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Dinâmica de nitrogênio em lodo de esgoto sob condições de estocagem

Nitrogen dynamics in sewage sludge stored under distinct conditions

Resumos

Este estudo teve como objetivo avaliar os teores de N-total, N-NH4+, N-NO3- e pH em colunas de lodo de esgoto anaeróbio alcalinizado e na solução percolada, simulando condições reais de armazenamento. O experimento foi desenvolvido em campo, no município de Curitiba (PR), em clima Cfb e pluviosidade de 197 mm durante o período de incubação, que correspondeu a 48 dias. Os fatores testados foram: três tipos de lodo (lodo alcalinizado coberto - LCC; lodo alcalinizado descoberto - LCD, e lodo bruto descoberto - LBD), quatro intervalos de incubação (0; 15; 27; e 48 dias) e cinco profundidades na coluna (0-5; 5-20; 20-50; 50-80; e composta 0-80 cm), com quatro repetições. O líquido percolado foi avaliado no 1º, 5º, 9º, 13º, 27º, 36º e 48º dia. A alcalinização (CaO) foi realizada à proporção de 50 % da matéria seca (MS) do lodo. A cobertura (vedação com lona plástica e tampo de amianto em LCC) teve a finalidade de conter a volatilização de gases, especialmente amônia (NH3). As condições do meio ocasionadas pela alcalinização do lodo reduziram significativamente a intensidade de mineralização de N e a nitrificação. Os lodos brutos e alcalinizados em condição de estocagem apresentaram perdas consideráveis de N-NH4+ e N-org. Os efeitos diluição, volatilização de NH3 e lixiviação organomineral conseqüentes da alcalinização (50 % MS lodo) reduziram os teores de N-total em até 50 %. O processo de alcalinização potencializou perdas de N por meio da volatilização de NH3 e lixiviação de N-NH4+. Entretanto, a cobertura reduziu as perdas de N sob a forma de NH3.

amônio; nitrato; alcalinização; volatilização


This study aimed to evaluate total N, N-NH4+ and N-NO3- concentrations and pH in columns of alkalinized anaerobic sewage sludge and in percolated liquid, in simulation of real storage conditions. The experiment was conducted in Curitiba - Paraná state, in Cfb climate and rainfall of 197 mm during the incubation period (48 days). The tested factors were: 3 sludge types (covered alkalinized sludge - LCC; uncovered alkalinized sludge - LCD; and uncovered raw sludge - LBD), 4 incubation periods (0; 15; 27; and 48 days) and 5 column sampling depths (0-5; 5-20; 20-50; 50-80; and composite sample 0-80 cm), with 4 replications. The percolated liquid was evaluated on day 1, 5, 9, 13, 27, 36, and 48. Alkalization (CaO) used was equivalent to 50 % sludge dry matter. The cover (sealing with plastic blanket and asbestos cover in LCC) had the purpose to contain gas volatilization, especially ammonia (NH3). The conditions of the environment caused by sludge alkalization significantly reduced the intensity of N mineralization and nitrification. The raw and alkalinized stored sludges presented considerable N-NH4+ and N-org losses. The effect of dilution, NH3 volatilization and organic mineral leaching as result of the alkalization reduced N-total concentration to 50 %. The alkalization process increased N losses through NH3 gas volatilization and N-NH4+ leaching, while the cover reduced N losses in the NH3 form.

ammonium; nitrate; alcalinization; ammonia


SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL

Dinâmica de nitrogênio em lodo de esgoto sob condições de estocagem

Nitrogen dynamics in sewage sludge stored under distinct conditions

Charles CarneiroI; Ana Paola SottomaiorII; Cleverson Vitório AndreoliIII

IDoutorando em Geologia Ambiental. Professor no IESC/PR. Rua: Eng. Rebouças 1376, Bairro Rebouças, CEP 80215-900 Curitiba (PR). Pesquisador da SANEPAR. E-mail: charlesc@sanepar.com.br

