Acessibilidade / Reportar erro

Efeito de alterações nas características do solo sobre a degradação de hexaclorobenzeno

Effects of soil characteristics on hexachlorobenzene degradation

Resumos

Alterações das características de solo contaminado com hexaclorobenzeno foram promovidas para estudo dos efeitos sobre a comunidade microbiana e sobre a degradação do composto. Essas alterações foram efetuadas pela adição de fontes de matéria orgânica, adição de cal ou alagamento das amostras de solo, em laboratório. Analisaram-se a atividade e a densidade microbiana, bem como a degradação total (mineralização) e parcial (transformação em metabólitos) do hexaclorobenzeno. A mineralização do hexaclorobenzeno foi analisada por meio da adição de uma solução de 14C-hexaclorobenzeno às amostras de solo, captura do 14CO2 e quantificação por Espectrometria de Cintilação em Líquido. A formação de metabólitos do hexaclorobenzeno nas amostras de solo foi estudada por meio da extração destas amostras e da análise dos extratos por Cromatografia Gasosa. A atividade microbiana foi analisada por meio da medida da respiração dos microrganismos e da densidade microbiana, pela contagem no número de unidades formadoras de colônias (UFC) das amostras de solo. A atividade microbiana foi maior nas amostras com adição de bagaço de cana-de-açúcar (máximo de 310 mg g-1 de CO2 no solo), assim como a densidade de bactérias (máximo de 152 x 10³ UFCs g-1 de solo) e de fungos (máximo de 167 x 10³ UFCs g-1 de solo). A adição de vermicomposto, a adição de cal e o alagamento das amostras não influíram na atividade ou na densidade microbiana. Não se observou mineralização ou formação de metabólitos de hexaclorobenzeno. Portanto, a adição de matéria orgânica estimulou a comunidade microbiana, mas não resultou em degradação do hexaclorobenzeno.

biorrecuperação; mineralização; microrganismos; matéria orgânica


Artificial changes in the properties of a soil contaminated with hexachlorobenzene were promoted in order to study the effects on the microbial community and the degradation of this compound. The soil samples were flooded or enriched with organic material or lime under laboratory conditions. The microbial activity and density as well as the total (mineralization) or partial hexachlorobenzene degradation (transformation into metabolites) were analyzed. The mineralization of 14C-hexachlorobenzene was analyzed by adding a 14C-hexachlorobenzene solution to soil samples, capturing the 14CO2, which was then quantified by liquid scintillation counting. The production of hexachlorobenzene metabolites was studied by extracting soil samples and analyzing the extracts by gas chromatography. The microbial activity was analyzed through measurement of the microbial respiration and the microbial density by counting the colony forming units (CFU) of the soil samples. The microbial activity was higher in samples enriched with sugarcane bagasse (maximum of 310 mg CO² g-1 soil) as well as the bacteria density (maximum of 152 x 10³ CFUs g-1 soil) and fungal density (maximum of 167 x 10³ CFUs g-1 soil). Neither the addition of earthworm humus, nor lime, nor the flooding of the samples affected the microbial activity or density. No mineralization or formation of hexachlorobenzene metabolites was observed. The addition of organic material therefore stimulated the microbial community, but did not result in hexachlorobenzene degradation.

bioremediation; mineralization; microorganisms; organic matter


SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL

Efeito de alterações nas características do solo sobre a degradação de hexaclorobenzeno1 1 Parte de Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – USP.

Effects of soil characteristics on hexachlorobenzene degradation

Lia Emi Nakagawa; Mara Mercedes de Andréa

Pesquisador Científico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Proteção Ambiental, Instituto Biológico. Av. Cons. Rodrigues Alves 1252, CEP 04014-002 São Paulo (SP), E-mail: nakagawa@biologico.sp.gov.br

