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Formas de fósforo no solo após sucessivas adições de dejeto líquido de suínos em pastagem natural

Soil phosphorus forms after successive pig slurry application in a native pasture

Resumos

A suinocultura tem como inconveniente a grande produção de dejetos, os quais são reutilizados como fertilizantes agrícolas, porém, se utilizados em doses excessivas, tornam-se severos poluentes ambientais. O objetivo deste trabalho foi avaliar as formas de acumulação de P em um solo submetido a sucessivas aplicações de doses de dejeto líquido de suínos. O experimento foi instalado em 1995, em uma área cultivada com pastagem natural, que recebeu doses de 0, 20 e 40 m³ ha-1 de dejeto líquido de suínos (DLS), aplicadas em intervalos de 45 a 60 dias durante cinco anos. Em 1999, após 28 aplicações de DLS, que totalizaram 0, 560 e 1.120 m³ ha-1, foram coletadas amostras de solo nas profundidades de 0-2,5, 2,5-5, 5-10, 10-15 e 15-20 cm. A amostra foi seca, moída, passada em peneira de malha de 2 mm e submetida ao fracionamento químico do P pelo método de Hedley. No tratamento testemunha, foi determinada a capacidade máxima de adsorção de fósforo (CMAP), utilizando-se isotermas de adsorção e ajuste matemático pela equação de Langmuir. Os resultados mostraram que o P adicionado ao solo via DLS é acumulado essencialmente em formas inorgânicas, sendo as principais as extraídas por resina trocadora de ânions, NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1 e HCl 1,0 mol L-1.

fósforo orgânico; fracionamento de fósforo; esterco de suínos; poluição ambiental


The swine industry generates large amounts of pig slurry (PS), which is reused as agricultural fertilizer. However, if applied at excessive rates, pig slurry becomes a severe environmental pollutant. The objective of this study was to evaluate forms of soil phosphorus accumulation after successive swine manure applications. The experiment was installed in 1995, in an area of native pasture. Rates of 0, 20 and 40 m³ha-1 of PS were applied periodically (at 45 to 60 days intervals) during five years. In 1999, after 28 PS applications totaling 0, 560 and 1.120 m³ha-1 of PS, soil samples were collected from the layers 0-2.5, 2.5-5.0, 5-10, 10-15, and 15-20 cm. Soil phosphorus in the samples was fractionated using Hedley's fractionation scheme (Hedley et al., 1982). The maximum phosphorus adsorption capacity (MPAC) was determined in soil samples without PS application using the Langmuir model. Results showed that phosphorus added as PS is accumulated essentially in inorganic forms, mainly those extractable by anion exchange resin, NaHCO3 0.5 mol L-1, NaOH 0.1 mol L-1 and HCl 1.0 mol L-1.

Phosphorus forms; phosphorus fractionation; swine manure; environmental pollution


SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE ÁMBIENTAL

Formas de fósforo no solo após sucessivas adições de dejeto líquido de suínos em pastagem natural

Soil phosphorus forms after successive pig slurry application in a native pasture

Luciano Colpo GatiboniI; Gustavo BrunettoII; João KaminskiIII; Danilo dos Santos RheinheimerIII; Carlos Alberto CerettaIII; Claudir José BassoIV

IProfessor da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Av. Luiz de Camões 2090, CEP 88520-000 Lages (SC). Bolsista do CNPq. E-mail: gatiboni@udesc.br

IIPós-Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Av. Roraima 1000, CEP 97105-900 Santa Maria (RS). Bolsista do CNPq. E-mail: gustavobrunetto@hotmail.com

IIIProfessor do Departamento de Solos, UFSM. Bolsista do CNPq. E-mail jk@smail.ufsm.br; danilor@smail.ufsm.br; ceretta@ccr.ufsm.br

IVEngenheiro-Agrônomo, Dr., Responsável técnico da SLC-Agrícola. Rua Bernardo Pires 128, CEP 90620-010 Porte Alegre (RS). E-mail: cjbasso@slc.com.br

