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Caracterização química e físico-hídrica de um Latossolo Vermelho após vinte anos de manejo e cultivo do solo

Chemistry and physical-hydric characterization of a Red Latosol after 20 years of different soil use and management

Resumos

O manejo e o cultivo alteram a estrutura do solo que, por sua vez, interfere em uma série de propriedades físico-hídricas na camada superficial. Este trabalho teve por objetivo avaliar parâmetros químicos e físico-hídricos com implicações na agregação do solo, além da macroporosidade e disponibilidade de água em um Latossolo Vermelho submetido à semeadura direta e ao preparo com arado de discos por 20 anos, tendo como testemunha o solo sob Cerrado nativo. A semeadura direta, pela ausência de revolvimento e tráfego de máquinas, foi o sistema que mais alterou a estrutura do solo, na profundidade de 0-5 cm. Entretanto, este aspecto não indicou restrição para cultivo, tendo sido observado, neste sistema, maior disponibilidade de água nessa profundidade, em relação aos sistemas arado de discos e Cerrado. A densidade do solo na semeadura direta, nas profundidades 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 e 30-40 cm, foi inferior ou igual àquela do arado de discos, possivelmente em razão do maior teor de carbono orgânico presente no solo e ausência de revolvimento. O valor de diâmetro médio geométrico dos agregados até à profundidade de 10 cm foi maior no Cerrado, seguido da semeadura direta e arado de discos, não tendo sido encontradas diferenças significativas a partir desta profundidade. Na profundidade de 20-30 cm, o sistema de preparo com arado de discos foi o que mais alterou a estrutura do Latossolo Vermelho, evidenciado pelo maior valor da densidade do solo, menor volume de macroporos e maior deslocamento, para baixo, da curva característica de água no solo na faixa de tensão entre 0 e 6 kPa e, para cima, entre 6 e 100 kPa.

retenção de água pelo solo; distribuição de tamanho dos poros; semeadura direta; cultivo convencional


The management and tillage change the soil structure, which in turn interferes with a series of physic-hydraulic properties in the surface soil layer. This work had as objective to evaluate chemical and physical-hydraulic soil properties that have implications on soil aggregation, macroporosity, and the available soil water in Red Latosol (Oxisol), either cropped under no-tillage or disk plowed for 20 years. The control was a native Cerrado (savannah) vegetation. Because of the absence of soils tillage and reduced machinery traffic, the no-tilllage system led to a decrease in macropore volume at a soil depth of 0-5 cm. However, this change caused no restriction to cultivation since the largest soil water availability at this depth had been observed in this system in comparison to the other studied systems. Soil bulk densities in the area under no-till, in the studied depths, were smaller or equal to those of the area under disk plowing, possibly due to the higher organic carbon content in that system and the absence of soil revolvement. The observed mean geometric diameters of aggregates up to 10 cm depth, in descending order, were found in soils under native vegetation (Cerrado), no-till, and disk plow. No significant differences were found at greater depths. At the 20-30 cm depth, disk plowing was the system that affected the Red Latosol structure the most, as indicated by the largest value of soil bulk density, smaller macroporosity, and a larger downward displacement of the characteristic soil moisture curve in the tension range of 0 to 6 kPa and upwards for tensions between 6 and 100 kPa.

soil-water retention; pore size distribution; no till; conventional till


SEÇÃO VI - MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA

Caracterização química e físico-hídrica de um Latossolo Vermelho após vinte anos de manejo e cultivo do solo(1 (1 ) Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras — UFLA. Projeto parcialmente financiado pelo CNPq. )

Chemistry and physical-hydric characterization of a Red Latosol after 20 years of different soil use and management

G. C. OliveiraI; M. S. Dias JuniorII; D. V. S. ResckIII; N. CuriII

IProfessor da Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos, Universidade Federal de Goiás — UFG. Caixa Postal 131, CEP 74615-300 Goiânia (GO). Bolsista da CAPES. E-mail: gcesar@agro.ufg.br

IIProfessor do Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras — UFLA. Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras (MG). Bolsista do CNPq. E-mail: msouzadj@ufla.br; niltcuri@ufla.br

IIIPesquisador da Embrapa, Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados — CPAC. Caixa Postal 08223, CEP 73301-970 Planaltina (DF). Bolsista do CNPq. E-mail: dvsresck@cpac.embrapa.br