RESUMO

Alterações das características de solo contaminado com hexaclorobenzeno foram promovidas para estudo dos efeitos sobre a comunidade microbiana e sobre a degradação do composto. Essas alterações foram efetuadas pela adição de fontes de matéria orgânica, adição de cal ou alagamento das amostras de solo, em laboratório. Analisaram-se a atividade e a densidade microbiana, bem como a degradação total (mineralização) e parcial (transformação em metabólitos) do hexaclorobenzeno. A mineralização do hexaclorobenzeno foi analisada por meio da adição de uma solução de 14C-hexaclorobenzeno às amostras de solo, captura do 14CO2 e quantificação por Espectrometria de Cintilação em Líquido. A formação de metabólitos do hexaclorobenzeno nas amostras de solo foi estudada por meio da extração destas amostras e da análise dos extratos por Cromatografia Gasosa. A atividade microbiana foi analisada por meio da medida da respiração dos microrganismos e da densidade microbiana, pela contagem no número de unidades formadoras de colônias (UFC) das amostras de solo. A atividade microbiana foi maior nas amostras com adição de bagaço de cana-de-açúcar (máximo de 310 mg g-1 de CO2 no solo), assim como a densidade de bactérias (máximo de 152 x 103 UFCs g-1 de solo) e de fungos (máximo de 167 x 103 UFCs g-1 de solo). A adição de vermicomposto, a adição de cal e o alagamento das amostras não influíram na atividade ou na densidade microbiana. Não se observou mineralização ou formação de metabólitos de hexaclorobenzeno. Portanto, a adição de matéria orgânica estimulou a comunidade microbiana, mas não resultou em degradação do hexaclorobenzeno.

Termos de indexação: biorrecuperação, mineralização, microrganismos, matéria orgânica.

SUMMARY

Artificial changes in the properties of a soil contaminated with hexachlorobenzene were promoted in order to study the effects on the microbial community and the degradation of this compound. The soil samples were flooded or enriched with organic material or lime under laboratory conditions. The microbial activity and density as well as the total (mineralization) or partial hexachlorobenzene degradation (transformation into metabolites) were analyzed. The mineralization of 14C-hexachlorobenzene was analyzed by adding a 14C-hexachlorobenzene solution to soil samples, capturing the 14CO2, which was then quantified by liquid scintillation counting. The production of hexachlorobenzene metabolites was studied by extracting soil samples and analyzing the extracts by gas chromatography. The microbial activity was analyzed through measurement of the microbial respiration and the microbial density by counting the colony forming units (CFU) of the soil samples. The microbial activity was higher in samples enriched with sugarcane bagasse (maximum of 310 mg CO2 g-1 soil) as well as the bacteria density (maximum of 152 x 103 CFUs g-1 soil) and fungal density (maximum of 167 x 103 CFUs g-1 soil). Neither the addition of earthworm humus, nor lime, nor the flooding of the samples affected the microbial activity or density. No mineralization or formation of hexachlorobenzene metabolites was observed. The addition of organic material therefore stimulated the microbial community, but did not result in hexachlorobenzene degradation.

Index terms: bioremediation, mineralization, microorganisms, organic matter.

INTRODUÇÃO

O despejo de resíduos industriais e a aplicação de agrotóxicos podem gerar resíduos tóxicos que, se não forem adequadamente descartados ou tratados, podem resultar em um problema ambiental e de saúde pública.

No Brasil, na Baixada Santista, existem várias áreas com solo contaminado com resíduos industriais (Carrenho et al., 1996; Fabris et al., 1996; Matheus et al., 1996; Cetesb, 1997; Zuin, 1999; Cetesb, 2004). Nesta região, um dos maiores depósitos de resíduos está localizado no Quarentenário, uma área densamente povoada na periferia da cidade de São Vicente (Zuin, 1999). Desta área, cerca de 28 mil toneladas de solo contaminado foram removidas e encaminhadas para uma "Estação de Espera" para posterior tratamento (Gomes, 1992; Matheus, 1998). O hexaclorobenzeno (HCB), um dos principais compostos presentes neste solo contaminado, já foi usado como fungicida e é um composto organoclorado classificado como um poluente orgânico persistente (POP), em virtude de sua persistência, toxidez, capacidade de bioacumulação e capacidade de transporte atmosférico (Alcock & Jones, 1999).

Uma das formas de tratamento de solos contaminados é a biorrecuperação, um método baseado na utilização de microrganismos para a degradação de compostos, resultando na sua transformação em metabólitos ou na sua mineralização.

