Acessibilidade / Reportar erro

Mineralização de carbono e de nitrogênio provenientes de composto de lixo urbano em argissolo

Carbon and nitrogen mineralization in an ultisol fertilized with urban waste compost

Resumos

Estudos da mineralização do C e do N em solos que receberam aplicação de composto de lixo urbano são importantes para avaliar o comportamento desse resíduo no solo e dar subsídios para definir as doses adequadas às culturas, com vistas em atender à necessidade de N das plantas. Foram realizados dois experimentos em condições de laboratório com o objetivo de avaliar a mineralização de C e de N em um Argissolo textura média adubado com composto de lixo urbano. No primeiro experimento, utilizou-se delineamento inteiramente ao acaso, com cinco tratamentos e três repetições, com os tratamentos constituídos de cinco doses de composto de lixo urbano, equivalentes a 0, 30, 60, 90 e 120 t ha-1. No segundo experimento, empregou-se esquema fatorial, com delineamento inteiramente ao acaso e três repetições, combinando as mesmas cinco doses de composto de lixo urbano utilizadas no primeiro experimento e 11 tempos de incubação (0, 7, 14, 28, 42, 56, 70, 84, 98, 112 e 126 dias). Os maiores aumentos de N-NO3- no solo foram obtidos até os 42 dias de incubação, independentemente da dose de composto de lixo aplicada, percebendo-se, a partir dos 70 dias, tendência de estabilização. A fração de mineralização de C-orgânico em C-CO2 menor do que 2 % em 168 dias indica que o composto de lixo urbano é material que contribui para aumentar os estoques de matéria orgânica do solo. Na ausência de adubação nitrogenada complementar, a fração de mineralização de N-orgânico de 12 % em 126 dias evidencia que o composto de lixo urbano apresenta potencial fertilizante de liberação lenta de N para as plantas.

resíduo sólido; adubação orgânica; nitrato


Studies about nitrogen and carbon mineralization in soils amended with urban waste compost are important to evaluate the reactions of this waste in soil and to define the best rates for crops. Two experiments were carried out under laboratory conditions to evaluate carbon and nitrogen mineralization in an Ultisol fertilized with urban waste compost. The Ultisol first experiment had a completely randomized design, with five urban waste compost rates of 0, 30, 60, 90, and 120 t ha-1 and three replicates. In the second experiment, N mineralization was evaluated at the same waste compost rates along eleven incubation periods (0, 7, 14, 28, 42, 56, 70, 84, 98, 112, and 126 days), in three replicates. The following results were obtained for a medium texture Ultisol fertilized with urban waste compost: regardless of urban waste compost dose the greatest increase in N-NO3- in the soil was found up to 42 days, stabilizing afterwards; the mineralization rate of organic carbon of less than 2 % in 168 days indicates that urban waste compost contributes to increase soil organic matter. In the absence of other N fertilizers, urban waste compost releases N to plants slowly at a rate of 12 % in 126 days, demonstrating its potential as slow-release nitrogen fertilizer.

solid waste; organic fertilization; nitrate


SEÇÃO IV - FERTILIDADE DO SOLO E NUTRIÇÃO DE PLANTAS

Mineralização de carbono e de nitrogênio provenientes de composto de lixo urbano em argissolo1 1 Trabalho apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciência do Solo realizado em Ribeirão Preto-SP.

Carbon and nitrogen mineralization in an ultisol fertilized with urban waste compost

José Ricardo MantovaniI; Manoel Evaristo FerreiraII; Mara Cristina Pessôa da CruzIII; José Carlos BarbosaIV; André Costa FreiriaV

IDoutorando do Curso de Pós-Graduação em Agronomia (Produção Vegetal), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista – FCAV/UNESP. Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/nº. CEP 14884-900 Jaboticabal (SP). Bolsista da FAPESP. E-mail: mantovanijr@yahoo.com

IIProfessor Titular do Departamento de Solos e Adubos, FCAV/UNESP. E-mail: evaristo@fcav.unesp.br

IIIProfessora Assistente Doutora do Departamento de Solos e Adubos, FCAV/UNESP. E-mail: mcpcruz@fcav.unesp.br

IVProfessor Titular do Departamento de Ciências Exatas, FCAV/UNESP. E-mail: jcbarbosa@fcav.unesp.br