RESUMO

O manejo e o cultivo alteram a estrutura do solo que, por sua vez, interfere em uma série de propriedades físico-hídricas na camada superficial. Este trabalho teve por objetivo avaliar parâmetros químicos e físico-hídricos com implicações na agregação do solo, além da macroporosidade e disponibilidade de água em um Latossolo Vermelho submetido à semeadura direta e ao preparo com arado de discos por 20 anos, tendo como testemunha o solo sob Cerrado nativo. A semeadura direta, pela ausência de revolvimento e tráfego de máquinas, foi o sistema que mais alterou a estrutura do solo, na profundidade de 0-5 cm. Entretanto, este aspecto não indicou restrição para cultivo, tendo sido observado, neste sistema, maior disponibilidade de água nessa profundidade, em relação aos sistemas arado de discos e Cerrado. A densidade do solo na semeadura direta, nas profundidades 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 e 30-40 cm, foi inferior ou igual àquela do arado de discos, possivelmente em razão do maior teor de carbono orgânico presente no solo e ausência de revolvimento. O valor de diâmetro médio geométrico dos agregados até à profundidade de 10 cm foi maior no Cerrado, seguido da semeadura direta e arado de discos, não tendo sido encontradas diferenças significativas a partir desta profundidade. Na profundidade de 20-30 cm, o sistema de preparo com arado de discos foi o que mais alterou a estrutura do Latossolo Vermelho, evidenciado pelo maior valor da densidade do solo, menor volume de macroporos e maior deslocamento, para baixo, da curva característica de água no solo na faixa de tensão entre 0 e 6 kPa e, para cima, entre 6 e 100 kPa.

Termos de indexação: retenção de água pelo solo; distribuição de tamanho dos poros, semeadura direta; cultivo convencional.

SUMMARY

The management and tillage change the soil structure, which in turn interferes with a series of physic-hydraulic properties in the surface soil layer. This work had as objective to evaluate chemical and physical-hydraulic soil properties that have implications on soil aggregation, macroporosity, and the available soil water in Red Latosol (Oxisol), either cropped under no-tillage or disk plowed for 20 years. The control was a native Cerrado (savannah) vegetation. Because of the absence of soils tillage and reduced machinery traffic, the no-tilllage system led to a decrease in macropore volume at a soil depth of 0-5 cm. However, this change caused no restriction to cultivation since the largest soil water availability at this depth had been observed in this system in comparison to the other studied systems. Soil bulk densities in the area under no-till, in the studied depths, were smaller or equal to those of the area under disk plowing, possibly due to the higher organic carbon content in that system and the absence of soil revolvement. The observed mean geometric diameters of aggregates up to 10 cm depth, in descending order, were found in soils under native vegetation (Cerrado), no-till, and disk plow. No significant differences were found at greater depths. At the 20-30 cm depth, disk plowing was the system that affected the Red Latosol structure the most, as indicated by the largest value of soil bulk density, smaller macroporosity, and a larger downward displacement of the characteristic soil moisture curve in the tension range of 0 to 6 kPa and upwards for tensions between 6 and 100 kPa.

Index terms: soil-water retention, pore size distribution; no till, conventional till.

INTRODUÇÃO

No Cerrado brasileiro, os Latossolos ocupam cerca de 50 % da área (Macedo, 1996). Por seu elevado grau de intemperismo, os solos apresentam baixa fertilidade natural, contrastando com a elevada estabilidade dos agregados, decorrente da atuação dos óxidos (termo inclusivo para óxidos, oxidróxidos e hidróxidos) de alumínio e ferro presentes na fração argila (Ferreira et al., 1999), baixa densidade do solo, alto volume de macroporos e alta friabilidade, o que favorece sobremaneira o seu manejo.

Corrigidos quimicamente, os solos da região do Cerrado passaram a contribuir significativamente para a produção agropecuária do País. Entretanto, tem-se observado uma intensa movimentação de máquinas e equipamentos nas lavouras (Mantovani, 1987), muitas vezes em condições inadequadas de umidade, o que tem trazido conseqüências negativas para a estrutura do solo e para o meio ambiente, em razão da erosão hídrica (Resende et al., 1996).

