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Cinza e carbonato de cálcio na mitigação de drenagem ácida em estéril de mineração de carvão

Coal ash and calcium carbonate on acid drainage mitigation in coal mining overburden

Resumos

A drenagem ácida é um problema ambiental, não-exclusivo, mas comumente associado à mineração do carvão e decorrente da oxidação de sulfetos, como a pirita, presente nos estéreis e rejeitos da mineração. A cinza derivada da queima do carvão constitui um resíduo, de utilização ainda limitada, no Brasil, mas que apresenta potencial de neutralização da acidez. Desse modo, estudou-se a possibilidade de utilização de cinzas da combustão do carvão mineral em combinação com carbonato de cálcio (CaCO3) para correção da drenagem ácida decorrente da oxidação de pirita em estéril da mineração de carvão de Candiota (RS). Amostras de 50 g do material estéril que continha pirita foram tratadas com 16 combinações de cinza da combustão do carvão e CaCO3 e acondicionadas em frascos de lixiviação. O experimento foi realizado em delineamento inteiramente casualizado, fatorial 4 x 4 (quatro doses de CaCO3 e quatro doses de cinza), em três repetições. Os frascos foram submetidos a lixiviações periódicas com água destilada, a cada duas semanas, durante oito meses. Os lixiviados foram caracterizados quanto ao pH, acidez livre e concentrações de S, Si e Fe. Os resultados demonstraram que: o uso da cinza do carvão de Candiota não é viável, tanto por apresentar baixa capacidade de neutralização da acidez quanto por diminuir a eficiência do CaCO3. Após oito meses de intemperismo simulado, apenas 11 % dos sulfetos foram oxidados na ausência de carbonato e cinzas. O uso de carbonato e, em menor grau, de cinza, acelerou a taxa de oxidação dos sulfetos. A oxidação da pirita contida nas amostras ocorreu com maior velocidade nos dois primeiros meses de intemperismo simulado; desse modo, recomenda-se o uso de calcário logo após a exposição do estéril da mineração, visando minimizar a drenagem ácida. Pesquisas, de longo prazo, que visem à otimização das doses de CaCO3 e ao uso de outros corretivos na mitigação da drenagem ácida devem ser estimuladas.

oxidação de sulfetos; corretivos de drenagem ácida; pirita; carvão mineral


Acid drainage is an environmental problem, not exclusive, but commonly associated to coal mines. It arises from the oxidation of sulfides, like pyrite, in overburden and mining tailings. The use of ashes from coal combustion is still limited in Brazil, but such residues have a potential use as neutralizing agent for acid mine drainage. This study intended to evaluate the interaction between the use of coal ash and CaCO3 to neutralize acid drainage from pyrite oxidation in coal mining overburden from Candiota (RS) - Brazil. Samples of overburden material containing pyrite were treated with increasing CaCO3 doses and coal ash in leaching flasks. The treatments were disposed in a completely randomized design in 4 x 4 factorial scheme (4 doses of CaCO3 and 4 doses of coal ash) with three replications. The flasks were submitted every two weeks to leaching with distilled water during eight months. The leached solutions were analyzed for pH, free acidity and S, Si and Fe contents. Results showed that the use of ash was impractical not only due to its low neutralizing capacity, but also because it reduced the CaCO3 efficiency. After eight months of simulated weathering only 11% of the sulfides were oxidized in the absence of ash or carbonate. The use of CaCO3 and, to a lesser extent of ash, increased the pyrite oxidation rate. Pyrite in coal overburden oxidized faster in the first two months of simulated weathering, thus it is recommended that lime be applied just after overburden exposition in order to minimize acid drainage. Further investigation aiming to optimize the CaCO3 doses and test alternative neutralizing materials in long term experiments should be encouraged.

Sulfide oxidation; acid drainage neutralizers; pyrite; coal


SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL

Cinza e carbonato de cálcio na mitigação de drenagem ácida em estéril de mineração de carvão1 1 Parte da Tese de Doutorado, apresentada pelo primeiro autor no programa de Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal de Viçosa. Recebido para publicação em dezembro de 2004 e aprovado em dezembro de 2005.