RESUMO

A suinocultura tem como inconveniente a grande produção de dejetos, os quais são reutilizados como fertilizantes agrícolas, porém, se utilizados em doses excessivas, tornam-se severos poluentes ambientais. O objetivo deste trabalho foi avaliar as formas de acumulação de P em um solo submetido a sucessivas aplicações de doses de dejeto líquido de suínos. O experimento foi instalado em 1995, em uma área cultivada com pastagem natural, que recebeu doses de 0, 20 e 40 m3 ha-1 de dejeto líquido de suínos (DLS), aplicadas em intervalos de 45 a 60 dias durante cinco anos. Em 1999, após 28 aplicações de DLS, que totalizaram 0, 560 e 1.120 m3 ha-1, foram coletadas amostras de solo nas profundidades de 0–2,5, 2,5–5, 5–10, 10–15 e 15–20 cm. A amostra foi seca, moída, passada em peneira de malha de 2 mm e submetida ao fracionamento químico do P pelo método de Hedley. No tratamento testemunha, foi determinada a capacidade máxima de adsorção de fósforo (CMAP), utilizando-se isotermas de adsorção e ajuste matemático pela equação de Langmuir. Os resultados mostraram que o P adicionado ao solo via DLS é acumulado essencialmente em formas inorgânicas, sendo as principais as extraídas por resina trocadora de ânions, NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1 e HCl 1,0 mol L-1.

Termos de indexação: fósforo orgânico, fracionamento de fósforo, esterco de suínos, poluição ambiental.

SUMMARY

The swine industry generates large amounts of pig slurry (PS), which is reused as agricultural fertilizer. However, if applied at excessive rates, pig slurry becomes a severe environmental pollutant. The objective of this study was to evaluate forms of soil phosphorus accumulation after successive swine manure applications. The experiment was installed in 1995, in an area of native pasture. Rates of 0, 20 and 40 m3 ha-1 of PS were applied periodically (at 45 to 60 days intervals) during five years. In 1999, after 28 PS applications totaling 0, 560 and 1.120 m3 ha-1 of PS, soil samples were collected from the layers 0–2.5, 2.5–5.0, 5–10, 10–15, and 15–20 cm. Soil phosphorus in the samples was fractionated using Hedley's fractionation scheme (Hedley et al., 1982). The maximum phosphorus adsorption capacity (MPAC) was determined in soil samples without PS application using the Langmuir model. Results showed that phosphorus added as PS is accumulated essentially in inorganic forms, mainly those extractable by anion exchange resin, NaHCO3 0.5 mol L-1, NaOH 0.1 mol L-1 and HCl 1.0 mol L-1.

Index terms: Phosphorus forms, phosphorus fractionation, swine manure, environmental pollution.

INTRODUÇÃO

A suinocultura é uma alternativa de incremento de renda em pequenas propriedades com mão-de-obra familiar. Os dejetos produzidos pela suinocultura são utilizados como fertilizantes nas lavouras de culturas anuais e nas pastagens. Contudo, em geral as propriedades têm pequenas extensões de terras e não raramente os dejetos são adicionados em doses superiores à capacidade de retenção do solo; nessas condições, passam de fertilizantes a poluentes ambientais.

Países como França, Holanda e Dinamarca, que são grandes produtores de suínos, têm modificado suas legislações ambientais, visando aumentar a proteção ambiental e impedir o avanço da contaminação do solo e da água (Jongbloed et al., 1999). No Brasil, em Santa Catarina – um dos principais produtores de carne suína – o licenciamento ambiental para implantação ou expansão da suinocultura em uma propriedade só ocorre se o produtor comprovar possuir área de terra suficiente para o descarte dos dejetos produzidos, sendo permitido um máximo de 50 m3 ha-1 ano -1 de dejeto líquido de suínos (FATMA, 2004). No Rio Grande do Sul, o órgão de licenciamento ambiental não estabelece uma dose máxima de DLS a ser aplicada ao solo, mas enfatiza que seu uso como fertilizante deve ter como referencial a quantidade de nutrientes requeridos pelas culturas, baseado em análise de solo (FEPAM, 2004).

Uma das conseqüências ambientais da adição de dejetos ao solo acima de sua capacidade de processamento é a transferência de nutrientes para os ambientes aquáticos, causando a eutrofização das águas (Correll, 1998). Dentre os nutrientes adicionados via DLS, especial atenção deve ser dada ao P, já que este é um dos agentes causadores da eutrofização (Sharpley & Menzel, 1987). Trabalhos têm mostrado que adições freqüentes de dejetos de animais aumentam o teor de P no solo, potencializando a contaminação de mananciais hídricos (Eghball et al., 1996; Ceretta et al., 2003; Gessel et al., 2004; Ceretta et al., 2005).

