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Evolução e gênese de um Plintossolo Pétrico concrecionário êutrico argissólico no município de Ouro Verde de Goiás

Evolution and genesis of a petroferric eufrophic alfisol in Ouro Verde de Goiás, Brazil

Resumos

Solos concrecionários (Plintossolo Pétrico concrecionário) nas Regiões Central e Norte do Brasil são muito comuns, ocorrendo em áreas baixas e nas bordas das chapadas, constituindo geralmente solos distróficos,pobres em nutrientes. A ocorrência de solo concrecionário eutrófico no município de Ouro Verde de Goiás, em área de borda de chapada motivou esta pesquisa, desenvolvida com a finalidade de verificar a relação eutrofia/solo/material litológico subjacente, provável fonte das bases trocáveis. As relações pedológicas e geoquímicas do solo com as concreções e a rocha de origem foram pesquisadas por meio de determinações da constituição química total dos elementos maiores, utilizando ICP-AES (espectrometria de emissão atômica por plasma acoplado indutivamente), análise mineralógica da fração argila por DRX, análise mineralógica da fração areia, além da caracterização analítica de rotina em pedologia. Os resultados analíticos de amostras de rocha, concreções ferruginosas e TFSA, as relações moleculares Ki e Kr e bases/R2O3 e a relação Zr/Ti são abordados e discutidos. Ocorrências mais significativas quanto a alguns elementos móveis são creditadas ao conteúdo elevado de matéria orgânica no horizonte superficial do solo, ao acúmulo residual de quartzo e à contribuição de material externo nos horizontes superiores . A relação solo/material litológico subjacente indica para o perfil de origem a partir de um metatonalito, atribuindo-se ao material petroplíntico presente na porção superior do solo, origem relacionada à desagregação e arraste de materiais relacionados à Superfície de Aplanamento Sul-Americana.

pedologia; formação do solo; concreções ferruginosas; material de origem; petroplintita


The occurrence of concretionary soils in the Central and Northern Brazil is very common. They are found in low areas and on plateau edges, usually constituting dystrophic soils,poor in nutrients. The finding of an eutrophicc concretionary soil in the edge of a plateau in Ouro Verde de Goiás stimulated this research, which had the purpose of verifying the relationship between the soil eutrophic conditions and the underlying lithologic material, the probable source of the exchangeable bases. The pedologic and geochemical relationships of the soil with concretions and parent rock were investigated by determining the total major element content by ICP-AES (inductively coupled plasma - atomic emission spectrometry), mineralogical analysis of the clay fraction by DRX, mineralogical analysis of sand fractions, besides standard analysis procedures used in pedology studies. The analytical results of rock samples, concretions and soil, the molecular relationships Ki and Kr, basic cations/R2O3 and the Zr/Ti relationship were described and discussed. The higher contents of some soluble elements were ascribed to the high organic matter content in the surface horizon, to the residual accumulation of quartz, and the contribution of external. The relationship soil/parent material indicated that the profile was originated from a metatonalite and the concretionary horizons in the upper part of the soil were originated by soil disaggregation and transport of material related to the South American Plain Surface.

ironstones; parent material; pedology; petroplinthite; soil formation


SEÇÃO V - GÊNESE, MORFOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

Evolução e gênese de um Plintossolo Pétrico concrecionário êutrico argissólico no município de Ouro Verde de Goiás1 1 Extraído da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Goiás - UFG.