Coal ash and calcium carbonate on acid drainage mitigation in coal mining overburden

Evaldo Rodrigues SoaresI; Jaime Wilson Vargas de MelloII; Carlos Ernesto G.R. SchaeferIII; Liovando Marciano da CostaIII

IProfessor do Departamento de Solos da Universidade da Região da Campanha – URCAMP. Bagé (RS)

IIProfessor do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa – UFV. Av. P.H. Rolfs, s/n. CEP 36470-000 Viçosa (MG). Bolsista CNPq. E-mails: jwvmello@ufv.br

IIIProfessor do Departamento de Solos, UFV. Bolsista CNPq. E-mails: carlos.schaefer@ufv.br; liovandomc@yahoo.com.br

RESUMO

A drenagem ácida é um problema ambiental, não-exclusivo, mas comumente associado à mineração do carvão e decorrente da oxidação de sulfetos, como a pirita, presente nos estéreis e rejeitos da mineração. A cinza derivada da queima do carvão constitui um resíduo, de utilização ainda limitada, no Brasil, mas que apresenta potencial de neutralização da acidez. Desse modo, estudou-se a possibilidade de utilização de cinzas da combustão do carvão mineral em combinação com carbonato de cálcio (CaCO3) para correção da drenagem ácida decorrente da oxidação de pirita em estéril da mineração de carvão de Candiota (RS). Amostras de 50 g do material estéril que continha pirita foram tratadas com 16 combinações de cinza da combustão do carvão e CaCO3 e acondicionadas em frascos de lixiviação. O experimento foi realizado em delineamento inteiramente casualizado, fatorial 4 x 4 (quatro doses de CaCO3 e quatro doses de cinza), em três repetições. Os frascos foram submetidos a lixiviações periódicas com água destilada, a cada duas semanas, durante oito meses. Os lixiviados foram caracterizados quanto ao pH, acidez livre e concentrações de S, Si e Fe. Os resultados demonstraram que: o uso da cinza do carvão de Candiota não é viável, tanto por apresentar baixa capacidade de neutralização da acidez quanto por diminuir a eficiência do CaCO3. Após oito meses de intemperismo simulado, apenas 11 % dos sulfetos foram oxidados na ausência de carbonato e cinzas. O uso de carbonato e, em menor grau, de cinza, acelerou a taxa de oxidação dos sulfetos. A oxidação da pirita contida nas amostras ocorreu com maior velocidade nos dois primeiros meses de intemperismo simulado; desse modo, recomenda-se o uso de calcário logo após a exposição do estéril da mineração, visando minimizar a drenagem ácida. Pesquisas, de longo prazo, que visem à otimização das doses de CaCO3 e ao uso de outros corretivos na mitigação da drenagem ácida devem ser estimuladas.

Termos de indexação: oxidação de sulfetos, corretivos de drenagem ácida, pirita, carvão mineral.

SUMMARY

Acid drainage is an environmental problem, not exclusive, but commonly associated to coal mines. It arises from the oxidation of sulfides, like pyrite, in overburden and mining tailings. The use of ashes from coal combustion is still limited in Brazil, but such residues have a potential use as neutralizing agent for acid mine drainage. This study intended to evaluate the interaction between the use of coal ash and CaCO3 to neutralize acid drainage from pyrite oxidation in coal mining overburden from Candiota (RS) - Brazil. Samples of overburden material containing pyrite were treated with increasing CaCO3 doses and coal ash in leaching flasks. The treatments were disposed in a completely randomized design in 4 x 4 factorial scheme (4 doses of CaCO3 and 4 doses of coal ash) with three replications. The flasks were submitted every two weeks to leaching with distilled water during eight months. The leached solutions were analyzed for pH, free acidity and S, Si and Fe contents. Results showed that the use of ash was impractical not only due to its low neutralizing capacity, but also because it reduced the CaCO3 efficiency. After eight months of simulated weathering only 11% of the sulfides were oxidized in the absence of ash or carbonate. The use of CaCO3 and, to a lesser extent of ash, increased the pyrite oxidation rate. Pyrite in coal overburden oxidized faster in the first two months of simulated weathering, thus it is recommended that lime be applied just after overburden exposition in order to minimize acid drainage. Further investigation aiming to optimize the CaCO3 doses and test alternative neutralizing materials in long term experiments should be encouraged.

