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Relações solo-paisagem em uma litosseqüência arenito-basalto na região de Pereira Barreto, SP

Soil-landscape relationships in a sandstone-basalt lithosequence in Pereira Barreto, São Paulo

Resumos

Os objetivos deste trabalho foram estudar as relações solo-paisagem em uma litosseqüência de transição arenito-basalto e verificar a similaridade dos limites de superfícies geomórficas mapeados no campo com os limites mapeados a partir de técnicas geoestatísticas. Foi realizado o mapeamento de uma área de 530 ha, utilizando-se equipamento de GPS, e em seguida elaborou-se o Modelo de Elevação Digital, que possibilitou o estabelecimento da transeção de 2.100 m a partir do topo. Ao longo da transeção, o terreno foi estaqueado a intervalos regulares de 50 m, nos quais foram realizadas medidas da altitude para confecção do perfil altimétrico. As superfícies geomórficas foram identificadas e delimitadas conforme critérios topográficos e estratigráficos, com base em intensas investigações de campo. Coletaram-se amostras de solo em pontos laterais em 67 locais, nas superfícies geomórficas identificadas, nas profundidades de 0,0-0,25 m e 0,80-1,00 m. Além disso, foram abertas trincheiras nos segmentos de vertente inseridos nas superfícies geomórficas mapeadas. As amostras coletadas foram analisadas quanto a densidade do solo, textura, Ca2+, K+, Mg2+, SB, CTC, V, pH (água e KCl), SiO2, Al2O3 e Fe2O3 (ataque por H2SO4), óxidos de Fe "livres" extraído com ditionito-citrato-bicarbonato e ferro mal cristalizado extraídos com oxalato de amônio. A fração argila desferrificada foi analisada por difração de raios X. A compartimentação da paisagem em superfícies geomórficas e a identificação do material de origem mostraram-se bastante eficientes para entendimento da variação dos atributos do solo. A análise individual desses atributos por meio de estatística univariada auxiliou na discriminação das três superfícies geomórficas. O uso de técnicas de geoestatística permitiu a confirmação de que mesmo os atributos do solo apresentaram limites próximos aos das superfícies geomórficas.

superfícies geomórficas; pedogênese; geomorfologia; atributos do solo


The focus of our study were to study soil-landscape relationships in a sandstone-basalt transition lithosequence and to compare the limits of geomorphic surfaces mapped in the field with those mapped by geostatistical techniques. An area of 530 ha was mapped using GPS equipment in order to generate a model of digital elevation, which allowed for the establishment of a transection of 2.100 m from the hill top downwards. Along the transection, the altitude was measured at 50 m regular intervals to construct the elevation profile. The geomorphic surfaces were identified and delimited according to topographic and stratigraphic criteria based on detailed field investigations. Soil samples were collected at 67 points of the identified geomorphic surfaces, in the 0.0-0.25 m and 0.80-1.00 m depths. Besides, trenches were opened in the slope segments of the mapped geomorphic surfaces. The samples were analyzed for bulk density, texture, Ca, K, Mg, SB, CEC, V%, pH (water and KCl), SiO2, Al2O3 and Fe2O3 (H2SO4 attack), and "free" iron oxides extracted with dithionite-citrate-bicarbonate, while poorly crystallized iron was extracted with ammonium oxalate. The iron-free clay fraction was analyzed by x-ray diffraction. The compartmentalization of the area in geomorphic surfaces and the identification of the parent material explained well the variation in the soil attributes. An individual analysis of the soil attributes by univariate statistics contributed to the discrimination of the three geomorphic surfaces. Geostatistical techniques confirmed the agreement of the limits determined by individualized soil attributes with those of the geomorphic surfaces.

geomorphic surface; pedogenesis; geomorphology; soil attributes


SEÇÃO V - GÊNESE, MORFOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

Relações solo-paisagem em uma litosseqüência arenito-basalto na região de Pereira Barreto, SP1 1 Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Estadual Paulista – FCAV/UNESP.