Evolution and genesis of a petroferric eufrophic alfisol in Ouro Verde de Goiás, Brazil

Hilton Lenzi MoreiraI; Virlei Álvaro de OliveiraII

IGeólogo da Fundação IBGE. Unidade Estadual de Goiás. Av. 85 nº 971 Setor Sul. CEP 74160-011 Goiânia (GO). E-mail: hlmoreira@ibge.gov.br

IIEngenheiro-Agrônomo, Doutor em Geociências. Fundação IBGE. Unidade Estadual de Goiás. E-mail: virlei@ibge.gov.br

RESUMO

Solos concrecionários (Plintossolo Pétrico concrecionário) nas Regiões Central e Norte do Brasil são muito comuns, ocorrendo em áreas baixas e nas bordas das chapadas, constituindo geralmente solos distróficos,pobres em nutrientes. A ocorrência de solo concrecionário eutrófico no município de Ouro Verde de Goiás, em área de borda de chapada motivou esta pesquisa, desenvolvida com a finalidade de verificar a relação eutrofia/solo/material litológico subjacente, provável fonte das bases trocáveis. As relações pedológicas e geoquímicas do solo com as concreções e a rocha de origem foram pesquisadas por meio de determinações da constituição química total dos elementos maiores, utilizando ICP-AES (espectrometria de emissão atômica por plasma acoplado indutivamente), análise mineralógica da fração argila por DRX, análise mineralógica da fração areia, além da caracterização analítica de rotina em pedologia. Os resultados analíticos de amostras de rocha, concreções ferruginosas e TFSA, as relações moleculares Ki e Kr e bases/R2O3 e a relação Zr/Ti são abordados e discutidos. Ocorrências mais significativas quanto a alguns elementos móveis são creditadas ao conteúdo elevado de matéria orgânica no horizonte superficial do solo, ao acúmulo residual de quartzo e à contribuição de material externo nos horizontes superiores . A relação solo/material litológico subjacente indica para o perfil de origem a partir de um metatonalito, atribuindo-se ao material petroplíntico presente na porção superior do solo, origem relacionada à desagregação e arraste de materiais relacionados à Superfície de Aplanamento Sul-Americana.

Termos de indexação: pedologia, formação do solo, concreções ferruginosas, material de origem, petroplintita.

SUMMARY

The occurrence of concretionary soils in the Central and Northern Brazil is very common. They are found in low areas and on plateau edges, usually constituting dystrophic soils,poor in nutrients. The finding of an eutrophicc concretionary soil in the edge of a plateau in Ouro Verde de Goiás stimulated this research, which had the purpose of verifying the relationship between the soil eutrophic conditions and the underlying lithologic material, the probable source of the exchangeable bases. The pedologic and geochemical relationships of the soil with concretions and parent rock were investigated by determining the total major element content by ICP-AES (inductively coupled plasma – atomic emission spectrometry), mineralogical analysis of the clay fraction by DRX, mineralogical analysis of sand fractions, besides standard analysis procedures used in pedology studies. The analytical results of rock samples, concretions and soil, the molecular relationships Ki and Kr, basic cations/R2O3 and the Zr/Ti relationship were described and discussed. The higher contents of some soluble elements were ascribed to the high organic matter content in the surface horizon, to the residual accumulation of quartz, and the contribution of external. The relationship soil/parent material indicated that the profile was originated from a metatonalite and the concretionary horizons in the upper part of the soil were originated by soil disaggregation and transport of material related to the South American Plain Surface.

Index terms: ironstones, parent material, pedology, petroplinthite, soil formation.

INTRODUÇÃO

A Região Central do Brasil apresenta extensas superfícies de erosão, notadamente na região do Distrito Federal e nos municípios de Luziânia, Anápolis, Abadiânia e Alexânia em Goiás, entre outros, que se caracterizam pela expressiva dominância de Latossolos. Em tais áreas é comum a presença subordinada de Plintossolos Pétricos Concrecionários.

A origem de concreções ferruginosas nos solos tem sido atribuída, de forma generalizada, às condições de variações sazonais do lençol freático. Este, inicialmente elevado, propicia a redução do ferro com a sua retirada parcial do sistema, mobilização, transporte e concentração. Posteriormente, em épocas secas, a oxidação forma plintitas constituídas por mistura de argila pobre em C orgânico e rica em ferro e alumínio, segregada sob a forma de manchas vermelhas, que, com a retirada do lençol freático, apresentam endurecimento constituindo concreções ferruginosas ou petroplintitas. Atualmente tem sido atribuído aos solos concrecionários e às couraças e crostas ferruginosas, que ocorrem bordejando as antigas superfícies de erosão, origem do movimento lateral de água contendo óxido de Fe.