VAluno do curso de Graduação em Agronomia, FCAV/UNESP

RESUMO

Estudos da mineralização do C e do N em solos que receberam aplicação de composto de lixo urbano são importantes para avaliar o comportamento desse resíduo no solo e dar subsídios para definir as doses adequadas às culturas, com vistas em atender à necessidade de N das plantas. Foram realizados dois experimentos em condições de laboratório com o objetivo de avaliar a mineralização de C e de N em um Argissolo textura média adubado com composto de lixo urbano. No primeiro experimento, utilizou-se delineamento inteiramente ao acaso, com cinco tratamentos e três repetições, com os tratamentos constituídos de cinco doses de composto de lixo urbano, equivalentes a 0, 30, 60, 90 e 120 t ha-1. No segundo experimento, empregou-se esquema fatorial, com delineamento inteiramente ao acaso e três repetições, combinando as mesmas cinco doses de composto de lixo urbano utilizadas no primeiro experimento e 11 tempos de incubação (0, 7, 14, 28, 42, 56, 70, 84, 98, 112 e 126 dias). Os maiores aumentos de N-NO3- no solo foram obtidos até os 42 dias de incubação, independentemente da dose de composto de lixo aplicada, percebendo-se, a partir dos 70 dias, tendência de estabilização. A fração de mineralização de C-orgânico em C-CO2 menor do que 2 % em 168 dias indica que o composto de lixo urbano é material que contribui para aumentar os estoques de matéria orgânica do solo. Na ausência de adubação nitrogenada complementar, a fração de mineralização de N-orgânico de 12 % em 126 dias evidencia que o composto de lixo urbano apresenta potencial fertilizante de liberação lenta de N para as plantas.

Termos de indexação: resíduo sólido, adubação orgânica, nitrato.

SUMMARY

Studies about nitrogen and carbon mineralization in soils amended with urban waste compost are important to evaluate the reactions of this waste in soil and to define the best rates for crops. Two experiments were carried out under laboratory conditions to evaluate carbon and nitrogen mineralization in an Ultisol fertilized with urban waste compost. The Ultisol first experiment had a completely randomized design, with five urban waste compost rates of 0, 30, 60, 90, and 120 t ha-1 and three replicates. In the second experiment, N mineralization was evaluated at the same waste compost rates along eleven incubation periods (0, 7, 14, 28, 42, 56, 70, 84, 98, 112, and 126 days), in three replicates. The following results were obtained for a medium texture Ultisol fertilized with urban waste compost: regardless of urban waste compost dose the greatest increase in N-NO3- in the soil was found up to 42 days, stabilizing afterwards; the mineralization rate of organic carbon of less than 2 % in 168 days indicates that urban waste compost contributes to increase soil organic matter. In the absence of other N fertilizers, urban waste compost releases N to plants slowly at a rate of 12 % in 126 days, demonstrating its potential as slow-release nitrogen fertilizer.

Index terms: solid waste, organic fertilization, nitrate.

INTRODUÇÃO

O uso do composto de lixo urbano em áreas cultivadas, além de propiciar a reciclagem de parte do lixo urbano, promove melhorias na fertilidade do solo, decorrentes de aumentos no valor de pH e nos teores de matéria orgânica, de N e de outros nutrientes (Alves et al., 1999; Abreu Jr. et al., 2002). Cravo et al. (1998) caracterizaram o composto de lixo urbano de capitais de Estados do Brasil e do Distrito Federal e verificaram que os teores de C estiveram entre 93 e 275 g kg-1, e os de N variaram de 7,7 a 14,5 g kg-1 (C/N de 6,9 a 21,1). Assim, com uma aplicação de 30 t ha-1 de composto, na base seca, pode-se adicionar ao solo de 231 a 435 kg ha-1 de N. O composto de lixo produzido no Estado de São Paulo apresenta, em média, 120 a 220 g kg-1 de C, 10 a 15 g kg-1 de N e relação C/N de 8 a 16 (Berton & Valadares, 1991).

Após incorporação de materiais orgânicos ao solo, como o composto de lixo urbano, parte do C adicionado é desprendido como CO2 e parte pode permanecer inalterado ou ser incorporado à biomassa microbiana (Reis & Rodella, 2002). Ao mesmo tempo, parte do N-orgânico do composto vai ser mineralizado a NH4+ e NO3-, enquanto o restante segue os mesmos destinos do C. A quantificação do CO2 desprendido do solo e a determinação da fração de mineralização do N, ao longo do tempo, permitem obter informações importantes sobre o comportamento dos resíduos orgânicos no solo.