A forma de manejo do solo denominada semeadura direta surgiu no Brasil na década de 1970 e vem sendo apontada como uma opção para assegurar a sustentabilidade do meio agrícola (Silva et al., 2000). Entretanto, o não-revolvimento do solo neste sistema provoca a compactação e a diminuição do volume de macroporos na camada superficial (Stone & Silveira, 1999; Bertol et al., 2001). Apesar disso, alguns trabalhos destacam um balanço positivo entre porosidade de aeração e armazenamento de água no solo sob este sistema de manejo (Stone & Silveira, 1999). Todavia, há, ainda, principalmente na região do Cerrado, uma carência de informações com base em experimentos de longa duração que monitorem o efeito das alterações nas propriedades físico-hídricas do solo ao longo do tempo. Isso tem contribuído para que a adoção da semeadura direta muitas vezes seja feita com base em propaganda, desprovida de base científica (Costa, 1998).

Com base nestes aspectos, este trabalho teve por objetivo avaliar propriedades químicas e físico-hídricas, com implicações na agregação do solo, macroporosidade e disponibilidade de água, de um Latossolo Vermelho do planalto central brasileiro, submetido ao uso e ao manejo diferenciados por 20 anos, tendo como testemunha o solo sob Cerrado nativo.

MATERIAL E MÉTODOS

Neste estudo, foram selecionadas duas parcelas experimentais com dimensões de 50 x 25 m, num experimento instalado sobre um Latossolo Vermelho distrófico típico (EMBRAPA, 1999), da Estação Experimental do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (Embrapa Cerrados), localizada no Planalto Central do Brasil, em Planaltina, DF (latitude 15 °36 ' S; longitude 47 ° 42 ' W, e altitude de 1.014 m). O experimento foi realizado, durante 20 anos, envolvendo os tratamentos arado de discos e semeadura direta. Outro tratamento sob vegetação natural de Cerrado, situado ao lado, foi conduzido como referência. Em 1979, antes da instalação do experimento, a área foi dividida em duas parcelas experimentais, sendo uma trabalhada com arado de discos e outra com arado de aivecas, para incorporação de calcário e fertilizantes corretivos que continham fósforo e potássio.

No segundo ano agrícola (1980/1981), cada parcela experimental foi dividida em quatro subparcelas de 50 x 25 m, recebendo, cada uma, os seguintes tratamentos de manejo do solo: (a) semeadura direta; (b) aração com incorporação dos restos culturais após colheita da cultura principal em abril/maio; (c) aração com incorporação dos restos culturais na época que antecede a semeadura da cultura principal em setembro/outubro, e (d) escarificação. Apenas os tratamentos "a" e "c", na parcela com arado de discos, foram selecionados para este trabalho.

O manejo e o cultivo adotados nestes tratamentos, desde 1979, são apresentados no quadro 1.


Em fevereiro de 1999, por ocasião do florescimento da cultura de soja e, em outubro do mesmo ano, após preparo do solo com arado de discos, no tratamento com preparo convencional, foram feitas amostragens em três pontos de uma linha diagonal, distantes 21 m entre si, com os pontos extremos a 6 m da borda limítrofe da parcela. Foram coletadas, nas profundidades de 0-5, 5-10, 10-20, 20-30 e 30-40 cm, amostras do solo deformadas e não deformadas que foram submetidas às análises químicas e físico-hídricas. Três amostras não deformadas foram coletadas em cada época, em cada parcela e nas profundidades acima referidas, em anéis de 50 mm de diâmetro e 51 mm de altura, para obtenção das curvas de retenção de água pelo método da centrífuga (Freitas Jr. & Silva, 1984) nas tensões de água correspondentes a 1, 2, 4, 6, 8, 10, 33, 60, 80, 100 e no aparelho extrator de Richards nas tensões de 500 e 1.500 kPa (EMBRAPA, 1997). Doze amostras, nas mesmas épocas e profundidades, também foram coletados em anéis com 63 mm de diâmetro e 25 mm de altura, para análise de densidade do solo (EMBRAPA, 1997).

As amostras não deformadas, utilizadas na análise da curva de retenção de água, foram previamente saturadas por 24 h e submetidas a rotações variadas da centrífuga por um período de 30 min. Cada número de rotação utilizado na centrífuga corresponde a uma tensão aplicada à amostra, podendo o método de cálculo para a rotação adequada ser encontrado em Freitas Jr. & Silva (1984). O período de 30 min foi fixado por ser suficiente para a estabilização da quantidade de água que é retirada da amostra pelo movimento de rotação da centrífuga (Santos, 1997).