No caso de compostos pouco persistentes, ou seja, de fácil degradação, a biorrecuperação pode ocorrer naturalmente. Entretanto, no caso de compostos persistentes, cuja degradação é muito lenta, a eficiência da biorrecuperação pode ser aumentada pela estimulação dos organismos presentes no local pelo controle das condições de crescimento, a saber: nutrientes, O2 e umidade favoráveis a esses organismos (Fabris et al., 1996). A adição de compostos orgânicos, por exemplo, pode estimular a atividade microbiana (Barriuso et al., 1997), resultar em aumento da biomassa microbiana (Lundquist et al., 1999) e acelerar a degradação de certos compostos (Sethunathan et al., 1982). O pH e a quantidade de O2 do solo podem estabelecer condições que levem à seleção de microrganismos capazes de degradar compostos persistentes. As bactérias, por exemplo, predominam em solos alcalinos, os fungos, em solos ácidos, e o excesso de umidade do solo, que gera condições de anaerobiose, favorece os microrganismos anaeróbios (Alexander, 1977).

Desta forma, alterações nas características do solo, tais como: quantidade de matéria orgânica, pH, oxigenação e umidade podem ter influência sobre a degradação do HCB porque podem provocar mudanças na comunidade microbiana e favorecer a degradação deste composto. Além disso, como a predominância de microrganismos anaeróbios pode aumentar a taxa de degradação de compostos organoclorados (Scheunert, 1993), o alagamento do solo poderia favorecer a degradação do HCB por esta via.

O objetivo deste estudo foi pesquisar formas de biorrecuperação de solo contaminado com HCB proveniente da "Estação de Espera" em São Vicente. Para tanto, verificou-se o efeito da adição de matéria orgânica, alteração do pH e alagamento de amostras de solo, propiciando condições de anaerobiose, sobre a atividade e densidade microbiana, bem como sobre a degradação de HCB destas amostras de solo contaminado.

MATERIAIS E MÉTODOS

Solo

Amostras de solo contaminado com HCB, que continham cerca de 3.000 mg g-1 de HCB no solo, foram cedidas pela Rhodia do Brasil Ltda e tiveram como origem uma "Estação de Espera" onde está armazenado o solo contaminado proveniente de áreas do município de São Vicente (SP).

Estas amostras de solo contaminado foram misturadas a amostras de solo não contaminado (solo arenoso: 2,0 g dm-3 de matéria orgânica; 99,8 % de areia; 0,1 % de silte; 0,1 % de argila, pH 3,6, conforme determinação feita pelo Laboratório Agronômico S/C LTDA - Campinas, SP), proveniente de área próxima, na proporção de 1:10. Este procedimento foi adotado porque a diluição do solo contaminado e, portanto, a diminuição da concentração dos contaminantes podem melhorar a eficiência do processo de biorrecuperação (Dzantor et al., 1993)

Composto radiomarcado

Uma solução de 14C-hexaclorobenzeno (14C-HCB) com 4,05 kBq e 0,01 mg mL-1 hexano foi preparada a partir de hexaclorobenzeno (HCB) uniformemente radiomarcado no anel aromático, com atividade específica de 11,46 GBq mmol-1 e 97 % de pureza radioquímica, obtido da "International Isotopes Münich" (Alemanha).

Análise da contaminação inicial do solo

Nove amostras de 3 g de solo contaminado misturado a solo não contaminado foram submetidas à extração com mistura de hexano:acetona (75:25) por energia de microondas (80 W) em 12 ciclos de 1 min (Andréa et al., 2001).

Os extratos obtidos foram submetidos a "clean up" em filtro com membrana "durapore" de 0,45 mm de poro e analisados por cromatografia gasosa (CG) para quantificação do HCB e dos metabólitos 1,2,4,5 tetraclorobenzeno (1,2,4,5 TCB); 1,2,3,4 tetracloro-benzeno (1,2,3,4 TCB) e pentaclorobenzeno (PeCB).

As análises cromatográficas foram realizadas em cromatógrafo a gás Varian 3400 nas seguintes condições: coluna megabore de fase estacionária DB-17 com 30 m de comprimento, 0,53 mm d.i. e filme de 1,0 µm, com rampa de temperatura de 188 a 240 °C (10 °C min-1), tendo como gás de arraste o N2 a 1,5 mL min-1 de vazão; detector de captura eletrônica (DCE) mantido em temperatura de 300 °C; injetor splitless em temperatura de 220 °C.

As curvas de calibração para avaliar estes compostos foram feitas pelo método de Meier & Zünd (1993), com cinco concentrações de cada composto, dentro dos seguintes intervalos: de 0,06 a 0,15 µg mL-1, para 1,2,4,5 TCB, de 0,03 a 0,075 µg mL-1, para 1,2,3,4 TCB, de 0,15 a 1,8 µg mL-1, para PeCB, e de 6 a 15 µg mL-1, para HCB, com limite de confiança de 98 %.