Estudos sobre formas de acúmulo e capacidade de dessorção de formas de P têm sido realizados no Brasil, utilizando como base a técnica de fracionamento químico de P proposta por Hedley et al. (1982). Com a utilização da técnica, tem se observado que, com a adição de fertilizantes fosfatados, ocorre o acúmulo de P em formas inorgânicas e orgânicas com diferentes graus de energia de ligação, embora o acúmulo seja mais pronunciado nas formas inorgânicas (Beck & Sanches, 1994; Linquist et al., 1997; Daroub et al., 2000). Quando a fonte fertilizante é de origem orgânica e de fácil decomposição, o acúmulo de P no solo pode se dar inicialmente sob forma orgânica, que em seguida é convertida em forma inorgânica devido à mineralização microbiana. Todavia, se o material adicionado for de difícil decomposição, o P pode permanecer em formas orgânicas (Otabbong et al., 1997). No caso da adição de dejetos animais, normalmente o acúmulo do P é maior nas formas inorgânicas (Tran & N'dayegamiye, 1995; Sui et al., 1999; Hooda et al., 2001), pois mais de 60 % do P total contido neste resíduo se encontra sob formas inorgânicas (Sui et al., 1999; Cassol et al., 2001).

Este trabalho teve por objetivo avaliar as formas de acúmulo de P em solo submetido a sucessivas aplicações de dejeto líquido de suínos.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi instalado em novembro de 1995, em uma área cultivada com pastagem natural para alimentação animal, no município de Paraíso do Sul, região fisiográfica da Depressão Central do Rio Grande do Sul. O clima da região é Cfa, segundo classificação de Köppen, com precipitação pluvial média anual de 1.769 mm e temperatura média anual de 19,2 ºC. O solo utilizado foi um Alissolo Crômico órtico típico e apresentava, na camada de 0–10 cm, os seguintes atributos: argila - 150 g dm-3; matéria orgânica – 35 g dm-3; pH da água - 5,2; índice SMP - 4,6; P disponível - 12,3 mg dm-3 (Mehlich-1); K trocável – 190 mg dm-3 (Mehlich-1); Al trocável – 4,1 cmolc dm-3; Ca trocável – 3,8 cmolc dm-3; Mg trocável – 1,5 cmolc dm-3; e saturação por bases de 33 %.

Os tratamentos consistiram da aplicação de 0, 20 e 40 m3 ha-1 de dejeto líquido de suínos (DLS) na superfície do solo, numa periodicidade de 45 a 60 dias. Após 48 meses do início do experimento, quando as amostras de solo foram coletadas, já haviam sido aplicados 0, 560 e 1.120 m3 ha-1 DLS, correspondendo à adição de 0, 2.040 e 4.080 kg ha-1 de P, respectivamente (Durigon, 2000). Imediatamente antes de cada aplicação dos dejetos, a pastagem foi roçada e a forragem retirada das parcelas. O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições, e as unidades experimentais mediram 4,0 x 3,5 m.

No ano de 1999, após 48 meses do início do experimento, foram coletadas amostras do solo nas profundidades de 0–2,5, 2,5–5, 5–10, 10–15 e 15–20 cm. A amostra foi seca em estufa com ar forçado a 55 ºC, moído, passada em peneira de malha de 2 mm e armazenada. As amostras de solo foram submetidas ao fracionamento químico do P pelo método proposto por Hedley et al. (1982) e com as modificações de Condron et al. (1985), descritas a seguir: amostras de 0,5 g de solo seco foram extraídas, seqüencialmente, com resina trocadora de ânions - placas AR 103 QDP 434 (fração PiRTA), NaHCO3 0,5 mol L-1 (frações Pibic e Pobic), NaOH 0,1 mol L-1 (frações Pihid e Pohid), HCl 1,0 mol L-1 (fração PiHCL) e NaOH 0,5 mol L-1 (frações Pihid05 e Pohid05). Após as extrações, o solo remanescente foi seco em estufa e submetido à digestão com H2SO4 + H2O2 + MgCl2 (fração Presidual), conforme descrito em Brookes & Powson (1981). O P inorgânico (Pi) dos extratos alcalinos de NaHCO3 e NaOH foi determinado pelo método de Dick & Tabatabai (1977). Nesses extratos alcalinos, o P total foi determinado por digestão com persulfato de amônio + ácido sulfúrico em autoclave (USEPA, 1971), sendo o P orgânico (Po) obtido pela diferença entre P total e o Pi. O P dos extratos ácidos foi determinado segundo método de Murphy & Riley (1962).