IIMestranda no Departamento de Solos e Engenharia Agrícola no Setor de Ciências Agrárias – UFPR. Rua dos Funcionários 1540, Bairro Juvevê, CEP 80035-050 Curitiba (PR). E-mail: apsottomaior@hotmail.com

IIIProfessor da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Rua: Eng. Rebouças 1376, Bairro Rebouças, CEP 80215-900 Curitiba (PR). Pesquisador da SANEPAR. E-mail: c.andreoli@sanepar.com.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar os teores de N-total, N-NH4+, N-NO3- e pH em colunas de lodo de esgoto anaeróbio alcalinizado e na solução percolada, simulando condições reais de armazenamento. O experimento foi desenvolvido em campo, no município de Curitiba (PR), em clima Cfb e pluviosidade de 197 mm durante o período de incubação, que correspondeu a 48 dias. Os fatores testados foram: três tipos de lodo (lodo alcalinizado coberto - LCC; lodo alcalinizado descoberto – LCD, e lodo bruto descoberto - LBD), quatro intervalos de incubação (0; 15; 27; e 48 dias) e cinco profundidades na coluna (0–5; 5–20; 20–50; 50–80; e composta 0–80 cm), com quatro repetições. O líquido percolado foi avaliado no 1º, 5º, 9º, 13º, 27º, 36º e 48º dia. A alcalinização (CaO) foi realizada à proporção de 50 % da matéria seca (MS) do lodo. A cobertura (vedação com lona plástica e tampo de amianto em LCC) teve a finalidade de conter a volatilização de gases, especialmente amônia (NH3). As condições do meio ocasionadas pela alcalinização do lodo reduziram significativamente a intensidade de mineralização de N e a nitrificação. Os lodos brutos e alcalinizados em condição de estocagem apresentaram perdas consideráveis de N-NH4+ e N-org. Os efeitos diluição, volatilização de NH3 e lixiviação organomineral conseqüentes da alcalinização (50 % MS lodo) reduziram os teores de N-total em até 50 %. O processo de alcalinização potencializou perdas de N por meio da volatilização de NH3 e lixiviação de N-NH4+. Entretanto, a cobertura reduziu as perdas de N sob a forma de NH3.

Termos de indexação: amônio, nitrato, alcalinização, volatilização.

SUMMARY

This study aimed to evaluate total N, N-NH4+ and N-NO3- concentrations and pH in columns of alkalinized anaerobic sewage sludge and in percolated liquid, in simulation of real storage conditions. The experiment was conducted in Curitiba - Paraná state, in Cfb climate and rainfall of 197 mm during the incubation period (48 days). The tested factors were: 3 sludge types (covered alkalinized sludge - LCC; uncovered alkalinized sludge - LCD; and uncovered raw sludge - LBD), 4 incubation periods (0; 15; 27; and 48 days) and 5 column sampling depths (0–5; 5–20; 20–50; 50–80; and composite sample 0–80 cm), with 4 replications. The percolated liquid was evaluated on day 1, 5, 9, 13, 27, 36, and 48. Alkalization (CaO) used was equivalent to 50 % sludge dry matter. The cover (sealing with plastic blanket and asbestos cover in LCC) had the purpose to contain gas volatilization, especially ammonia (NH3). The conditions of the environment caused by sludge alkalization significantly reduced the intensity of N mineralization and nitrification. The raw and alkalinized stored sludges presented considerable N-NH4+ and N-org losses. The effect of dilution, NH3 volatilization and organic mineral leaching as result of the alkalization reduced N-total concentration to 50 %. The alkalization process increased N losses through NH3 gas volatilization and N-NH4+ leaching, while the cover reduced N losses in the NH3 form.

Index terms: ammonium, nitrate, alcalinization, ammonia.

INTRODUÇÃO

A disposição agrícola de lodos de esgoto alcalinizados vem-se caracterizando como uma alternativa cada vez mais utilizada pelas companhias de saneamento, sobretudo por resolver, em parte, o problema da disposição final do resíduo, substituição à calagem e pela carga de nutrientes e matéria orgânica que concentra, podendo substituir parcialmente adubos agrícolas, principalmente nitrogenados.