Os Plintossolos Pétricos Concrecionários são comuns nas Regiões Central e Norte do Brasil, sendo usualmente pobres quanto à fertilidade natural e, devido ao impedimento, à mecanização e à penetração de raízes, representada pelas concreções, são normalmente utilizados com pastagens. Localmente, encontram-se solos concrecionários exibindo fertilidade natural elevada quando ocupam encostas com maior declividade e, muitas vezes, relacionadas com bordas de antigas superfícies de erosão ou superfície de aplanamento da região central do Brasil.

Com o avanço da fronteira agrícola e a conseqüente necessidade de ocupação e incorporação das terras aos processos produtivos, áreas com solos férteis ocupadas por manchas de florestas são rapidamente envolvidas pela ação humana e, normalmente, transformadas em pastagens devido ao impedimento à mecanização representado pelas concreções.

Este trabalho pretende investigar uma ocorrência de Plintossolo Pétrico Concrecionário com alta saturação por bases no município de Ouro Verde de Goiás, com a finalidade de verificar o relacionamento entre a condição de eutrofia, o material do solo, o material petroplíntico e o material litológico subjacente. Busca também avaliar a possível contribuição para a formação dos materiais que ocorrem na parte superior da encosta, constituindo testemunhos das extensas superfícies de erosão que ocorrem na Região Central do Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

O material empregado para o desenvolvimento da pesquisa foi um perfil de solo, classificado como Plintossolo Pétrico concrecionário êutrico, argissólico, conforme o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos SiBCS (Embrapa, 2006), que foi caracterizado química, física e morfologicamente junto com o material de origem, no caso a rocha subjacente.

Situa-se a aproximadamente 3 km a norte da rodovia GO 330, em estrada municipal que inicia 500 m do trevo de Ouro Verde de Goiás no ponto de coordenadas: latitude 16 º 12 ' 41 " S e longitude 49 º 10 ' 16 " WGr. O acesso ao perfil é feito por terra, partindo de Goiânia pela rodovia GO 080 até 3 km a norte da cidade de Nerópolis, tomando-se então a rodovia GO 433 em direção à cidade de Ouro Verde de Goiás.

A seleção do perfil de solo foi feita por meio de análise do levantamento de reconhecimento de alta intensidade dos solos da bacia de drenagem do Córrego das Pedras e do Ribeirão Jurubatuba no Estado de Goiás (Oliveira et al., 2003), trabalho no qual é verificada a elevada saturação por bases do referido solo.

Além da descrição morfológica visando sua caracterização, feita com base nas recomendações contidas no Manual de descrição e coleta de solos no campo (Santos et al., 2005) e do Manual técnico de pedologia (Oliveira, 2005), foram coletadas amostras da terra fina, de concreções e rochas subjacentes, que foram enviadas a laboratórios especializados.

A seguir são relacionados os laboratórios utilizados e as respectivas determinações analíticas:

• Acme – Analytical Laboratories Ltd. Vancouver – Canadá: Análise química total e elementos traços.

• Furnas Centrais Elétricas S.A. – Aparecida de Goiânia, GO: Difração de Raio X.

• IBGE – Goiânia, GO: Lâminas petrográficas;

• Solocria – Goiânia, GO: Granulometria, química de rotina, ataque sulfúrico.

• A metodologia empregada nas análises de laboratório, para a TFSA, é a mesma adotada pelo Centro Nacional de Pesquisa de Solos – CNPS, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa (Embrapa, 1997).

• Caracterização mineralógica da fração argila – por meio de difratometria de Raio X. A fração argila foi separada por sedimentação após dispersão com NaOH 0,1 mol L-1. Foi utilizado difratômetro Siemens, modelo D5000 com tubo de cobre.

• Caracterização mineralógica da fração areia – elaborada com utilização de microscópio petrográfico e lupa binocular, em material previamente separado por peneiramento.