Para a interpretação dos resultados obtidos no fracionamento, as formas de P foram classificadas em lábeis (PiRTA, Pibic e Pobic), moderadamente lábeis (Pihid, Pohid, Pihid05 e Pohid05) e não-lábeis (PiHCL e Presidual), conforme sugerido por Cross & Schlesinger (1995). Adicionalmente, as formas de P do fracionamento de Hedley foram agrupadas em P geoquímico e P biológico (Cross & Schlesinger, 1995), sendo o P geoquímico a soma das frações inorgânicas do solo mais o P residual (PiRTA + Pibic + Pihid + Pihid05 + PiHCL + Presidual) e o P biológico a soma das formas orgânicas do fracionamento (Pobic + Pohid + Pohid05).

Nas amostras de solo coletadas no tratamento sem adição de dejetos, foi determinada a capacidade máxima de adsorção de P (CMAP). Para isso, amostras de 0,5 g de solo seco, de todas as profundidades, foram acondicionadas em tubos de centrífuga com tampa rosca, e adicionadas soluções com teores crescentes de P (0, 25, 50, 100, 200, 400, 800, 1.600 e 3.200 mg kg-1 de P). Em seguida, os tubos de centrífuga foram submetidos à agitação contínua por 16 h em agitador "end-over-end" a 33 rpm. As amostras foram centrifugadas e, no extrato, foi determinado o P remanescente na solução pelo método de Murphy & Riley (1962). Os dados obtidos foram ajustados matematicamente pela equação de Langmuir para obtenção do valor da CMAP (Novais & Smyth, 1999).

Os teores de P em diferentes profundidades na mesma dose de dejeto líquido de suínos foram submetidos à análise de variância e, quando os efeitos foram significativos, utilizou-se o teste de comparação de médias Tukey (α = 5 %), porém em diferentes doses de dejeto líquido de suínos, dentro da mesma profundidade de solo, quando da significância dos efeitos apontados pela análise de variância, foram ajustadas equações de regressão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O P inorgânico extraído pela resina trocadora de ânions (PiRTA) e pelo bicarbonato de sódio (Pibic) e o P orgânico extraído também pelo bicarbonato de sódio (Pobic) (Quadro 1) são os primeiros extratores utilizados no fracionamento de Hedley. De acordo com Gatiboni et al. (2007), eles extraem formas de P lábeis que contribuem ativamente no suprimento de P para as plantas, ou para a sua circulação no ambiente pelas águas de deflúvio ou de percolação. Os dados de P na fração PiRTA mostram que, no tratamento sem adição de dejeto líquido de suínos, os teores diminuíram com o aumento da profundidade do solo (Quadro 1). Isso se atribuiu à extração pelas plantas do P em diversas profundidades e deposição dos seus resíduos na camada superficial do solo durante a pedogênese. A adição de DLS, tanto na dose de 20 quanto na de 40 m3 ha-1, aumentou os teores de P, principalmente nas camadas mais superficiais, mas se estendendo até a camada de 15–20 cm, sendo o mesmo comportamento observado para a fração Pibic (Quadro 1). Em todas as profundidades, os teores de P para a fração PiRTA e para a fração Pibic aumentaram de forma linear com o aumento da dose de DLS (Quadro 1). Por outro lado, embora os teores de P na fração Pobic tenham também diminuído com a profundidade do solo, como observado na fração PiRTA e Pibic, não foi constatado aumento de P nesta fração com o aumento da dose de DLS (Quadro 1). Isso ocorreu porque essa fração de P está relacionada a compostos orgânicos de fácil decomposição, que sustentam e são regulados pela atividade microbiana do solo, fazendo com que não ocorra acúmulo expressivo nesta forma de P, já que é rapidamente mineralizada (Chen et al., 2002; Gatiboni, 2003).


