicados em cobertura. Em março de 2000, parte da área (aquela sobre a qual foram instalados os tratamentos "solo sem cultura", "preparo convencional" e "cultivo mínimo") foi preparada com duas arações e três gradagens. O restante da área (sobre a qual foram instalados os tratamentos "semeadura direta em campo dessecado" e "semeadura direta em campo dessecado e queimado") não recebeu preparo algum. Em abril de 2000, foi semeada aveia preta (Avena strigosa) sobre a área que havia sido preparada, com exceção daquela que recebeu o tratamento solo sem cultura, objetivando a produção de cobertura vegetal. Em setembro de 2000, durante a floração da aveia, a cultura foi manejada com dessecante químico. Nesta mesma data, foi dessecada também a área de campo natural.

Sobre os resíduos secos de aveia (5,4 Mg ha-1) e do campo natural (1,4 Mg ha-1), em novembro de 2000, foram instalados os seguintes tratamentos de manejo do solo, em duas repetições: uma aração + duas gradagens, sem cultivo (SSC) (parcela-padrão da Equação Universal de Perda de Solo - EUPS), no qual foram efetuadas, quando necessárias, escarificações manuais para eliminar invasoras e romper crostas superficiais; uma aração + duas gradagens sobre resíduo de aveia, e semeadura de soja (PCO); uma escarificação + uma gradagem sobre resíduo de aveia, e semeadura de soja (CMI); semeadura direta de soja sobre o campo natural dessecado (SDD), e semeadura direta de soja sobre o campo natural dessecado e queimado (SDDQ).

A unidade experimental foi constituída de uma parcela com 3,5 x 11 m, a qual foi instalada, conforme EMBRAPA (1975). Utilizaram-se dez unidades experimentais e, para a aplicação das chuvas simuladas, foi usado um simulador de chuvas de braços rotativos (Swanson, 1975). O simulador cobria simultaneamente duas parcelas, as quais eram repetições de preparo do solo.

O preparo do solo, nos tratamentos onde ele foi efetuado, foi realizado no sentido paralelo ao declive, atendendo à filosofia de obtenção de dados para a EUPS. A aração foi feita com arado de discos, na profundidade aproximada de 20 cm, e a gradagem, com grade niveladora, na profundidade aproximada de 15 cm. A escarificação foi feita na profundidade de 20 cm, com distância de 50 cm entre as hastes do escarificador. A soja foi semeada em covas, com semeadora manual, em linhas paralelas ao declive e distanciadas de 50 cm.

Nos tratamentos, foram aplicados três testes de chuva simulada, o primeiro imediatamente após a semeadura da soja, em 13 de dezembro de 2000, e os demais, 30 e 60 dias após o primeiro, ou seja, em 12 de janeiro e 11 de fevereiro de 2001, respectivamente, com intensidade constante de 64 mm h-1 e duração suficiente para a enxurrada atingir taxa constante. Durante os 30 dias anteriores ao primeiro teste de chuva simulada, ocorreram 73 mm de chuva natural, 256 mm no intervalo entre o primeiro e o segundo teste e 223 mm entre o segundo e o terceiro teste.

A umidade do solo foi quantificada em amostras coletadas imediatamente antes da aplicação das chuvas simuladas. Durante a aplicação das chuvas, coletaram-se amostras do escoamento superficial, de três em três minutos, e mediu-se a taxa de descarga para posterior determinação das perdas de solo e água, como sugerido por Cogo (1981). A velocidade do escoamento superficial foi obtida durante o período de descarga constante, de acordo com Bertol et al. (1987).

A cobertura por resíduos vegetais e a rugosidade da superfície do solo foram avaliadas, conforme procedimentos descritos por Sloneker & Moldenhauer (1977) e Kuipers (1957), respectivamente. Nos tratamentos que apresentavam cobertura do solo (resíduo de aveia no CMI e resíduo do campo natural no SDD), a rugosidade superficial refletiu o efeito das microelevações e microdepressões ocasionadas pelo resíduo e ondulações do terreno no SDD e pelo resíduo e preparo do solo no CMI, ou seja, rugosidade do solo e do resíduo combinada. Nos demais tratamentos, a rugosidade refletiu o efeito das microelevações e microdepressões apenas relativas às ondulações naturais do terreno no SDDQ e do preparo do solo no SSC e PCO, ou seja, rugosidade do solo.