Index terms: Sulfide oxidation, acid drainage neutralizers, pyrite, coal.

INTRODUÇÃO

O Brasil dispõe de uma das maiores reservas de carvão da América Latina, e os depósitos de maior importância econômica concentram-se nos estados do sul do País, na formação Rio Bonito, de idade permiana. Em Candiota, no Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com o Uruguai, encontra-se a maior bacia carbonífera do País, com reservas estimadas na ordem de 12 x 109 t. Em razão de seu poder calorífico e alto teor de impurezas, esse carvão é utilizado quase que exclusivamente para geração de energia elétrica (Brasil, 1985).

A Formação Rio Bonito apresenta espessura considerável, podendo atingir 100 m, em Candiota (RS). As camadas de carvão posicionam-se, normalmente, no terço médio desta unidade litoestratigráfica. São conhecidos 23 leitos de carvão, dos quais somente a camada superficial, a mais importante tanto em espessura quanto em distribuição, tem sido minerada. Esta camada tem espessura média que varia de 2,20 a 6,17 m, sendo constituída por dois bancos de carvão, intercalados com siltitos e argilitos de coloração cinza-escura. A espessura das camadas de siltito e de argilito varia em torno de 70 cm (Aboarrage & Lopes, 1986). As litologias se repetem na estratigrafia, e sempre aparecem argilitos confinando os bancos de carvão da Formação Rio Bonito, o que garante o ambiente impermeável e redutor propício e necessário para a gênese do carvão.

Nesse ambiente, com características redutoras, formam-se os sulfetos, em especial o sulfeto de ferro (FeS2), que pode estar tanto na forma de pirita quanto na forma de marcassita (Monteiro, 1980). Quando a mineração se processa, inevitavelmente há exposição desses sulfetos ao oxigênio atmosférico, o que produz uma reação de oxidação com produtos ácidos, sendo o processo conhecido por drenagem ácida. Este fenômeno pode comprometer grande parte dos recursos hídricos próximo aos locais de mineração, em conseqüência da solubilização e mobilização de metais pesados, conforme verificado por Soares et al. (1997), para materiais de Candiota.

O uso de calcário como corretivo da acidez produzida baseia-se no efeito neutralizante dos carbonatos, tamponando o pH na faixa alcalina, mas a cinética de oxidação da pirita também pode ser afetada. Além de produzir alcalinidade, o carbonato de cálcio parece afetar a estabilidade da pirita. Caruccio & Geidel (1996) relatam que os materiais calcários podem inibir a oxidação da pirita. Também Evangelou (1995) demonstra que, sob determinadas condições, pode haver a precipitação de hidróxidos férricos sobre a superfície dos cristais de pirita. Supõe-se que esse fenômeno de "encapsulação" dos cristais seja responsável pela estabilização do sulfeto, diminuindo, de maneira considerável, a taxa de oxidação da pirita.

As cinzas resultantes da queima de carvão mineral podem ser ácidas, com pH em torno de 4,5, ou alcalinas, com pH por volta de 12. As cinzas de carvão sub-betuminoso produzem soluções alcalinas quando em contato com a água, sendo este fenômeno associado à existência de minerais, tais como: calcita, silicatos amorfos, hematita, quartzo, óxidos e carbono livre (Karapanagioti & Atalay, 1996). Para EPRI (1988), a alcalinidade depende do conteúdo de CaO, e os baixos valores de pH se devem à presença de ácido sulfúrico condensado nas partículas das cinzas. Os óxidos alcalinos e alcalino-terrosos em excesso, com o tempo, reagem e neutralizam a acidez. Assim, medidas iniciais de pH podem apresentar valores baixos, mas, com o tempo, a acidez é neutralizada, o que provoca elevação final no pH.