Soil-landscape relationships in a sandstone-basalt lithosequence in Pereira Barreto, São Paulo

Milton César Costa CamposI; José Marques JúniorII; Gener Tadeu PereiraIII; Rafael MontanariIV; Livia Arantes CamargoV

IProfessor Assistente do Instituto Agricultura e Ambiente, Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Rua 29 de Agosto 786, Bairro Espírito Santo, CEP 69460-000 Humaitá (AM). E-mails: mcesar@ufam.edu.br; agromccc@yahoo.com.br

IIProfessor do Departamento de Solos e Adubos, FCAV/UNESP. E-mail: marques@fcav.unesp.br

IIIProfessor do Departamento de Ciências Exatas, FCAV/UNESP. E-mail: genertp@fcav.unesp.br

IVDoutorando em Agronomia (Sistema de Produção), FEIS/UNESP. E-mail: rafamontana@hotmail.com

VMestranda em Agronomia (Produção Vegetal), FCAV/UNESP. E-mail: li_arantes@yahoo.com.br

RESUMO

Os objetivos deste trabalho foram estudar as relações solo-paisagem em uma litosseqüência de transição arenito-basalto e verificar a similaridade dos limites de superfícies geomórficas mapeados no campo com os limites mapeados a partir de técnicas geoestatísticas. Foi realizado o mapeamento de uma área de 530 ha, utilizando-se equipamento de GPS, e em seguida elaborou-se o Modelo de Elevação Digital, que possibilitou o estabelecimento da transeção de 2.100 m a partir do topo. Ao longo da transeção, o terreno foi estaqueado a intervalos regulares de 50 m, nos quais foram realizadas medidas da altitude para confecção do perfil altimétrico. As superfícies geomórficas foram identificadas e delimitadas conforme critérios topográficos e estratigráficos, com base em intensas investigações de campo. Coletaram-se amostras de solo em pontos laterais em 67 locais, nas superfícies geomórficas identificadas, nas profundidades de 0,0–0,25 m e 0,80–1,00 m. Além disso, foram abertas trincheiras nos segmentos de vertente inseridos nas superfícies geomórficas mapeadas. As amostras coletadas foram analisadas quanto a densidade do solo, textura, Ca2+, K+, Mg2+, SB, CTC, V, pH (água e KCl), SiO2, Al2O3 e Fe2O3 (ataque por H2SO4), óxidos de Fe "livres" extraído com ditionito-citrato-bicarbonato e ferro mal cristalizado extraídos com oxalato de amônio. A fração argila desferrificada foi analisada por difração de raios X. A compartimentação da paisagem em superfícies geomórficas e a identificação do material de origem mostraram-se bastante eficientes para entendimento da variação dos atributos do solo. A análise individual desses atributos por meio de estatística univariada auxiliou na discriminação das três superfícies geomórficas. O uso de técnicas de geoestatística permitiu a confirmação de que mesmo os atributos do solo apresentaram limites próximos aos das superfícies geomórficas.

Termos de indexação: superfícies geomórficas, pedogênese, geomorfologia, atributos do solo.

SUMMARY

The focus of our study were to study soil-landscape relationships in a sandstone-basalt transition lithosequence and to compare the limits of geomorphic surfaces mapped in the field with those mapped by geostatistical techniques. An area of 530 ha was mapped using GPS equipment in order to generate a model of digital elevation, which allowed for the establishment of a transection of 2.100 m from the hill top downwards. Along the transection, the altitude was measured at 50 m regular intervals to construct the elevation profile. The geomorphic surfaces were identified and delimited according to topographic and stratigraphic criteria based on detailed field investigations. Soil samples were collected at 67 points of the identified geomorphic surfaces, in the 0.0–0.25 m and 0.80–1.00 m depths. Besides, trenches were opened in the slope segments of the mapped geomorphic surfaces. The samples were analyzed for bulk density, texture, Ca, K, Mg, SB, CEC, V%, pH (water and KCl), SiO2, Al2O3 and Fe2O3 (H2SO4 attack), and "free" iron oxides extracted with dithionite-citrate-bicarbonate, while poorly crystallized iron was extracted with ammonium oxalate. The iron-free clay fraction was analyzed by x-ray diffraction. The compartmentalization of the area in geomorphic surfaces and the identification of the parent material explained well the variation in the soil attributes. An individual analysis of the soil attributes by univariate statistics contributed to the discrimination of the three geomorphic surfaces. Geostatistical techniques confirmed the agreement of the limits determined by individualized soil attributes with those of the geomorphic surfaces.