Os dados de perda de solo foram ajustados para o declive médio de 0,18 m m-1, por causa da variação de declividade existente entre as parcelas experimentais, utilizando o procedimento recomendado por Wischmeier & Smith (1978), pela seguinte expressão:

S = 0,065 + 4,56 sen q + 65,41 (sen q)2, em que (1)

q = ângulo do declive.

Os dados de rugosidade e cobertura do solo, de tempos de início e taxa máxima de enxurrada, de perdas de solo e água, de taxa constante de enxurrada, de concentração de sedimentos e taxa de perda de solo no período de enxurrada constante foram interpretados pela análise de variância e comparados pelo teste de Duncan a 5 %. No caso dos dados de cobertura do solo, como havia valor de grandeza igual a zero, acrescentou-se, em todos os dados, com exceção daqueles dos tratamentos SDD, em todas as épocas, e SDDQ, antes do preparo, o valor de 0,05 m2 m-2. Assim, as situações que apresentavam no campo cobertura do solo de 0,00 m2 m-2, para efeito de análise estatística, foram consideradas como tendo cobertura de 0,05 m2 m-2.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A rugosidade superficial foi, em média, cerca de 1,6 vez maior nos tratamentos CMI, SDDQ e SDD do que nos demais, antes dos testes de chuva (Quadro 2), explicada pela presença de ondulações naturais no terreno no SDDQ e SDD, as quais fizeram parte da rugosidade e, no caso do CMI, pelo efeito do escarificador no preparo do solo. Nos tratamentos que receberam preparo (SSC, CMI e PCO), a maior rugosidade, após o preparo, ocorreu no CMI e, a menor, no SSC, concordando com Cogo (1981) e Bertol (1995). Imediatamente após a dessecação da aveia e antes do preparo do solo, o resíduo de aveia encontrava-se completamente assentado sobre a superfície nos tratamentos PCO e CMI, diminuindo o efeito do resíduo na rugosidade, justificando, assim, a menor rugosidade nesses tratamentos em relação aos SDDQ e SDD, nesse momento.


O uso do escarificador e o menor número de gradagens no CMI provocaram maior rugosidade neste tratamento em relação aos demais que receberam preparo (Quadro 2), concordando com Burwell & Larson (1969), Cogo (1981) e Bertol (1995), os quais estudaram essa variável em preparo de solo semelhante ao discutido aqui. Isto ocasionou, provavelmente, maior porosidade total na camada preparada, conforme verificado por Cogo (1981), o que deve ter influenciado positivamente a taxa de infiltração de água no solo.

O CMI apresentou a maior redução na rugosidade (50 %), seguida do SSC (19 %) e PCO (14 %), entre o momento que sucedeu o preparo e o que antecedeu a primeira chuva (Quadro 2). Isto é explicado pelo fato de que o CMI apresentava alta rugosidade em relação aos demais tratamentos, imediatamente após o preparo. Essa condição permitiu que os sedimentos, desagregados das microelevações do terreno pelas chuvas naturais que ocorreram no período, fossem depositados, em maior quantidade, nas microdepressões, ocasionando maior rebaixamento da rugosidade do que nos demais tratamentos.

Após o preparo, a cobertura do solo foi reduzida em 42 % no PCO, enquanto no CMI a redução foi em 19 % (Quadro 3), concordando com os trabalhos de Bertol (1995), Bertol et al. (1997b), Schick et al. (2000) e Mello (2002). A maior redução na cobertura, no período compreendido entre antes do preparo e antes da terceira chuva, ocorreu, no entanto, na SDDQ (70 %), decorrente da eliminação de grande parte do resíduo do campo natural dessecado que cobria o solo pela queima. Neste tratamento, a cobertura não variou no período compreendido entre a queima e o momento que antecedeu a terceira chuva, porque as soqueiras do campo natural permaneceram após a queima e, ainda, porque praticamente não houve rebrota da vegetação nesse período.