O carvão mineral da região Sul do Brasil, quando queimado, produz alta percentagem de cinzas, em torno de 53 % do volume, o que, por si só, já constitui grave problema ambiental. Foram feitas algumas tentativas de utilização dessas cinzas na área da construção civil. No entanto, em virtude do seu expressivo volume, as cinzas atualmente acumulam-se em depósitos, junto aos bancos de estéreis da mineração. Alpern et al. (1985) apresentaram a composição química das cinzas do carvão de Candiota com predomínio de óxidos de silício e de alumínio, aparecendo o ferro como terceiro constituinte mais abundante e quantidades menores de S e de metais alcalinos e alcalino-terrosos. Zanella (1988) concluiu que estas cinzas apresentam caráter alcalino e alto teor de metais, o que, segundo o autor, possibilita a mobilização de elementos, como o As e Se. Por outro lado, acredita-se que este caráter alcalino possa auxiliar no processo de neutralização da drenagem ácida.

Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo estudar os efeitos da cinza, proveniente da combustão do carvão e do carbonato de cálcio, na neutralização da acidez gerada, bem como avaliar a cinética de oxidação dos sulfetos, em estéril da mineração de Candiota (RS).

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras compostas de estéril foram coletadas na superfície da frente de mineração, no momento da descobertura do carvão mineral, em Candiota (RS), com vistas em minimizar o tempo de exposição dos sulfetos. Amostras compostas de cinza da combustão do carvão proveniente da usina termelétrica também foram coletadas no momento de sua deposição na cava de mineração.

A cinza da combustão do carvão foi caracterizada quanto aos teores totais, após digestão com água régia (HCl + HNO3 3:1 v/v), e solúveis em água de Si, Fe, Ca, Mg e S. Além desses, determinaram-se os teores trocáveis de Al, Ca e Mg, após extração com KCl 1 mol L-1, e os teores de Si vinculado a formas mal cristalizadas ("Si amorfo"), mediante extração com oxalato ácido de amônio 0,01 mol L-1 (Smith, 1984) Também foi determinado o pH da suspensão cinza/água (1:2,5; v/v) e da solução filtrada a partir dessa suspensão após 0, 2, 30 e 264 h de contato. Em todas as determinações, os teores de Fe, Al, Ca e Mg foram quantificados por espectrofotometria de absorção atômica, sendo os teores de S e de Si avaliados, respectivamente, por meio de gravimetria e de colorimetria (Embrapa, 1997).

A amostra composta de estéril foi triturada e passada em peneiras de 0,210 mm. Em seguida, uma subamostra desse material foi lavada com HCl 6 mol L-1 e com CaCl2 0,01 mol L-1, visando à eliminação de carbonatos e sulfatos, e digerida com água régia. O enxofre do extrato ácido, atribuído aos sulfetos presentes, foi quantificado por gravimetria (Embrapa, 1997). A partir desse valor, calculou-se o potencial de acidificação (P.A.) do estéril com base na estequiometria da reação global de oxidação da pirita (Singer & Stumm, 1970):

FeS2 + 15/4 O2 + 9/2 H2O Û Fe (OH)3 + 4 H+ +2SO42-

Amostras de 50 g do estéril foram incubadas com doses de CaCO3 e de cinzas da combustão de carvão, combinadas em esquema fatorial 4 x 4, adotando-se o delineamento experimental inteiramente casualizado, com três repetições. Considerando que o estéril apresentou um teor de 0,551 % de S atribuído a sulfetos, a quantidade de CaCO3 necessária para neutralizar 100 % do P.A. foi de 0,859 g por unidade experimental. Assim, as quantidades de carbonato utilizadas por unidade experimental foram de: 0; 0,25 (30 % do P.A.); 0,50 (60 % do P.A.); e 1,0 g (120 % do P.A.). As doses de cinza foram de 0, 2, 4 e 8 % em relação à massa do estéril, o que correspondeu a 0; 1,0; 2,0; e 4,0 g por unidade experimental.

