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Amenização do calcário na toxidez de zinco e cádmio para mudas de Eucalyptus camaldulensis cultivadas em solo contaminado

Lime amelioration of zinc and cadmium toxicities for Eucalyptus camaldulensis seedlings cultivated in contaminated soil

Resumos

Neste estudo, avaliaram-se os efeitos da aplicação de doses de calcário em misturas de solo com proporções crescentes de contaminação por Zn e Cd sobre o crescimento de Eucalyptus camaldulensis. O experimento foi realizado em casa de vegetação, e os níveis de contaminação foram obtidos pela mistura de 0, 25, 50 e 100 % de um solo contaminado a um outro não contaminado, usado como diluente. As doses de calcário foram correspondentes a 0, 10, 20, 40 e 80 t ha-1, e o experimento foi feito em vasos que continham 1,5 kg de solo, em esquema fatorial 4 x 5. A adição de calcário elevou o pH do solo próximo à neutralidade, reduziu os teores de Zn e Cd extraíveis no solo e beneficiou o crescimento das plantas. No solo de maior contaminação, as plantas morreram cinco dias após o transplantio no tratamento sem a adição de calcário. O calcário reduziu os teores de Zn na parte aérea a concentrações abaixo das consideradas tóxicas para as plantas, mas não apresentou o mesmo efeito sobre os teores de Cd. Os efeitos do calcário sobre a disponibilidade de Zn e Cd, teores na parte aérea e crescimento das plantas indicaram o potencial deste corretivo como agente amenizante da toxidez de Zn e Cd para mudas de E. camaldulensis em solos contaminados.

revegetação; fitoestabilização; solo degradado; poluição do solo; metais pesados


The effects of lime rates on the growth of Eucalyptus camaldulensis in soil mixtures with increasing proportions of Zn and Cd contamination were evaluated. The experiment was carried out under greenhouse conditions and the metal contamination levels were obtained by mixing 0, 25, 50, and 100% of a contaminated soil with a non-contaminated one used as diluter. Lime rates were 0, 10, 20, 40, and 80 t ha-1 and the experiment was conducted in pots containing 1.5 kg of soil with treatments arranged in a 4 x 5 factorial scheme. Lime additions raised the soil pH up to neutrality, reduced concentration of extractable Zn and Cd in the soil, and increased plant growth. Plants in the highest contaminated soil died five days after transplanting when lime was not applied. Lime amendment reduced shoot Zn concentrations to below those considered toxic for plants, but did not have the same effect on Cd concentrations. The effects of lime on the availability and shoot concentrations of Zn and Cd and on plant growth indicated its potential as an ameliorator of heavy metal toxicity for E. camaldulensis seedlings in contaminated soils.

revegetation; phytostabilization; degraded soil; soil pollution; heavy metals


SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL

Amenização do calcário na toxidez de zinco e cádmio para mudas de Eucalyptus camaldulensis cultivadas em solo contaminado1 1 Extraído da Tese de Doutorado, apresentada pelo primeiro autor à Universidade Federal de Lavras - UFLA.

Lime amelioration of zinc and cadmium toxicities for Eucalyptus camaldulensis seedlings cultivated in contaminated soil

A. M. A. AcciolyI; J. O. SiqueiraII; N. CuriII; F. M. S. MoreiraIII

IProfessor Colaborador do Departamento de Agronomia, Área de Solos, Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Av. Dom Manoel de Medeiros s/n Dois Irmãos, CEP 52171-900 Recife (PE). Bolsista PRODOC CAPES. E-mail: adriaccioly@hotmail.com

IIProfessor Titular do Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras - UFLA. Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras (MG). Bolsista do CNPq. E-mail: siqueira@ufla.br; niltcuri@ufla.br

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Ciência do Solo, UFLA. Bolsista do CNPq. E-mail: moreira@ufla.br