Index terms: geomorphic surface, pedogenesis, geomorphology, soil attributes.

INTRODUÇÃO

As diferentes feições da superfície terrestre expressas pelo relevo em várias escalas provocam variações nos atributos do solo em magnitudes diferenciadas, dependentes principalmente de um local específico da paisagem (Schoorl et al., 2000). Além disso, fatores da hidrologia, litologia e as condições climáticas também são responsáveis por essa variabilidade (Stolt et al., 1993), principalmente quando associados aos acontecimentos geológicos e geomorfológicos históricos, que influenciam a dinâmica de ocorrência e o grau de evolução dos solos nas paisagens.

Conceitualmente, superfície geomórfica é uma porção de terra definida no tempo e no espaço, com limites geográficos definidos e caráter tempo-dependente (Ruhe, 1969; Daniels et al., 1971). Esse conceito, associado aos estudos de variabilidade espacial dos atributos do solo, constitui um instrumento auxiliar na identificação de áreas mais homogêneas e elaboração de levantamentos pedológicos, assim como facilita a compreensão da distribuição espacial dos solos na paisagem, visando o planejamento do seu uso (Teramoto et al., 2001; Motta et al., 2002). De acordo com Cunha et al. (2005), trabalhos dessa natureza apresentam maior abrangência, pois permitem entender aspectos do solo ligados aos fatores material de origem, relevo e tempo.

Marques Júnior & Lepsch (2000) e Pachepsky et al. (2001) destacaram a importância da segmentação da vertente no entendimento dos processos que envolvem o movimento e armazenamento de água dentro do perfil do solo e, ainda, sua relação com o transporte e a deposição de sedimentos, de maneira a provocar variabilidade espacial nos atributos do solo. De acordo com Mulla & McBratney (1999) e Park & Burt (2002), os aspectos topográficos do terreno são os mais importantes indicadores da variação das propriedades do solo. Por sua vez, o entendimento do solo como um corpo natural que possui variação tridimensional e que se origina a partir da inter-relação dos fatores de formação e sob a ação dos processos pedogenéticos favorece a compreensão da geografia dos solos, assim como a predição do comportamento destes (Bockheim et al., 2005), principalmente em locais onde há variações de material de origem, relevo e tempo, o que justifica o presente estudo.

Vários trabalhos têm investigado a influência do relevo, do tempo e do material de origem na variação espacial dos atributos do solo, dentre os quais podem-se destacar os estudos feitos por Marques Júnior & Lepsch (2000) em solos desenvolvidos de arenito em Monte Alto, SP, e o trabalho de Cunha et al. (2005) sobre as relações solo-geomorfologia em áreas de transição arenito-basalto, relacionando a variabilidade espacial dos atributos do solo com os compartimentos de relevo. Deve-se ressaltar que a compreensão dessas relações facilita a previsão da ocorrência dos diferentes corpos de solo na paisagem (Young & Hammer, 2000).