A cobertura do solo antes da terceira chuva era equivalente a 29 e 27 % no CMI e PCO, respectivamente, daquela existente antes da primeira chuva, decorrente do aumento na decomposição do resíduo vegetal. Isto ocorreu pelo aumento do contato do resíduo com o solo ao longo do tempo, aumentando a decomposição e, ainda, porque a enxurrada removeu parte do referido resíduo por meio de arraste superficial (observação visual), num processo semelhante ao observado por Bertol et al. (1997a) e Morais & Cogo (2001).

Dentre os tratamentos que sofreram preparo do solo (Quadro 4), o menor tempo para iniciar a enxurrada ocorreu no SSC, justificado pela menor rugosidade (Quadro 2) e pela ausência de cobertura (Quadro 3). Assim, a superfície do solo descoberta no SSC foi submetida ao impacto direto das gotas de chuva, o que promoveu o selamento superficial e, conseqüentemente, reduziu a taxa de infiltração de água, concordando com Bertol (1995), Bertol et al. (1997b) e Mello (2002). Além de iniciar a enxurrada em menor tempo, a taxa de enxurrada atingiu o pico com maior rapidez no SSC do que nos demais tratamentos que sofreram preparo, o que pode ser explicado do mesmo modo como foi para o tempo de início da enxurrada.



No CMI, o tempo necessário para iniciar a enxurrada foi 17 % maior do que no PCO, enquanto o tempo necessário para a enxurrada atingir a taxa máxima foi igual nos dois tratamentos (Quadro 4). No CMI, além da maior rugosidade (Quadro 2), que aumentou a armazenagem da água na superfície, a maior cobertura (Quadro 3) reduziu a exposição do solo à ação das gotas de chuva, tornando-o menos susceptível ao selamento superficial e mantendo maior infiltração de água do que no PCO, concordando com dados de Cogo et al. (1984) e Mello (2002).

A alta declividade do terreno (Quadro 4) e a baixa cobertura do solo (Quadro 3) no SDDQ justificam o reduzido tempo de início da enxurrada neste tratamento. No SDD, por outro lado, apesar da alta declividade do terreno, o tempo necessário para iniciar a enxurrada foi longo, principalmente por causa da presença da cobertura do solo ocasionada pelo resíduo do campo natural dessecado.

Na média dos testes de chuva, a menor perda de água ocorreu no CMI, dentre os tratamentos que sofreram preparo (Quadro 5), explicada pela maior rugosidade (Quadro 2) e cobertura do solo (Quadro 3), além da provável maior porosidade total da camada preparada. Dentre essas variáveis, a cobertura teve o principal efeito, pela proteção da superfície do solo contra o impacto das gotas de chuva, protegendo ainda a rugosidade e a porosidade. Assim, o CMI dificultou mecanicamente o escoamento e facilitou a infiltração da água, conforme verificado por Mello (2002), concordando com os trabalhos de Cogo et al. (1984) e Bertol et al. (1997b).


No SDD e SDDQ, ocorreram baixas perdas de água, especialmente no teste 1. A elevada rugosidade superficial em ambos os tratamentos (Quadro 2) e a cobertura do solo (1,00 m2 m-2 no SDD e 0,30 m2 m-2 no SDDQ — Quadro 3), proporcionada pelo resíduo do campo natural, contribuíram parcialmente para aumentar a infiltração de água e diminuir o escoamento superficial nos dois tratamentos. Além disso, a provável boa condição física do solo, presente no campo natural nos referidos tratamentos, contribuiu fortemente para este comportamento das perdas de água.