RESUMO

Neste estudo, avaliaram-se os efeitos da aplicação de doses de calcário em misturas de solo com proporções crescentes de contaminação por Zn e Cd sobre o crescimento de Eucalyptus camaldulensis. O experimento foi realizado em casa de vegetação, e os níveis de contaminação foram obtidos pela mistura de 0, 25, 50 e 100 % de um solo contaminado a um outro não contaminado, usado como diluente. As doses de calcário foram correspondentes a 0, 10, 20, 40 e 80 t ha-1, e o experimento foi feito em vasos que continham 1,5 kg de solo, em esquema fatorial 4 x 5. A adição de calcário elevou o pH do solo próximo à neutralidade, reduziu os teores de Zn e Cd extraíveis no solo e beneficiou o crescimento das plantas. No solo de maior contaminação, as plantas morreram cinco dias após o transplantio no tratamento sem a adição de calcário. O calcário reduziu os teores de Zn na parte aérea a concentrações abaixo das consideradas tóxicas para as plantas, mas não apresentou o mesmo efeito sobre os teores de Cd. Os efeitos do calcário sobre a disponibilidade de Zn e Cd, teores na parte aérea e crescimento das plantas indicaram o potencial deste corretivo como agente amenizante da toxidez de Zn e Cd para mudas de E. camaldulensis em solos contaminados.

Termos de indexação: revegetação, fitoestabilização, solo degradado, poluição do solo, metais pesados.

SUMMARY

The effects of lime rates on the growth of Eucalyptus camaldulensis in soil mixtures with increasing proportions of Zn and Cd contamination were evaluated. The experiment was carried out under greenhouse conditions and the metal contamination levels were obtained by mixing 0, 25, 50, and 100% of a contaminated soil with a non-contaminated one used as diluter. Lime rates were 0, 10, 20, 40, and 80 t ha-1 and the experiment was conducted in pots containing 1.5 kg of soil with treatments arranged in a 4 x 5 factorial scheme. Lime additions raised the soil pH up to neutrality, reduced concentration of extractable Zn and Cd in the soil, and increased plant growth. Plants in the highest contaminated soil died five days after transplanting when lime was not applied. Lime amendment reduced shoot Zn concentrations to below those considered toxic for plants, but did not have the same effect on Cd concentrations. The effects of lime on the availability and shoot concentrations of Zn and Cd and on plant growth indicated its potential as an ameliorator of heavy metal toxicity for E. camaldulensis seedlings in contaminated soils.

Index terms: revegetation, phytostabilization, degraded soil, soil pollution, heavy metals.

INTRODUÇÃO

A presença de elevadas concentrações de metais pesados em solos com baixa fertilidade natural e elevada acidez dificulta o estabelecimento de vegetação nessas áreas que não são reabilitadas sem a interferência antrópica. Uma das soluções para situações como essa é a imobilização in situ dos contaminantes pelo uso de agentes imobilizadores, também chamados de amenizantes, que facilitam o crescimento da vegetação (Vangronsveld et al., 1995), permitindo a fitoestabilização da área. Esta técnica apresenta vantagens relativas às demais (Accioly & Siqueira, 2000), pelo fato de ser permanente, de fácil adoção e mais econômica.

Os amenizantes são materiais que, adicionados a um solo contaminado, atuam como agentes mitigadores de fitotoxidez dos metais, propiciando condições que permitem o estabelecimento de vegetação. Vários materiais amenizantes têm sido estudados nas mais diversas condições, como fosfatos, óxidos de Fe e Mn, materiais orgânicos, como lodos e compostos orgânicos, aluminossilicatos e argilas (Vangronsveld et al., 1995; Whitbread-Abrutat, 1997; Badora et al., 1998). A aplicação de calcário é considerada a mais antiga e mais utilizada técnica de imobilização de metais do solo (Mench et al., 1999). Em ambientes ácidos, sua aplicação promove a imobilização dos metais por adsorção e precipitação de íons, além de efeitos indiretos, como sua ação sobre a matéria orgânica do solo propiciando a complexação destes (Logan, 1992; Madrid & Diaz-Barrientos, 1992; Krebs et al., 1998).