Com base nas considerações supracitadas, este trabalho foi realizado com o objetivo de relacionar os solos com as superfícies geomórficas em uma litosseqüência de transição arenito-basalto para identificação de áreas específicas mais homogêneas, a fim de subsidiar levantamentos pedológicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Meio físico

A área de estudo localiza-se na província geomorfológica do Planalto Ocidental Paulista, no município de Pereira Barreto, nordeste do Estado de São Paulo; o centro da área de estudo apresentava as coordenadas geográficas: 20 º 35 ' 10 " S e 51 º 11 ' 02 " W. O relevo é predominantemente plano a suave ondulado, com declividades variando de 3 a 6 cm m-1 e altitude oscilando entre 335 e 385 m. Nessa área predominam os Latossolos, distribuídos ao longo das vertentes, com perfis retilíneos e convexos (IPT, 1981a). Nas posições mais elevadas e planas dessas colinas encontram-se os Latossolos Vermelhos textura média, cujo material de origem derivou-se principalmente de arenitos da Formação Santo Anastácio, e estes transicionam, encosta abaixo, para Latossolos Vermelhos eutroférricos textura argilosa, originados principalmente dos produtos da alteração dos basaltos Formação Serra Geral (IPT, 1981b).

O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo tropical chuvoso de bosque, com chuvas de verão e estiagem no inverno (Aw), temperaturas variando entre 26,8 e 21,2 ºC e precipitação média anual de 1.128 mm, com chuvas concentradas no período de novembro a fevereiro. A vegetação original era caracterizada por floresta tropical subcaducifólia, estando atualmente sob manejo de transição de pastagem para cultivo de cana-de-açúcar.

Métodos de campo, laboratório e escritório

Foi realizado o mapeamento de uma área de 530 ha, utilizando-se equipamento de Sistema de Posicionamento Global (GPS). Elaborou-se o Modelo de Elevação Digital (MED) com o auxílio do programa Suffer 8.0 (Golden Software Inc., 1999), o que, juntamente com os trabalhos de campo, auxiliou no estabelecimento de uma transeção a partir do espigão da vertente no sentido do caimento mais suave do declive, a uma distância de 2.100 m do topo da paisagem (Figura 1). Ao longo da transeção, o terreno foi estaqueado a intervalos regulares de 50 m, e esses pontos foram georreferenciados para a confecção do perfil altimétrico.


As superfícies geomórficas foram identificadas e delimitadas no campo, conforme critérios preconizados por Ruhe (1969) e Daniels et al. (1971). As unidades de vertente (Figura 2) foram classificadas de acordo com o modelo de Dalrymple et al. (1968).


Foram abertas cinco trincheiras seguindo o transecto a partir do espigão da vertente, inseridas nas superfícies mapeadas. A identificação dos horizontes, a descrição morfológica e a coleta de amostras dos horizontes dos solos foram realizadas conforme Santos et al. (2005). Os solos foram classificados segundo critérios estabelecidos pelo SiBCS (Embrapa, 2006).

Coletaram-se áreas laterais das superfícies geomórficas, em relação à transeção, totalizando 134 amostras de solo, sendo 67 na profundidade de 0,0–0,25 m e 67 na de 0,80–1,00 m. O critério de escolha dessas duas profundidades é que na primeira profundidade há grande influência do manejo sobre os atributos e a segunda profundidade é menos influenciada pelo manejo e mais próxima dos horizontes pedogenéticos. A quantidade de amostras de solo coletadas por superfície foi distribuída da seguinte maneira: 29 amostras de solo na superfície geomórfica I, 22 amostras na superfície geomórfica II e 16 amostras na superfície geomórfica III. O menor número de amostras coletadas nesta última superfície deve-se à presença da camada de impedimento na profundidade de 0,50 m, onde ocorrem os Neossolos Litólicos.

A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta, empregando uma solução de NaOH 0,1 N como dispersante químico e agitação mecânica em aparato de baixa rotação por 16 h, seguindo método proposto pela Embrapa (1997). A fração argila foi separada por sedimentação gravitacional; a areia grossa e fina, por tamisação; e o silte, calculado por diferença. Foram coletados anéis volumétricos para determinação da porosidade do solo, utilizando a mesa de tensão; as mesmas amostras foram usadas para avaliar a densidade do solo pelo método do volume conhecido (Embrapa, 1997).