Tratamentos

O tratamento do solo por adição de matéria orgânica (MO) foi feito por meio de adição de 0,025 g g-1 de bagaço de cana-de-açúcar no solo ou 0,025 g-1 de vermicomposto (húmus de minhoca) no solo às amostras de solo contaminado misturado a solo não contaminado, colocadas em frascos de vidro de 500 mL (100 g equivalente em massa seca por frasco). A alteração do pH foi feita, conforme Kiëhl (1979), por meio de adição de 0,6 mg g-1 de carbonato de cálcio (cal) no solo. As condições de alagamento foram obtidas por meio de adição de água de modo a formar uma lâmina de cerca de 1 cm acima da superfície do solo, estabelecendo condições de anaerobiose. Outras amostras não receberam tratamento e serviram como controle, enquanto outras receberam uma mistura dos tratamentos (adição de bagaço de cana-de-açúcar ou vermicomposto e cal, ou adição de bagaço de cana-de-açúcar ou vermicomposto e alagamento). Desta forma, foram preparadas 12 repetições dos seguintes tratamentos: (1) controle (t); (2) adição de bagaço (b); (3) adição de vermicomposto (v); (4) adição de cal (c); (5) alagamento (a); (6) adição de bagaço e cal (bc); (7) adição de vermicomposto e cal (vc); (8) adição de bagaço e alagamento (ba) e (9) adição de vermicomposto e alagamento (va), (Figura 1). Estas amostras receberam água até atingir 50 % da capacidade máxima de retenção de água, a qual foi determinada por meio de repetidas percolações com 10 mL de água em 10 g de solo (Draft International Standart, 1992; Klute, 1986).


Em seguida, as amostras foram mantidas em câmara de temperatura controlada a aproximadamente 29 °C e, após um mês de incubação, com vistas em propiciar a reativação dos microrganismos, iniciou-se o experimento. Durante todo o período do experimento, que durou 270 dias, as amostras foram mantidas em 29 °C. Das 12 repetições de cada tratamento, três foram utilizadas para as análises realizadas no início do experimento, ou seja, logo após o período de reativação, três foram utilizadas para as análises realizadas após 90 dias de incubação, três para as análises realizadas após 180 dias de incubação e três para as análises realizadas após 270 dias de incubação.

Atividade e densidade de microrganismos

A atividade microbiana foi avaliada no início do experimento (T.0.), ou seja, logo após o período de reativação dos microrganismos e após 90, 180 e 270 dias de incubação (T.90, T.180 e T.270, respectivamente) por meio da respiração dos microrganismos, medida pela quantidade de CO2 formada em um período de 7 dias. Para tanto, subamostras de 25 g de cada amostra foram transferidas para frascos de 100 mL e o CO2 produzido foi capturado por 10 mL de solução de hidróxido de potássio 0,1 mol L-1; alíquotas de 5,0 mL desta solução foram analisadas por titulação com ácido clorídrico (0,05 mol L-1) após adição de fenolftaleína e retrotitulação com alaranjado de metila (Andréa & Petinelli, 2000).

A densidade microbiana foi medida nas mesmas datas, utilizando o método de contagem de unidades formadoras de colônias (UFC) de bactérias e fungos (Schinner et al., 1996). Conforme Nakagawa (1997), subamostras de 5,0 g de cada amostra de solo foram colocadas em Erlenmeyer que continham 45 mL de solução da salina (0,098 g mL-1 de NaCl em água destilada) e agitadas mecanicamente por 20 min. Após 10 min de decantação, as suspensões de solo foram diluídas sucessivamente, com fator de diluição de 10-2 a 10-5. A seguir, alíquotas de 100 µL das suspensões diluídas foram inoculadas em placas que continham meio de cultura para bactérias, composto de 3 g de extrato de carne, 5 g de peptona, 8 g de NaCl, 15 g de ágar e a pH 7,2 (Johnson et al., 1960), e, para fungos, composto de 1 g de KH2PO4, 0,5 g de K2HPO4, 5 g de peptona, 0,5 g de MgSO4.7H2O, 10 g de dextrose, 0,05 g de rosa bengala, 0,05 g de estreptomicina, 18 g de ágar e com pH entre 5,6 e 5,8 (Johnson et al., 1960). As placas foram mantidas em câmara de temperatura controlada a 29 °C e, em seguida, contou-se o número de colônias formadas.