O calcário pode exercer efeitos diretos e indiretos na solubilidade de metais: diretos, por meio de suas interações de superfície, e indiretos, por meio do pH sobre os constituintes do solo (Papadopoulos & Rowell, 1988). Os metais adicionados ao solo podem associar-se com o carbonato de cálcio aplicado depois de 40 dias de equilíbrio (Martinez & Motto, 2000), pois o CaCO3 fornece sítios para interação de metais via adsorção específica ou reações de precipitação (Papadopoulos & Rowell, 1988; Ge et al., 2000). Alguns autores (Ge et al., 2000) têm rejeitado a precipitação de compostos puros de carbonatos como o mecanismo que controla a solubilidade de metais no sistema solo, enquanto outros acreditam que em alta concentração de metais e altos valores de pH, a hidrólise seja o principal mecanismo (Martinez & Motto, 2000).

Simão (1999) avaliou o efeito de cinco materiais na mitigação da fitotoxidez causada pelo excesso de metais pesados no solo para Mimosa caesalpiniifolia e observou que a adição de 4 t ha-1 de calcário reduziu a absorção de Zn e Cd pela planta, e, conseqüentemente, reduziu os sintomas de fitotoxidez e propiciou maior crescimento das plantas. No entanto, doses superiores à mencionada provocaram decréscimo na produção de matéria seca da M. caesalpiniifolia. Em condições de baixa contaminação, a adição de calcário melhora o balanço de nutrientes e aumenta o vigor da vegetação (Derome, 2000), o que permite a sobrevivência das plantas e o estabelecimento da vegetação. Isto garantiria o restabelecimento das funções vitais do solo no ecossistema e a reabilitação da área degradada.

Apesar de serem os corretivos de solos utilizados como amenizantes similares aos usados na agricultura, as doses necessárias para inativação do excesso dos contaminantes metálicos podem ser muito maiores do que as utilizadas na correção da acidez de solos agrícolas. A quantidade de corretivo a ser aplicada depende do tipo de metal e do grau de contaminação do solo, das condições químicas deste e da tolerância da vegetação a ser estabelecida na área. No caso de vegetação arbórea, é necessário que sejam aplicadas doses elevadas de corretivo, uma vez que, além de apresentar menor grau de tolerância aos metais tóxicos do que espécies herbáceas (Eltrop et al., 1991), o efeito amenizante precisa ser duradouro para se obter um desenvolvimento sustentado da vegetação. No entanto, doses elevadas podem ocasionar efeitos adversos no desenvolvimento das plantas (Simão, 1999), como deficiência de certos nutrientes (Badora et al., 1998), o que, a longo prazo, comprometeria o estabelecimento das plantas e a sucessão vegetal na área a ser revegetada.

O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos de doses elevadas de calcário em misturas de solo com diferentes graus de contaminação com Zn e Cd no crescimento de mudas de Eucalyptus camaldulensis.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado em casa de vegetação, no Departamento de Ciência do Solo da Universidade Federal de Lavras, UFLA, Lavras (MG), no período de dezembro de 1999 a abril de 2000, com mudas de Eucalyptus camaldulensis formadas em tubetes e com ± 15 cm de altura, plantadas em vasos com misturas de solo com diferentes níveis de contaminação e incubadas com doses crescentes de calcário. Os níveis de contaminação foram obtidos pela adição de 0, 25, 50 e 100 % de um solo contaminado (antropogênico) com Zn e Cd, coletado em área de estocagem de rejeitos da industrialização de Zn, a um solo Aluvial (Neossolo Flúvico) não contaminado, empregado como diluente, ambos coletados em áreas da Companhia Mineira de Metais, no município de Três Marias, MG. Os solos, não contaminado e contaminado, apresentavam, respectivamente, pH em água (1:2,5) de 4,6 e 4,4; P, 9 e 5 mg dm-3; K, 103 e 63 mg dm-3; matéria orgânica, 19 e 9,5 g kg-1; areia, 60 e 260 g kg-1; silte, 540 e 490 g kg-1; e argila, 400 e 250 g kg-1, análises realizadas conforme Embrapa (1997). As misturas de solos, após completamente homogeneizadas, foram colocadas em vasos de polietileno com capacidade de 1,5 kg e amostras foram retiradas para análises de teores totais de Zn e Cd, extraídos por água régia (Forster, 1995) e determinados por espectrofotometria de absorção atômica.