Para obtenção das curvas características de água do solo, os valores da umidade volumétrica foram ajustados de acordo com a tensão da água no solo (q = f(ym), utilizando-se o software Sigma Plot 2.0 (Jandel Scientific, P.O. Box 7005, San Raphael, CA, USA). A água disponível, neste trabalho designada como água prontamente disponível, foi calculada pela seguinte expressão: APD = q6 - q100, sendo APD = água prontamente disponível (cm3 cm-3), q6 = umidade volumétrica equivalente à tensão matricial de 6 kPa e q100 = umidade volumétrica equivalente à tensão matricial de 100 kPa, seguindo sugestões de Santos (1997).

Com vistas em quantificar os poros por tamanho, baseou-se na expressão matemática proposta por Bouma (1991): D = 4 s Cos q/ym, sendo D o diâmetro do poro (µm); s a tensão superficial da água (73,43 kPa µm a 20 °C); q o ângulo de contato entre o menisco e a parede do tubo capilar (considerado como 0) e ym a tensão de água no solo (kPa). Seguindo sugestões de Santos (1997), o diâmetro do poro foi relacionado com a tensão aplicada à amostra, correspondente a um número de rotação utilizada na centrífuga; diferente, portanto, da metodologia original que se baseia na ascensão da água em um tubo capilar (Bouma, 1991).

As amostras deformadas foram utilizadas para análises de caracterização (óxidos pelo ataque sulfúrico e textura pelo método da pipeta) (Quadro 2), complexo sortivo e carbono orgânico (CO), segundo método adotado pela EMBRAPA (1997). A estabilidade de agregados em água foi feita pelo método descrito por Kemper & Rosenau (1986), com modificações sugeridas por Guedes (1997), no qual os agregados foram obtidos mediante manipulação com as mãos, sendo usados para peneiramento em água os agregados que passaram na peneira de 8,0 mm e ficaram retidos na de 2,0 mm. Adotou-se como índice de agregação o diâmetro médio geométrico (DMG).


Os resultados das análises físico-hídricas e de carbono orgânico foram submetidos à análise de variância, enquanto a comparação entre as médias dos sistemas de manejo foi feita pelo teste de Scott-Knott (p < 0,05) (Steel & Torrie, 1976).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados do quadro 2 revelam o intemperismo do Latossolo Vermelho em estudo, confirmado pelo seu índice Ki (Ki = 1,3) (EMBRAPA, 1999), justificando a pobreza química do referido solo (Quadro 3). Observa-se, no entanto, uma melhoria da fertilidade do solo quando manejado adequada-mente, justificando os ganhos de produtividade das culturas da região e o avanço da fronteira agrícola para esta parte do País (Macedo, 1996).


Alguns componentes do complexo de troca do solo foram afetados de forma diferenciada, em profundidade, pelos sistemas de manejo avaliados (Quadro 3). No sistema de semeadura direta, considerando o não-revolvimento do solo, os nutrientes ficaram concentrados nos primeiros 20 cm, corroborando com Pavan (1997). Apesar do revolvimento, o sistema de preparo com arado de discos não apresentou melhor distribuição dos nutrientes na profundidade acima citada, com exceção do K e P. Os dados, em princípio, demonstram que os nutrientes Ca e Mg, quando colocados na superfície do solo, com o tempo translocam para camadas mais profundas. Estes comentários, de certa forma, subsidiam o questionamento, no meio agronômico, a respeito da necessidade de se revolver o solo do Cerrado para incorporação de adubos e corretivos, após longo período de adoção do sistema de semeadura direta (Pavan, 1997; Sá, 1997).

Nos primeiros 20 cm de profundidade (Quadro 3), independentemente do manejo adotado (semeadura direta ou arado de discos), o solo apresentou valores de saturação por bases (valor V) acima de 50 %, o que satisfaz as exigências das principais culturas da região para obter boas produtividades (Sá, 1997). A partir de 20 cm de profundidade, entretanto, os teores de alumínio nos dois sistemas de manejo atingiram, em geral, valores superiores a 0,5 cmolc dm-3. Isso pode significar uma barreira química ao desenvolvimento do sistema radicular das plantas cultivadas mais sensíveis a este elemento (Lopes, 1996), com conseqüências negativas, especialmente no caso de ocorrência de veranicos (Resende et al., 1996).