Nos lodos domésticos o N tem uma importância diferenciada em razão dos elevados teores observados, assumindo significativa importância agronômica (Sommers & Giordano, 1984; Ilhenfeld et al., 1999; Melo & Marques, 2000; Andreoli et al., 2001). No entanto, devido ao seu grau de contaminação e potencial para disseminação de doenças, para viabilizar seu uso, é necessário que passe por um processo de higienização. A alcalinização é um processo de higienização amplamente utilizado, que consiste na adição de cal virgem (CaO) ao lodo em proporções que variam de 30 a 50 %, dependendo do peso do lodo seco (Ilhenfeld et al., 1999b). O contato da cal com a água do lodo resulta em uma reação exotérmica, que promove a elevação da temperatura e pH e aumento da concentração de NH3 na mistura. Entretanto, comumente, antes da utilização, os lodos alcalinizados permanecem estocados nos pátios das estações de tratamento (ETEs) por períodos prolongados, sob influência de variáveis climáticas, podendo sofrer perdas de N bastante significativas.

Sob o aspecto financeiro as perdas de N podem significar um custo maior com fertilizantes nitrogenados; sob a ótica ambiental, problemas de contaminação dos cursos d'água. As formas nítricas são as mais facilmente lixiviáveis neste caso; acumulam-se nos lençóis mais próximos, alterando padrões normais de concentração e podendo comprometer a saúde humana. Estudos já realizados mostraram que a lixiviação de NO3- é significativamente influenciada pela fonte de N utilizada, pela capacidade de armazenamento de água no meio e pelo volume de água percolado (Pratt, 1984; Williams & Kissel, 1991). Já as formas amoniacais, freqüentemente utilizadas como indicativo de poluição em ecossistemas aquáticos, estão diretamente relacionadas com a temperatura do meio, pH e capacidade de retenção de cátions (Hauck, 1984; Adams & Martin, 1984). O N dos lodos pode ser perdido ainda por meio dos processos de desnitrificação, volatilização, fixação e, ou, erosão.

Este trabalho teve como objetivo avaliar as concentrações das formas nitrogenadas: N-total, N-NH4+, N-NO3- e pH em diferentes profundidades de colunas de lodo de esgoto, quando em condição de estocagem e higienizado por meio de caleação.

MATERIAIS E MÉTODOS

O experimento foi desenvolvido no município de Curitiba (PR), clima Cfb (Köppen), em condições de campo. A temperatura média no período experimental foi de 15,3 °C e a precipitação pluvial foi de 197 mm. O período de incubação foi de 48 dias, tempo médio de estocagem dos lodos nas ETEs de Curitiba que utilizam a alcalinização como processo de higienização.

As dimensões de cada unidade experimental foram: 0,63 m de diâmetro e 0,81 m de altura, para um volume de 0,25 m3 preenchido com lodo bruto ou lodo alcalinizado de acordo com o tratamento (extrato sólido). A coluna foi suspensa a 0,62 m de altura do solo para obtenção do extrato líquido percolado. As densidades para lodo bruto e para lodo alcalinizado foram de 0,90 e 0,98 kg m-3, respectivamente.

O lodo testado foi proveniente de reator anaeróbio de leito fluidizado (RALF – ETE - Cachoeira), disposto em leito de secagem durante 30 dias, para desaguamento. O lodo foi caracterizado analiticamente (Quadro 1).


O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados. O arranjo estatístico foi parcela subsubdividida para três fatores, sendo: fator A: três tipos de lodo (lodo alcalinizado coberto - LCC; lodo alcalinizado descoberto - LCD, e lodo bruto descoberto - LBD), fator B: quatros intervalos de tempo de incubação (0; 15; 27; e 48 dias) e fator C: cinco profundidades na coluna (0–5; 5–20; 20–50; 50–80; e composta 0–80 cm), com quatro repetições.

O processo de alcalinização envolveu a aplicação de óxido de Ca (CaO) na concentração de 50 % em relação à matéria seca (MS) do lodo. A cobertura compreendeu vedação com lona plástica e tampo de amianto no tratamento LCC com a finalidade de conter a volatilização de gases, especialmente NH3, por meio da condensação do gás e retorno à massa de lodo.