Os procedimentos analíticos empregados nas determinações para a TFSA, concreções e rochas foram:

• Análise química total para os macroconstituintes na TFSA, concreções e rocha - realizada utilizando ICP-AES espectrometria de emissão atômica por plasma acoplado indutivamente (Inductively Coupled Plasma – Atomic Emission Spectometry) utilizando aparelho Jarrel Ash AtomComp Modelo 975/Spectro Ciros Vision, determinando os teores de SiO2, TiO2, Al2O3 , Fe2O3, MnO, MgO, CaO, Na2O, K2O, P2O5, Cr2O3, Zr.

• Perda ao fogo (perda de peso por ignição – P.F.) – determinada pelo aquecimento de 1 g da amostra em temperatura de 950 ºC durante 90 min, sendo posteriormente determinada a perda de peso.

• Determinação do C total e S total – por meio do aquecimento em uma caldeira de indução em temperatura maior que 1 650 ºC, ocasionando a volatilização de todo o C e S. O vapor é levado através de célula espectométrica infravermelha e as concentrações são determinadas por absorção dos comprimentos de onda infravermelhos específicos.

As amostras analisadas por meio do ICP foram previamente secas, peneiradas, moídas e pulverizadas, sendo posteriormente misturadas com LiBO2 em recipiente de grafite, aquecidas em forno a 1.050 ºC por 15 min e dissolvidas em ácido nítrico a 5 %. Ao longo do processo são inseridas amostras para medir a precisão analítica, o background e material de referência para medir a precisão em cada grupo de 34 amostras.

Composição mineralógica e a classificação das rochas – realizada por meio da análise de lâminas delgadas descritas em microscópico petrográfico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Morfologia e determinações de rotina

Nos quadros 1 e 2 constam parte da descrição morfológica, de acordo com Lemos & Santos (1984) e Oliveira (2005), e a caracterização analítica do complexo sortivo do perfil de solo estudado, respectivamente.



O perfil foi classificado pelo SiBCS com base na proposta de revisão (Embrapa, 2006) como Plintossolo Pétrico concrecionário êutrico, argissólico, textura argilosa, A proeminente, que ocorre em encosta íngreme de borda de relevo residual, remanescente da antiga superfície de aplanamento sul-americana, também conhecida como superfície pratinha conforme Almeida (1948) e King (1956). Ocorre coberto por vegetação florestal, sendo atualmente utilizado com pastagem. No trabalho desenvolvido por Oliveira et al. (2003), foi classificado pelo SiBCS (Embrapa, 1999) como Plintossolo Pétrico concrecionário eutrófico, classificação esta não mais utilizada em razão das modificações realizadas na estrutura do SiBCS e divulgadas no site da Embrapa Solos em dezembro de 2003 < http://www.cnps.embrapa.br/solosbr/pdfs/doc53–2003–revisao–sbcs.pdf> (Embrapa, 2003).

O material de origem é proveniente da alteração de rochas locais e, segundo o mapa geológico escala 1:100.000 da folha SE.22-X-B-I – Nerópolis (Araújo, 1994), está situado em área de exposição de litologias do Proterozóico Inferior, reunidas no Complexo Granulítico Anápolis-Itauçu, local em que ocorrem rochas ortoderivadas com intercalações de rochas metabásicas, associados a granulitos paraderivados.

Pelos dados de morfologia e determinações analíticas de rotina há que se destacar que não foi detectada nenhuma situação de irregularidade que caracterize descontinuidade litológica, ou seja, descontinuidade na natureza química ou mineralógica no material do solo ou da rocha subjacente que possa indicar alguma interrupção no processo de formação deste solo. Exceção é observada apenas nos valores Ki e Kr (Figuras 1 e 2), porém, segundo os critérios empregados em pedologia (Oliveira, 2005), este fato não caracteriza descontinuidade litológica.



