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Identificação e caracterização de solos coesos no Estado do Ceará

Identification and characterization of cohesive soils in the State of Ceará, Brazil

Resumos

Dada a grande importância dos solos coesos derivados de sedimentos da Formação Barreiras e sua extensa área ocupada no Nordeste brasileiro, este trabalho teve como objetivo identificar e caracterizar a ocorrência de solos coesos nos tabuleiros costeiros no estado do Ceará. O estudo foi realizado em três perfis de solos, sendo dois Argissolos coesos e um Argissolo não-coeso, nos quais foram observadas as características morfológicas e determinadas as propriedades físicas, químicas e mineralógicas para a identificação e comprovação do(s) horizonte(s) coeso(s). Os resultados comprovaram a hipótese de ocorrência de solos coesos no estado do Ceará e a semelhança destes com solos coesos estudados em outros estados brasileiros. A RP foi o indicador mais sensível da coesividade do solo.

horizontes coesos; parâmetros morfológicos; tabuleiros costeiros no estado do Ceará


Given the importance of cohesive soils derived from sediments of the Barreiras Formation, and the extensive area occupied by them in northeastern Brazil, the objective of this study was to identify and characterize the occurrence of cohesive soils in Coastal Plains of Ceara State. Three soil profiles were studied: two cohesive Argisols and one non-cohesive Argisol. Their morphological characteristics and physical, chemical, and mineralogical properties were assessed to confirm the presence of cohesive horizons. The results validated the hypothesis of occurrence of cohesive soils in Ceara State and the similarities of these with cohesive soils studied in other Brazilian states. The PR was the most sensitive indicator of soil cohesiveness.

Cohesive horizons; Morphological parameters; Coastal Plains in the State of Ceará


SEÇÃO V - GÊNESE, MORFOLOFIA E CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

Identificação e caracterização de solos coesos no Estado do Ceará(1) (1) Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor e do projeto de Cooperação Acadêmica entre Cursos de Pós-Graduação do CCA/UFC da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ/USP (PROCAD 2000 da CAPES).

Identification and characterization of cohesive soils in the State of Ceará, Brazil

H. V. LimaI; A. P. SilvaII; P. T. K. JacomineIII; R. E. RomeroIV; P. L. LibardiV

IDoutoranda do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" – ESALQ/USP. Av. Pádua Dias 11, CEP 13400-970 Piracicaba (SP). Bolsista do CNPq. E-mail: herd_agro@hotmail.com

IIProfessor do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas, ESALQ/USP. E-mail: apisilva@esalq.usp.br

IIIProfessor do Departamento de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Rua D. Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, CEP 52171-900 Recife (PE). E-mail: ricardoj@truenet.com.br

IV Professor do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal do Ceará – UFC. CCA - Departamento de Ciências do Solo, Bl. 807, Campus do Pici, CEP 60021-970 Fortaleza (CE). E-mail: reromero@ufc.br

VProfessor do Departamento de Ciências Exatas, ESALQ/USP. E-mail: pllibard@esalq.usp.br

RESUMO

Dada a grande importância dos solos coesos derivados de sedimentos da Formação Barreiras e sua extensa área ocupada no Nordeste brasileiro, este trabalho teve como objetivo identificar e caracterizar a ocorrência de solos coesos nos tabuleiros costeiros no estado do Ceará. O estudo foi realizado em três perfis de solos, sendo dois Argissolos coesos e um Argissolo não-coeso, nos quais foram observadas as características morfológicas e determinadas as propriedades físicas, químicas e mineralógicas para a identificação e comprovação do(s) horizonte(s) coeso(s). Os resultados comprovaram a hipótese de ocorrência de solos coesos no estado do Ceará e a semelhança destes com solos coesos estudados em outros estados brasileiros. A RP foi o indicador mais sensível da coesividade do solo.

Termos de indexação: horizontes coesos, parâmetros morfológicos, tabuleiros costeiros no estado do Ceará.