As unidades experimentais foram submetidas a lixiviações com 50 mL de água destilada a cada duas semanas, por um período de oito meses. Nos lixiviados, foram determinados: o pH; a acidez livre, por titulação com NaOH 0,001 mol L-1; os teores de Fe, por espectrofotometria de absorção atômica; os teores de enxofre, por turbidimetria (Alvarez V. et al., 2001), e os teores de Si, por colorimetria (Embrapa, 1997). As alíquotas de 5 mL utilizadas para as determinações de Fe foram acidificadas com 1 mL de HCl 0,1 mol L-1, imediatamente após a coleta. Ao final do período de incubação, determinou-se o enxofre remanescente no estéril retirado dos frascos de lixiviação, após digestão com água régia.

As análises estatísticas constaram de análise de variância, cujos desdobramentos de interações significativas consistiram de estudos de regressão, nas quais se adotaram, como variáveis dependentes, os teores médios de S, Si, Fe e os valores médios de acidez livre e de pH de todas as lixiviações, e, como variáveis independentes, as doses de carbonato dentro de cada dose de cinza.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização química da cinza de combustão de carvão

Os resultados indicaram baixos teores de S nas cinzas (Quadro 1), o que era esperado, em razão da alta temperatura de combustão do carvão e, conseqüentemente, oxidação e volatilização dos sulfetos presentes. Os teores totais foram mais altos para Si, seguido de Fe, e mais baixos para Ca e Mg. Por outro lado, dentre os elementos solúveis e trocáveis, destacaram-se os metais alcalino-terrosos, Ca e Mg, com teores superiores aos cátions de hidrólise ácida Fe e Al. Tais resultados justificam o caráter alcalino da cinza, corroborado pelas medidas de pH na suspensão de cinza em água. Os teores de Si solúvel e amorfo mostraram-se relativamente elevados.


O caráter alcalino da suspensão da cinza em água mostrou-se evidente pelo pH que se manteve elevado mesmo após 12 dias de contato, estando de acordo com o preconizado por Zanella (1988). No entanto, a simples filtragem da suspensão revelou o caráter ácido da solução filtrada, independentemente do tempo de contato. Neste caso, o comportamento ficou mais de acordo com o preconizado por EPRI (1988), que atribuiu o caráter ácido à presença de ácido sulfúrico condensado nas partículas das cinzas de carvão sub-betuminoso. Os dados obtidos não permitiram vislumbrar uma explicação plausível para tal comportamento. Uma hipótese a ser aventada é a de que o caráter alcalino foi conferido por substâncias presentes na fase sólida da suspensão, como sílica amorfa, ou de peso molecular suficientemente alto para serem retidas nos poros durante a filtragem, permitindo que substâncias solúveis de caráter ácido se manifestassem na solução filtrada. Tal comportamento apresentado pela cinza é mais um complicador na área de mineração, pois exige maior cuidado com a disposição deste rejeito.

Cinética de oxidação e geração ácida em estéril de mineração

Os resultados são discutidos, inicialmente, tendo em vista as tendências no tempo de incubação. Isso é possível ao observar os valores pontuais obtidos em cada lixiviação, o que dá uma idéia da cinética das reações relacionadas com a oxidação dos sulfetos. Os efeitos dos tratamentos de calagem e cinza, no entanto, foram estudados pelos modelos de regressão ajustados, considerando os valores médios de todas as lixiviações para as variáveis dependentes.

Valores de pH e acidez livre nos lixiviados

Percebeu-se o efeito de carbonato na correção da drenagem ácida, com o aumento de pH e decréscimo da acidez livre dos lixiviados, na ausência de cinza (Figuras 1a e 2a). No entanto, para os tratamentos com doses de 2, 4 e 8 % de cinzas, o efeito do carbonato sobre os valores de pH e acidez tendeu a desaparecer. Os valores de pH e acidez total nos lixiviados revelaram o efeito antagônico da cinza na correção da drenagem ácida. Na presença de carbonato, a cinza revelou caráter ácido anulando o efeito neutralizante do corretivo. Paradoxalmente, na ausência de carbonatos, o uso da cinza contribuiu para neutralizar a acidez livre (Figura 2), revelando um caráter alcalino, a despeito de manter em valores baixos o pH dos lixiviados (Figura 1).