A degradação de resíduos orgânicos é diminuída drasticamente, à medida que aumenta seu grau de maturação (Bernal et al., 1998). A adição de resíduos com baixa taxa de decomposição é mais indicada para a manutenção dos teores de matéria orgânica dos solos, enquanto resíduos com elevada taxa de degradação estimulam a decomposição da matéria orgânica nativa dos solos (Levi-Minzi et al., 1990).

A fração do N-orgânico que é transformada em N-inorgânico é denominada pela Cetesb (1999) fração de mineralização de N e, a partir dela e da quantidade do nutriente recomendada para determinada cultura, pode-se obter a dose de composto recomendada, de tal maneira a satisfazer as necessidades de N das plantas e evitar a produção de nitrato em quantidades excessivas, que lixiviam e colocam em risco a qualidade das águas subsuperficiais.

Dentre os fatores que influenciam a mineralização do N de resíduos orgânicos adicionados ao solo, estão o teor de N, a relação C/N, o grau de maturação e a biodegradabilidade de C do material, além da textura do solo (Hébert et al., 1991). O pH e a condutividade elétrica do solo também influenciam as transformações do N no solo (Tisdale et al., 1985; McClung & Frankenberger Jr., 1985) e, de acordo com Tisdale et al. (1985), a nitrificação é favorecida na faixa de pH de 5,5 a 10.

O presente trabalho teve como objetivo avaliar a mineralização de C e de N em um solo adubado com composto de lixo urbano.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram realizados dois experimentos em condições de laboratório, utilizando, em ambos, amostra da camada arável (0–20 cm) de um Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico textura média, com a seguinte caracterização química (Raij et al., 1987) e granulométrica (Camargo et al., 1986): P resina = 8 mg dm-3; MO = 28 g dm-3; pH em CaCl2 0,01 mol L-1 = 4,6; K+, Ca2+, Mg2+, H + Al, SB e CTC, respectivamente, iguais a 3,4; 13; 8; 31; 24 e 55 mmolc dm-3; V % = 44; argila = 160 g kg-1, e areia = 770 g kg-1.

O composto de lixo urbano utilizado nos dois experimentos foi proveniente da Usina de Reciclagem de Lixo do município de Assis (SP). O resíduo foi seco ao ar e à sombra, analisado, conforme descrito em Kiehl (1985), tendo apresentado pH em CaCl2 = 7,4 e os seguintes resultados, na base seca: C = 157 g kg-1; N = 14 g kg-1; relação C/N = 11; P, K, Ca e Mg, respectivamente, iguais a 4; 2; 25 e 4 g kg-1; Cu, Fe, Mn e Zn, respectivamente, iguais a 181; 26.852; 412 e 544 mg kg-1.

Preliminarmente à instalação dos experimentos, foi feita curva de neutralização do solo, de acordo com a Cetesb (1999), em que foram combinadas doses de composto de lixo urbano e de CaCO3 p.a.

Experimento 1 – Mineralização de carbono

Utilizou-se delineamento inteiramente ao acaso, com cinco tratamentos e três repetições. Os tratamentos utilizados constituíram-se de cinco doses de composto de lixo urbano, equivalentes a 0 (CL0); 30 (CL1); 60 (CL2); 90 (CL3), e 120 t ha-1 (CL4), na base seca.

O estudo da degradação orgânica do resíduo foi realizado de acordo com Anderson (1982). Porções de 0,2 dm3 de solo, correspondentes a 246 g, receberam o composto de lixo de acordo com os tratamentos, e o corretivo de acidez de acordo com a curva de neutralização, para que o solo atingisse pH em CaCl2 igual a 6,5. As porções de solo tratadas com os insumos foram transferidas para recipientes de plástico com capacidade para 0,25 L, umedecidas a 70 % da capacidade de retenção de água e colocadas em recipientes com tampa de pressão e capacidade para 2 L. Dentro dos recipientes, também foram colocados dois copos de plástico com capacidade para 50 mL, um com 40 mL de água desionizada, para manter o ambiente saturado, e o outro, com 20 mL de solução de NaOH 1 mol L-1, para adsorver o CO2 liberado. Para cada repetição, foi feita uma prova em branco, em que se empregou o mesmo sistema, sem a amostra de solo.