SUMMARY

Given the importance of cohesive soils derived from sediments of the Barreiras Formation, and the extensive area occupied by them in northeastern Brazil, the objective of this study was to identify and characterize the occurrence of cohesive soils in Coastal Plains of Ceara State. Three soil profiles were studied: two cohesive Argisols and one non-cohesive Argisol. Their morphological characteristics and physical, chemical, and mineralogical properties were assessed to confirm the presence of cohesive horizons. The results validated the hypothesis of occurrence of cohesive soils in Ceara State and the similarities of these with cohesive soils studied in other Brazilian states. The PR was the most sensitive indicator of soil cohesiveness.

Index terms: Cohesive horizons, Morphological parameters, Coastal Plains in the State of Ceará.

INTRODUÇÃO

O termo coeso tem sido utilizado no Brasil para designar horizontes minerais subsuperficiais do solo que apresentam aumento acentuado na coesão entre as suas partículas, tornando-se duro, muito duro ou até extremamente duro, quando seco, e friável, quando úmido (Jacomine, 1996). Os solos com esse comportamento são conhecidos no Brasil como "solos coesos" ou "solos com horizontes coesos".

O caráter coeso foi incorporado ao atual sistema brasileiro de classificação de solos como característica diagnóstica, atribuída à classe dos Latossolos Amarelos (EMBRAPA, 1999). Embora o sistema brasileiro de classificação considere o termo "coeso" apenas para a classe dos Latossolos Amarelos, há registro de ocorrência desse comportamento em Argissolos Amarelos e Argissolos Acinzentados (Jacomine, 2001).

Segundo alguns pesquisadores, o caráter coeso encontra-se em condições naturais, principalmente nos horizontes transicionais AB e, ou, BA, podendo atingir o Bw ou Bt. Sua textura varia de média a argilosa ou muito argilosa, ocorre entre 0,30 a 0,70 m de profundidade ou mais em Argissolos (Jacomine, 1996; Ribeiro, 2001a). O uso agrícola desses solos causa mudança na morfologia dos horizontes superficiais (A e AB) com o desenvolvimento de um horizonte Ap, que pode apresentar sensível perda de estrutura (Silva et al., 1998; Ribeiro, 2001b).

A ocorrência dos horizontes coesos é atribuída a processos geomórficos (Anjos, 1985), ou seja, iniciados com a formação do solo. Entretanto, outros autores evidenciam que este comportamento advém da presença de agentes cimentantes, os quais causariam cimentações temporárias (Ribeiro, 2001a; Araújo Filho et al., 2001) que se desfazem quando o solo é umedecido. Outro processo seria a obstrução dos microporos por migração de materiais finos para as partes inferiores do solo (Ribeiro, 2001a; Giarola & Silva, 2002), como também o ajuste face a face das argilas, resultando em um aumento da densidade do solo (Ferreira et al., 1999a,b).

Dos problemas relacionados com o caráter coeso, pode-se citar a elevada resistência à penetração do solo quando seco, que influencia: (a) o desenvolvimento radicular das plantas, (b) o teor de água disponível e (c) a aeração e a absorção de nutrientes, constituindo um inibidor físico que pode afetar a produção agrícola (Cintra et al., 1997; Rezende, 2000). A baixa disponibilidade de nutrientes desses solos, associada à alta saturação por alumínio e à alta acidez ativa e trocável, constitui também um inibidor químico, dificultando o desenvolvimento radicular e a atividade microbiana do solo (Souza, 1997; Rezende, 2000).

Em virtude da ocorrência de solos coesos em diversas áreas do território brasileiro (Jacomine, 2001) e dos sérios problemas impostos na produção agrícola, estudos vêm sendo realizados com o intuito de elucidar este comportamento, o qual está geologicamente relacionado com os depósitos sedimentares, derivados de materiais argilosos, argilo-arenosos e arenosos da Formação Barreiras (período Terciário), que constituem a unidade geomorfológica dos tabuleiros costeiros.

