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Esterco líquido de bovinos leiteiros combinado com adubação mineral sobre atributos químicos de um Latossolo Bruno

Dairy cattle liquid manure combined with mineral fertilization on chemical properties of a Brown Oxisol

Resumos

Este trabalho foi conduzido com o objetivo de avaliar a influência de doses de adubação com esterco líquido de gado leiteiro, combinada com adubação mineral, sobre atributos químicos de um Latossolo Bruno, em sistema plantio direto e rotação de culturas de inverno e verão (sorgo/aveia-preta/milho/azevém/milho/azevém), para produção de silagem, nas camadas de 0-5, 5-10, 10-30, 30-50 e 50-80 cm de profundidade. Os tratamentos foram distribuídos em três blocos casualizados, divididos em 12 parcelas por bloco, em arranjo fatorial 3 x 4, sendo três doses de adubação mineral (0, 50 e 100 % da dose recomendada para as culturas) e quatro doses de adubação orgânica (0, 30, 60 e 90 m³ ha-1 ano-1). O esterco líquido aumentou o pH de forma linear na camada de 0-5 cm e quadrática na de 30-50 cm. A adubação mineral reduziu linearmente os valores de pH nas profundidades de 0-5 e 5-10 cm, havendo efeito quadrático na profundidade de 50-80 cm. A acidez potencial diminuiu na profundidade de 5-10 cm, com comportamento quadrático na profundidade de 10 a 30 cm. Houve incremento do Ca2+ trocável na profundidade de 0-5 cm ao se adubar com esterco, mas não se verificou efeito da adubação mineral sobre este atributo. Observou-se aumento nos níveis Mg2+ trocável nos tratamentos com esterco, até a profundidade de 30 cm; já para o fertilizante mineral os aumentos foram observados em profundidade superior a 30 cm. Houve incremento linear da saturação por bases com o aumento das doses de esterco, até 10 cm de profundidade; a adubação mineral diminuiu a saturação por bases na profundidade de 5-10 cm, havendo efeito quadrático na profundidade de 50-80 cm.

adubação orgânica; rotação de culturas; fertilidade do solo; plantio direto


This study aimed to evaluate the influence of fertilization doses of liquid dairy manure combined with mineral fertilizer on the chemical properties of a Brown Oxisol, in no-tillage system and winter and summer crop rotation (sorghum/black-oat/corn/ryegrass/corn/ryegrass), for silage production, in the layers 0-5, 5-10, 10-30, 30-50 and 50-80 cm. The treatments were distributed in three randomized blocks, divided in 12 plots per block, in a 3 x 4 factorial arrangement, with three mineral fertilizer levels (0, 50 and 100 % of the dose recommended for the crops) and four organic fertilizer levels (0, 30, 60 and 90 m³ ha-1 year-1). The liquid dairy manure increased the pH linearly in the 0-5 cm layer and quadratic in the 30-50 cm layer. The mineral fertilization reduced the pH values linearly in the 0-5 and 5-10 cm layers, with quadratic effect at 50-80 cm. The potential acidity decreased in 5-10 cm, with quadratic pattern at 10-30 cm. The exchangeable Ca2+ increased in the 0-5 cm layer with manure, but no effect of mineral fertilization on this attribute was verified. An increase in exchangeable Mg2+ levels was observed in the manure treatments to a depth of 30 cm; under mineral fertilizer, increases were observed from 30 cm downwards. There was a linear increase of base saturation through manure doses, down to a depth of 10 cm, and the mineral fertilization decreased base saturation at 5-10 cm, with a quadratic effect at 50-80 cm.

organic fertilization; crop rotation; soil fertility; no-tillage


NOTA

Esterco líquido de bovinos leiteiros combinado com adubação mineral sobre atributos químicos de um Latossolo Bruno1 1 Parte da Dissertação de Mestrado apresentada pelo primeiro autor ao Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, Universidade Federal do Paraná - UFPR.