Os valores de pH e acidez livre, obtidos na média das lixiviações, mostraram claramente a interação dos efeitos de cinza e carbonato na drenagem ácida. As equações de regressão ajustadas para essas variáveis, considerando as doses de carbonato dentro de cada dose de cinza, revelaram um efeito "tamponante" da cinza sobre o pH (Figura 3) e acidez livre (Figura 4), nas soluções lixiviadas. Verificou-se que esse efeito se fez presente já na menor dose de cinza (2 %), não se modificando substancialmente para as doses mais elevadas (4 e 8 %). Vale salientar que os coeficientes angulares das equações de regressão apresentadas na figura 3, de modo geral, diminuíram com o aumento da dose de cinza (0, 4 e 8 %), indicando, novamente, diminuição da eficiência do carbonato.



Os efeitos da cinza de combustão do carvão na drenagem ácida mostraram relação com o comportamento observado nas determinações de pH das cinzas (item caracterizão). Novamente, o caráter alcalino da cinza revelou-se parcialmente, quando da sua utilização como tratamento isolado no controle da acidez do estéril. O uso isolado da cinza diminuiu a acidez livre dos lixiviados até valores médios de aproximadamente 0,3 mmol L-1 (Figura 4); não obstante, os valores de pH mantiveram-se baixos. Doses de cinza superiores a 2 % não revelaram efeito adicional considerável na neutralização da acidez.

Teores de enxofre nos lixiviados

Os teores de enxofre obtidos nos lixiviados, durante o período experimental, mostraram um decréscimo acentuado com o tempo de incubação (Figura 5). Nos primeiros 56 dias de incubação, verificou-se queda nos teores de enxofre até aproximadamente 80 % dos valores iniciais. Em seguida, nova queda, ainda que menos expressiva, entre o 56º e o 136º dia, quando os teores de S- SO4-2 nos lixiviados atingiram valores próximos a zero. A partir de 196 dias, constatou-se, novamente, tendência de elevação dos teores de enxofre lixiviado.


Tais diferenças na cinética de oxidação e, conseqüentemente, nos teores de enxofre medidos nos lixiviados podem ser creditadas à presença de piritas com diferentes graus de cristalinidade, pureza e forma, e, ou, a diferentes estádios de pré-intemperismo a que foram submetidas. Os sulfetos de mais fácil alteração foram oxidados até o 56º dia e, conseqüentemente, responsáveis pelos maiores teores de sulfato nos lixiviados. Uma segunda fase de oxidação, determinada por sulfetos com maior resistência à alteração oxidativa, foi observada a partir do 2º mês até o 136º dia, respondendo por, aproximadamente, 13 % do sulfato lixiviado. Tal fato representou, ainda, um considerável incremento na acidificação das drenagens. Após essa fase, notou-se um período de aproximadamente 60 dias, com pouca acidificação. Este período poderia caracterizar o esgotamento dos sulfetos, não fosse uma nova tendência de aumento nos teores de sulfato registrado a partir do 196º dia, o que certamente indica uma nova etapa na oxidação.

Esse comportamento evidencia que, na prática, deve-se dar especial atenção às medidas de controle da drenagem ácida, durante os primeiros meses de exposição dos estéreis sulfetados.

Atlas & Bartha (1993) observaram a existência de microrganismos autotróficos e heterotróficos controlando o processo de oxidação de S e a produção de SO4-2 em sistemas naturais. Segundo os autores, o gênero Thiobacillus, por exemplo, atua em ampla faixa de pH, que varia de 1,5 a 9,0. Microrganismos heterotróficos, como as bactérias dos gêneros Artrobacter e Pseudomonas, também produzem SO4-2 por processos cometabólicos. Assim, é possível que a tendência observada para o SO4-2 lixiviado se deva a mecanismos de sucessão de espécies adaptadas a diferentes valores de pH, à medida que há liberação de H+, enquanto o sulfato é produzido. Contudo, tal hipótese não foi avaliada no presente estudo.