Grandes áreas produtoras de alimentos estão localizadas nos tabuleiros costeiros, os quais ocupam na região Nordeste uma área estimada de 10.000.000 ha, o que corresponde a aproximadamente 16 % da área total dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará (Souza et al., 2001). A produção dessa área responde por aproximadamente 26,4 % do PIB gerado pelas culturas temporárias e 38,2 % do PIB gerado pelas culturas permanentes na região Nordeste (Cintra et al., 1997).

Apesar de os estudos de identificação dos solos coesos terem sido iniciados desde a metade da década de 50 e intensificados a partir de 1980, ainda há dificuldade na distinção entre solos coesos e não-coesos, principalmente em condições de campo, quando a identificação inicial é feita por pedólogos, por meio da análise morfológica do perfil, sendo necessária a observação de uma trincheira com solo seco para examinar a consistência dura a extremamente dura.

Este procedimento dificulta a identificação do caráter coeso com base em critérios seguros, que permitam a extensão de seu uso às demais regiões do País, já que em condições de campo são utilizadas apenas propriedades qualitativas.

Pode-se ressaltar que as propostas mais recentes utilizadas na identificação do caráter coeso não diferem muito das definições citadas anteriormente; entretanto, nota-se a alta resistência à penetração do martelo pedológico ou trado, bem como a ausência de uma organização estrutural visível, geralmente maciça moderadamente coesa a coesa (a qual se esboroa rapidamente, quando imersa em água), com consistência úmida variando de friável a firme, com densidade do solo mais elevada que os horizontes subjacentes, saturação por base baixa (V< 50 %), teor de Fe2O3 (pelo H2SO4) inferior a 80 g kg-1 e o Ki igual a 1,7 ou superior, isto é, predominância de solos cauliníticos (EMBRAPA, 1999).

Dentre os estados da região Nordeste que apresentam uma extensa área litorânea ocupada pelos tabuleiros, está o Ceará (Rezende, 2000), com mais de 10.000 km2 de solos derivados de sedimentos da Formação Barreiras e que se enquadram dentro do contexto de solos coesos (Jacomine et al., 1973). Sua importância social e econômica é justificada pelas grandes concentrações urbanas e pela grande exploração agrícola.

Apesar de levantamentos de solos no Ceará já terem constatado características morfológicas semelhantes aos horizontes coesos (Melo, 1968; Jacomine et al., 1973), o Estado ainda não dispõe de estudos referentes a esse assunto. No entanto, Ramos & Oliveira (1993) citam problemas de natureza química e física do solo (impedimento à drenagem e compactação), os quais são decorrentes de características naturais do manejo inadequado do solo. Com base nessas informações, estabeleceu-se a hipótese de que existem solos originados de sedimentos da Formação Barreiras no estado do Ceará que apresentam horizonte coeso (endurecido), com limitações físicas e químicas.

O objetivo deste trabalho foi identificar e caracterizar, por meio de parâmetros morfológicos, físicos, químicos e mineralógicos, a ocorrência de solos coesos nos tabuleiros costeiros do estado do Ceará.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado em duas áreas localizadas no estado do Ceará, escolhidas de acordo com informações contidas no Mapa de Solos e no Levantamento Exploratório - Reconhecimento (Jacomine et al., 1973), e baseado em informações pessoais de pedólogos que trabalharam nos Levantamentos de Solos da região.

A escolha da primeira área foi feita com base nos perfis 32 e 33, os quais apresentavam características pertinentes ao caráter coeso (Jacomine et al., 1973), ambos localizados na cidade de Camocim, litoral noroeste do CE. O perfil 1 (P1) corresponde a um Argissolo Amarelo distrófico plíntico coeso em área sob mata, representativo da associação PV7, que abrange dentre as áreas de tabuleiros costeiros mais de 6.000 km2 do estado do Ceará. Os solos dessa associação são derivados de sedimentos Terciários (Plioceno – Mioceno) não consolidados arenosos e argilo-arenosos da Formação Barreiras.