Cálcio, Mg e K trocáveis e P disponível foram extraídos utilizando-se o método da resina trocadora de íons (Raij et al., 1987); a matéria orgânica foi determinada segundo Embrapa (1999). Com base nos resultados das análises químicas, foram calculadas as somas de bases (SB), a capacidade de troca catiônica (CTC) e a saturação por bases (V).

O pH foi determinado potenciometricamente, utilizando-se relação 1:2,5 de solo: água e KCl (Embrapa, 1999).

Os óxidos do ataque sulfúrico (SiO2, Al2O3, Fe2O3) foram determinados segundo o método proposto pela Embrapa (1997). Os óxidos de ferro livres (Fed) foram extraídos com ditionito-citrato-bicarbonato (Mehra & Jackson, 1960); o ferro mal cristalizado foi extraído com oxalato ácido de amônio, segundo Camargo et al. (1986).

O sistema caulinita-gibbsita foi obtido pelo método de análise da fração argila desferrificada, por difração de raios X, pelo método do pó (Camargo et al., 1986). O difratômetro utilizado foi o HZG–4/B, empregando-se cátodo de Cu com filtro de Ni e radiação K (20 mA, 30 Kv), com velocidade de varredura empregada de 1 º2 q/minuto. A relação Ct/(Ct + Gb) foi calculada empregando-se as áreas dos reflexos Ct (001) e Gb (002).

Os dados das amostras coletadas nas áreas das superfícies geomórficas, laterais à transeção, foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de t Student a 5 %, utilizando-se o programa estatístico SAS (Schlotzhaver & Littell, 1997). Além disso, foram confeccionados semivariogra-mas, os quais foram ajustados por meio do programa GS+ (Robertson, 1998). Posteriormente, esses modelos foram usados no desenvolvimento de mapas de isolinhas (krigagem); na elaboração dos mapas de distribuição espacial das variáveis foi utilizado o programa Surfer (Golden Software Inc., 1999).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base nos conceitos de Ruhe (1969) e Daniels et al. (1971), foram localizadas e mapeadas três superfícies geomórficas (I, II e III). A primeira e a terceira são consideradas a mais velha e a mais nova, respectivamente (Figura 1).

A superfície geomórfica I é formada por uma pequena área plana no interflúvio de maior altitude regional (385 m). Esta superfície, de caráter deposicional, assemelha-se àquelas descritas por Marques Júnior & Lepsch (2000) e Cunha et al. (2005). A segunda superfície geomórfica se estende na forma de um plano inclinado a partir das bordas da primeira superfície, em razão da suave inclinação, provavelmente originada a partir de processos erosionais pretéritos. A superfície geomórfica III inicia-se na borda da superfície geomórfica II e caracteriza-se por uma declividade mais acentuada que as anteriores, com predominância de relevo suave ondulado, estendendo-se até o fundo do vale, apresentando caráter erosional residual (Figuras 1 e 2).

Foram também identificados e mapeados os segmentos de vertente, segundo os critérios de Dalrymple et al. (1968), que estabelece cinco unidades hipotéticas de vertente, as quais podem estar parcialmente ausentes ou repetidas na encosta. Isso propiciou uma visão mais detalhada da área, cujos aspectos estão fortemente ligados ao conceito morfológico de superfície e a processos contemporâneos da paisagem (Marques Júnior & Lepsch, 2000). Assim, a superfície geomórfica I é constituída pelo topo: área mais elevada e plana na paisagem. Na área levemente inclinada localizada na porção final da superfície I, tem início a superfície geomórfica II, constituída pela meia encosta, com altitudes variando entre 383 e 370 m. A superfície geomórfica III, que possui cotas de altitudes variando entre 369 e 335 m, é formada por ombro, escarpa e sopé de transporte (Figura 2).

