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Compatibilidade simbiótica de fungos micorrízicos arbusculares com espécies arbóreas tropicais

Symbiotic compatibility of arbuscular mycorrhizal fungi with tropical tree species

Resumos

A revegetação com espécies arbóreas é uma estratégia adequada, quando se pretende a reabilitação de terras degradadas. Entretanto, o estabelecimento e o crescimento destas em solos pobres em nutrientes dependem de diversos fatores como a capacidade de formar e beneficiar-se das micorrizas. No presente estudo, realizado em casa de vegetação na Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais- Brasil, avaliaram-se aspectos da relação fungos micorrízicos arbusculares e espécies arbóreas do sudeste brasileiro. Os fungos estudados foram: Scutellospora pellucida, Acaulospora scrobiculata, Entrophospora colombiana, Gigaspora gigantea, Gigaspora margarita, Glomus etunicatum, Scutellospora gregaria, Glomus clarum e isolados oriundos de agrossistemas e de mata, os quais foram inoculados em dezesseis espécies vegetais: Luehea grandiflora, Cecropia pachystachya, Schinus terebinthifolius, Machaerium nyctitans, Senna macranthera, Senna spectabilis, Solanum granuloso-leprosum, Caesalpinea ferrea, Tabebuia serratifolia, Maclura tinctoria, Guazuma ulmifolia, Acacia polyphylla, Mimosa caesalpiniaefolia, Enterolobium contortisiliquum, Trema micrantha e Cedrela fissilis. Estas espécies apresentaram comportamento diferenciado em relação à susceptibilidade aos fungos e às respostas em crescimento decorrentes da inoculação. A amplitude de eficiência simbiótica dos fungos variou muito, sendo o Gl. clarum, E. colombiana, S. pellucida e Gl. etunicatum os fungos de maior amplitude, beneficiando mais de 80 % das espécies vegetais estudadas, e a A. scrobiculata a espécie de comportamento mais restrito em relação aos hospedeiros. A análise da compatibilidade fungo-hospedeiro e o comportamento geral das espécies em associação indicam a ocorrência de seletividade diferenciada na relação fungo-hospedeiro, existindo combinações de eficiência simbiótica muito variável para as plantas hospedeiras. A importância destes resultados para a revegetação de áreas degradadas é discutida.

micorrizas; reflorestamento; simbiose radicular; relação fungo-planta; colonização radicular; fungos do solo


Revegetation with tree species is an appropriate strategy for the rehabilitation of degraded areas. However, the establishment and growth of these species in low nutrient soils depends upon several factors, such as the ability of the species to form and benefit from mycorrhizae. In this study, conducted in pots under greenhouse conditions at the Federal University of Lavras in Minas Gerais, Brazil, aspects of host-fungus relationship in tree species found in Southeastern Brazil were evaluated. The following arbuscular mycorrhiza (AM) fungal species were studied: Scutellospora pellucida, Acaulospora scrobiculata, Entrophospora colombiana, Gigaspora gigantea, Gigaspora margarita, Glomus etunicatum, Scutellospora gregaria, Glomus clarum, and fungi isolated from agrosystems and native forest. All these fungi were inoculated on the following sixteen plant species: Luehea grandiflora, Cecropia pachystachya, Schinus terebinthifoliu, Machaerium nyctitans, Senna macranthera, Senna spectabilis, Solanum granuloso-leprosum, Caesalpinea férrea, Tabebuia serratifolia, Maclura tinctoria, Guazuma ulmifolia, Acacia polyphylla, Mimosa caesalpiniaefolia, Enterolobium contortisiliquum, Trema micrantha, and Cedrela fissilis. These species presented differentiated susceptibility and growth response under inoculation with AM fungi. Within the substantially wide range of symbiotic efficiency Gl. clarum, E. colombiana, S. pellucid,a and Gl. etunicatum presented the highest amplitudes, being efficient for over 80 % of all studied species, whereas A. scrobiculata was the fungus with the most restricted range of hosts. A compatibility analysis of the host-fungus relationships indicated the existence of a differential selectivity among them, resulting in varied symbiotic efficiency for the host plants. The importance of these results for the revegetation of degraded areas is discussed.

mycorrhizae; reforestation; root symbiosis; plant-fungus relationships; root colonization; soil fungi


SEÇÃO III - BIOLOGIA DO SOLO

Compatibilidade simbiótica de fungos micorrízicos arbusculares com espécies arbóreas tropicais1 1 Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras – UFLA.

Symbiotic compatibility of arbuscular mycorrhizal fungi with tropical tree species

Enrique Pouyu-RojasI; José Oswaldo SiqueiraII; José Geraldo Donizetti SantosIII

IConsultor Técnico. Rua Otávio Pitogula 163/48, Vila Aurora, CEP 78740-375 Rondonópolis (MT). E-mail: epouyu@uol.com.br

IIProfessor Titular do Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras – UFLA. Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras (MG). E-mail: siqueira@ufla.br

IIIDoutorando do Departamento de Ciência do Solo, UFLA. E-mail: jgsanttos@yahoo.com.br