A troca da solução de NaOH foi feita diariamente até o 7º dia de incubação. Do 8º ao 60º dia, ela foi feita a cada dois dias; do 61º até o 94º dia de incubação, a substituição foi feita a cada sete dias, e do 95º ao 168º, a cada 15 dias. Alíquota de 5 mL da solução de NaOH com CO2 adsorvido recebeu 0,5 mL de solução de BaCl2 1,5 mol L-1, duas gotas de fenolftaleína 10 g L-1, e foi titulada com solução padronizada de HCl 0,4 mol L-1. A partir da concentração inicial e final da solução de NaOH, foi obtida a quantidade de C liberada do solo na forma de CO2 (C-CO2), ao longo do tempo de incubação, em decorrência da mineralização do carbono orgânico (CO). Os dados obtidos foram ajustados ao modelo exponencial, de cinética de primeira ordem, proposto por Stanford & Smith (1972).

Após o término da incubação, as porções de solo foram retiradas dos recipientes, secas ao ar, homogeneizadas e amostradas para a determinação do teor de CO (Raij et al., 1987).

Experimento 2 – Mineralização de nitrogênio

Nesse experimento, empregou-se esquema fatorial 5 x 11, em delineamento inteiramente ao acaso, com três repetições. Os tratamentos utilizados constituíram-se das mesmas doses de composto de lixo urbano mencionadas no experimento 1, e 11 tempos de incubação (0, 7, 14, 28, 42, 56, 70, 84, 98, 112 e 126 dias), conforme estabelecido na Norma Técnica Cetesb P 4.230 (Cetesb, 1999).

Porções de 0,2 dm3 de solo receberam o composto de lixo e o corretivo da acidez, conforme descrito no experimento 1, foram transferidas para recipientes de plástico com capacidade para 0,25 L e umedecidas a 70 % da capacidade de retenção de água, iniciando-se, assim, a incubação em ambiente de laboratório. Durante a incubação, a reposição de água foi feita de dois em dois dias para a manutenção da umidade inicial do solo.

A cada tempo de incubação, o solo de três repetições de cada tratamento foi retirado do recipiente, homogeneizado e 10,0 g foram coletados para análise de N-inorgânico. Outros 10,0 g de solo foram secos em estufa a cerca de 60 °C para corrigir, para peso do material seco, a quantidade de N mineralizada. O solo restante foi seco ao ar e amostrado para a determinação da condutividade elétrica em extrato aquoso, utilizando-se da relação 1:5 (v:v), conforme descrito em Raij et al. (2001).

A determinação de N-inorgânico (N-NH4+ e N-NO3-) foi feita por destilação de extratos de solo em KCl 1 mol L-1, em microdestilador Kjeldahl, e subseqüente titulação do destilado (Bremner & Keeney, 1965). As alíquotas tomadas para destilação foram obtidas após decantação do extrato de KCl, por 1 h.

Considerou-se desprezível a concentração de N-NO2- nas amostras de solo. Assim, os resultados de N-NO3- + N-NO2- foram expressos na forma de N-NO3-. Ajustaram-se os resultados de N-inorgânico a equações exponenciais, de cinética de primeira ordem, por meio do modelo proposto por Stanford & Smith (1972), Nm = N0 (1 – e–kt), em que: Nm é o N mineralizado no tempo t; N0 é o N potencialmente mineralizável, ou seja, é a fração do N orgânico susceptível à mineralização; k é a taxa de mineralização.

A fração de mineralização de N foi estimada de acordo com o procedimento descrito em Cetesb (1999).

Os resultados de condutividade elétrica do solo, em cada tempo de incubação, foram submetidos à análise de regressão polinomial de acordo com as doses de composto de lixo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Mineralização do carbono

Verificou-se que a evolução diária de C-CO2 no tratamento-testemunha (CL0) e no que recebeu a maior dose de composto de lixo urbano (CL4) foi similar, maior no primeiro dia (cerca de 67 mg kg-1), seguida de diminuição até os 14 dias de incubação. A partir desse tempo, houve tendência de estabilização nos valores, com a evolução de C-CO2 ficando abaixo de 6 mg kg-1 dia-1 (Figura 1). Nos demais tratamentos (CL1, CL2 e CL3), a evolução foi semelhante às apresentadas na figura 1. Bernal et al. (1998), utilizando composto de diferentes resíduos orgânicos em vários estádios de maturação, também verificaram que a máxima mineralização de C ocorreu no primeiro dia de incubação. Segundo os autores, isso foi devido à mineralização do CO facilmente degradável dos materiais, o que propiciou grande aumento da população microbiana do solo.