Considerando a extensão dos tabuleiros no litoral cearense e a busca de outros solos que comprovassem o comportamento coeso, procurou-se colher informações de pedólogos que já haviam observado esse comportamento em outras áreas. Com base nesses dados, foram abertas quatro trincheiras em área cultivada com cajueiro, pertencente à Estação Experimental da EMBRAPA/CNPAT na cidade de Pacajus, litoral nordeste do CE, sendo todos os perfis de solo classificados como Argissolo Acinzentado coeso. Graças à homogeneidade desses solos, optou-se por trabalhar com apenas um perfil, o qual foi denominado P2.

Para efeito de comparação quanto à coesão, utilizou-se um perfil de solo (P3) classificado como Argissolo Amarelo não-coeso, localizado em área sob mata e situado próximo ao P2. Ambos os perfis são provenientes de sedimentos arenosos essencialmente quartzosos da Formação Barreiras e representativos da associação AQd4, a qual abrange 3.400 km2 dos tabuleiros costeiros no Ceará.

A descrição morfológica e a determinação dos horizontes foram realizadas conforme definições descritas em Lemos & Santos (1996) e Jacomine (1996). Foram coletadas amostras dos diferentes horizontes para a caracterização física, química e mineralógica. Para determinar a análise granulométrica, tomou-se como base o método proposto por Gee & Bauder (1986).

Os elementos químicos Ca2+, Mg2+ e Al3+ foram extraídos com solução de KCl 1 mol L-1. A extração de P e Na+ foi realizada com solução de H2SO4 0,0125 mol L-1 + HCl 0,05 mol L-1. A determinação da H + Al foi feita com solução de acetato de cálcio 0,5 mol L-1 a pH 7,0. O pH foi determinado em água, KCl 0,5 mol L-1 e CaCl2 0,01 mol L-1 na proporção 1:2,5. Os valores de matéria orgânica foram calculados com base nos teores de carbono orgânico, determinado por titulação com sulfato ferroso amoniacal a 0,1 mol L-1. Todas as análises químicas foram realizadas seguindo método da Embrapa (1997).

Para a extração dos óxidos de Al, Fe, Ti, Si e Mn, utilizou-se 1 g de solo (peneira de 0,5 mm), transferido para erlenmeyer de 500 mL com 20 mL H2SO4 1:1 e colocado para ferver durante 30 seg. O Al foi determinado por titulação, o Fe e Mn por espectrofotometria por absorção atômica e o Ti por colorimetria. O Si foi solubilizado por ataque alcalino com NaOH a 30 %, durante 1 min. Posteriormente, a solução com silicato solúvel foi colocada em tubo de ensaio com 5 mL de H2SO4 concentrado e 10 mL de HNO3 concentrado, para precipitação e determinada por gravimetria (Raij & Valadares, 1979).

Para avaliar a mineralogia da fração argila, foram utilizadas lâminas em suspensão, aleatoriamente orientadas, segundo a técnica sugerida por Jackson (1979). As amostras foram submetidas a pré-tratamento para remoção da matéria orgânica (com H2O2 em placa aquecida a 70 oC) e óxidos livres (citrato + ditionito + bicarbonato). Os difratogramas foram obtidos através de difratômetro de raios-X (DRX) Philips PW 3710, com goniômetro vertical controlado por computador com monocromador de grafite, radiação de cobre (CuKa), potencial de 40 kV e corrente de 40 mA, sendo as lâminas analisadas a uma amplitude 3 a 65 o2 q e velocidade do goniômetro de 0,02 o 2 q/s.