Nos testes de chuva 2 e 3, as perdas de água no SDDQ e SDD foram maiores do que no teste 1 (Quadro 5), talvez porque as boas propriedades físicas do solo, presentes nestes tratamentos antes da primeira chuva, foram alteradas negativamente com o decorrer do tempo. Os testes de chuva 2 e 3 não diferiram entre si quanto às perdas de água, em todos os tratamentos de preparo do solo. Isso pode ser explicado pelo limite do solo com relação à capacidade de infiltração de água, a partir do qual as taxas de infiltração e de enxurrada tendem a se tornar semelhantes, em diferentes momentos durante a chuva e em distintos sistemas de manejo do solo, conforme constatado também por outros autores (Bertol, 1994; Bertol et al., 1997b; Morais & Cogo, 2001).

A perda de solo no SSC foi 3,5 e 24 vezes maior do que no PCO e CMI, respectivamente, na média dos testes de chuva (Quadro 5). Nos tratamentos SDD e SDDQ, por outro lado, ela foi extremamente baixa. Esse comportamento deveu-se não só aos fatores que influíram na enxurrada, ou seja, rugosidade (Quadro 2) e cobertura (Quadro 3) superficiais, mas também à melhor estrutura presente no SDD e SDDQ, que influenciou o tempo necessário para a enxurrada atingir taxa máxima (Quadro 4), reduzindo as concentrações de sedimentos na enxurrada. Esses resultados mostram a tendência de aumento das perdas de solo com o aumento da intensidade e número de operações de preparo do solo (Cogo, 1981; Bertol 1995; Schick, 1999).

A perda de solo no PCO foi, aproximadamente, sete vezes maior do que no CMI, na média dos testes de chuva, explicada pelo fato de que a cobertura do solo no CMI (Quadro 3) dissipou a energia cinética das gotas de chuva sobre a quase totalidade da superfície do solo, diminuindo a desagregação das partículas e, conseqüentemente, a concentração de sedimentos na enxurrada. A cobertura vegetal no CMI ainda representou um obstáculo ao livre escoamento da água, ocasionando acentuada redução na capacidade de transporte de sedimentos na enxurrada. A maior rugosidade do CMI (Quadro 2) contribuiu para a redução da perda de solo nesse tratamento, já que aumentou a infiltração de água e reduziu o escoamento, além de ter armazenado sedimentos nas microdepressões do terreno.

Houve aumento nas perdas de solo, do início ao final do ciclo da soja (entre o 1o e o 3o teste de chuva), nos tratamentos que receberam preparo (Quadro 5). Isso foi atribuído à redução da cobertura por resíduos culturais, no caso do CMI e PCO (Quadro 3), a qual não foi suficientemente compensada pelo aumento da cobertura ocasionada pela copa das plantas da cultura. Além disso, a degradação do solo, decorrente do preparo e da ação das chuvas naturais que ocorreram no período, tornou a superfície do solo mais susceptível à erosão em sulcos nas chuvas simuladas subseqüentes, principalmente no SSC. Nos tratamentos de semeadura direta, SDD e SDDQ, houve, em geral, redução nas perdas de solo do primeiro para o terceiro teste de chuva, graças à manutenção da cobertura por resíduos (Quadro 3), ao aumento da cobertura pela copa das plantas de soja e à consolidação natural do solo, relativamente constante nesse período.

O SSC apresentou a maior taxa constante de enxurrada entre os tratamentos estudados (Quadro 6), em virtude da degradação da estrutura do solo ocasionada pelo preparo e do impacto das gotas de chuva diretamente sobre a superfície do solo descoberta e, ainda, das escarificações manuais efetuadas durante o período experimental. O preparo do solo realizado com o escarificador no CMI, além de produzir elevada rugosidade (Quadro 2) e provavelmente aumentar a porosidade total, manteve elevada cobertura por resíduos culturais na superfície (Quadro 3). Isso reduziu a velocidade da enxurrada e aumentou a capacidade de retenção e de infiltração de água no solo, o que concorda com as afirmações de Cogo et al. (1984), Bertol (1995), Bertol et al. (1997b) e Schick et al. (2000).