RESUMO

A revegetação com espécies arbóreas é uma estratégia adequada, quando se pretende a reabilitação de terras degradadas. Entretanto, o estabelecimento e o crescimento destas em solos pobres em nutrientes dependem de diversos fatores como a capacidade de formar e beneficiar-se das micorrizas. No presente estudo, realizado em casa de vegetação na Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais– Brasil, avaliaram-se aspectos da relação fungos micorrízicos arbusculares e espécies arbóreas do sudeste brasileiro. Os fungos estudados foram: Scutellospora pellucida, Acaulospora scrobiculata, Entrophospora colombiana, Gigaspora gigantea, Gigaspora margarita, Glomus etunicatum, Scutellospora gregaria, Glomus clarum e isolados oriundos de agrossistemas e de mata, os quais foram inoculados em dezesseis espécies vegetais: Luehea grandiflora, Cecropia pachystachya, Schinus terebinthifolius, Machaerium nyctitans, Senna macranthera, Senna spectabilis, Solanum granuloso-leprosum, Caesalpinea ferrea, Tabebuia serratifolia, Maclura tinctoria, Guazuma ulmifolia, Acacia polyphylla, Mimosa caesalpiniaefolia, Enterolobium contortisiliquum, Trema micrantha e Cedrela fissilis. Estas espécies apresentaram comportamento diferenciado em relação à susceptibilidade aos fungos e às respostas em crescimento decorrentes da inoculação. A amplitude de eficiência simbiótica dos fungos variou muito, sendo o Gl. clarum, E. colombiana, S. pellucida e Gl. etunicatum os fungos de maior amplitude, beneficiando mais de 80 % das espécies vegetais estudadas, e a A. scrobiculata a espécie de comportamento mais restrito em relação aos hospedeiros. A análise da compatibilidade fungo-hospedeiro e o comportamento geral das espécies em associação indicam a ocorrência de seletividade diferenciada na relação fungo-hospedeiro, existindo combinações de eficiência simbiótica muito variável para as plantas hospedeiras. A importância destes resultados para a revegetação de áreas degradadas é discutida.

Termos de indexação: micorrizas, reflorestamento, simbiose radicular, relação fungo-planta, colonização radicular, fungos do solo.

SUMMARY

Revegetation with tree species is an appropriate strategy for the rehabilitation of degraded areas. However, the establishment and growth of these species in low nutrient soils depends upon several factors, such as the ability of the species to form and benefit from mycorrhizae. In this study, conducted in pots under greenhouse conditions at the Federal University of Lavras in Minas Gerais, Brazil, aspects of host-fungus relationship in tree species found in Southeastern Brazil were evaluated. The following arbuscular mycorrhiza (AM) fungal species were studied: Scutellospora pellucida, Acaulospora scrobiculata, Entrophospora colombiana, Gigaspora gigantea, Gigaspora margarita, Glomus etunicatum, Scutellospora gregaria, Glomus clarum, and fungi isolated from agrosystems and native forest. All these fungi were inoculated on the following sixteen plant species: Luehea grandiflora, Cecropia pachystachya, Schinus terebinthifoliu, Machaerium nyctitans, Senna macranthera, Senna spectabilis, Solanum granuloso-leprosum, Caesalpinea férrea, Tabebuia serratifolia, Maclura tinctoria, Guazuma ulmifolia, Acacia polyphylla, Mimosa caesalpiniaefolia, Enterolobium contortisiliquum, Trema micrantha, and Cedrela fissilis. These species presented differentiated susceptibility and growth response under inoculation with AM fungi. Within the substantially wide range of symbiotic efficiency Gl. clarum, E. colombiana, S. pellucid,a and Gl. etunicatum presented the highest amplitudes, being efficient for over 80 % of all studied species, whereas A. scrobiculata was the fungus with the most restricted range of hosts. A compatibility analysis of the host-fungus relationships indicated the existence of a differential selectivity among them, resulting in varied symbiotic efficiency for the host plants. The importance of these results for the revegetation of degraded areas is discussed.

Index terms: mycorrhizae, reforestation, root symbiosis, plant-fungus relationships, root colonization, soil fungi.

INTRODUÇÃO

Os microrganismos que formam simbioses radiculares, como os fungos micorrízicos arbusculares (FMAs), desempenham função ecológica importante nos ecossistemas, especialmente nos florestais em diferentes estádios sucessionais, quando as interações inter e intra-específicas são intensas e podem-se manifestar como relações competitivas entre plantas que ali se desenvolvem (Siqueira et al., 1994; Janos, 1996). Os FMAs formam relações mutualistas especializadas e caracterizadas por um biotrofismo muito bem balanceado e de natureza estritamente evolutiva (Smith & Read, 1997). Embora esta associação seja considerada não-específica quanto à relação fungo-planta, evidências de comportamento específico têm aumentado (Bever, 2002). A especificidade da relação refere-se à capacidade de uma espécie taxonômica de fungo formar ou não micorriza com mais de uma espécie de planta, conter vários hospedeiros, ou vice-versa, se determinada espécie de planta forma micorriza com várias espécies de fungos. Os fundamentos dessas relações são ainda pouco conhecidos e existe carência de informações sobre esse assunto, especialmente em se tratando de espécies arbóreas.

De acordo com Smith & Read (1997), a ausência de especificidade tem sido estabelecida como princípio, por falta de evidências. É possível que pequenas diferenças manifestadas na restrição destes parceiros contribuam para a reduzida diversidade dos FMAs, em comparação com a ampla diversidade de espécies hospedeiras. Considerando ser o hábito micotrófico comum nas plantas tropicais, poucas combinações fungo-planta foram estudadas, razão pela qual as micorrizas arbusculares são consideradas sem especificidade hospedeira. É bastante conhecido que espécies ou isolados de FMAs diferem em seus efeitos no crescimento da planta ou em funções específicas, como a absorção de nutrientes (Rogers et al., 1994), bem como são conhecidas as diferenças destes efeitos de acordo com a variação da espécie vegetal (Sanders et al., 1996), evidenciando a existência de certa "especificidade funcional" nesta simbiose. Este tipo de especificidade relaciona-se com o balanço entre benefícios e custos do fungo para o hospedeiro (Koide, 1991), o que, às vezes, é atribuído a diferenças no grau de colonização ou na eficiência do transporte de nutrientes entre o micossimbionte e a planta, assim como do dreno energético causado pelo fungo nas raízes (Abbott & Robson, 1982).