Degradação do hexacloroenzeno

Degradação parcial de hexaclorobenzeno

Após 90, 180 e 270 dias de incubação, subamostras de 3,0 g das amostras de solo-controle (t), com adição de bagaço e alagamento (ba) e com adição de vermicomposto e alagamento (va), foram submetidas à extração e os extratos foram submetidos à análise por CG, conforme método descrito anteriormente, para verificação da presença de metabólitos.

Mineralização de 14C-hexaclorobenzeno

No início do experimento, ou seja, após o período de reativação, cada amostra de solo, contaminada com cerca de 3.000 mg g-1 de HCB no solo, foi tratada com 14C-HCB de modo a resultar em 0,032 kBq por amostra. No interior de cada frasco, colocou-se um pequeno frasco com solução de KOH 0,2 mol L-1 para captura de 14CO2 produzido.

Em seguida, as amostras foram incubadas em câmara de temperatura controlada a aproximadamente 29 °C, por 270 dias. A mineralização, medida pela produção de 14CO2, foi acompanhada, quinzenalmente, por meio de análise de alíquotas de 1,0 mL da solução de KOH por espectrometria de cintilação em líquido. Os resultados foram calculados na forma de percentagem de 14CO2 formado, em relação à quantidade de radiocarbono adicionada como 14C-HCB.

Análise estatística

Os resultados foram submetidos à análise estatística por teste F, para análise de variância, e ao teste de Tukey, para comparação entre as médias, para determinar diferenças significativas entre as amostras, conforme Vieira & Hoffman (1989). O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso, a 5 % de significância para os testes.

RESULTADOS

A análise da contaminação inicial da solo indicou a presença de 3.427,7 µg g-1 de HCB no solo, 266,8 µg g-1 de PeCB no solo, 6,3 µg g-1 de 1,2,3,4 TCB no solo e 24,0 µg g-1 de 1,2,4,5 TCB no solo das amostras de solo contaminado misturado a solo não contaminado. Portanto, o principal composto encontrado nesta amostra de solo foi o HCB, representando 92 % do total de resíduos presentes.

A atividade microbiana foi significativamente maior nas amostras com bagaço de cana-de-açúcar (b), bagaço e cal (bc) e bagaço e alagamento (ba) (Quadro 1). A atividade microbiana, portanto, foi estimulada pela adição de bagaço de cana-de-açúcar, sendo tal fato observado em praticamente todo o período do experimento.


A densidade de bactérias foi significativamente maior nas amostras com bagaço de cana-de-açúcar apenas no período inicial do experimento: no início do experimento (T.0), a densidade de bactérias foi maior em todas as amostras com bagaço de cana-de-açúcar (b, bc e ba); após 90 dias de incubação, foi maior nas amostras com bagaço e cal (bc) e bagaço e alagamento (ba); e, após 180 e 270 dias de incubação, não houve diferença significativa entre as amostras (Quadro 2).


A densidade de fungos foi significativamente maior nas amostras com bagaço de cana-de-açúcar em praticamente todo o experimento (Quadro 3): do T.0 ao T.180, a densidade de fungos foi maior nas amostras com bagaço (b) e bagaço e cal (bc) e, no T.270, foi maior somente nas amostras com bagaço e cal (bc).


Verifica-se, portanto, que a adição de bagaço de cana-de-açúcar resultou em aumento da densidade microbiana, tanto de bactérias como de fungos.

Não se observou mineralização do 14C-HCB, e a concentração do HCB e dos seus metabólitos não apresentou diferença significativa entre os tratamentos, tampouco no decorrer do tempo (Quadro 4), razão por que não foram observadas a degradação total ou a degradação parcial do HCB, mesmo com a adição de MO, alteração do pH ou alagamento do solo.


DISCUSSÃO

O bagaço de cana-de-açúcar foi o principal estímulo, tanto para a atividade microbiana, como para o aumento da densidade de bactérias e fungos do solo contaminado, visto que pôde ser utilizado como fonte de nutrientes pelos microrganismos.

A ausência de mineralização do 14C-HCB observada neste estudo também foi detectada em outros trabalhos (Isensee et al., 1976; Hãggblom, 1992) e outros autores observaram a ocorrência de mineralização do HCB, porém em taxas muito baixas (Mansour et al., 1986; Scheunert & Korte, 1986; Scheunert, 1993; Scheunert et al., 1994; Matheus et al., 2000; Brockelmann, 2001). Este resultado demonstra a estabilidade do HCB e explica sua persistência no ambiente.