As formas inorgânicas e orgânicas de P extraídas por NaOH 0,1 mol L-1 (Pihid e Pohid) e NaOH 0,5 mol L-1 (Pihid05 e Pohid05) representam, em geral, P inorgânico ligado aos óxidos e às argilas silicatadas com energia de ligação intermediária e P orgânico de formas medianamente lábeis (Cross & Schlessinger, 1995). Os teores de P extraídos por hidróxido (Quadro 2) mostram que o P proveniente do DLS foi acumulado principalmente na fração Pihid, havendo modificações menos expressivas em Pihid05. Convém ressaltar que, com exceção dos teores na fração Pihid05 na profundidade de 15–20 cm, nas demais o P inorgânico nas frações Pihid e Pihid05 aumentou de forma linear com o aumento da dose de DLS (Quadro 2). Isso indica que os colóides inorgânicos deste solo não apresentam alta afinidade com o P, pois em outros tipos de solo com altos teores de óxidos de Fe, maior quantidade de P medianamente lábil é encontrada na fração Pihidr05 (Rheinheimer, 2000; Gatiboni, 2003). As frações orgânicas medianamente lábeis (Pohid e Pohid05) (Quadro 2) mostram que há maior concentração de P orgânico nas camadas mais superficiais do solo, provavelmente pelo maior teor de matéria orgânica na camada superficial (dados não apresentados). Houve pouca influência da adição de dejeto líquido de suínos sobre o aumento do Po nas frações Pohid e Pohid05, semelhantemente ao ocorrido para a fração de Po mais lábil (Pobic). Destaca-se apenas que a adição de DLS provocou aumento dos teores de Po da fração Pohid05 na camada de 0–2,5 cm.


Os valores de P extraídos por HCl 1,0 mol L-1 (PiHCL) mostram que, no solo sem adição de DLS, os teores de PiHCL são baixos (Quadro 3). Isso é esperado, pois, segundo Cross & Schlesinger (1995), o extrator HCl extrai preferencialmente formas de P ligadas ao Ca e, como este solo não possui abundância de minerais apatíticos, os teores naturais nesta forma são baixos. Por outro lado, com a adição de DLS, houve grande aumento nos teores de P extraído por HCl, principalmente na camada de 0–2,5 cm do solo (Quadro 3). Isso pode ser explicado pela composição do DLS, pois, segundo Cassol et al. (2001), mais de 60 % do P contido nos dejetos é extraído com HCl, estando em formas inorgânicas ligadas ao Ca. Dessa maneira, o grande aumento dos teores de PiHCL, principalmente na camada superficial do solo, provavelmente se deve ao acúmulo físico de DLS na camada superficial, já que a sua freqüência de adição nesse experimento foi alta. Semelhantemente às formas de Pi mais lábeis, os teores de PiHCl foram decrescentes com o aumento da profundidade do solo, e a adição de DLS provocou aumentos lineares nos teores, com exceção da profundidade de 15–20 cm (Quadro 3).


O P residual no solo, após as extrações seqüenciais com resina trocadora de ânions, NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1, HCl 1,0 mol L-1 e NaOH 0,5 mol L-1, é extraído por digestão do solo com H2SO4 concentrado+ H2O2 + Mg Cl2. Os resultados dessa forma, denominada Presidual (Quadro 3), indicam apenas um pequeno acúmulo desta forma com a adição de DLS e restrito à camada superficial do solo. Isso indica que o Presidual é apenas uma forma recalcitrante de P de difícil acesso pelos extratores químicos seletivos, porém tem pouca influência no processo de adsorção de P ao solo quando da adição de fertilizantes fosfatados (Gatiboni et al., 2007).

A figura 1 mostra as formas preferenciais de acumulação de P em decorrência da aplicação de DLS quando foram somados os teores obtidos nas cinco profundidades estudadas. Pode-se observar que as formas preferenciais de acumulação de P foram, em ordem decrescente de teores, Pihid, PiRTA, PiHCL e Pibic. Isso confirma os resultados de Tran & N'dayegamiye (1995), Rubaek & Sibbesen (1995), Sui et al. (1999) e Hooda et al. (2001), que encontraram aumentos mais pronunciados em formas inorgânicas de P quando da adição de adubos orgânicos ao solo, o que pode significar riscos de contaminação de fontes e mananciais.