As doses de calcário foram definidas a partir de ensaios de incubação das misturas de solo nas diferentes proporções com o calcário. Com base na curva de neutralização, escolheram-se as seguintes doses: 0; 7,5; 15; 30 e 60 g vaso-1 de calcário dolomítico (PRNT 100 %, 14 % de MgO e 35 % de CaO), equivalentes a 0, 10, 20, 40 e 80 t ha-1, aplicadas nos quatro níveis de contaminação do solo, homogenei-zadas e incubadas por 60 dias com a umidade em torno de 60 % do volume total de poros (VTP), quando foram retiradas novas amostras para análises químicas do solo. Foram determinados o pH em água e Zn e Cd extraídos com a solução de Mehlich-1, visando subsidiar o relacionamento entre a disponibilidade destes no solo e os metais na planta. Após este período, aplicaram-se em todos os vasos 100 mg kg-1 de N; 300 mg kg-1 de P; 170 mg kg-1 de K; e 0,8 mg kg-1 de B, nas formas de NH4H2PO4, KH2PO4, K2SO4 e H3BO3, respectiva-mente. Após uma semana, plantou-se uma muda por vaso de Eucalyptus camaldulensis, espécie escolhida a partir de outro estudo (Grazziotti, 1999), que avaliou o comportamento de 10 espécies de Eucalyptus, três de Pinus e Acacia mangium neste mesmo material de solo.

O experimento foi realizado em delineamento inteiramente casualizado, com cinco repetições, compondo um fatorial 4 x 5 (quatro condições de contaminação x cinco doses de calcário), perfazendo um total de 100 parcelas experimentais. Durante o período experimental, a umidade do solo nos vasos foi mantida pela adição diária de água deionizada, visando mantê-la próxima de 60 % do VTP.

Aos 15 e 25 dias do transplantio e ao final do experimento (50 dias), foram avaliados os sintomas de fitotoxidez das plantas pelo uso de notas: grau 1: ausência de sintoma de toxidez foliar; grau 2: clorose internerval e, ou, generalizada; grau 3: pontos e, ou, nervuras roxas, além dos sintomas descritos no grau 2; grau 4: manchas roxas, além dos sintomas descritos no grau 3; grau 5: encarquilhamento, além dos sintomas descritos no grau 4; grau 6: necrose, além dos sintomas descritos no grau 5, e grau 7: morte da planta. Após 50 dias do plantio, as plantas foram colhidas, cortando-se a parte aérea rente ao solo, a qual foi lavada com água deionizada. As raízes foram separadas do solo, lavadas em água corrente até a completa remoção do solo e, após, em água deionizada. A parte aérea e as raízes foram secas em estufa com circulação forçada de ar a 60—70 ºC, até atingirem peso constante, pesadas e moídas em moinho tipo Wiley, quando foram submetidas à digestão nitroperclórica e à determinação dos teores de Zn e Cd por espectrofotometria de absorção atômica (Malavolta et al., 1989).

Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância. Com base nas doses de calcário foram ajustadas equações de regressão para os resultados obtidos, dependendo os modelos escolhidos da significância dos componentes da regressão e do coeficiente de determinação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No tratamento com solo sem contaminação, os teores de Zn e Cd extraídos em água régia (Quadro 1), antes da adição do calcário, encontravam-se na faixa considerada normal, conforme níveis propostos por Sannings & Stietzel (1993). Já a mistura com 25 % de solo contaminado apresentava-se com contaminação moderada, por conter teores de Zn e Cd superiores a 500 e 5 mg kg-1, respectivamente. A mistura com 50 % de solo contaminado encontrava-se em situação intermediária de contaminação, enquanto o solo contaminado sem diluição apresentava contaminação severa, com teores de Zn superiores a 1.500 mg kg-1 e de Cd superiores a 20 mg kg-1. Assim sendo, os níveis de contaminação, a partir de agora, serão identificados por solo não contaminado, mistura com contaminação moderada, mistura com contaminação intermediária e solo com contaminação severa.