Também tem sido considerada a possibilidade de ocorrer associação preferencial fungo-planta em determinado estádio do desenvolvimento da planta, o que seria modulado pela fisiologia e ecologia da planta ou por mecanismos próprios de convergência evolutiva entre os simbiontes (St. John & Coleman, 1983). Tais diferenças na relação fungo-planta são reflexos das complexas interações que se expressam como efeitos específicos de base bioquímica, genética e fisiológica. Deve-se considerar também que o funcionamento da relação trófica nas micorrizas é muito influenciado pelo meio externo, destacando-se a disponibilidade de P, como já bem documentado para espécies arbóreas tropicais (Zangaro et al., 2000; Siqueira & Saggin-Junior, 2001). Por isso, estudos desta natureza devem ser realizados em doses de P que promovam colonização micorrízica e respostas máximas da planta, uma vez que não só a colonização, a eficiência do fungo em absorver e transferir o P, mas também a demanda de P da planta são influenciadas pela disponibilidade de P (Siqueira & Saggin-Junior, 2001).

Nos últimos anos, considerável atenção tem sido dedicada ao reflorestamento com espécies nativas (Janos, 1996; Herrera et al., 1997) e, em virtude desta demanda, pesquisas têm buscado conhecer as estratégias sucessionais e habilidades competitivas das diferentes espécies florestais. O sucesso da revegetação depende da capacidade das mudas em absorver nutrientes e água, resistir às doenças e sobreviver aos estresses impostos pelo ambiente, sendo bastante conhecido que as micorrizas arbusculares podem contribuir para aliviar esses estresses (Siqueira & Saggin-Junior, 1995). Para isso, é necessário manter o vigor das mudas no início do seu desenvolvimento, o que pode ser alcançado pela inoculação com FMAs eficientes para determinada espécie hospedeira (Herrera et al., 1997; Siqueira et al., 1998). Portanto, as micorrizas arbusculares são importantes fatores biológicos para a regeneração de matas tropicais em áreas degradadas, geralmente caracterizadas por solos com deficiência de nutrientes, principalmente N e P.

O presente estudo teve como objetivo avaliar aspectos da compatibilidade simbiótica de FMAs e espécies arbóreas do sudeste brasileiro no âmbito da colonização micorrízica e os efeitos desta sobre a planta hospedeira.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido em casa de vegetação, no Departamento de Ciência do Solo-DCS da Universidade Federal de Lavras (UFLA), constando da avaliação de 16 espécies vegetais, avaliadas individualmente em resposta a 11 tratamentos de inoculação, com seis repetições. As espécies vegetais avaliadas foram selecionadas com base na ocorrência em fragmentos de mata da região, importância ecológica silvicultural e potencial para utilização em plantios com fins conservacionistas (Lorenzi, 1992), conforme lista a seguir: sete espécies pioneiras (açoita-cavalo – Luehea grandiflora, embaúba – Cecropia pachystachya, aroeirinha – Schinus terebenthifolius, gravitinga – Solanum granuloso, mutamba – Guazuma ulmifolia, sabiá – Minosa caesalpiniaefolia e trema – Trema micrantha), duas espécies secundárias iniciais (cássia-carnaval – Senna espctabilis e fedegoso – Senna macranthera) e sete espécies clímax (bico-de-pato – Machaerium nytitans, pau-ferro – Caesalpinea ferrea, ipê amarelo – Tabebuia serratifolia, moreira – Maclura tinctoria, maricá – Acacia polyphylla e tamboril – Enterolobium contortisiliquum).

Os 11 tratamentos de inoculação estudados constaram de oito tratamentos com espécies de FMAs inoculados individualmente, sendo três isolados oriundos de agrossistema de cafeeiro: Acaulospora scrobiculata Trappe, Gigaspora gigantea (Nicol. & Gerd.) Gerd. & Trappe e Glomus etunicatum Becker & Gerdemam, dois isolados oriundos de pastagem de braquiária: Glomus clarum Nicol. & Schenck e Scutellospora gregária (Schenck & NIcol.) Waslker & Sanders, dois isolados oriundos de cerrado: Entrophospora colombiana Spain & Schank e Scutellospora pellucida (Nicol. & Schenck) Walker & Sanders e um isolado oriundo de agrossistema de milho: Gigaspora margarita Becker & Hall e dois tratamentos inoculados com populações nativas de FMAs: um oriundo de agrossistema de culturas anuais do campus da UFLA e o outro de população oriunda de uma reserva florestal também do campus da UFLA. Foi incluído também um controle não inoculado com FMAs.

Os fungos testados foram selecionados com base na ocorrência na região, efeitos conhecidos sobre outros hospedeiros e facilidade de multiplicação em culturas. Com exceção dos FMAs dos tratamentos agrossistema e floresta nativa, que foram coletados diretamente do solo do campo antes da aplicação, os demais fungos foram multiplicados em vaso de cultivo, utilizando, como substrato, uma mistura de solo:areia, na proporção 3:1 (v/v), empregando a Brachiaria decumbens Stapf. como planta multiplicadora. Constatada a esporulação, as espécies foram extraídas por peneiramento via úmida (Gerdemann & Nicolson, 1963) e aplicadas, via pipetagem de suspensão, sobre as radicelas, dispensando cerca de 200 esporos por plântula, em conformidade com os tratamentos. Nas populações coletadas diretamente do ecossistema, foram identificadas as seguintes espécies: no ecossistema de floresta estacional semidecídua montana, foram identificadas: Gigaspora margarita, Glomus ssp., Acaulospora sp. E, no agrossistema de culturas anuais: Paraglomus occultum, Acaulospora ssp., Glomus ssp. Visando equilibrar a microbiota da rizosfera entre os tratamentos, aplicou-se, em todos os vasos, 1 mL de um filtrado isento de propágulos micorrízicos, preparado com a mistura de todos os inoculantes testados como tratamento.