Essas diferenças, em favor do CMI, justificam a tendência deste tratamento em apresentar menor perda de água, em relação ao PCO. Apesar disso, as diferenças na perda de água entre estes tratamentos não foram tão expressivas quanto foram na perda de solo, concordando com os dados obtidos por Bertol (1986) e Bertol (1995).

A concentração de sedimentos durante o período de enxurrada constante foi 95 e 74 % menor no CMI e PCO, respectivamente, do que no SSC, na média dos testes de chuva (Quadro 6). Isso pode ser explicado pela maior cobertura do solo (Quadro 3), a qual, ao dissipar a energia das gotas de chuva, preservou a elevada rugosidade por maior espaço de tempo durante a chuva (Quadro 2) no CMI e PCO, ocasionando a maior deposição de sedimentos nas depressões do microrrelevo nesses tratamentos.

Nos tratamentos de semeadura direta (SDD e SDDQ), as concentrações de sedimentos na enxurrada foram muito baixas (Quadro 6), explicadas do mesmo modo como para as perdas de solo. Além disso, as microdepressões do terreno e o resíduo vegetal do campo dessecado, no caso da SDD, e as soqueiras do campo natural, remanescentes após a queima, no caso da SDDQ, retiveram na superfície do solo parte dos sedimentos transportados pela enxurrada. A elevada cobertura do solo no tratamento SDD (Quadro 3) também atuou como um "filtro" para o escoamento superficial da água e, principalmente, reduziu a desagregação do solo pelo impacto das gotas de chuva. As baixas concentrações de sedimentos na enxurrada também foram influenciadas pela consolidação e pela qualidade da estrutura do solo, provavelmente presentes no campo natural nesses dois tratamentos.

Na média dos três testes de chuva, a taxa de perda de solo no SSC foi aproximadamente 3, 20, 52 e 78 vezes maior do que no PCO, CMI, SDD e SDDQ, respectivamente, no período de enxurrada constante (Quadro 6). Este comportamento foi mais influenciado pela concentração de sedimentos na enxurrada do que pelo volume de enxurrada. Assim, nos tratamentos em que o volume de enxurrada foi alto, a taxa de perda de solo foi controlada, principalmente, pela concentração de sedimentos presentes no fluxo e fracamente influenciada pelo volume de enxurrada. Nos tratamentos em que a concentração de sedimentos foi elevada, a taxa de perda de solo foi parcialmente controlada pelo volume de enxurrada, sendo influenciada, na mesma proporção, pela concentração de sedimentos no fluxo.

CONCLUSÕES

1. O cultivo mínimo reduziu as perdas de solo em 85 % e de água em 34 % em relação ao preparo de solo convencional, durante o cultivo da soja; no preparo de solo convencional, o cultivo da soja reduziu as perdas de solo em 71 %, em relação ao solo sem a cultura, sem influir nas perdas de água; no campo natural dessecado e no campo natural dessecado e queimado, as perdas de solo apresentaram valores iguais entre si e cerca de 98 % menores do que no preparo convencional, enquanto as perdas de água, também iguais foram cerca de 9 % menores do que no convencional.

2. As perdas de solo aumentaram com o aumento do número de chuvas nos sistemas de manejo com algum tipo de preparo, enquanto nos sistemas sem preparo as perdas de solo tenderam a diminuir e as de água a aumentar com o número de chuvas.

3. No período de enxurrada constante, as perdas de solo e de água em geral comportaram-se de maneira semelhante àquelas ocorridas durante o período inteiro de duração da enxurrada, no que se refere à influência do sistema de manejo do solo e do número de chuvas sobre a erosão hídrica.

AGRADECIMENTOS

Ao Colégio Agrícola Caetano Costa, pela cessão da área experimental e pelo auxílio nos trabalhos de campo durante o experimento.

LITERATURA CITADA

Executado com recursos parciais do CAV e CNPq.

Recebido para publicação em abril de 2002 e aprovado em julho de 2003.

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  • 1
    Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada à Faculdade de Agronomia, Universidade do Estado de Santa Catarina — CAV/UDESC.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2003
    • Recebido
      Abr 2002
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