A incorporação das doses de 10 e 20 t ha-1 de calcário elevou o pH próximo da neutralidade em todas as misturas de solo (Figura 1). Nas doses mais elevadas (40 e 80 t ha-1 de calcário), o pH das misturas de solo atingiu valores superiores a 7. A adição do calcário causou tendência de diminuição dos teores de Cd e Zn do solo extraídos pela solução de Mehlich-1 (Figura 1). Nas misturas com contaminação severa e intermediária, os teores de Zn e Cd apresentaram tendência de redução em cerca de 20 % com a aplicação de 10 t ha-1 de calcário, atingindo reduções de até 40 % com a dose de 80 t ha-1 de calcário. Na mistura com contaminação moderada, apenas os teores de Zn sofreram reduções de tal magnitude.


Apesar de o Mehlich-1 ter apresentado capacidade de avaliar o efeito da adição de calcário sobre os teores de Zn e Cd no solo, a utilização deste extrator em solos que receberam altas doses de calcário é criticada, por se tratar de solução que pode extrair formas mais estáveis. O Mehlich-1 pode extrair Zn e Cd ligados a hidróxidos e carbonatos que não estariam disponíveis às plantas, podendo superestimar os teores destes metais pesados em solos contaminados que receberam elevadas doses de calcário.

Mesmo com a adição das elevadas doses de calcário, os teores de Zn e Cd extraídos pela solução de Mehlich-1 na mistura com contaminação intermediária e no solo com contaminação severa (Figura 1) continuaram na faixa considerada contaminada (Quadro 1), conforme Sannings & Stietzel (1993). Na mistura com contaminação moderada, após a adição de calcário, apenas os teores de Cd se encontravam em concentrações consideradas tóxicas no solo. A diferença constatada na redução da disponibilidade de Zn e Cd confirma diferenças na afinidade desses metais com os constituintes do solo e mostra que o Zn nestas condições é mais sensível às variações de pH do que o Cd, comportamento este também relatado por Martinez & Motto (2000).

Os sintomas de fitotoxidez das plantas aumentaram com o tempo nas misturas de solo contaminado, conforme descrito na literatura (Kabata-Pendias & Pendias, 1985), e apresentaram relação inversa com a adição do calcário (Figura 2). No solo com contaminação severa, sem a adição de calcário, as plantas morreram cinco dias após o transplantio. No entanto, 15 dias depois do transplantio, nenhum sintoma foi observado nas plantas de qualquer outro tratamento de solo. Com o tempo de exposição aos metais no solo, as plantas da mistura com contaminação intermediária sem a adição de calcário exibiram sintomas de toxidez bastante acentuados aos 21 dias, ou seja, encarquilhamento e manchas por toda a planta, que evoluíram, levando-as à morte aos 50 dias. No solo de contaminação severa, aos 21 dias, a adição de 10 t ha-1 de calcário não foi suficiente para amenizar os efeitos do excesso de metais. Estes sintomas evoluíram com o tempo e, aos 50 dias, as plantas nas doses mais elevadas de calcário também apresentavam clorose, assim como aquelas na mistura com contaminação intermediária com a mesma dose de calcário. As plantas na mistura com contaminação moderada só apresentaram sintomas de toxidez aos 50 dias, na ausência de calagem, exibindo clorose, que é o início dos sintomas de fitotoxidez neste caso, indicando que as injúrias devidas à contaminação apresentaram progressão temporal. O agravamento dos sintomas com o tempo de exposição à contaminação decorre do maior acúmulo dos metais com a absorção contínua, atingindo teores tóxicos nas plantas e causando aumento dos efeitos fitotóxicos dos metais e distúrbios fisiológicos na planta (Barceló & Poschenrieder, 1992). Entretanto, mesmo que as plantas apresentem alguns sintomas de toxidez com a adição de calcário, elas são promissoras para a revegetação, por ser a capacidade das espécies de sobreviverem, mesmo afetadas pela contaminação, uma característica desejável, considerando que isto pode propiciar a oportunidade destas ou de seus propágulos encontrarem condições temporalmente mais favoráveis no campo.