O estudo foi desenvolvido em vasos com capacidade de 3 L que continham material de um Latossolo Vermelho distrófico coletado na profundidade de 0– 0,2 m na localidade do Jaguara, sob cerrado, município de São Jão del Rei (MG). O solo apresentou as seguintes características químicas originais: pH em água = 5,5; P = 1,0 mg kg-1 (Mehlich-1); K = 75 mg kg-1; Ca = 1,0 cmolc dm-3; Mg = 0,6 cmolc dm-3; H + Al = 4,0 cmolc dm-3 e MO = 37 g kg-1. O solo recebeu calcário dolomítico para elevar V para 60 % e, após a calagem e incubação, foi fumigado com a aplicação de 393 cm3 de Bromex (Brometo de metila 98 % + Cloropicrina 2 %) por m3 de solo, durante 48 h, em caixa de alvenaria vedada. Após fumigado, foi deixado 48 h livre ao ar para a exalação do excesso de gases e, em seguida, o teor de P do solo foi ajustado para 0,02 mg L-1 de P em solução. As concentrações de P em solução foram determinadas pelo método de Murphy & Riley (1962), por espectrofotometria a 840 nm em solução do solo extraída por centrifugação (470 g). A dose necessária de P para atingir a concentração de 0,02 mg L-1 foi de 300 mg de superfosfato triplo kg-1 de solo seco. Empregou-se esta concentração de P por ser a que geralmente confere o beneficio máximo dos FMAs para espécies nativas (Siqueira & Saggin-Júnior, 2001).

Para a obtenção das mudas, as sementes foram coletadas em diferentes locais da região sudeste, selecionadas e armazenadas em câmara fria à temperatura de 5 °C. As sementes foram desinfestadas superficialmente com hipoclorito de sódio 1 % por 1 min, lavadas repetidas vezes com água destilada e submetidas à quebra de dormência, quando necessário, colocadas para germinar em bandejas com capacidade para 4 L com areia esterilizada e mantidas em câmara úmida (90 %), iluminada e temperatura a 25 °C. Sementes germinadas foram selecionadas pela uniformidade de tamanho e transplantadas, uma planta por vaso, quando receberam os tratamentos de inoculação, conforme já descrito.

Após um mês da repicagem, as plantas receberam, a cada 15 dias, adubação de cobertura, com 10 mL por vaso de solução nutritiva de Hoagland (1/10) (Hoagland & Arnon, 1950), para fornecer macro e micronutrientes, exceto o P. Além da omissão do fornecimento do P, para todas as espécies, foi excluído o N nas espécies leguminosas nodulíferas (tamboril, bico-de-pato, maricá e sábia), as quais foram inoculadas também com as estirpes de rizóbio selecionadas (Br 4406, INPA 60A, Br 3617 e 3405, respectivamente). Todos os ensaios foram realizados em casa de vegetação, por um período de 9 a 10 meses, sendo o solo irrigado, de modo a manter a umidade na capacidade de campo, com base no volume total de poros (VTP).

Ao final dos ensaios, avaliaram-se a massa seca da parte aérea (MSPA) das plantas, a colonização micorrízica (CM) e os teores de nutrientes na matéria seca. Na colheita, parte aérea e raízes foram separadas e lavadas com água destilada e secas em estufa a 60 °C até atingir peso constante. Depois de pesada, a parte aérea foi moída e utilizada para determinação do teor de nutrientes. O N foi determinado pelo método semi-micro Kjeldahl (Liao, 1981), e a destilação e titulação, segundo Bremner & Edward (1965). No extrato obtido por digestão nitroperclórica, determinaram-se os teores de Ca e Zn por espectrofotometria de absorção atômica; P, por fotocolorimetria, e K, por fotometria de chama. Das raízes finas, de cada planta, armazenadas em FAA (formalina-álcool-ácido acético), 1 g foi clarificado e colorido com azul de tripano, (Phillips & Hayman, 1972) e avaliada a percentagem de segmentos colonizados (Giovannetti & Mosse, 1980).

Para melhor entendimento dos efeitos e comparação dos tratamentos, foram calculados diversos índices de acordo com as seguintes fórmulas:

a) Índice de compatibilidade absoluta (%) - ICA;

b) Índice de compatibilidade funcional (%) - ICF;

c) Índice de susceptibilidade micorrízica da planta (%) – ICp;

d) Índice de amplitude de eficiência simbiótica do fungo (%) - IAEf;

e) Índice de promiscuidade micotrófica da planta (%) - IPMp;

f) Responsividade máxima da planta (%) - RMP,

Todos os dados foram submetidos à análise de variância e ao teste de médias, utilizando-se o sistema de análise estatística denominado SAEG.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Colonização micorrízica

As plantas sem inoculação não apresentaram sinais de colonização por FMAs nas raízes. Nas inoculadas, a colonização micorrízica (CM) variou marcadamente entre os tratamentos fúngicos, de 0 a 92 % (Quadro 1). De todas as 16 espécies estudadas, apenas quatro não foram colonizadas por todos os fungos, sendo: a gravitinga por isolados de floresta, a mutamba por G. gigantea, a trema por A. scrobiculata e o cedro por A. scrobiculata e Gl. etunicatum. Verificou-se também baixa colonização por alguns fungos como a A. scrobiculata no fedegoso, gravitinga, pau-ferro, tamboril, trema e cedro, com percentagem CM inferior a 10 %. Isto indica certa incompatibilidade destas espécies com a A. scrobiculata, enquanto, em outras, como bico-de-pato, marica e moreira, a colonização por este simbionte foi igual ou superior a 60 %, indicando elevada compatibilidade deste isolado com estas espécies. Comportamento semelhante foi encontrado em outras combinações estudadas. Por outro lado, E. colombiana e Gl. clarum foram capazes de colonizar todas as espécies estudadas. Estes resultados indicam, portanto, que há certa capacidade de discriminação entre os fungos e as plantas estudadas quanto ao grau de colonização das raízes.