O teor de carbono orgânico em todo o perfil do solo sob semeadura direta foi igual ao da condição de Cerrado (Quadro 3); nos primeiros 10 cm da superfície, isto se deve aos resíduos ali depositados pelas culturas, em concordância com Campos et al. (1995), Santos (1997), Guedes (1997), Silva et al. (2000) e Beutler et al. (2001).

Os teores de carbono orgânico no sistema de preparo com arado de discos, nos primeiros 10 cm, foram menores do que os teores no solo sob Cerrado e sob semeadura direta (Quadro 3). Esse resultado deve-se à ação de revolvimento do solo feita pelo arado de discos, quebrando agregados na camada superficial do solo (Alvarenga et al., 1987), eliminando a proteção física da matéria orgânica e expondo-a ao ataque dos microrganismos (Tisdall & Oades, 1982). Esta ação provoca perdas de carbono do solo na forma de CO2 (Resck, 1993), o que contribui para o efeito estufa e aquecimento global do planeta.

Nas profundidades de 0-5 e 5-10 cm do solo, na seqüência Cerrado e semeadura direta, foram observados valores de DMG maiores do que os do sistema arado de discos (Quadro 4), concordando com Beutler et al. (2001). Isto pode ser devido aos maiores teores de carbono orgânico presentes nos sistemas sem revolvimento do solo (Quadro 3), visto que o carbono orgânico tem um papel preponderante nos processos de formação e estabilização de macroagregados no solo, por ser um eficiente agente cimentante (Campos et al., 1995). Apesar da reconhecida participação do carbono orgânico na agregação do solo, os maiores valores de DMG, na camada superficial do solo nos sistemas semeadura direta e Cerrado, foram devidos, também, à pequena ou nula movimentação do solo, respectivamente, em relação ao sistema arado de discos. Por outro lado, não foram notadas diferenças estatísticas, entre sistemas, no que se refere aos valores de DMG, em profundidades abaixo de 10 cm (Quadro 4), considerando os menores teores de carbono orgânico (Quadro 3).


A densidade do solo (Ds) obedeceu, em geral, à seguinte ordem para uma mesma profundidade: Ds Cerrado < Ds semeadura direta < Ds sistema arado de discos (Figura 1). Desta forma, nota-se que o solo sob semeadura direta, mesmo recebendo o tráfego de máquinas, apresentou valores de densidade estatisticamente idênticos ou inferiores aos valores encontrados no mesmo solo sob o manejo com arado de discos. O arado movimenta o solo e o deixa mais solto, pelo menos temporariamente (Figura 1).


Este comportamento da densidade do solo, nos 20 anos sob semeadura direta, pode ter favorecido a estrutura do solo. Esta aparente melhoria na estrutura, neste sistema de manejo do solo (Figura 1), poderia estar associada à rotação que vem sendo realizada com a cultura de milho, a qual adiciona uma quantidade significativa de massa seca à sua superfície (Albuquerque et al., 1995), além do efeito do sistema radicular de plantas. Além dos efeitos benéficos do carbono orgânico na agregação, a palhada decorrente do milho pode atuar amortecendo as pressões exercidas pelas máquinas na superfície do solo, preservando a sua estrutura. Por outro lado, é preciso cautela na avaliação da estruturação de um solo sob diferentes manejos, com base apenas na densidade, uma vez que este atributo do solo pode mostrar uma fraca correlação com o crescimento de plantas (Campbell, 1994).

Na faixa de umidade do solo correspondente às tensões entre 6 e 100 kPa, nota-se um deslocamento para cima das curvas de umidade do solo, tanto no sistema de preparo com arado de discos quanto na semeadura direta, em relação às curvas de umidade do solo sob Cerrado. Isto indica maior retenção de água pelo solo nos sistemas sob manejo nesta faixa de tensão (Resende et al., 1996).

Na faixa de tensão entre 100 e 1.500 kPa, particularmente nos sistemas que envolvem cultivo, nas várias profundidades (Figura 2), as curvas exibiram aspecto próximo do retilíneo, assintótico ao eixo da abscissa, a exemplo do que foi relatado por Resck et al. (1991), indicando a existência de ultramicroporos com baixa capacidade de armazenamento de água. Em solos altamente intemperizados, a água disponível para as plantas em geral está retida na faixa de tensões de 0 e 100 kPa (Santos, 1997). Porém, entre 0-6 kPa (macroporos), a condutividade hidráulica é alta, sendo a parte considerável da água drenada em pouco tempo, o que justifica o cálculo de disponibilidade de água para as plantas, em Latossolos da região dos Cerrados, com base na umidade retida sob tensões entre 6 e 100 kPa, em concordância com Resck (1993).