A produção de matéria seca foi influenciada pelos níveis de contaminação do solo, pelas doses de calcário e pela interação desses dois fatores. No solo não contaminado, o modelo ajustado indicou tendência de redução da matéria seca da parte aérea com a adição de calcário (Figura 3). No solo com contaminação severa, foram observados ganhos acima de 1.000 % com a adição da maior dose de calcário, em relação à ausência de aplicação de calcário, evidenciando o efeito amenizante deste insumo. Resultados semelhantes foram obtidos para a matéria seca de raízes, exceto no solo não contaminado, no qual nenhum efeito significativo foi verificado (Figura 3). Na ausência de calagem, as plantas no solo não contaminado produziram mais do que as que cresceram nas misturas com solo contaminado. A adição da dose correspondente a 80 t ha-1 de calcário proporcionou produção semelhante de matéria seca da parte aérea em todas as misturas de solo, fato também observado para a produção de raízes. O acúmulo dos metais nas plantas, em virtude da absorção contínua, pode ter causado as diferenças observadas em relação às doses de calcário. Os resultados de matéria seca não podem ser considerados subsídio único para se inferir sobre as melhores situações de amenização da fitotoxidez, visto que, quando a reabilitação não tem finalidade de produção com retorno econômico, a produtividade é de importância secundária no desenvolvimento da vegetação (Johnson et al., 1977).


Os teores de Zn e Cd na parte aérea das plantas foram influenciados pelos níveis de contaminação do solo, pelas doses de calcário e pela interação desses dois fatores. A adição de calcário reduziu drasticamente os teores de Zn na matéria seca da parte aérea das plantas nos solos contaminados (Quadro 2) a valores inferiores aos considerados tóxicos. As doses de calcário necessárias para reduzir o teor de Zn na parte aérea das plantas a esses níveis (< 100 mg kg-1) foram de 10,5; 22,0 e 48,3 t ha-1, para as misturas com contaminação moderada, intermediária e o solo com contaminação severa, respectivamente.


As plantas que cresceram no solo não contaminado que recebeu calcário (Quadro 2) apresentaram teores foliares de Zn abaixo da faixa considerada adequada (40-60 mg kg-1) para o eucalipto, conforme Dell & Daping (1995). Isto pode ter contribuído para os decréscimos no rendimento da matéria seca da parte aérea neste tratamento de acordo com as doses elevadas (> 10 t ha-1) de calcário (Figura 3), apesar de nenhum sintoma visual de deficiência de Zn ter sido observado.

Os teores de Cd na parte aérea das plantas no solo não contaminado e na mistura com contaminação moderada não mostraram resposta significativa à adição de doses de calcário (Quadro 2), mas nas misturas com contaminação intermediária e severa, a adição de calcário reduziu significativamente os teores de Cd na parte aérea. Entretanto, em todas as misturas com solo contaminado e doses de calcário, os teores de Cd permaneceram altos, estando dentro ou acima da faixa crítica de fitotoxidez para esse metal, que é de 5 a 30 mg kg-1 (Kabata-Pendias & Pendias, 1985). Portanto, os sintomas de fitotoxidez observados nas plantas nos solos contaminados, mesmo com a aplicação de calcário, devem ser decorrentes dos elevados teores de Cd observados na parte aérea das plantas, uma vez que os de Zn diminuíram a níveis não-tóxicos. Soares (1999) determinou, em solução nutritiva, níveis críticos de toxidez de Cd para Eucalyptus maculata (14,5 mg kg-1) e para E. urophylla (10,8 mg kg-1), que são próximos dos observados na mistura com contaminação moderada neste estudo.