A umidade do solo foi determinada por meio de TDR (Time Domain Reflectometry) modelo Theta Probe tipo ML2x fabricado pela Delta-T Devices, com comprimento das hastes de 60 mm, o qual mede a constante dielétrica do solo que é proporcional à quantidade de água nele presente. Para as determinações da umidade do solo, as hastes do TDR foram introduzidas na parede do perfil perto dos pontos de medida da resistência à penetração (RP).

Para medir a RP, utilizou-se um penetrômetro cônico modelo Soiltest S-310, com diâmetro da base do cone de 4 mm e comprimento da haste de 40 mm. As leituras de RP foram feitas somente no horizonte Bt1 coeso do P2, pelo fato de sua descrição morfológica indicar uma coesão mais expressiva.

Para a determinar a curva de RP em diferentes conteúdos de água no solo, cada horizonte do P2 (área sob cultivo) foi dividido em duas partes, sendo a primeira determinação feita na parte da manhã, quando o solo apresentava consistência friável, e a segunda determinação foi realizada na parte da tarde, quando o horizonte coeso (Bt1) apresentava consistência mais endurecida, em virtude do secamento. Em cada uma das etapas, foram realizadas oito leituras de RP e uma de umidade. Essa determinação foi feita no dia 11/06/2002, quando já havia encerrado a estação chuvosa na região.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os perfis estudados apresentaram a mesma seqüência de horizontes (A, E e B), sendo muito profundos (Quadro 1). No perfil 1, observou-se a presença de um horizonte intermediário A/Oo rico em matéria orgânica, constituída por restos de vegetais pouco decompostos. O horizonte E foi caracterizado pela ocorrência da cor seca mais clara do que nos horizontes sobrejacentes, indicando tratar-se de horizonte eluvial. Já a camada coesa caracterizou-se por ocorrer no horizonte pedogenético Bt.


Deve-se ressaltar que as cores encontradas no horizonte Bt1 coeso do Argissolo Acinzentado (10 YR 7/1 (seca) e 10YR 7/2 (úmida) não foram descritas em outros solos coesos dos tabuleiros, revelando a necessidade de abrangência da classe de cores.

A identificação de Argissolos Amarelos e Acinzentados nos tabuleiros costeiros foi feita em vários estados (PB, PE, AL, SE e BA) (Jacomine, 1996), entretanto, somente agora a classe dos Argissolos Amarelos foi identificada no Ceará, isso se deve ao fato de tais solos passarem, recentemente, a constituir classe distinta entre os Argissolos, sendo anteriormente englobada dentro dos Argissolos Vermelho-Amarelos.

A consistência variando de muito dura a extremamente dura, quando seca, e friável a firme, quando úmido, nos horizontes Bt dos Argissolos, evidencia a ocorrência de horizonte coeso nos perfis (Quadro 1).

Embora a consistência firme seja atribuída por alguns pesquisadores (Lindbo & Veneman, 1993) ao caráter fragipânico, há registros de consistência friável a firme em horizontes coesos (REUNIÃO..., 1996).

No Brasil, não há estudos referentes à umidade ideal para definição da consistência úmida em condições de campo, dificultando a determinação do comportamento coeso. Portanto, a incorporação da consistência friável/firme na definição desse caráter facilita a identificação no campo, já que o mesmo não pode ser confundido com o caráter fragipânico, que se apresenta firme e quebradiço, quando úmido (Lindbo & Veneman, 1993).

A comparação da consistência seca do horizonte Bt coeso (P1 e P2) com o horizonte Bt não-coeso (P3) comprova a alta coesão desses solos, quando secos, já que ambos apresentam a mesma classe textural (Quadro 2) e têm sua máxima expressão a 0,74 m de profundidade no P1 e 0,97 m no P2 (Quadro 1), estando os horizontes estudados dentro da faixa de profundidade típica da camada coesa encontrada em outros Estados (Araújo Filho et al., 2001; REUNIÃO..., 1996).