No que concerne à morfologia, notam-se concreções ferruginosas nos horizontes superficiais em quantidade superior a 50 %, que os caracteriza como horizontes concrecionários segundo o SiBCS, e este fato possibilitou o enquadramento do solo como Plintossolo Pétrico concrecionário. O caráter êutrico (S ³ 2,0 cmolc kg -1 e pH em água ³ 5,7) e o caráter argilúvico evidenciados pela cerosidade nos horizontes Btc e Bt, indicando translocação de argila, foram responsáveis pelo seu enquadramento no quarto nível categórico do SiBCS (subgrupos) como êutrico e argissólico.

É importante salientar a presença de veio de quartzo no horizonte Bt, evidenciando que pelo menos a parte inferior deste perfil é formada in situ a partir da rocha subjacente (metatonalito).

Constituição mineralógica da fração argila

A constituição mineralógica da fração argila do horizonte Bt (105–180 cm), determinada utilizando a técnica de difratometria de raios X, pelo método do pó (lâmina não orientada), permitiu a identificação de minerais principais como caulinita, quartzo e gibbsita; mineral subordinado: magnetita; mineral-traço: goethita.

No método da lâmina orientada, foram feitas análises do material natural, glicolado e após calcinação, permitindo a identificação de: caulinita, gibbsita e muscovita.

Constituição mineralógica da fração areia

O quadro 3 contém uma estimativa da constituição mineralógica da fração areia (areia grossa e areia fina) dos horizontes do perfil, com base em métodos ópticos semiquantitativos; observando-se uma diminuição acentuada de minerais primários de média resistência ao intemperismo em detrimento do aumento de minerais de grande resistência, como quartzo e minerais opacos, da rocha para os horizontes superficiais, distribuição coerente em razão dos processos de intemperismo.


As concentrações de quartzo e demais minerais resistentes (opacos) são significativamente mais elevadas na superfície do solo, fato que num primeiro momento é justificado pela diminuição de minerais menos resistentes, como feldspatos. Entretanto, por se tratar de solo situado em local relativamente instável posicionado em encosta íngreme, onde o balanço morfogênese/pedogênese é favorecido no sentido da morfogênese (Tricart, 1968), deve-se esperar eventual contribuição de material externo. A concentração de elementos pesados e resistentes em razão da retirada do material fino e facilmente intemperizável pelos processos de desgaste natural (erosão), à semelhança do processo de acumulação de cascalhos e pedras que ocorre por causa da retirada de material fino da parte superficial dos solos por escoamento concentrado descrito por van Wambeke (2002), pode ter também contribuído para esta situação.

Outra possibilidade a ser considerada é o processo de migração pedogenética de argila . Este fenômeno, verificado de forma incipiente no perfil, é responsável pelo seu caráter argilúvico. Luz et al. (1992), trabalhando com solos abrúpticos do nordeste brasileiro (Luvissolos e Planossolos), atribuem a esse fenômeno a presença mais expressiva de quartzo nos horizontes superficiais dos solos estudados, porém com contribuição de deposição de fontes externas.

Minerais constituintes da rocha ou do saprólito subjacente decrescendo no sentido da frente de intemperismo (base para o topo) mostram o acentuado parentesco entre esses materiais.

Constituição química total

O quadro 4 apresenta resultados da análise química total da rocha, concreções ferruginosas e da TFSA dos horizontes do perfil estudado.


Observando a distribuição dos constituintes pouco móveis, verifica-se aumento nas concentrações de Ti, Al e Fe na TFSA, da rocha para a superfície. O Fe e o Al têm suas concentrações diminuídas nos horizontes Apc-I e ABc-I exibindo distribuição esperada de elementos pouco móveis apenas da rocha até o horizonte Btc-I.

A sílica, por sua vez, também exibe distribuição anômala, pois, embora com decréscimo no sentido da rocha para o horizonte Btc-I, apresenta elevação deste para a superfície. Isso em princípio pode ser justificado pela perda de minerais mais facilmente translocados com conseqüente aumento da concentração relativa de quartzo.