O solo predominante no topo da superfície geomórfica I é o Latossolo Vermelho distrófico típico textura média A proeminente, desenvolvido de arenitos da Formação Santo Anastácio, Grupo Bauru. Na superfície geomórfica II, no segmento da meia encosta encontra-se o Latossolo Vermelho eutrófico típico textura média A proeminente, transição entre os arenitos da Formação Santo Anastácio e os basaltos da Formação Serra Geral. No ombro da paisagem, inserido na superfície geomórfica III, predomina o Latossolo Vermelho eutrófico chernossólico textura média. Na escarpa desta superfície ocorre o Neossolo Litólico eutrófico típico textura média A moderado, e no sopé de transporte, o Latossolo Vermelho eutroférrico chernossólico textura argilosa; os solos desta superfície foram desenvolvidos dos produtos da alteração dos basaltos da Formação Serra Geral (Figura 2).

Os resultados referentes aos atributos físicos e químicos estudados nos perfis descritos são apresentados no quadro 1. Observa-se que a soma de bases (SB), a capacidade de troca catiônica (CTC) e a saturação por bases (V %) apresentaram tendência crescente no sentido das superfícies geomórficas mais rejuvenescidas, na transeção, refletindo a influência do material de origem dos solos. Comparando os solos das superfícies geomórficas I, II e III, observa-se que a SB, CTC e V apresentaram diferenças significativas entre si (Quadro 3). Quanto aos resultados dos segmentos de vertente, observa-se que a escarpa e o sopé de transporte, ambos na superfície geomórfica III, apresentaram os valores mais elevados de SB, CTC e V, quando comparados aos demais segmentos, e o topo da paisagem foi o local que apresentou os menores valores para esses atributos (Quadro 1). Resultados similares foram encontrados por Coelho et al. (1994) e Cunha et al. (2005) em solos transicionais de arenito para basalto. Os valores do pH e da MO foram mais elevados nas superfícies geomórficas II e III, não diferindo estatisticamente entre si, porém com diferença estatística da superfície geomórfica I.




Os resultados dos atributos granulométricos nos perfis da transeção mostraram o mesmo comportamento das amostras laterais coletadas nas áreas das superfícies geomórficas (Quadros 1 e 3). Observa-se que os conteúdos de argila do horizonte B foram crescentes dos solos da superfície geomórfica I para os da superfície geomórfica III, fato que está associado à variação do material de origem e à ação do intemperismo, conforme ressaltam Graham & Buol (1990). No tocante aos conteúdos de areia grossa, areia fina e areia total, o comportamento foi contrário a essa tendência. Ressalta-se que os valores de argila e areia, similarmente aos atributos químicos, não diferiram estatisticamente entre as superfícies geomórficas I e II (Quadro 3).

A relação silte/argila, que auxilia na mensuração do grau de intemperização de solo (Anjos et al., 1998), apresentou tendência coincidente com a idade relativa das superfícies geomórficas, com valores crescentes no sentido da superfície geomórfica III (Quadros 1 e 3). Entre os segmentos de vertente, os maiores valores da relação silte/argila foram encontrados nos solos da escarpa e no sopé de transporte, influenciados grandemente pelo declive mais acentuado, o que dificulta a ação do intemperismo. Anjos et al. (1998), estudando a gênese de solos e suas relações com as paisagens no Sudeste do Brasil, afirmaram que as superfícies geomórficas definem as taxas de intemperismo, o grau de desenvolvimento do solum e o comportamento dos fluxos de água, que, por sua vez, coordenam os processos de iluviação e acúmulo de cátions.

O balanço de cargas líquidas negativas, expresso pelo DpH no horizonte B, apresentou seus maiores valores nos solos da superfície geomórfica III, o que está de acordo os maiores valores Ki desse segmento, corroborando a tendência de que na superfície mais rejuvenescida ou jovem ocorrem solos com menor grau de evolução (Quadros 1 e 2).