Visando entender melhor a relação entre o fungo e os hospedeiros estudados, calculou-se o índice de compatibilidade absoluta (ICA), que indica a capacidade do fungo em colonizar diferentes espécies, independentemente da extensão da colonização. Este índice mostra a existência de alguma seletividade das espécies vegetais estudadas nesses fungos (Quadro 1), sendo A. scrobiculata o que mais segregou, apresentando o menor valor de ICA (88 %). Analisando a colonização funcional, aqui estabelecida, conforme Cooper (1984) com mínimo de 20 % de taxa de colonização, verificou-se que cinco fungos (S. pellucida, E. colombiana, G. margarita, G. clarum e fungos do agrossistema) apresentaram elevados valores, enquanto A. scrobiculata, G. gigantea e S. gregaria apresentaram baixos índices de compatibilidade funcional. Isto indica que os primeiros fungos apresentaram maior compatibilidade com estas espécies, enquanto os últimos mostraram-se menos compatíveis. Por outro lado, o índice de compatibilidade das plantas (ICp) com os fungos mostrou que o bico-de-pato é a espécie hospedeira de maior compatibilidade, estabelecendo associação com 80 % dos fungos, seguida pelo ipê, maricá e moreira, que apresentaram ICp de 70 %, e pela gravitinga e mutamba, com ICp de 60 %. As demais espécies apresentaram valores de Icp < 50 %, destacando-se a embaúba e o tamboril com índices de apenas 30 %, sendo estas restritivas aos fungos avaliados, e colonizadas, preferencialmente, por poucos isolados, indicando a existência de preferência entre hospedeiro-endofito (McGonigle & Fitter, 1990), comportamento este já constatado em plantas cultivadas por Schenck & Kinloch (1980) e em leguminosas forrageiras (Giovannetti & Hepper, 1985).

Como as micorrizas desempenham papel importante no crescimento das espécies arbóreas, pode-se inferir que aquelas com maiores ICp apresentam maior chance de sobreviver e competir melhor na natureza, por terem maiores chances de serem colonizadas pelos FMAs existentes no solo, ao contrário daquelas com baixo ICp que são mais seletivas. Flores-Aylas et al. (2003) estudaram os efeitos da inoculação com G. etunicatum em seis espécies arbóreas (fedegoso, mutamba, gravitinga, aroerinha e trema) em condições de semeadura mista e observaram resultados de colonização micorrízica coincidentes e discordantes, dependendo da espécie. As condições experimentais eram diferentes, o que pode ter contribuído para esses resultados distintos observados para a gravitinga e aroerinha. Os estudos de Siqueira & Saggin-Junior (2001) e Siqueira et al. (1998), com espécies arbóreas inoculadas com Gl. etunicatum e mistura de Gl. etunicatum e G. margarita, envolvendo várias espécies do presentes estudo, confirmam os resultados de colonização aqui relatados para a maioria das espécies.

A colonização micorrízica é influenciada também por diversos fatores externos, destacando-se a disponibilidade de P (Habte & Manjunath, 1991), sendo os efeitos deste nutriente sobre a colonização diferenciados para hospedeiros. Esses autores sugeriram que a concentração de 0,02 mg L-1 de P na solução do solo é próxima ao ótimo para a colonização e atividade das micorrizas, o que foi confirmado para espécies arbóreas tropicais por Siqueira & Saggin-Junior (2001). Embora as interferências do P no estado nutricional da planta e na regulação da colonização (Siqueira et al., 1984) não possam ser descartadas, os resultados apresentados para as combinações planta-fungo, no presente trabalho, expressam diferenças de compatibilidade entre estes parceiros simbióticos, refletindo características intrínsecas das plantas e dos fungos nas condições estudadas. A diversidade de fungos e plantas estudadas e a complexidade dos mecanismos que controlam o estabelecimento da relação explicam as variações encontradas na compatibilidade entre estes parceiros (Koide & Schreiner, 1992). Apesar das diferenças encontradas, os resultados indicam que as micorrizas arbusculares apresentam baixa especificidade na colonização, quando comparadas a outras relações simbióticas entre plantas e microrganismos.

Produção de matéria seca

Os diferentes tratamentos de inoculação fúngica exerceram efeitos significativos e diferenciados na produção de matéria seca da parte aérea das espécies vegetais (Figura 1). Para açoita-cavalo e embaúba, com exceção de S. gregaria e A. scrobiculata, respectivamente, todos os fungos tiveram efeito positivo no crescimento com incrementos relativos que atingiram 320 e 500 %, respectivamente, em relação ao controle; já o bico-de-pato somente não respondeu a A. scrobiculata e G. gigantea e apresentou respostas menos acentuadas quando comparado às espécies mencionadas. A gravitinga beneficiou-se da S. gregaria e dos isolados provenientes da floresta, e o fedegoso não respondeu a S. gregária, S. pellucida e A. scrobiculata. O ipê mostrou melhor resposta às espécies S. pellucida, E. colombiana, G. margarita, fungos da floresta, do agrossistema e G. clarum. Para outras espécies, como a aroeirinha, cássia-carnaval e gravitinga, foram verificados efeitos positivos dos fungos, quando comparado ao controle, porém sem diferenças acentuadas entre os diversos tratamentos. As respostas positivas para o tamboril somente ocorreram com S. pellucida e Gl. clarum. Já o cedro se beneficiou somente da S. pellucida, E. colombiana e do Gl. Clarum e a mutamba apresentou resposta apenas com Gl. clarum, Gl. etunicatum e G. margarita. Estes resultados indicam incompatibilidade destas espécies com certos fungos incluídos no estudo. As espécies de planta apresentaram crescimento diferenciado: o açoita-cavalo, a embaúba e a gravitinga foram as que mais cresceram, produzindo matéria seca máxima superior a 28 g planta-1.