Em relação ao C-CO2 acumulado, verificou-se, em todos os tratamentos, que as maiores quantidades evoluíram até os 28 dias de incubação, notando-se a partir dos 56 dias, tendência de estabilização dos valores (Figura 2). De acordo com as equações exponenciais obtidas, estimou-se que, ao final dos 168 dias de incubação, os tratamentos CL0, CL1, CL2, CL3 e CL4 produziram as seguintes quantidades de C-CO2, em mg kg-1 de solo: 327; 358; 378; 397 e 450, respectivamente, proporcionando aumento na liberação de C-CO2 de 11 % (CL1), 16 % (CL2), 21 % (CL3), e 38 % (CL4) em relação à testemunha (CL0). Desta forma, ao final de 168 dias de incubação, observou-se, em todos os tratamentos, que menos de 2 % do CO adicionado ao solo via composto de lixo foi liberado na forma de CO2. O restante permaneceu incorporado ao solo, o que proporcionou aumento linear dos teores de CO do solo com as doses de composto de lixo urbano (Figura 3).



Levi-Minzi et al. (1990) verificaram que o composto de lixo urbano, dentre vários resíduos orgânicos, foi o que apresentou a menor taxa de degradação, visto que menos de 5 % do CO adicionado ao solo foi liberado. De acordo com os autores, isso se deveu ao fato de o composto de lixo ser um material mais estabilizado que os demais, por ter passado por um processo de compostagem. Bernal et al. (1998) verificaram que materiais orgânicos mais estabilizados liberaram menor quantidade de C-CO2, ao longo de 70 dias de incubação com solo, do que os mesmos materiais em estádios iniciais e intermediários de compostagem. Dessa forma, os autores concluíram que, além da relação C/N, a forma em que o C se encontra nos materiais orgânicos também interfere na velocidade de decomposição. Reis & Rodella (2002) verificaram, ao final de 38 dias de incubação de feijão-de-porco, esterco de bovino, vinhaça, biossólido e turfa com solo de textura argilosa, que os resíduos liberaram, respectivamente, 38; 19; 65; 17 e 2 % do seu CO na forma de CO2.

Mineralização do nitrogênio

Os teores de N-NH4+ no solo, ao longo do tempo de incubação, não se ajustaram ao modelo matemático de cinética de primeira ordem. Verificou-se, para todas as doses de composto de lixo, aumento de N-NH4+ do solo até os sete dias de incubação, seguido de diminuição até os 14 dias. A partir desse tempo, houve tendência de estabilização nos valores, com os teores de N-NH4+ ficando abaixo de 10 mg kg-1 de solo (Figura 4).


Verificou-se aumento de N-NO3- no solo com a aplicação de composto de lixo urbano (Figura 5), tendo, aos 126 dias de incubação, os teores de N-NO3- no solo, estimados pelas equações exponenciais, atingido 100; 123; 132; 150 e 174 mg kg-1 para os tratamentos CL0 (0), CL1 (30), CL2 (60), CL3 (90) e CL4 (120 t ha-1), respectivamente, evidenciando aumento na concentração do íon no solo de 23 % (CL1); 32 % (CL2); 50 % (CL3) e 74 % (CL4), em relação à testemunha (CL0).


Os valores dos coeficientes de determinação (R2) obtidos foram altos, acima de 0,95 (Figura 5), indicando que o modelo matemático utilizado ajustou-se, de maneira adequada, aos resultados de N-NO3-.

Os maiores aumentos de N-NO3- no solo foram obtidos até os 42 dias de incubação, independente-mente da dose de composto de lixo aplicada, e, a partir dos 70 dias, houve tendência de estabilização (Figura 5). Pöttker & Tedesco (1979) constataram diminuição na mineralização do N em 30 amostras de solos do Rio Grande do Sul após as três semanas iniciais de incubação. Silva et al. (1994) verificaram que a mineralização de N, em sete solos que receberam ou não calagem, foi maior nos primeiros 55 dias de incubação. Boeira et al. (2002) observaram que a velocidade de mineralização do N em solo argiloso que recebeu lodo de esgoto foi maior no início da incubação e decresceu com o tempo. Segundo Cornfield (1952), a maior velocidade de mineralização de N nas semanas iniciais de incubação pode ser atribuída à mineralização da parte da matéria orgânica de fácil decomposição, restando, após a degradação desses compostos, resíduos orgânicos de maior estabilidade e, por conseguinte, de decomposição mais lenta.