Além disto, nenhum dos tratamentos, ou seja, adição de fontes de MO, alteração do pH ou alagamento do solo, foi capaz de estimular a mineralização do 14C-HCB. A ausência de mineralização em condições de alagamento também foi observada em estudo com outro composto organoclorado, o DDT, em que Nair et al. (1992) observaram apenas uma pequena mineralização deste composto (máximo de 3 %), que foi menor ainda (máximo de 2,7 %) sob condições de alagamento. Embora seja difícil, assim como para outros compostos organoclorados, a mineralização do HCB é possível em determinadas condições. Fathepure & Vogel (1991), por exemplo, obtiveram 23 % de mineralização de 14C-HCB em um sistema de biorreator aeróbio-anaeróbio.

Não se detectaram a diminuição na concentração do HCB e o aumento na concentração dos seus metabólitos, indicando que a degradação parcial do HCB também não ocorreu, independentemente do tipo de tratamento aplicado ao solo. Entretanto, segundo Scheunert (1993), o estabelecimento de condições de anaerobiose pode resultar na degradação de compostos organoclorados por meio de reações de descloração redutiva, conforme observado por Fathepure et al. (1988), que obtiveram descloração de HCB a triclorobenzenos e diclorobenzenos em lodo de esgoto anaeróbio. Neste estudo, porém, o alagamento do solo propiciando condições de anaerobiose não resultou em descloração do HCB.

Assim, embora a adição de fontes de MO tenha estimulado a comunidade microbiana, este fato não resultou em degradação do 14C-HCB. Entretanto, alguns estudos indicam que a adição de M.O ao solo pode estimular os microrganismos e conseqüentemente, a degradação de certos compostos. Em estudo com 2,4-D e dicamba, por exemplo, Voos & Groffman (1997) observaram que a biomassa microbiana e o conteúdo de matéria orgânica foram positivamente correlacionados com a dissipação destes compostos e Gardner et al. (2000) também observaram que a MO do capim promoveu uma dissipação mais rápida do ciproconazol. Neste estudo, porém, a relação entre MO, microrganismos e degradação do HCB não foi observada.

É possível que o estímulo à comunidade microbiana como um todo não tenha sido efetivo na degradação do HCB, uma vez que a estrutura química deste composto exige que microrganismos específicos comprovadamente capazes de degradá-lo sejam estimulados. Matheus (2003), por exemplo, obteve até 25 % de mineralização de 14C-HCB, utilizando fungos previamente selecionados e isolados de áreas contaminadas com este composto, enquanto Potrawfke et al. (1998) observaram mineralização de 1,2,3,4-tetraclorobenzeno por uma cultura pura de bactérias também previamente selecionadas. Neste estudo, houve estímulo dos microrganismos de modo geral, mas não dos microrganismos capazes de degradar o HCB, que, ao contrário, podem ter sido até prejudicados pela competição com os outros microrganismos presentes no solo contaminado.

Portanto, as alterações promovidas nas características do solo para estímular os microrganismos não se mostraram eficientes para a biorrecuperação do solo contaminado com HCB.

CONCLUSÕES

1. A adição de bagaço de cana-de-açúcar estimulou a comunidade microbiana, mas não levou à degradação do hexaclorobenzeno possivelmente porque os microrganismos degradadores do hexaclorobenzeno não foram favorecidos.

2. A adição de cal e o alagamento do solo não influenciaram a comunidade microbiana nem promoveram a degradação do hexaclorobenzeno.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em maio de 2004 e aprovado em abril de 2006.

Auxílio FAPESP.