Segundo esses resultados, é possível que o E. camaldulensis tolere níveis de Cd superiores aos encontrados por Soares (1999), o que pode explicar o aumento de produção de matéria seca das plantas nos solos contaminados. Simão (1999) também observou reduções nos teores de Cd na parte aérea de Mimosa caesalpiniifolia com a aplicação de calcário em solo contaminado, que diminuiu o Cd a valores abaixo da faixa crítica de toxidez, mesmo utilizando doses inferiores de calcário, e apresentando teores mais elevados de Cd no solo, quando comparados aos do presente trabalho.

O incremento de matéria seca das plantas no solo com contaminação severa apresentou relação inversa com os teores de Zn e Cd na parte aérea, corroborando o efeito amenizante do calcário sobre a fitotoxidez dos metais e favorecendo o crescimento das plantas (Figura 4). Verifica-se (Figura 4) que doses de calcário superiores a 20 t ha-1 foram suficientes para reduzir os teores de Zn e Cd na planta e proporcionar crescimento adequado (80 % do máximo) das mudas de E. camaldulensis.


Os teores de Zn e Cd nas raízes diminuíram sensivelmente com a adição de calcário aos solos contaminados (Quadro 2). Entretanto, mesmo com as grandes reduções observadas, estes permaneceram mais elevados do que os teores de Zn e Cd observados na parte aérea. Isto explica a baixa produção de matéria seca de raízes em comparação com a observada na parte aérea, e pode ter sido ocasionada pelo fato de serem as raízes as primeiras a entrar em contato com o solo contaminado e acumular maiores teores de metais, sendo então mais sensíveis do que a parte aérea (Barceló & Poschenrieder, 1992). Este fato pode ser um indicativo de que a planta limitou a translocação de metais das raízes para a parte aérea. A capacidade de a planta imobilizar o metal nas raízes, limitando sua translocação para a parte aérea, é um dos mecanismos de tolerância de algumas espécies de plantas aos metais pesados (Baker, 1981). Isto pode estar conferindo certa tolerância ao E. camaldulensis nas condições estudadas. Na ausência de calcário, a baixa produção de matéria seca de raízes em contaminação intermediária e severa impossibilitou a análise dos metais pesados, o que dificultou a interpretação dos dados relativos aos seus teores nesta parte da planta. Na ausência de calcário, na mistura com contaminação moderada, constataram-se teores de Zn e Cd superiores àqueles observados no solo não contaminado.

Os resultados mostram que a aplicação de calcário aos solos contaminados favoreceu o crescimento das plantas por meio de diminuição dos teores de Cd e Zn na planta e no solo. Tais efeitos do calcário parecem ser indiretos, por meio da elevação do pH do solo e conseqüente diminuição da disponibilidade dos metais. O presente estudo evidencia a ação amenizadora do calcário, em doses elevadas, em relação à toxidez de metais pesados no solo para mudas de E. camaldulensis. Considerando seu baixo custo, segurança e facilidade de aplicação, o calcário apresenta grande potencial de uso em programas de fitoestabilização de áreas contaminadas com Zn e Cd.

CONCLUSÕES

1. O calcário exerceu ação amenizante na toxidez de Zn e Cd no solo, beneficiando o crescimento de mudas de Eucalyptus camaldulensis.

2. A ação amenizante do calcário resultou da redução na disponibilidade de Zn e Cd no solo e conseqüente redução na absorção desses elementos pela planta.

3. A quantidade de calcário aplicada, visando sua ação amenizante da fitotoxidez de Zn e Cd no solo, dependem do grau de contaminação do solo.

4. Doses de calcário superiores a 20 t ha-1 foram suficientes para reduzir os teores de Zn e Cd na planta e proporcionar crescimento adequado (80 % do máximo) das mudas de E. camaldulensis.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em julho de 2003 e aprovado em julho de 2004

Trabalho financiado pelo Convênio Cia. Mineira de Metais/FAEPE e FAPEMIG

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2004
    • Recebido
      Jul 2003
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