O SiO2 em maiores concentrações nos horizontes superficiais mais intemperizados contraria a seqüência normal de intemperismo, visto que o silício é um elemento móvel que sai do sistema no decorrer desse processo.

Pinto & Kämpf (1997), estudando a gênese de solos originados de rochas ultramáficas no Rio Grande do Sul, atribuem a presença de elementos móveis em concentrações mais elevadas na superfície do solo à contribuição de material de fontes externas.

Sobre a ocorrência de sílica em maior proporção nos horizontes superficiais, Luz et al. (1992), trabalhando com solos com mudança textural abrupta (Luvissolos e Planossolos), referem-se ao fato de que a maior parte da sílica encontra-se na constituição de silicatos e não na forma de quartzo. Assim, nos horizontes superficiais, esses minerais que sofrem eluviação conduzem a um aumento significativo nos teores de quartzo devido à acumulação residual, fato significativo em solos com elevado gradiente textural.

A incipiente translocação de argilominerais (relação textural de 1,18) verificada no perfil, pelo menos isoladamente, acredita-se insuficiente para justificar o acréscimo na concentração de quartzo ocorrido e em conseqüência na sílica total.

A mudança verificada na distribuição da sílica no horizonte Bt é melhor explicada até o momento pelo esgotamento ou quase esgotamento dos minerais primários, por ser este o horizonte de máxima intemperização, portanto nele terminam as perdas da sílica móvel (silicatos) e se inicia a concentração da sílica imóvel (quartzo), quer seja por concentração relativa, quer por aporte externo.

Quanto aos demais elementos móveis, observa-se decréscimo gradativo dos teores de Mg, Ca, K e Na da rocha para a superfície do terreno até o horizonte Bt e, a partir deste, verifica-se aumento nas concentrações de alguns. Originalmente, o perfil de solo encontrava-se sob vegetação de floresta, o que reflete nos teores de C e matéria orgânica relativamente altos nos horizontes superficiais. Portanto, os teores de Ca, Mg, K e P que apresentam elevação significativa nos horizontes superficiais podem ser creditados à ciclagem biogeoquímica, uma vez que essa atividade é mais intensa sob floresta (Marques et al., 2004).

O efeito da biociclagem sobre o fósforo ocorre nos horizontes Apc-I e ABc-I de forma mais pronunciada, uma vez que o teor no horizonte superficial (Apc-I) se assemelha ao valor no substrato, relacionado ao coeficiente de acumulação biológica muito forte deste elemento (Pinto & Kämpf, 1997).

Relações moleculares (Ki, Kr) e bases/R2O3

A relação molecular Ki (SiO2/Al2O3), cuja distribuição pode ser observada na figura 1, foi determinada por meio da análise química total das amostras da rocha, TFSA e concreções, assim como do ataque sulfúrico da TFSA, com a finalidade de mostrar a seqüência de atuação dos processos intempéricos no perfil e avaliar eventuais descontinuidades.

Verifica-se nesta relação uma gradação dos valores dos materiais mais intemperizados na superfície para os menos alterados da rocha, geralmente elevação. Entretanto, para a química total da TFSA deste perfil, esta seqüência se apresenta diferente do esperado, mostrando decréscimo lógico da rocha para o horizonte Bt e aumento deste para a superfície, fato creditado ao aumento do valor da sílica cristalina (quartzo).

No caso das concreções, a seqüência se mostrou lógica, e na fração argila (ataque sulfúrico), verificaram-se dados condizentes com uma mineralogia caulinítico-gibbsítica desta fração em todos os horizontes. Os fatos observados evidenciaram a possível contribuição de material externo na formação da parte superficial do perfil do solo e, por outro lado, uma ausência de relação entre o grau de intemperismo da TFSA e das concreções de cada horizonte.

Os valores da relação molecular Kr (SiO2/Al2O3 + Fe2O3) apresentam-se semelhantes aos do Ki (Figura 2).