Comparando os dados apresentados na figura 4 com os da figura 5, observa-se que os teores de N-NH4+ do solo foram maiores do que os de N-NO3- apenas no tempo zero de incubação (T0). Em T0, em média, 65 % do N-inorgânico (N-NH4+ + N-NO3-) encontrava-se na forma de amônio e 35 % na de nitrato. Aos sete dias de incubação, ocorreu inversão entre os teores de N-NO3- em relação a N-NH4+ e, em média, 62 % do N-inorgânico estava na forma de nitrato e 38 % na de amônio. A partir dos 14 dias de incubação, em média, mais de 95 % do N-inorgânico presente no solo estava na forma de nitrato.

De acordo com os resultados da fração de mineralização de N, verificou-se, ao final de 126 dias de incubação, que 17, 10, 10 e 11 % do N orgânico adicionado ao solo via composto de lixo foram transformados em N-inorgânico nos tratamentos que receberam 30; 60; 90 e 120 t ha-1 de composto de lixo urbano, respectivamente. Das quantidades citadas, em média, 74 % havia mineralizado nos primeiros 42 dias de incubação. Lindemann & Cardenas (1984) obtiveram, em solo arenoso, ao final de 32 semanas, frações de mineralização de N de 28 e 19 %, dependendo da dose de lodo de esgoto aplicada. Mamo et al. (1999a), em ensaio em campo, utilizando composto de lixo urbano com 11 g kg-1 de N e C/N = 15, verificaram que, na ausência de adubação nitrogenada, aplicações de 90 e de 270 t ha-1 de composto de lixo urbano proporcionaram uma taxa de mineralização de N de 8 e 5 % ao ano, respectivamente. Mamo et al. (1999b), em experimento em condições de laboratório, verificaram, ao final de 120 dias, que menos de 5 % do N orgânico adicionado ao solo via composto de lixo foi mineralizado. Boeira et al. (2002), ao final de 105 dias de incubação, estimaram em 31 % a fração mineralizada do N-orgânico adicionado a um Latossolo por meio de lodo de esgoto. Kray et al. (2003), em solo arenoso, estimaram frações de mineralização de N de 19, 16 e 9 % em tratamentos que receberam, respectivamente, 23,7; 35,56 e 71,10 t ha-1 de composto de lixo.

Com a aplicação das doses maiores do composto de lixo urbano, obtiveram-se as menores frações de mineralização de N. Resultados similares foram obtidos por Lindemann & Cardenas (1984), Mamo et al. (1999a) e Kray et al. (2003). O favorecimento das perdas por desnitrificação e o aumento da condutividade elétrica com o aumento das doses de adubo orgânico são argumentos que podem justificar o resultado obtido.

Lindemann & Cardenas (1984) atribuíram o decréscimo da fração de mineralização de N com as doses de lodo de esgoto ao aumento das perdas por desnitrificação. De acordo com os autores, a nitrificação e a desnitrificação podem coexistir em ambientes aeróbios, pois, enquanto nos macroporos as condições de aeração são adequadas para a nitrificação, nos microporos podem ocorrer condições para a desnitrificação. Ainda, segundo os autores, a atividade microbiana e, conseqüentemente, a respiração do solo, aumentam com as doses de lodo de esgoto e, assim, o O2 dos microporos é exaurido mais rapidamente, o que favorece o aumento da desnitrificação. De acordo com Stevenson (1986), a desnitrificação é desprezível em níveis de umidade do solo abaixo de 2/3 da capacidade de retenção de água. Entretanto, ela pode ocorrer em microambientes anaeróbios de solos bem drenados, como nos microporos preenchidos com água, na rizosfera e nas proximidades de resíduos animais e de plantas em decomposição. Ainda, de acordo com esse autor, a desnitrificação também pode ocorrer em solos que receberam altas doses de material orgânico com relação C/N baixa e com grande quantidade de C facilmente decomponível.