É interessante o fato de que essa maior produção de matéria seca foi obtida quando estas plantas foram colonizadas pelo mesmo fungo, Gl. clarum. Também é interessante o fato de que todos os fungos foram capazes de estimular pelo menos uma espécie de planta, embora todas elas tenham de responder a pelo menos um fungo, ficando evidente que o benefício desta simbiose depende da combinação fungo-planta. Os incrementos de massa seca da parte aérea, devidos à inoculação, atingiram valores elevados como 610 %, para trema, e de 1.707 %, para gravitinga, indicando que a dose de P empregada (0,02 mg L-1) foi adequada para avaliar os efeitos dos FMAs, corroborando outros estudos com espécies nativas no sudeste brasileiro (Siqueira et al., 1998). Trema e gravitinga são espécies de rápido crescimento e, para atender à grande demanda nutricional, em condições de baixo P disponível, associam-se a esses fungos. Quando estas não são micorrizadas, apresentam elevada exigência externa em P e não respondem à inoculação, quando crescem em condições de suprimento adequado deste nutriente. Por este comportamento, são consideradas muito responsivas às micorrizas, porém apresentam baixa dependência ao micotrofismo (Siqueira & Saggin-Junior, 2001).

Para avaliar melhor a amplitude de resposta dos fungos, calculou-se o índice de amplitude de eficiência simbiótica destes (IAEf), o qual é um indicador da diversidade da eficiência dos fungos para o conjunto de espécies estudadas (Figura 2). Observa-se que apenas o G. clarum teve efeito significativo no crescimento de todas as espécies, não apresentando qualquer restrição por parte dos 16 hospedeiros estudados, enquanto a A. scrobiculata foi a espécie que apresentou o espectro de eficiência mais reduzido ou restrito. De fato, esta espécie teve efeito somente sobre a gravitinga e mutamba (Quadro 1). Com base neste índice, os fungos podem ser arbitrariamente categorizados em: eficiência ampla (G. clarum, E. colombina, S. pellucida e Gl. etunicatum), intermediária (agrossistema e G. margarita), restrita (floresta, G. gigantea e S. gregaria) e muito restrita (A. scrobiculata). Verifica-se que os fungos de ampla faixa de eficiência e comportamento generalista apresentam valores médios a elevados de cm e alto índice de compatibilidade funcional. Isto significa que estes são capazes de colonizar a maior parte das espécies e estabelecer uma associação mutualística com estas, sendo, portanto, as espécies fúngicas de maior potencial para introdução em programas de reflorestamentos com nativas, pois facilitarão o crescimento de maior número de espécies e, assim, poderão favorecer a diversidade da área reflorestada.


Estudos de levantamento da diversidade de FMAs no sudeste (Siqueira et al., 1989; Saggin-Junior & Siqueira, 1996) e outras regiões do Brasil (Sturmer & Siqueira, 2006), bem como na Grande Savana Venezuelana (Cuenca et al., 1998), identificaram espécies do gênero Acaulospora como as de maior índice de ocorrência e elevada adaptabilidade ambiental em agrossistemas, quando comparadas às dos ecossistemas naturais. A A. scrobiculata apresentou, no presente estudo, um comportamento muito restrito de eficiência, IAEf de 13 %. Isto pode, no entanto, explicar sua reduzida incidência, esperando-se um papel ecológico reduzido desta espécie de Acaulospora nos ecossistemas florestais. Conforme indicado por Bever (2002), há uma estreita relação entre a afinidade dos FMAs e seus hospedeiros com a comunidade destes fungos encontrada em determinado local. Quando uma floresta é perturbada, ocorre uma diminuição ou eliminação das espécies de FMAs mais adaptadas aos hospedeiros e ao ambiente no interior da mesma e uma seleção daquelas que melhor se adaptam ao novo ambiente, refletindo a existência de hospedeiros de maior compatibilidade (Zangaro et al., 2000).

A compatibilidade planta-fungo pode também ser determinada pela susceptibilidade e resposta da planta hospedeira a determinado fungo, conforme avaliado pelo índice de promiscuidade micotrófica da planta (IPMp) (Figura 3). Este índice variou de 20 a 90 %, mostrando um comportamento muito variável das espécies em relação aos fungos. Nenhuma delas beneficiou-se de todos os fungos, enquanto, em outro extremo, várias se beneficiaram de poucos, como é o caso do tamboril, evidenciando certo grau de restrição desta espécie aos fungos inoculados. Baseando no comportamento diferenciado quanto ao IPMp, as espécies foram arbitrariamente categorizadas em: promíscuas ou generalistas, de promiscuidades intermediárias, restritas e muito restritas, sendo a maioria pertencente à categoria intermediária e ampla. A compatibilidade planta-fungo tem relação com o comportamento sucessional da espécie vegetal. A maioria, cerca de 75 % das espécies de comportamento restrito, pertence ao grupo das clímax, enquanto as mais promíscuas são pioneiras ou secundárias iniciais. Siqueira et al. (1998) demonstraram que o grau de colonização micorrízica e responsividade à micorrização de espécies arbóreas decresce com o avanço no grau de sucessão destas. As clímax, em geral, apresentam baixa susceptibilidade à micorrização ou são imunes à colonização pelos FMAs. Resultados semelhantes deste comportamento foram relatados por Zangaro et al. (2002), para 81 espécies arbóreas encontradas em matas nativas do Paraná, e ajudam a explicar o comportamento mais generalista das pioneiras e secundárias iniciais e o mais específico das espécies do estádio sucessional mais tardio (clímax). Deve-se ressaltar que pode ocorrer variabilidade interespecífica para susceptibilidade e resposta à micorrização, mas, de modo geral, as espécies de sementes pequenas e de rápido crescimento (pioneiras) tendem a apresentar comportamento mais generalista em relação aos FMAs, representando uma estratégia ecológica para o estabelecimento em áreas desmatadas.