O extrato percolado foi coletado de acordo com o regime pluviométrico, totalizando sete amostragens, a saber: 1º, 5º, 9º, 13º, 27º, 36º e 48º dia.

As características analisadas nos extratos (sólido e líquido) foram: N-total e N-NH4+ (Kjeldahl – titulação – adaptado de Tedesco et al., 1995), N-NO3- (extrato líquido: centrifugação e espectrofotometria de ultravioleta – Norman & Stucki, 1981; Heinzmann et al., 1984; e extrato sólido - Norman & Stucki, 1981; Heinzmann et al., 1984; Tedesco et al., 1995) e pH.

Os dados não apresentaram distribuição normal e o teste de Barttlet para verificação da homocedasticidade foi significativo. O teste de Fischer (F0,05) foi utilizado para analisar as variâncias. As médias foram comparadas pelo teste de Duncan (D0,05). Foram consideradas significativas as correlações a > 0,878 (Pearson0,05); (Gomes, 1987; Triola, 1999).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Teores de N total

Em razão das composições diferenciadas dos tratamentos, obviamente, as médias dos teores de N-total foram distintas. Em LCC e LCD, foram verificados teores que representaram, respectivamente, 49,5 % (9,74 g kg-1) e 54,1 % (10,7 g kg-1) do N-total observado em LBD, 21,2 g kg-1 (Figura 1a), muito embora estes valores estejam relativamente baixos, mas ainda comuns para lodos anaeróbios no Estado do Paraná. A diminuição da concentração é atribuída principalmente ao efeito diluição do processo de alcalinização (adição de CaO 50 % MS lodo), estimado em 33,3 %. As demais perdas de N-total podem ter sido ocasionadas pela lixiviação organomineral, e, ou, pela volatilização de NH3 e compostos desnitrificados, por ocasião do aumento do pH decorrente da alcalinização, com valores próximos a 12 (Figura 1b). Os valores de pH normalmente observados em lodos brutos domésticos ficam entre 5 e 7 (Andreoli et al., 1999; Tchobanoglous et al., 2003), dependendo do material de origem.


Não foram observadas variações significativas nos teores de N-total, considerando a profundidade e o tempo no perfil das colunas de lodo dentro dos tratamentos, indicando que as perdas mais expressivas aconteceram por ocasião do processo de alcalinização. As correlações testadas para os teores em meio sólido e lixívia não foram significativas.

O teor de N-total é uma das características comumente utilizadas para estimar a taxa de aplicação do biossólido ao solo. Neste sentido, obtém-se o teor de N passível de mineralização e disponibilidade a determinada cultura durante seu ciclo, tendo, como caráter restritivo, a probabilidade de contaminação do lençol freático por N-NO3-.

O teor de N-total tem relação, direta e indiretamente, com a quantidade de N mineralizada, que, por sua vez, quando única fonte de N no sistema, determina o potencial de contaminação das águas e o suprimento de N satisfatório às plantas. Diante da ampla variabilidade nos valores de recuperação de N, decorrente da implicação de inúmeras variáveis, a estimativa precisa desta determinação assume maior importância. Chae & Tabatabai (1986), Munn et al. (2000); He et al. (2000); Zebarth et al. (2000), testando biossólidos, observaram valores bastante diferenciados para as taxas de recuperação do N.

Teores de N-NH4+

Os tratamentos LCC e LCD apresentaram baixos teores de N-NH4+ graças ao efeito diluição e adversidades do meio impostas pelo agente alcalinizante para a evolução do processo bioquímico de mineralização. Ademais, não se diferenciaram estatisticamente em relação à profundidade e ao período de tempo testado (Figura 2a e b).