Os valores da relação bases/ R2O3, ou seja, K2O + Na2O + CaO+ MgO/Al2O3 + Fe2O3 + TiO2 determinada por análise química total na TFSA de todo o perfil (Figura 3). Observa-se acentuado declínio dos teores do material subjacente para o horizonte Bt, como esperado em uma seqüência normal de intemperismo atuante sobre o material de origem, e aumento substancial deste horizonte para a superfície, em razão da reposição biocíclica dos elementos nutrientes no horizonte A, fato que se confirma, pois o aumento desta relação se deve exclusivamente a elevação dos teores dos elementos nutrientes, ou seja, o Na permanece inalterado (Quadro 4). A mesma relação, determinada apenas nas concreções, apresenta a mesma tendência, obviamente sem a reposição cíclica devido à biociclagem. Nessa figura, foram omitidos os teores presentes na rocha, para ressaltar os valores da TFSA e das concreções.


Relação Zr/Ti

O zircão (ZrSiO4) é um mineral de grande estabilidade, assim como o rutilo (TiO2), a ilmenita (FeTiO3) e a titanita (CaTiO(SiO4)). Por esta razão, os elementos Zr e Ti têm sido utilizados como indicadores da quantidade de material de origem que foi intemperizado para produzir determinado volume de solo, bem como para indicar a ocorrência de descontinuidade litológica no perfil de intemperismo.

Com o objetivo de verificar a descontinuidade litológica, ou contribuição de material externo na formação dos solos, foi analisada a relação entre o zircônio e o titânio nos horizontes dos solos estudados. Verifica-se que a relação Zr/Ti, na TFSA, apresenta leve aumento da rocha para a superfície até o horizonte Btce tornar-se irregular até os horizontes superficiais (Figura 4) . Nas concreções ferruginosas, esta mesma tendência é verificada, o que corrobora a hipótese de contribuição externa de material nos horizontes superficiais desses solos, detectada por teores crescentes de SiO2 (Quadro 4), teores crescentes de quartzo (Quadro 3) e índices Ki e Kr (Figuras 1 e 2).


A relação molecular Ki determinada na fração argila deste solo (ataque sulfúrico), (Figura 1), apresenta-se crescente acima do horizonte Btc, indicando material ligeiramente menos intemperizado, o que corrobora com a hipótese de aporte de material externo. De maneira análoga, a grande diferença no grau de intemperismo (Ki) e na distribuição de alguns constituintes (SiO2) entre a TFSA e as concreções dos horizontes superficiais (Quadro 4) reforça a idéia da mobilização e transporte de material das partes altas (sedimentos e concreções) e deposição na superfície deste solo.

O Plintossolo Pétrico concrecionário êutrico de Ouro Verde de Goiás constitui um solo de evolução in situ, por meio do intemperismo e atuação de processos pedogenéticos, de um material de origem formado a partir de metatonalito, exibindo no horizonte superficial concentrações mais elevadas de elementos móveis como bases (valor S) e SiO2 na forma de quartzo, o que se deve à contribuição externa pela biociclagem (bases), por perda de materiais finos e deposição externa (quartzo), situação facilitada pela posição do perfil na paisagem.

CONCLUSÃO

1. O solo estudado em Ouro Verde de Goiás é em parte de natureza autóctone, originado da alteração do material litológico subjacente (metatonalito), tendo havido em sua porção superior aporte de material externo (material petroplíntico e outros sedimentos).

2. A saturação por bases superior a 50 % (eutrofismo) é devida tanto à herança do material de origem quanto à contribuição da biociclagem nos horizontes superficiais.

3. A natureza química e o grau de intemperismo da TFSA e das concreções permitem concluir que se trata de materiais com formação diferenciada.

4. O posicionamento do perfil em encosta de relevo residual, com presença de material petroplíntico exclusivamente em sua porção superior, permite inferir que as concreções são provenientes de deposição coluvionar. A origem deste material pode ser atribuída à desagregação de sedimentos relacionados à antiga superfície de aplanamento sul-americana.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em agosto de 2006.

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  • 1
    Extraído da Tese de Mestrado do primeiro autor, apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Goiás - UFG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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