A responsividade máxima das plantas e do respectivos fungos também variou muito. O cedro foi a espécie mais responsiva, aproximadamente 10.000 %, seguida pelo ipê, com 5.900 %; a mutamba, com 2.910 %, e o fedegoso, com 1.400 % com G. margarita, e, para as demais espécies, estes efeitos foram menores, oscilando de 670 a 66 %. Deve-se ressaltar que a espécie de maior responsividade, o cedro, tem comportamento restrito em relação aos fungos, beneficiando-se de apenas três fungos. O Gl. clarum foi o fungo que promoveu resposta máxima no maior número de espécies, nove das 16 estudadas, seguido pela E. comlombiana, que garantiu responsividade máxima a três espécies. Valores de responsividade desta mesma magnitude são relatados para diversas espécies inoculadas com Gl. etunicatum (Siqueira & Saggin-Junior, 2001). O Gl. clarum apresentou elevada compatibilidade simbiótica com estas espécies, nas condições estudadas, mas sua eficiência em diferentes hospedeiros variou consideravelmente, indicando a influência da planta na responsividade micorrízica. Esses resultados mostram que diferentes combinações fungo-planta podem exibir acentuadas diferenças funcionais (Giovannetti & Hepper, 1985; Alexander et al., 1992), resultando em graus variados de compatibilidade simbiótica.

Nutrientes na matéria seca da parte aérea das plantas

Os teores de nutrientes variaram muito nas diferentes espécies e foram influenciados pela inoculação de FMAs. Essas variações dependeram mais da espécie vegetal do que dos tratamentos com diferentes fungos, motivo pelo qual são apresentados apenas resultados parciais, mostrando os teores no controle e em tratamentos de inoculação com efeitos significativos (Quadro 2). Os teores de P foram os mais influenciados pela inoculação. Em 13 espécies vegetais, das 16 estudadas, pelo menos um dos tratamentos de inoculação aumentou o teor deste nutriente, em relação ao controle sem o fungo, sendo, portanto, o efeito nutricional mais consistente da inoculação com FMAs. Entretanto, os fungos responsáveis por estes efeitos variaram com as espécies vegetais. Os FMAs não aumentaram os teores de P somente em três espécies (açoita-cavalo, embaúba e moreira), mas os fungos que tiveram efeito positivo foram diferentes para cada espécie. Algumas espécies tiveram a absorção de P favorecida por um único fungo, como foi o caso da aroeirinha, fedegoso, sabiá, bico-de-pato, cássia-carnaval, pau-ferro, maricá e cedro), enquanto, em outras, isto ocorreu em vários tratamentos. G. clarum e A. scrobiculata foram os fungos com maior freqüência de favorecimento na absorção de P, mesmo assim aumentaram o teor deste nutriente em apenas quatro das 16 espécies estudadas. Os isolados do agrossistema influenciaram positivamente o teor de P em seis das espécies vegetais. Em contrapartida, não foi verificado efeito do Gl. etunicatum em nenhuma das espécies. Uma análise da relação entre os efeitos nutricionais e crescimento mostra que, em apenas seis das 16 espécies vegetais estudadas, o tratamento de máxima responsividade (Figura 4) esteve dentre os tratamentos que propiciaram aumento no teor de P em relação ao controle. Portanto, fica evidente uma fraca relação entre os benefícios nutricionais e os benefícios no crescimento, embora o solo tenha sido tratado com 300 mg kg-1 de superfosfato triplo.



Houve efeito dos tratamentos nos teores de outros nutrientes, estes efeitos, porém, foram menos freqüentes, casuais e sem consistência com os tratamentos de inoculação, refletindo o elevado grau de complexidade da interação fungo-hospedeiro. Algumas espécies de plantas responderam a maior número de tratamentos, enquanto outras não responderam a nenhum deles. Por exemplo, a cássia exibiu teores mais elevados de N na maioria dos tratamentos, não sendo constatado este efeito apenas quando inoculada com S. pellucida e isolados de Floresta. Do mesmo modo o cedro respondeu positivamente a S. pellucida, A. scrobiculata, E. colombiana, G. gigantea e Gl. clarum. Já a embaúba, açoita-cavalo e moreira não tiveram os teores de N elevados por nenhum tratamento e, de modo geral, A. scrobiculata e G. gigantea foram os fungos que beneficiaram os teores de N no maior número de espécies. Os teores de K foram menos influenciados que os de N e P (Quadro 2). Verificou-se que, para cerca da metade das espécies, não houve efeito dos tratamentos sobre esta variável. Para os teores de Ca e Zn, foram observadas respostas também inconsistentes, sendo mais freqüentes as respostas para os teores de Zn que para Ca. Os teores de Zn foram elevados em dez espécies em resposta a pelo menos um dos tratamentos de FMAs, havendo certa associação positiva entre este efeito e a produção de matéria seca. Em cerca de 60 % dos tratamentos, que aumentaram os teores de Zn na parte aérea, também houve aumento da matéria seca da planta, em relação ao controle não inoculado. Isto indica que, tal como verificado para o P, as micorrizas parecem ser importantes para a melhor nutrição das espécies nativas, um aspecto ainda pouco estudado para estas espécies. Em alguns tratamentos, os FMAs reduziram o teor de nutrientes na parte aérea, em relação ao controle sem inoculação. Este é um efeito bastante comum das micorrizas, sendo resultante do crescimento diferenciado das plantas, as quais produzem mais matéria seca quando inoculadas, resultando em diluição dos nutrientes nesta (Jarrel & Bevery, 1981).