O comportamento do lodos caleados com relação à amonificação foi semelhante. Embora não-significativa, houve uma redução temporal nos teores, evidenciando o efeito inibidor do pH elevado sobre a atividade de mineralização do N. Os valores verificados em LBD, relativamente superiores aos materiais alcalinizados, apresentaram aumento progressivo em razão do tempo e profundidade da coluna, com indicação também no extrato percolado (Quadro 2). A elevação temporal dos teores pode estar relacionada com o aumento do pH (r = 0,97) dentro de níveis tidos como ótimos e uma progressiva adaptabilidade dos organismos decompositores. O aumento da temperatura dentro de níveis ótimos também eleva a taxa de hidrólise dos compostos (Brady, 1989).


Acredita-se que a produção de NH3 tenha sido potencializada pela alcalinização, embora não mensurada diretamente. Hauck (1984) menciona que a concentração de NH3 em solução aumenta exponencialmente para pH acima de 8. A adição de CaO elevou o pH da mistura próximo a 12, o que tornou o meio extremamente alcalino, condicionando a maior alteração de compostos amoniacais, como, por exemplo (NH4)2CO3, aumentando consideravelmente a lixiviação de íons N-NH4+ e volatilização de NH3.

Observou-se, com a utilização da cobertura, uma retenção parcial dos gases amoniacais, por meio da condensação na parede interna do revestimento e conseqüente retorno à massa superficial do lodo, o que pode ser verificado pelos maiores teores de N-NH4+, na camada de 0–5 cm, no tratamento LCC. Contudo, Andreoli & Carneiro (2002), avaliando o comportamento de N-NH4+ em lodo, observaram uma eficiência maior na retenção de NH3 com a utilização de cobertura sobre leiras do resíduo.

Teores de N-NO3-

Os teores de N-NO3- em todos os tratamentos foram muito baixos (< 2,0 mg kg-1) comparativamente a valores normalmente observados, muito embora LCC e LCD tenham apresentado teores superiores a LBD (Figura 3a). Ainda que pouco expressivas, foram observadas variações estatisticamente significativas nas concentrações de N-NO3- nos tratamentos LCC e LCD de acordo com o tempo e profundidade (Figura 3a e b).


Nos tratamentos alcalinizados, observou-se pequeno aumento inicial com a alcalinização, graças ao progressivo aumento de pH; no entanto, com a elevação a valores acima de 11, houve inibição acentuada do processo de nitrificação. O limite ácido teórico para a nitrificação é variável e próximo a 5,0, dependendo predominantemente do grau de tolerância das bactérias à acidez; o limite superior teria um ótimo até pH 8,0 aproximadamente, embora, não haja uma relação direta entre o pH e a taxa de nitrificação (Russel, 1973). Entretanto, em algumas situações específicas, é possível verificar nitrificações além destes limites.

Os teores para LCC mantiveram-se constantes nos tempos 15, 27 e 48 dias, pela não-ocorrência de lixiviação graças à presença de cobertura; e LCD, onde ocorreu lixiviação de N-NO3- (embora ínfima devida aos baixos teores na mistura), mostrou alguma diminuição temporal nestes teores.

É notório que o processo de nitrificação depende essencialmente de pH e oxigenação adequados para a efetividade das reações. Acredita-se que a desestabilização do meio percebida nos tratamentos LCC e LCD, com acréscimos no pH, salinidade, temperatura e concentração de NH3 devidos à alcalinização, foi determinante para a inibição da nitrificação, sendo notadamente pH o fator com maior influência. A desnitrificação também deve ser considerada como fator de redução dos teores de N-NO3-, especialmente em se tratando de lodo digerido anaerobiamente e, por vezes, de tratamentos com umidade elevada, o que significa baixo O2. Em relação à profundidade, LCD confirmou maior lixiviação de N-NO3- em superfície resultante da não-cobertura; já LCC mostrou alguma variação vertical na coluna, alternando teores em razão da profundidade, que necessitam ser mais bem estudados (Figura 3b). No tratamento LBD, os teores de N-NO3- não variaram para os fatores tempo e profundidade, evidenciando a baixa atividade de nitrificação em pH ácido. Mesmo com leve acréscimo no pH no decorrer do tempo, o LBD não acusou efetivamente aumento nos teores de N-NO3-. Adicionalmente, embora não-significativa, é possível verificar leve diminuição nos teores de N-NO3- entre os tempos 0 e 15 dias, período de maior precipitação. Em relação à profundidade, os menores teores nas camadas de 0–5 e 5–20 cm foram atribuídas à maior volatilização em superfície pela incidência da radiação solar direta e à percolação da água de chuva, causando maior lixiviação nos níveis superiores.