Os teores médios de enxofre nos lixiviados (Figura 6) mostraram que a adição de doses crescentes de carbonato provocava aumentos na taxa de oxidação dos sulfetos presentes no estéril do carvão de Candiota (RS), efeito este já relatado por Soares & Mello (1997). Evangelou (1995), em vários trabalhos, observou que a presença de carbonato promovia aceleração na oxidação abiótica de piritas. Segundo o autor, esse aumento na taxa de oxidação era devido à formação de complexos do tipo Fe (II)–CO3 na superfície dos cristais de pirita, os quais facilitavam a transferência de elétrons para o O2 e, conseqüentemente, promoviam uma rápida oxidação do ferro ferroso.


Ainda sobre esse efeito, é notável a diferença entre a menor e a maior dose de carbonato, particularmente na ausência de cinza, em que os teores de sulfato no lixiviado são incrementados em quase 100 %. Isto mostra que, na prática, o uso de carbonato pode reduzir o tempo de oxidação dos sulfetos e, conseqüentemente, da drenagem ácida residual em estéreis ou rejeitos de carvão.

Aumento nos teores médios de SO4-2 lixiviado com a adição de cinza também foi evidenciado (Figura 6). A comparação destes resultados com aqueles observados para acidez livre (Figura 4) revelou que o uso isolado de cinza, a exemplo do que ocorreu com o carbonato, acelerava a taxa de oxidação dos sulfetos, ao mesmo tempo que neutralizava parcialmente a drenagem ácida. Também, neste caso, o uso de doses superiores a 2 % de cinza não representou aumentos adicionais nos teores de sulfato lixiviado.

Os resultados obtidos para o enxofre nos lixiviados (Figura 6) foram corroborados pelas análises dos teores de sulfeto residual nos materiais dos frascos, após o experimento (dados não mostrados). Estes resultados claramente confirmaram os efeitos do carbonato e da cinza, conforme discutido anteriormente, sendo compatíveis com as quantidades de sulfato lixiviado durante todo o período experimental.

Teores de ferro nos lixiviados

Os teores médios de ferro lixiviado durante o período experimental (Figura 7) mostraram, a exemplo do que foi verificado para sulfato, os efeitos significativos da adição de carbonato e cinza na drenagem ácida. Foram constatados, para os tratamentos sem carbonato, os maiores teores de ferro, tendo a adição de cinza, neste caso, diminuído o teor de ferro. Tal situação concorda com o comportamento neutralizante da cinza, quando utilizada na ausência de carbonato.


Nos tratamentos sem cinza, percebeu-se que a ação do carbonato, na menor dose, já foi suficiente para causar um decréscimo de aproximadamente 85 % nos teores de ferro lixiviado. Considerando que os teores de sulfato aumentaram com as doses de carbonato, esse decréscimo deve ser creditado à precipitação do ferro oxidado no interior dos frascos de lixiviação, em razão da elevação do pH.

Nas doses de carbonato mais altas, verificou-se tendência de aumento nos teores médios de ferro nos lixiviados. Tal resultado está em desacordo com os equilíbrios do Fe em solos e sedimentos, apresentados por Lindsay (1979) e Brookins (1988), já que o pH dos lixiviados aumentou com o aumento das doses de carbonato. Portanto, tal efeito, provavelmente, reflete a aceleração na taxa de oxidação das piritas pelo carbonato, conforme discutido anteriormente. Assim, os teores de ferro nos lixiviados seriam resultantes de efeitos antagônicos do carbonato, um, para acelerar a oxidação, e outro, para elevar o pH. Acredita-se que, para as doses mais altas, o efeito do carbonato na aceleração da oxidação das piritas se sobreponha ao aumento de pH.