Considerando o diâmetro de 50 µm (tensão de 6 kPa) como o limite entre macroporos e microporos (retenção de água) (Oliveira, 1968; Ferreira et al., 1999), observa-se, pela análise do quadro 5 e figura 2, que, em comparação ao Cerrado, o solo cultivado sofreu redução na macroporosidade e aumento na porosidade de retenção de água, em toda a profundidade analisada, concordando com Bertol et al. (2001), trabalhando em um Cambissolo Húmico. Este resultado está coerente com os maiores valores de densidade observados (Figura 1) e corroboram sugestões de Resende et al. (1999). Segundo estes autores, nos Latossolos mais intemperizados, com baixa capacidade de armazenamento de água para as plantas, a compactação do solo poderia ser benéfica em termos de retenção de água, pela transformação de parte dos macroporos em microporos.


Em decorrência do tráfego de máquinas e da ausência de revolvimento, observa-se que, na profundidade de 0-5 cm (Quadro 5), a semeadura direta foi o sistema que mais alterou a estrutura do solo, por apresentar o menor volume de poros com diâmetros superiores a 145 µm, cujo comportamento também foi detectado por Bertol et al. (2001), trabalhando sobre um Cambissolo Húmico. Em compensação, observa-se, nesta profundidade, um maior volume de poros entre 50 e 9,0 µm de diâmetro (água retida sob tensões entre 6 e 33 kPa), o que é benéfico (valores médios) por significar água mais facilmente disponível para as plantas no sistema de semeadura direta, nessa profundidade.

Na profundidade de 20-30 cm, o sistema arado de discos foi o que mais alterou a estrutura, evidenciado, pela maior densidade do solo (Figura 1), menor macroporosidade (Quadro 5) e maior deslocamento, para baixo, da curva característica de água na faixa de tensões entre 0 e 6 kPa e, para cima, entre 6 kPa e 100 kPa (Figura 2). A ação contínua do arado acima da profundidade especificada foi provavelmente responsável pelas mudanças na estrutura do solo, a exemplo do que foi relatado por Tormena et al. (1998). Entretanto, nesta profundidade (20 a 30 cm), no sistema arado de discos, a alteração da estrutura do solo (Figura 2) ocasionou benefícios em termos de disponibilidade de água para as plantas, ao se comparar o arado de discos com a semeadura direta, nesta mesma profundidade (Quadro 5).

Considerando a maior cobertura morta na superfície do solo (Stone & Silveira, 1999), maior teor de carbono orgânico (Quadro 3), maior disponibilidade de água para as plantas (Quadro 5), em associação à fertilidade melhorada nos primeiros 20 cm de profundidade (Quadro 3), em princípio é esperada maior sustentabilidade agrícola da semeadura direta em relação ao sistema arado de discos, após longo período de uso dos solos sob este sistema, na região do Cerrado brasileiro, concordando com Sá (1997) e Stone & Silveira (1999). Salienta-se, entretanto, que, embora significativas, não são grandes as diferenças entre os sistemas de manejo. Por outro lado, a maior disponibilidade de água observada no sistema semeadura direta restringe-se aos cinco primeiros centímetros do solo.

CONCLUSÕES

1. Os teores de carbono orgânico encontrados no sistemas semeadura direta e Cerrados foram superiores àqueles do sistema de preparo com arado de discos, nos primeiros 10 cm da superfície, trazendo benefícios em termos de agregação do solo.

2. Em virtude do trânsito de máquinas e ausência de revolvimento, a semeadura direta foi o sistema que mais alterou a estrutura do solo por apresentar o menor volume de poros com diâmetros superiores a 145 µm na profundidade de 0-5 cm.

3. A semeadura direta apresentou maior disponibilidade de água do que o sistemas arado de discos e Cerrado na profundidade de 0-5 cm do solo.

4. A semeadura direta apresentou valores superiores ou iguais aos do sistema com arado de discos para Ca, Mg, K e P nos primeiros 10 cm do solo. Na profundidade de 10 a 20 cm, foi verificado um comportamento inverso somente para os elementos potássio e fósforo.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em abril de 2002 e aprovado em fevereiro de 2004.

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  • (1
    ) Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras — UFLA. Projeto parcialmente financiado pelo CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2004
    • Recebido
      Abr 2002
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