Os teores de Fe total (Fes) crescentes da superfície geomórfica I para III confirmam a transição litológica arenito-basalto (Quadro 2). A relação Feo/Fed variou de 0,07 a 0,23, sendo os maiores valores encontrados nos solos do sopé e escarpa da paisagem (superfície geomórfica III). De acordo com Kämpf et al. (1995) e Alleoni & Camargo (1995), quanto maiores os valores dessa relação, menor o grau de cristalinidade dos compostos de ferro e, portanto, menos evoluído é o solo, pois essa relação exprime a evolução do elemento no solo e evidencia, entre outros fatores, o grau de seu intemperismo.

A relação Fed/Fes (Quadro 2) apresentou valores decrescentes dos solos da superfície geomórfica I para a III, confirmando o maior grau de evolução dos solos da superfície mais velha. Esses resultados estão em consonância com aqueles encontrados por Marques Júnior & Lepsch (2000) e Cunha et al. (2005), reforçando a idéia de que os solos têm a idade da superfície geomórfica em que eles ocorrem (Daniels et al., 1971), embora seja possível a ocorrência de solos jovens nas superfícies mais antigas e solos mais velhos em superfícies mais jovens.

Os resultados da relação Ct/(Ct + Gb) mostraram tendência de decréscimo da superficie geomórfica I para a superficie III, porém em menor magnitude que em alguns trabalhos encontrados na literatura (Fontes & Weed, 1991; Cunha et al., 2005). Um fato que pode ter influenciado a baixa expressão da gibbsita, principalmente nos solos da superfície III, pode estar relacionado com a presença de minerais primários relativamente mais ricos em silício, que são liberados para solução do solo em quantidade suficiente para inibir a formação de minerais gibbsíticos (Coelho & Vidal-Torrado, 2003). De acordo com Lepsch et al. (1977) e Furian et al. (2002), a dissolução do quartzo, presente nas frações areia fina e silte, é a principal fonte de sílica, que fornece continuamente teores moderados de ácido monossilícico.

Por meio da espacialização dos atributos do solo (textura e química) propiciada pela análise geoestatística, pode-se observar que a distribuição dos atributos diagnósticos do solo usados na classificação possui limites próximos àqueles das superfícies geomórficas enquanto corpos naturais, ou seja, o padrão de comportamento dos atributos do solo tem concordância espacial com as superfícies geomórficas (Figuras 3 e 4). Segundo Trangmar et al. (1985), o uso adequado das técnicas geoestatísticas fornece informações importantes sobre a gênese e a evolução do solo nas paisagens, podendo subsidiar levantamentos pedológicos, além de estabelecer limites entre classes taxonômicas de solos.



Observa-se a formação de três ambientes distintos, correspondente às três superfícies geomórficas (Figura 4); a superfície geomórfica mais jovem foi aquela que apresentou maior variabilidade dos seus atributos (predomínio de várias classes de cores e maior proximidade das isolinhas), e a superfície geomórfica antiga foi a mais estável e de menor variação espacial, concordando com os conceitos apregoados por Daniels et al. (1971). Esse comportamento foi semelhante em ambas as profundidades (0,00–0,25 m e 0,80–1,00 m), evidenciando a ação determinante dos fatores e processos pedogenéticos no comportamento dos solos, com destaque principalmente para o relevo, que coordena e direciona os fluxos de água no perfil do solo, e para o material de origem, que dita as condições químicas e físicas do solo (Anjos et al., 1998). Entretanto, segundo Cunha et al. (2005), o tempo e o material de origem são os principais fatores responsáveis pelo padrão de comportamento dos atributos do solo.

CONCLUSÕES

1. A compartimentação da paisagem em superfícies geomórficas e a identificação do material de origem mostraram-se bastante eficientes para o entendimento da variação dos atributos do solo.

2. A análise individual dos atributos do solo, por meio de estatística univariada, auxiliou na discriminação das três superfícies geomórficas.

3. O uso de técnicas de geoestatística permitiu a confirmação de que os atributos do solo apresentaram limites próximos aos das superfícies geomórficas.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em janeiro de 2006 e aprovado em fevereiro de 2007.

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  • 1
    Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Estadual Paulista – FCAV/UNESP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2006
    • Aceito
      Fev 2007
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