No quadro 4 são apresentados os somatórios das formas de P inorgânicas (P geoquímico) e orgânicas (P biológico) detectadas pelo fracionamento, além do somatório total (P total) das formas de P detectadas pelo fracionamento de Hedley. Esses resultados confirmam que a acumulação de P pela adição de DLS se deu essencialmente no P geoquímico, não havendo aumento significativo no P biológico. Com isso, a adição de adubos orgânicos modificou a relação percentual entre Pi e Po. Na camada superficial do solo sem adição de dejetos, o percentual de Pi foi de 67,8 %, aumentando para 91,9 e 94,4 % nos tratamentos com adição de 20 e 40 m3 ha-1 de DLS, respectivamente.


A quantidade de P total acumulada no solo com a adição de DLS foi muito grande, atingindo 2.700 mg kg-1 na camada de 0–2,5 cm do tratamento com adição de 40 m3 ha-1 de DLS (Quadro 4). Isso representa um aumento aproximado de oito vezes em relação ao tratamento testemunha. O aumento do P total do solo foi significativo desde a camada superficial até a profundidade de 10 a 15 cm. Se esses resultados forem comparados com as capacidades máximas de adsorção de P (CMAP) determinadas pela equação de Langmuir (Figura 2), pode-se observar que a adsorção ocorrida foi superior às CMAP estimadas, que foram de 412, 734, 949, 1.450 e 1.101 mg kg-1, nas profundidades de 0–2,5, 2,5–5,0, 5,0–10, 10–15 e 15–20 cm, respectivamente (Figura 2), atestando o risco ambiental das doses de DLS aplicadas.


Aparentemente, mesmo após a adição acumulada de 1.120 m3 de DLS em quatro anos, o solo ainda tem capacidade de suporte para a adição de DLS, já que as camadas de solo abaixo de 2,5 cm parecem não estar ainda saturadas como a camada superficial do solo. Contudo, há que se ressaltar que a transferência de P para os ambientes aquáticos é iniciada muito antes da saturação do solo com P. Exemplo disso é o trabalho de Basso et al. (2005) num Argissolo Vermelho semelhante ao deste experimento, que encontraram valores de P disponível na água percolada de até aproximadamente 0,3 mg L-1 com uma única aplicação de 40 m3 ha-1. Ainda, no mesmo experimento, Ceretta et al. (2005) determinaram o teor de P na água perdida por escorrimento superficial e detectaram teores de até 14 mg L-1 após a primeira precipitação pluvial, havendo altos teores de P na água escoada até 60 dias após a aplicação do DLS. Para avaliar a intensidade dos dados observados por Basso et al. (2005) e Ceretta et al. (2005), cabe ressaltar que a legislação brasileira prevê um valor máximo de 0,025 mg L-1 de P total na água para que não haja riscos de eutrofização (Brasil, 1986).

Podem-se interpretar os resultados deste experimento conforme recomenda a CQFSRS/SC (2004). Quando os teores de P disponível atingem a classe "muito alto", os riscos de contaminação ambiental são elevados. A classe "muito alto" de P extraído por resina trocadora de ânions é definida para teores acima de 40 mg kg-1. Neste experimento, os teores de P extraídos com resina foram de 595, 499, 291, 101 e 13 mg kg-1, para as profundidades de 0–2,5, 2,5–5,0, 5,0–10, 10–15 e 15–20 cm, respectivamente (Quadro 1). Dessa maneira, as camadas de solo até 15 cm de profundidade podem ser fontes poluentes para o ambiente.

CONCLUSÕES

1. A adição de dejeto líquido de suínos ao solo provocou o acúmulo de P nas frações inorgânicas lábeis extraídas por resina trocadora de ânions e NaHCO3 0,5 mol L-1.

2. A adição de dejetos ao solo provocou o acúmulo de P nas frações inorgânicas de labilidade intermédia extraídas por NaOH 0,1 mol L-1 e NaOH 0,5 mol L-1, sendo a primeira a principal forma de acumulação de P.

3. A fração de P pouco lábil extraída com HCl 1,0 mol L-1 foi uma forma de acumulação no solo quando da adição de dejetos, enquanto a fração de P residual não sofreu alterações.

4. As formas orgânicas de P extraídas com NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1 e NaOH 0,5 mol L-1 não foram modificadas pela adição de dejeto líquido de suínos.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em janeiro de 2007 e aprovado em maio de 2008.

Trabalho parcialmente financiado com recursos do CNPq e da FAPERGS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008

Histórico

  • Aceito
    Maio 2008
  • Recebido
    Jan 2007
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