  • ALCOCK, R.E. & JONES, K.C. "New" organic compounds in the environment. Atmos. Environ., 33:1645-1646, 1999.
  • ALEXANDER, M. Introduction to soil microbiology. New York, John Wiley & Sons, 1977. p.16-72.
  • ANDRÉA, M.M. & PETINELLI Jr., A. Efeito de aplicação de agrotóxicos sobre a biomassa e a respiração de microrganismos de solos. Arq. Inst. Biol., 67:223-228, 2000.
  • ANDRÉA, M.M.; PAPINI, S. & NAKAGAWA, L.E. Optimizing microwave-assisted solvent extraction (MASE) of pesticides from soil. J. Environ. Sci. Health., 36:87-93, 2001.
  • BARRIUSO, E.; HOUOT, S. & SERRA-WITTLING, C. Influence of compost addition to soil on the behaviour of herbicides. Pestic. Sci., 49:65-75, 1997.
  • BROCKELMANN, A.M. Avaliação da biodegradação de hexaclorobenzeno para fins de biorremediação. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos. 2001. 110p. (Tese de Doutorado)
  • CARRENHO, R.; OKINO, L.K.; MATHEUS, D.R. & BONONI, V.L.R. Micorrizas arbusculares em plantas naturalmente estabelecidas em solo contaminado por HCB (hexaclorobenzeno). In: REUNIÃO NACIONAL DE MICROBIOLOGIA APLICADA AO MEIO AMBIENTE, 1., Campinas, 1996. Anais. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1996. p.69-73.
  • COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL - CETESB. Consolidação do inventário de fontes (incluindo os municipais) e de locais de tratamento e disposição final de resíduos sólidos. São Paulo, 1997. 66p.
  • COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL - CETESB. Relação de áreas contaminadas do Estado de São Paulo. 2003. Acesso sob: < http://www.cetesb.sp.gov.br>. Data de acesso: 12 de abril de 2004.
  • DRAFT INTERNATIONAL STANDART. ISO/DIS 11274. International Organization for Standardization, 1992. 30p.
  • DZANTOR, E.K.; FELSOT, A.S. & BECK, M.J. Bioremediating herbicide-contaminated soils Appl. Biochem. Biotechnol., 39/40:621-630, 1993.
  • FABRIS, C.; MACHADO, K M.G.; MATHEUS, D.R. & OKINO, L.K. Levantamento de microrganismos de solos contaminados com organoclorados. In: REUNIÃO NACIONAL DE MICROBIOLOGIA APLICADA AO MEIO AMBIENTE, 1., Campinas, 1996. Anais. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1996. p.64-68.
  • FATHEPURE, B.Z.; TIEDJE, J.M. & BOYD, S.A. Reductive dechlorination of hexachlorobenzene to tri- and dichlorobenzene in anaerobic sewage sludge. Appl. Environ. Microbiol., 54:327-330, 1988.
  • FATHEPURE, B.Z. & VOGEL, T.M. Complete degradation of polychlorinated hydrocarbons by a two-stage biofilm reactor. Appl. Environ. Microbiol., 57:3418-3422, 1991.
  • GARDNER, D.S.; BRANHAM, B.E. & LICKFELDT, D.W. Effect of turfgrass on soil mobility and dissipation of cyproconazole. Crop. Sci., 40:1333-1339, 2000.
  • GOMES, D.C; KERN, R.S & SHINOBE, A. Avaliação dos teores de organoclorados remanescentes no solo do "Quarentenário" e metas de saneamento. São Bernardo do Campo, 1992. 16p.
  • ISENSEE, A.R.; HOLDEN, E.R.; WOOLSON, E.A. & JONES, G.E. Soil persistence and aquatic bioaccumulation potencial of hexachlorobenzene (HCB). J. Agric. Food Chem., 24:1210-1214, 1976.
  • HÄGGBLOM, M.M. Microbial breakdown of halogenated aromatic pesticides and related compounds. FEMS Microbiol. Rev., 103:29-72, 1992.
  • JOHNSON, L.F.; CURL, E.A.; BOND, J.H. & FRIBOURG, H.A. Methods for studying soil microflora-plant disease relationships. 2.ed. Minneapolis, Burgess Publishing Company, 1960. 178p.
  • KIEHL, E.J. Manual de edafologia. Relação solo-planta. São Paulo, Agronômica Ceres, 1979. p.90-91.
  • KLUTE, A. Water retention: Laboratory methods. In: KLUTE, A., ed. Methods of soil analysis-physical and mineralogical methods. Madison, American Society of Agronomy, 1986. p.635-660.