Com relação ao efeito da condutividade elétrica, McClung & Frankenberger Jr. (1985) relataram que valores de condutividade elétrica no extrato de saturação acima de 20.000 mS cm-1 diminuem a atividade microbiana do solo e, conseqüentemente, as transformações do N. No experimento, foi constatado aumento da condutividade elétrica do solo com as doses de composto de lixo urbano e houve efeito quadrático do tempo de incubação na condutividade elétrica (Figura 6). Estimou-se, pelas equações de regressão, que os valores de condutividade elétrica do solo aumentaram até os 107 dias de incubação nos tratamentos que receberam 30 (CL1); 60 (CL2); 90 (CL3) e 120 t ha-1 (CL4) do adubo orgânico, e até os 102 dias no tratamento-testemunha (CL0). Ao final de 126 dias de incubação, os valores estimados de condutividade elétrica no solo foram de 237; 300; 310; 352 e 377 µS cm-1, nos tratamentos CL0; CL1; CL2; CL3 e CL4, respectivamente, o que corresponde a um aumento de 27 % (CL1), 31 % (CL2), 49 % (CL3) e 59 % (CL4), em relação à testemunha (CL0). Admitindo o valor apresentado por McClung & Frankenberger Jr. (1985) como limitante, mesmo trabalhando com métodos de determinação de condutividade elétrica diferentes (extrato de saturação x relação solo:água 1:5), pressupõe-se que o aumento na condutividade elétrica não tenha sido o fator determinante da diminuição da fração de mineralização de N com o aumento da dose de composto de lixo.


CONCLUSÕES

1. A fração de mineralização de C-orgânico em C-CO2 menor do que 2 % em 168 dias indica que o composto de lixo urbano contribui para aumentar os estoques de matéria orgânica do solo.

2. Na ausência de adubação nitrogenada complementar, a fração de mineralização de N-orgânico de 12 % em 126 dias evidencia que o composto de lixo urbano apresenta potencial fertilizante de liberação lenta de N para as plantas.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em março de 2004 e aprovado em julho de 2006.

Projeto financiado pela FAPESP.