Implicações relacionadas com a mineralização

No presente estudo LBD apresentou as maiores taxas de mineralização, em torno de 4 %, comparativamente a 1,6 % de LCD e < 1 % para LCC, considerado apenas o período experimental. A taxa de mineralização de N recebe influência de muitas variáveis, especialmente climáticas, microbianas e de composição dos materiais (Russel, 1973; Keeney & Nelson, 1982). Em razão dos níveis de umidade, aeração, porosidade (compactação por CaO), tamanho de partículas, diversidade e especificidade microbiana e elevado teor de CO do lodo testado, ocorreram possivelmente oscilações na intensidade das atividades oxidativas dos microrganismos, o que pode ser verificado no tratamento LBD, com variações nos teores de N-NH4+ (Figura 2a). O regime pluviométrico condicionou LBD e LCD a níveis de umidade elevados durante boa parte do período experimental.

Em LBD houve incrementos (ainda que com variações) na taxa de mineralização de acordo com o tempo, com predominância de formas reduzidas de N, devidas ao desfavorecimento do meio à nitrificação, especialmente pH e O2 (Figuras 2a e 3a). Nos lodos alcalinos, LCC e LCD, a mineralização foi bastante reduzida [redução nos valores de N-NH4+ e baixos teores de N-NO3- (Figuras 2a e b, 3a e b), respectivamente], especialmente após a alcalinização, pela expressiva elevação de pH e temperatura ocasionada pelo processo exotérmico.

Considerando que a partir de 40 °C a mineralização fica condicionada apenas à decomposição por organismos termófilos, tendo ainda o inconveniente do pH próximo a 12 (Figura 1a), ocorreu forte restrição à atividade microbiana. Ademais, é preciso ainda considerar a influência da composição físico-química da matriz quanto à biodegradabilidade e biodisponibilidade, à baixa evolução de O2 para situações de umidade na capacidade de campo, à temperatura ambiente relativamente baixa (c = 14,5 °C), ao teor de umidade elevado e à especificidade da população microbiana.

O N também é consumido no processo de mineralização, sendo essencial ao crescimento e decomposição microbiana, com um ótimo para relação C:N de 10:1. Os lodos domésticos, em geral, apresentam relações C:N inferiores a 10:1, mesmo que alcalinizados, ocasionando maior imobilização do N. Quanto à possível influência de metais pesados presentes nos lodos, prejudicando a atividade microbiana, conforme relataram Chang & Broadbent (1982) e Munn et al. (2000), historicamente, a estação de tratamento amostrada não tem apresentado indícios de concentrações elevadas destes metais tampouco ocorrem contribuições significativas de efluentes industriais.

Considerações sobre a porção lixiviada

As formas amoniacais apresentaram-se de forma muito mais significativa nas águas de lixiviação, comparativamente aos teores de N-NO3-, correspondendo a aproximadamente 64 % em LBD e 14 % em LCD do N-total percolado (Quadro 2). Considerando estes valores e a reduzida percolação de N-NO3-, boa parte do N no percolado está na forma orgânica, principalmente em LCD, onde a mineralização foi menor.

Em lodos brutos estocados, a lixiviação determina a principal fonte de perda de N; em lodos alcalinizados, a volatilização de NH3 também assume grande importância. No presente estudo, estimativas em razão da pluviosidade média anual mostraram quantidades lixiviadas na ordem de 10,6 e 9,8 kg Mg-1 MS ano-1 de N-total, para LBD e LCD, respectivamente (Quadro 2). Os tratamentos LCD e LBD mostraram variações nos teores do extrato lixiviado em relação ao tempo, especialmente entre o 26º e o 37º dia, que podem estar relacionados com as oscilações na atividade microbiana e com a precipitação pluvial incidente, visto que a intensidade da precipitação deve exercer maior influência sobre a quantidade percolada do que o volume de precipitação, obviamente, considerando o extrato testado um meio de alta porosidade.