A estrutura dos horizontes Bt coesos (P1 e P2) apresenta-se maciça com tendência à formação de blocos (Quadro 1), o que desfaz o caráter totalmente apédico desses solos. Perfis descritos pela Reunião Técnica Sobre Solos Coesos dos Tabuleiros Costeiros (1996) na Bahia mostram solos coesos com estrutura fraca a moderada e de pequena a média, com blocos subangulares associados aos fragmentos coesos. Por não ser essa estruturação do solo favorecida pelo acúmulo de matéria orgânica, já que esse fato também ocorre em área sob cultivo, fica evidente que alguns solos apresentam organização estrutural visível.

Estudos micromorfológicos realizados por Silva et al. (1998) revelaram a existência de microagregados intergranulares em solos coesos com 25 anos de cultivo, o que comprova a tendência à formação de blocos desses solos.

A estrutura maciça observada no horizonte Bt do P3 (não-coeso) pode ser explicada pelo fato de tal horizonte coincidir com a presença de mosqueados pequenos a médios, o que reflete maior coesão quando o solo encontra-se seco.

Os dados da composição granulométrica mostram predomínio da fração areia em todos os perfis de solo, com maiores teores nos horizontes superficiais. A classe textural franco-argilo-arenosa, nos horizontes Bt coesos, coincide com o aumento proporcional dos teores de argila total (Quadro 2). No entanto, esse aumento no conteúdo de argila é insuficiente para justificar a formação do mesmo.

Comparando morfologicamente os perfis 1 e 3 (Argissolos Amarelos) com outros de mesma classificação localizados no estado da Bahia (Paiva et al., 1998; REUNIÃO..., 1996), verifica-se grande similaridade, principalmente no horizonte Bt coeso. Contudo, a granulometria desses solos é bastante heterogênea, sendo os solos da Bahia mais argilosos, tendendo a arenosos no Ceará. Atribui-se essa diferenciação à grande variação dos ambientais deposicionais dos sedimentos que originaram a Formação Barreiras (Bigarella, 1975).

Apesar da mudança textural nos sedimentos que originou os solos da Formação Barreiras, a descrição morfológica mostrou que não há diferenciação quanto ao comprometimento físico. Ou seja, estes solos, apesar de apresentarem uma textura mais arenosa, mostraram-se tão duros e maciços quanto os solos argilosos da Bahia.

Demattê et al. (1996) já haviam verificado essas alterações da granulometria quando compararam solos da Formação Barreiras dos estados de Alagoas e Rio Grande do Norte.

Estudos realizados por Mullins & Panayiotopoulos (1984) mostraram que misturas artificiais de areia com pequenas quantidades de argila (caulinita), em torno de 2 %, são suficientes para o solo apresentar um comportamento coeso (hardsetting), já que o espaço poroso de uma matriz composta apenas por areia dificilmente excede 50 % do volume total da porosidade do solo.

Segundo Resende et al. (1992), partículas da fração areia mal selecionadas e finas favorecem o arranjamento e o adensado dos seus constituintes. Abrahão et al. (1998) também verificaram que a distribuição de freqüência dos tamanhos da fração areia influencia o aumento da compacidade relativa nos horizontes com maior resistência à penetração, em solos derivados de sedimentos do Grupo Barreiras.

Com base nessas informações, pode-se sugerir que a formação dos horizontes Bt coesos, no Ceará, seja influenciada pela desuniformidade da composição granulométrica dos solos, já que a fração areia representa mais de 60 % do total e, desta, 80 % é constituída pelas frações areia média e fina (Quadro 2).

Com exceção do horizonte A/Oo do P1, os níveis de M.O. são inferiores a 20 g kg-1 (Quadro 3), os quais atendem às exigências para o estabelecimento de solos hardsetting que, segundo Giarola et al. (2001), apresentam comportamento similar aos solos coesos.