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os resultados do comportamento das diferentes combinações fungo-hospedeiro indicaram a existência de certa seletividade entre estes organismos, havendo relações preferenciais ou discriminatórias em certas combinações. Este é aspecto importante no contexto dos efeitos dos FMAs no crescimento de espécies individuais e do papel desses fungos na estruturação das comunidades e no funcionamento dos ecossistemas. Este conhecimento é de grande interesse na reabilitação ambiental em áreas tropicais, onde predominam solos de baixa fertilidade, condições em que as micorrizas são essenciais na revegetação. Em áreas degradadas, a falta de raízes de plantas hospedeiras causa a redução da densidade de propágulos de FMAs, tornando-se necessária a introdução destes fungos ou a adoção de práticas que aumentem a densidade dos mesmos (Jasper et al., 1992). Neste caso, a amplitude de eficiência simbiótica dos FMAs torna-se importante fator para a revegetação, considerando que os fungos capazes de colonizar, de modo eficiente, maior número de hospedeiros desempenharão melhor papel reabilitador.

Os dados do presente estudo indicam o Gl clarum, E. colombiana, S. pellucida e Gl. etunicatum como as espécies mais promissoras para estudos, visando à aplicação dos FMAs no reflorestamento com espécies nativas. Estes, por serem capazes de colonizar maior número de espécies, serão estabelecidos com mais facilidade, na área e contribuirão mais para o processo sucessório da vegetação. Por outro lado, as espécies de baixa amplitude de eficiência terão contribuição mais limitada para a revegetação.

Este estudo indica também que se deve dar preferência a espécies vegetais mais promíscuas, em relação a estes simbiontes. Estas, por apresentarem elevada compatibilidade com os fungos, promoverão, com maior eficiência e rapidez, o aumento da densidade e diversidade de propágulos, facilitando o crescimento de maior número de espécies e, assim, contribuindo para aumentar a diversidade acima e abaixo da superfície do solo. Plantas que exibiram alta seletividade aos FMAs, como é o caso do cedro, aroeirinha, maricá e tamboril, terão menores chances de sobrevivência em áreas degradadas ao contrário daquelas menos seletivas, como o açoita-cavalo, a embaúba, a cássia-carnaval e a gravitinga. Destacam-se, como exemplos extremos nesta característica, a embaúba, a qual apresentou índice de promiscuidade micotrófica de 90 %, e o tamboril, que teve índice de apenas 20 %. Esta característica associa-se ao comportamento da embaúba como pioneira no sudeste brasileiro, onde seu crescimento é geralmente dependente da micotrofia (Siqueira et al., 1998). Por ser uma planta sem especificidade em relação aos FMAs, esta terá maior chance de ser colonizada espontaneamente pelos fungos indígenas, ampliando sua capacidade de absorver nutrientes e crescer, de modo competitivo, no ambiente. Para maximizar os benefícios reabilitadores dos FMAs, é necessário aplicar P nos solos de fertilidade muito baixa.

CONCLUSÕES

1. As 16 espécies vegetais estudadas apresentaram comportamento diferenciado em relação à susceptibilidade à colonização micorrízica e efeitos no crescimento por oito espécies e duas populações mistas de fungos micorrízicos arbusculares. Estas espécies vegetais apresentaram um espectro de promiscuidade simbiótica variável de restritivas a generalistas

2. As espécies Scutellospora pellucida, Entrophospora colombiana, Gigaspora margarita, Scutellospora gregária, Gomus clarum e isolados de agrossistema colonizaram todas as espécies vegetais avaliadas, enquanto a Acaulospora scrobiculata, Gigaspora gigantea, Glomus etunicatum e isolados oriundos da floresta deixaram de colonizar ao menos uma destas espécies.

3. A amplitude de eficiência simbiótica dos fungos também variou muito, sendo o Glomus clarum e a Entrophospora colombiana os fungos de maior amplitude e a Acaulospora scrobiculata a espécie de comportamento mais restrito em relação aos hospedeiros estudados.

4. O comportamento geral das diversas combinações fungo-hospedeiro estudadas indicou a existência de certa seletividade e ampla variação na compatibilidade das micorrizas de espécies arbóreas tropicais.

5. Por apresentar ampla compatibilidade com fungos micorrízicos, as espécies açoita-cavalo, embaúba, cássia-carnaval e gravitinga mostraram maior potencial para reabilitação de áreas degradadas; e, por comportarem-se como generalistas, em relação aos hospedeiros Glomus clarum, Entrophospora colombiana, Scutellospora pellucida e Glomus etunicatum, são as espécies fúngicas mais recomendadas para programas de reflorestamento com espécies nativas comuns do Sudeste brasileiro.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em dezembro de 2003 e aprovado em março de 2006.

Desenvolvido com apoio financeiro do CNPq.

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  • 1
    Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras – UFLA.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2006
    • Recebido
      Dez 2003
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