  • ABREU Jr., C.H.; MURAOKA, T. & OLIVEIRA, F.C. Carbono, nitrogênio, fósforo e enxofre em solos tratados com composto de lixo urbano. R. Bras. Ci. Solo, 26:769-780, 2002.
  • ALVES, W.L.; MELO, W.J. & FERREIRA, M.E. Efeito do composto de lixo urbano em um solo arenoso e em plantas de sorgo. R. Bras. Ci. Solo, 23:729-736, 1999.
  • ANDERSON, J.P.E. Soil respiration. In: PAGE, A.L.; MILLER, R.H. & KEENEY, D.R., eds. Methods of soil analysis: Chemical and microbiological properties. 2.ed. Madison, American Society of Agronomy, Soil Science Society of America, 1982. p.831-845.
  • BERNAL, M.P.; SÁNCHES-MONEDERO, M.A.; PAREDES, C. & ROIG, A. Carbon mineralization from organic wastes at different composting stages during their incubation with soil. Agr. Ecosyst. Environ., 69:175-189, 1998.
  • BERTON, R.S. & VALADARES, J.M.A.S. Potencial agrícola do composto de lixo urbano no Estado de São Paulo. O Agronômico, 43:87-93, 1991.
  • BOEIRA, R.C.; LIGO, M.A.V. & DYNIA, J.F. Mineralização de nitrogênio em solo tropical tratado com lodos de esgoto. Pesq. Agropec. Bras., 37:1639-1647, 2002.
  • BREMNER, J.M. & KEENEY, D.R. Exchangeable ammonium, nitrate and nitrite by steam-distillation methods. In: BLACK, C.A., ed. Methods of soil analysis: Chemical and microbiological properties. Madison, American Society of Agronomy, Soil Science Society of America, 1965. p.1191-1206.
  • CAMARGO, O.A.; MONIZ, A.C.; JORGE, J.A. & VALADARES, J.M.A.S. Métodos de análise química, mineralógica e física de solos do Instituto Agronômico de Campinas. Campinas, Instituto Agronômico de Campinas, 1986. 94p. (Boletim Técnico, 106)
  • CETESB. Aplicações de lodos de sistema de tratamento biológico em áreas agrícolas - Critérios para projetos e operações. São Paulo, Cetesb, 1999. 32p. (Norma P 4. 230)
  • CORNFIELD, A.H. The mineralization of the nitrogen of soils during incubation: Influence of pH, total nitrogen and organic carbon contents. J. Sci. Food. Agric., 3:343-349, 1952.
  • CRAVO, M.S.; MURAOKA, T. & GINÉ, M.F. Caracterização química de compostos de lixo urbano de algumas usinas brasileiras. R. Bras. Ci. Solo, 22:547-553, 1998.
  • HÉBERT, M.; KARAM, A. & PARENT, L.E. Mineralization of nitrogen and carbon in soils amended with composted manure. Biol. Agric. Hortic., 7:349-361, 1991.
  • KIEHL, E.J. Fertilizantes orgânicos. São Paulo, Agronômica Ceres, 1985. 492p.
  • KRAY, C.H.; TEDESCO, M.J.; BISSANI, C.A. & SCOLMEISTER, D. Fração mineralizada de N orgânico de resíduos urbanos adicionados em solos agrícolas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO, 29., Ribeirão Preto, 2003. Anais. Ribeirão Preto, SBCS/UNESP, 2003. CD-ROM
  • LEVI-MINZI, R.; RIFFALDI, R. & SAVIOZZI, A. Carbon mineralization in soil amended with different organic materials. Agr. Ecosyst. Environ., 31:325-335, 1990.
  • LINDEMANN, W.C. & CARDENAS, M. Nitrogen mineralization potencial and nitrogen transformations of sludge-amended soil. Soil Sci. Soc. Am. J., 48:1072-1077, 1984.
  • MAMO, M.; ROSEN, C.J. & HALBACH, T.R. Nitrogen availability and leaching from soil amended with municipal solid waste compost. J. Environ. Qual., 28:1074-1082, 1999a.
  • MAMO, M.; MOLINA, J.A.E.; ROSEN, C.J. & HALBACH, T.R. Nitrogen and carbon mineralization in soil amended with municipal solid waste compost. Can. J. Soil Sci., 79:535-542, 1999b.
  • McCLUNG, G. & FRANKENBERGER Jr., W.T. Soil nitrogen transformations as affected by salinity. Soil Sci., 139:405-411, 1985.
  • PÖTTKER, D. & TEDESCO, M.J. Efeito do tipo e tempo de incubação sobre a mineralização da matéria orgânica e nitrogênio total em solos do Rio Grande do Sul. R. Bras. Ci. Solo, 3:20-24, 1979.
  • SILVA, C.A.; VALE, F.R. & GUILHERME, L.R.G. Efeito da calagem na mineralização do nitrogênio em solos de Minas Gerais. R. Bras. Ci. Solo, 18: 471-476, 1994.
  • STANFORD, G. & SMITH, S.J. Nitrogen mineralization potentials of soil. Soil Sci. Soc. Am. J., 36: 465-471, 1972.
  • STEVENSON, F.J. Cycles of soil: carbon, nitrogen, phosphorus, sulfur, micronutrients. New York, John Wiley & Sons, 1986. 379p.
  • RAIJ, B. van; QUAGGIO, J.A.; CANTARELLA, H.; FERREIRA, M.E.; LOPES, A.S. & BATAGLIA, O.C. Análise química do solo para fins de fertilidade. Campinas, Fundação Cargill, 1987. 170p.
  • RAIJ, B. van; GHEYI, H. R. & BATAGLIA, O.C. Determinação da condutividade elétrica e de cátions solúveis em extratos aquosos de solos. In: RAIJ, B. van; ANDRADE, J.C.; CANTARELLA, H. & QUAGGIO, J.A., eds. Análise química para avaliação da fertilidade de solos tropicais. Campinas, Instituto Agronômico de Campinas, 2001. p.277-284.
  • REIS, T.C. & RODELLA, A.A. Cinética de degradação da matéria orgânica e variação do pH do solo sob diferentes temperaturas. R. Bras. Ci. Solo, 26:619-626, 2002.
  • TISDALE, S.L.; NELSON, W.L. & BEATON, J.D. Soil fertility and fertilizers. 4.ed. New York, Macmillan Publishing Company, 1985. 754p.
  • 1
    Trabalho apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciência do Solo realizado em Ribeirão Preto-SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2006
    • Recebido
      Mar 2004
    Sociedade Brasileira de Ciência do Solo Secretaria Executiva , Caixa Postal 231, 36570-000 Viçosa MG Brasil, Tel.: (55 31) 3899 2471 - Viçosa - MG - Brazil
    E-mail: sbcs@ufv.br