Os solos apresentaram limitada disponibilidade de nutrientes, com baixos valores de soma de bases (SB), capacidade de troca de cátions (T) e fósforo (P), com alta saturação por alumínio (m). Alguns valores de m são superiores a 50 %, podendo indicar impedimento químico ao desenvolvimento radicular (Quadro 3).

Os horizontes Bt coesos (P1 e P2) são distróficos, com pH fortemente ácido e T com valores inferiores a 65 mmolc kg-1, ou seja, enquadram-se nas características atribuídas ao caráter coeso (Jacomine, 1996).

Observa-se um incremento de SiO2 nos horizontes Bt coesos dos perfis 1 e 2, em relação ao horizonte Bt1 do perfil 3 (não-coeso). O aumento do SiO2 é maior nos horizontes coesos, apesar de ambos os perfis apresentarem teores de argila semelhantes e fazerem parte da mesma classe textural (Quadro 4). Isso indica que este componente pode estar influenciando a coesão desses solos; contudo, Moreau (2001) e Giarola et al. (2001), estudando solos no estado da Bahia, não observaram incremento do SiO2 nos horizontes coesos.


Os teores de Al2O3 também apresentaram um incremento nos horizontes Bt, no entanto, em termos percentuais, observa-se pouca diferença entre os solos coesos e não-coesos.

Entre os horizontes de acumulação de argila, o menor teor de Fe2O3 encontra-se localizado no Bt1 coeso do P2, evidenciando uma relação inversa entre o teor de Fe2O3 e o grau de coesão, corroborando com os dados encontrados por Moreau (2001). A presença de óxidos de Al e Fe e a matéria orgânica tendem a desorganizar as partículas do solo em escala microscópica (Ferreira et al., 1999b), e, quanto maior o teor desses constituintes, maior será o grau de desorganização das partículas e, conseqüentemente, menor a coesão do solo.

A natureza caulinítica da fração argila observada nos três perfis (Figura 1) justifica os valores da relação molecular Ki, o qual indica solos bastante intemperizados (Quadro 4), permitindo a pedogênese dos horizontes coesos.


A predominância da caulinita na fração argila contribui para a coesão dos solos de tabuleiros, pela sua forma laminar que possibilita o ajuste face a face das partículas do solo (Ferreira et al., 1999b).

As curvas de resistência à penetração (Figura 2a,b) permitem diferenciar os distintos graus de coesão observados ao longo do perfil. A diferenciação da RP nos horizontes dá-se em função dos valores da umidade do solo. Quando o solo está úmido, os valores de RP diminuem (Figura 2a), com o secamento, observa-se um aumento da RP (Figura 2b). Vê-se que a diminuição da umidade de apenas 2 % foi suficiente para aumentar a RP de 4,7 MPa (Figura 2a) para 8,5 MPa no horizonte Bt1 coeso (Figura 2b), confirmando os dados de RP encontrados em solos coesos na Bahia, onde foi necessária uma diminuição de 5 % na umidade do solo, para a RP aumentar de 0,98 MPa para 12,76 MPa (Giarola et al., 2001).


Esses resultados mostram que a RP pode ser utilizada como um indicador da coesão do solo, já que é uma medida bastante sensível e eficiente para a caracterização do comportamento coeso e ser um método de fácil obtenção no campo.

CONCLUSÕES

1. Os resultados morfológicos, físicos e químicos comprovam a hipótese de ocorrência de solos coesos no estado do Ceará.

2. A camada coesa dos Argissolos Amarelo e Acinzentado no estado do Ceará apresenta-se semelhante às camadas coesas dos solos derivados da Formação Barreiras em outros estados brasileiros.

3. A resistência à penetração foi o indicador mais sensível da coesividade do solo.

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Recebido para publicação em abril de 2003 e aprovado em março de 2004.

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  • (1)
    Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor e do projeto de Cooperação Acadêmica entre Cursos de Pós-Graduação do CCA/UFC da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ/USP (PROCAD 2000 da CAPES).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2004
    • Recebido
      Abr 2003
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