Verificou-se, ainda, aumento nos teores médios de ferro nos lixiviados com o aumento da dose de cinza, na presença de carbonato. Esses resultados confirmaram o efeito da combinação de cinza com carbonato, possivelmente reflexo dos valores de pH da solução após filtragem da suspensão aquosa da cinza, conforme discutido anteriormente.

Teores de silício nos lixiviados

Os teores médios de silício lixiviado durante todo o período experimental (Figura 8) evidenciaram o efeito do carbonato, aumentando a solubilidade da sílica, particularmente para os tratamentos sem cinza. Também, com o aumento da dose de cinza, o silício tendeu a aumentar e o efeito de carbonato tornou-se menos evidente, de modo semelhante ao que foi observado para acidez dos lixiviados. Tais observações provavelmente resultam da presença de sílica na cinza, já que as diferenças no silício lixiviado com o aumento das doses mostraram-se compatíveis com os teores de sílica solúvel e amorfa na cinza (Quadro 2). O aumento, de aproximadamente 120 % no silício lixiviado com o uso de carbonato na ausência de cinzas foi semelhante ao aumento provocado pelo uso isolado de cinza. Isso permite considerar que o efeito neutralizante da cinza deveu-se ao seu caráter alcalino, conferido por silicatos amorfos presentes na fase sólida da suspensão, conforme sugerido anteriormente. Por alguma razão, este efeito neutralizante foi limitado e apresentou interação negativa com os carbonatos.


Seta & Evangelou (1996) demonstraram que a formação de camadas de óxido de ferro na superfície da pirita pode dificultar a oxidação e, pelo menos temporariamente, prevenir a drenagem ácida. Segundo os autores, esta camada protetora pode ser estabilizada pela sílica, formando o que denominaram de "coatings" sílica-óxido de ferro. No presente trabalho, o uso de cinza da combustão do carvão, bem como a determinação dos teores de silício no lixiviado, teve por objetivo verificar a possibilidade de ocorrência deste processo de "microencapsulação". No entanto, os resultados obtidos não permitem, em princípio, vislumbrar qualquer afirmação mais conclusiva a este respeito.

CONCLUSÕES

1. A eficiência do carbonato na neutralização da drenagem ácida foi diminuída na presença da cinza de combustão de carvão e vice-versa.

2. O uso de dose de carbonato equivalente a 30 % do potencial de acidificação do estéril foi mais eficiente que o uso de cinza no controle da drenagem ácida.

3. A pirita presente no estéril de mineração de carvão foi capaz de manter a drenagem ácida por longo período de tempo. O uso de carbonato e, em menor proporção, de cinza contribuiu para acelerar a oxidação dos sulfetos.

4. A cinética de oxidação de sulfetos presentes no estéril mostrou diferentes fases, tendo a maior parte sido oxidada nos primeiros 56 dias, o que requer atenção especial às medidas de controle da drenagem ácida durante os primeiros meses de exposição do estéril.

LITERATURA CITADA

  • ABOARRAGE, A.M. & LOPES, R.C. Projeto a Borda Leste da bacia do Paraná: integração geológica e avaliação econômica. Relatório Final. Porto Alegre, DNPM/CPRM, 1986. v.1. 15p.
  • ALPERN, B.; NAHUYS, J. & MARTINEZ, L. Matéria mineral em carvões com muita cinza e não laváveis, influencia nas propriedades químicas. Porto Alegre, Fundação de Ciência e Tecnologia, 1985. 52p.
  • ALVAREZ V., V.H.; DIAS, L.E.; RIBEIRO Jr, E.S.; SOUZA, R.B. & FONSECA, C.A. Métodos de análises de enxofre em solos e plantas. Viçosa, Editora UFV, 2001. 131p.
  • ATLAS, R.M. & BARTHA, R. Microbial ecology: fundamentals and applications. 3.ed. Redwood City, Benjamin Cummings Publish. Comp. 1993. 563p.
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  • 1
    Parte da Tese de Doutorado, apresentada pelo primeiro autor no programa de Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal de Viçosa. Recebido para publicação em dezembro de 2004 e aprovado em dezembro de 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Aceito
      Dez 2005
    • Recebido
      Dez 2004
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