  • LUNDQUIST, E.J.; SCOW, K.M.; JACKSON, L.E.; UESUGI, S.L. & JOHNSON, C.R. Rapid response of soil microbial communities from conventional, low imput and organic farming systems to a wet/dry cycle. Soil Biol. Biochem., 31:1661-1675, 1999.
  • MANSOUR, M.; SCHEUNERT, I.; VISWANATHAN, R. & KORTE, F. Assessment of the persistence of hexachlorobenzene in the ecosphere. In: MORRIS, C.R. & CABRAL, C.R., eds. HEXACHLOROBENZENE: INTERNATIONAL SYMPOSIUM, 1986, Lyon. Proceedings. Lyon, International Agency for Research on Cancer Scientific Publications, 1986. p.53-59.
  • MATHEUS, D.R.; OKINO, L.K.; GRANDI, R.A.P. & BONONI, V.L.R. Fungi from organochlorine-contaminated soil. In: GAYLARD, C.C.; SÁ, E.S. & GAYLARD, P.M., eds. Biodegradation and biodeterioration in Latin America. Porto Alegre, MIRCEN, UNEP/UNESCO/ICRO'/ FEPAGRO/UFRG, 1996. p.134-135.
  • MATHEUS, D.R. Biorremediação de solos contaminados compostos organoclorados e biodegradação de hexaclorobenzeno por basidiomicetos brasileiros. Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, 1998. 166p. (Tese de Mestrado)
  • MATHEUS, D.R.; BONONI, V.L.R. & MACHADO, K.M.G. Biodegradation of hexachlorobenzene by basidiomycetes in soil contaminated with industrial residues. World J. Microbiol. Biotechnol., 16:415-421, 2000.
  • MATHEUS, D.R Otimização da biodegradação de hexaclorobenzeno por fungos basidiomicetos em solos contaminados com resíduos industriais. Rio Claro, Universidade Estadual Paulista,. 2003. 125p. (Tese de Doutorado)
  • MEIER, P.C. & ZÜND, R.E. Statistical methods in analytical chemistry. New York, John Wiley & Sons, 1993.
  • NAIR, A.; SAMUEL, T. & PILLAI, M.K.K. Behaviour of DDT in three soils exposed to solar radiations under different conditions. Pestic. Sci., 34:333-340, 1992.
  • NAKAGAWA, L.E. Comportamento do herbicida atrazina em solo: Formação e liberação de resíduos ligados. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1997. 71p. (Tese de Mestrado)
  • POTRAWFKE, T.; TIMMIS, K.N. & WITTICH, R-M. Degradation of 1,2,3,4-tetrachlorobenzene by Pseudomonas chlororaphis RW71. Appl. Environ. Microbiol., 64:3798-3806, 1998.
  • SCHEUNERT, I. & KORTE, F. Comparative laboratory and outdoor studies on the behaviour of 14C-labelled chlorinated benzenes in soil. In: ASSINK, J.W. & van den BRINK, W.J., eds. Contaminated soil. Dordrecht, Martinius Nijhoff Publishers, 1986. p.141-143.
  • SCHEUNERT, I. Transport and transformation of pesticides in soil. In: MANSOUR, M., ed. Fate and prediction of environmental chemicals in soil, plants, and aquatic systems. Boca Raton, Lewis Publishers, 1993. p.1-22.
  • SCHEUNERT, I.; TOPP, E.; ATTAR, A. & KORTE, F. Uptake pathways of chlorobenzenes in plants and their correlation with N-octanol/water partition coefficients. Ecotox. Environ Safety, 27:90-104, 1994.
  • SCHINNER, F.; ÖBLINGER, R.; KANDELER, E. & MARGESIN, R. Methods in soil biology. Heidelberg, Springer Verlag, 1996. p.20-26.
  • SETHUNATHAN, N.; ADHYA, T.K. & RAGHU, K. Microbial degradation of pesticides in tropical soils. In: MATSUMURA, F. & MURTI, C.R.K., eds. Biodegradation of pesticides. New York, Plenum Press, 1982. p.91-115.
  • VIEIRA, S. & HOFFMANN, R. Estatística experimental. São Paulo, Atlas, 1989. 179p.
  • VOOS, G. & GROFFMAN, P.M. Relationships between microbial biomass and dissipation of 2,4-D and dicamba in soil. Biol. Fertil. Soils, 24:106-110, 1997.
  • ZUIN, V.G.; AIROLDI, F.P.S. & NASCIMENTO, N.R. Determination of pentachlorophenol and hexachlorobenzene in natural waters affected by industrial chemical residues. J. Braz. Chem. Soc., 10:25-30, 1999.
  • 1
    Parte de Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2006
    • Recebido
      Maio 2004
    Sociedade Brasileira de Ciência do Solo Secretaria Executiva , Caixa Postal 231, 36570-000 Viçosa MG Brasil, Tel.: (55 31) 3899 2471 - Viçosa - MG - Brazil
    E-mail: sbcs@ufv.br