A capacidade de retenção de cátions por argilas e matéria orgânica em solos é de modo geral maior que a aniônica; deste modo, os nitratos não adsorvidos pelos colóides de carga negativa ficam mais sujeitos à lixiviação. No entanto, em virtude da alcalinização com CaO, é possível que tenha ocorrido uma elevada saturação dos pontos de adsorção de N-NH4+ por Ca2+, determinando uma considerável lixiviação de N-NH4+. Ademais, o elevado pH leva ao aumento na taxa de hidrólise e desestabilização de estruturas amoniacais, como, por exemplo (NH4)2CO3. Isto pode ser inferido pela lixiviação de N-NH4+ no extrato que sofreu alcalinização. Porém, o extrato líquido LBD (sem alcalinização) apresentou teores ainda maiores de N-NH4+, comparativamente a LCD (Quadro 2). Estudos posteriores são necessários para verificar os fatores envolvidos na lixiviação de N-NH4+ em LBD, visto que não há adição de sais ou outros materiais alcalinos e ser o pH suficientemente baixo a ponto de não promover, em condições normais, grandes lixiviações do cátion. Um dos aspectos que notadamente pode explicar isto é a indicação de concentrações de N-NH4+ no extrato sólido, seis vezes maior em LBD que em LCD.

Assim, independentemente se alcalinizados ou brutos, os lodos estocados apresentam perdas consideráveis de formas minerais de N-NH4+. Isto demonstra a importância da lixiviação deste íon, porém, certamente, em se tratando da adição de lodos aos solos, as implicações não têm a mesma pertinência. Prado Filho & Selbach (1988), testando diferentes tipos de fertilização química e orgânica, constataram que as águas de escorrimento superficial não promoveram arrastes significativos das formas inorgânicas de N, tendo N-NO3- apresentado menor índice de escorrimento que a forma N-NH4+.

Obviamente, os baixos valores de N-NO3- observados no lixiviado estão diretamente relacionados com os teores reduzidos na coluna e extrema adversidade à nitrificação. Embora as concentrações sejam reduzidas nos extratos, sólido e líquido (Figura 3a), é possível constatar a maior lixiviação em relação ao tempo no tratamento LCD em comparação a LCC, evidenciando o efeito da chuva. Em LBD, os valores são muito baixos e estatisticamente iguais.

Contudo, apesar dos baixos teores de N-NO3- observados neste estudo, é preciso atentar quando da disposição destes lodos alcalinizados em solos, decorrente do alto teor de N-orgânico no material com potencial de nitrificação e a contaminação de lençóis. He et al., 2000 mostraram que os lodos domésticos têm um alto potencial de mineralização. Entretanto, quando alcalinizados, ocorre uma significativa redução na taxa de mineralização e, quando adicionados ao solo com a finalidade de condicionante agrícola, a atividade microbiana intensifica-se com o restabelecimento do pH em níveis satisfatórios para seu desenvolvimento.

CONCLUSÕES

1. As condições do meio ocasionadas pela alcalinização, pela adição de CaO na proporção de 50 % MS lodo (pH e temperatura) e a umidade elevada reduziram significativamente a intensidade de mineralização de N e a nitrificação. A alcalinização reduziu os teores de N-total em até 50 %, em decorrência do efeito diluição, volatilização de NH3 e lixiviação organomineral.

2. O tratamento LCC – com cobertura - apresentou maiores teores de NH4+ em superfície.

3. O processo de caleação potencializou perdas de N pela lixiviação de íons N-NH4+. Igualmente, o tratamento sem alcalinização também apresentou significativas perdas de N-NH4+ por lixiviação que precisam ser mais bem investigadas.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em maio de 2004 e aprovado em agosto de 2005.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    Ago 2005
  • Recebido
    Maio 2004
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