Dairy cattle liquid manure combined with mineral fertilization on chemical properties of a Brown Oxisol

José Carlos Peixoto Modesto da SilvaI; Antônio Carlos Vargas MottaII; Volnei PaulettiII; Nerilde FavarettoII; Milena BarcellosIII; André Soares de OliveiraIV; Cristina Mattos VelosoV; Luiz Fernando Costa e SilvaVI

IDoutorando em Zootecnia, Universidade Federal de Viçosa - UFV. Av. PH Rolfs s/n, CEP 36570-000 Viçosa (MG). E-mail: jcpmodesto@yahoo.com.br

IIProfessores Adjuntos do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, Universidade Federal do Paraná - UFPR. Rua dos Funcionários 1540, CEP 80035-050 Curitiba (PR). E-mails: mottaacv@ufpr.br; vpauletti@ufpr.br; nfavaretto@ufpr.br

IIIProfessora da Casa Familiar Rural de Santa Maria do Oeste. Santa Maria do Oeste (PR). E-mail: milena_barcellos@yahoo.com.br

IVDoutor em Zootecnia, UFV. E-mail: andresoli@uol.com.br

VProfessora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. E-mail: cmveloso@uesb.br

VIGraduanda em Zootecnia, UFV. Bolsista do CNPq. E-mail: ifcostasilva@yahoo.com.br

RESUMO

Este trabalho foi conduzido com o objetivo de avaliar a influência de doses de adubação com esterco líquido de gado leiteiro, combinada com adubação mineral, sobre atributos químicos de um Latossolo Bruno, em sistema plantio direto e rotação de culturas de inverno e verão (sorgo/aveia-preta/milho/azevém/milho/azevém), para produção de silagem, nas camadas de 0-5, 5-10, 10-30, 30-50 e 50-80 cm de profundidade. Os tratamentos foram distribuídos em três blocos casualizados, divididos em 12 parcelas por bloco, em arranjo fatorial 3 x 4, sendo três doses de adubação mineral (0, 50 e 100 % da dose recomendada para as culturas) e quatro doses de adubação orgânica (0, 30, 60 e 90 m3 ha-1 ano-1). O esterco líquido aumentou o pH de forma linear na camada de 0-5 cm e quadrática na de 30-50 cm. A adubação mineral reduziu linearmente os valores de pH nas profundidades de 0-5 e 5-10 cm, havendo efeito quadrático na profundidade de 50-80 cm. A acidez potencial diminuiu na profundidade de 5-10 cm, com comportamento quadrático na profundidade de 10 a 30 cm. Houve incremento do Ca2+ trocável na profundidade de 0-5 cm ao se adubar com esterco, mas não se verificou efeito da adubação mineral sobre este atributo. Observou-se aumento nos níveis Mg2+ trocável nos tratamentos com esterco, até a profundidade de 30 cm; já para o fertilizante mineral os aumentos foram observados em profundidade superior a 30 cm. Houve incremento linear da saturação por bases com o aumento das doses de esterco, até 10 cm de profundidade; a adubação mineral diminuiu a saturação por bases na profundidade de 5-10 cm, havendo efeito quadrático na profundidade de 50-80 cm.

Termos de indexação: adubação orgânica, rotação de culturas, fertilidade do solo, plantio direto.

SUMMARY

This study aimed to evaluate the influence of fertilization doses of liquid dairy manure combined with mineral fertilizer on the chemical properties of a Brown Oxisol, in no-tillage system and winter and summer crop rotation (sorghum/black-oat/corn/ryegrass/corn/ryegrass), for silage production, in the layers 0-5, 5-10, 10-30, 30-50 and 50-80 cm. The treatments were distributed in three randomized blocks, divided in 12 plots per block, in a 3 x 4 factorial arrangement, with three mineral fertilizer levels (0, 50 and 100 % of the dose recommended for the crops) and four organic fertilizer levels (0, 30, 60 and 90 m3 ha-1 year-1). The liquid dairy manure increased the pH linearly in the 0-5 cm layer and quadratic in the 30-50 cm layer. The mineral fertilization reduced the pH values linearly in the 0-5 and 5-10 cm layers, with quadratic effect at 50-80 cm. The potential acidity decreased in 5-10 cm, with quadratic pattern at 10-30 cm. The exchangeable Ca2+ increased in the 0-5 cm layer with manure, but no effect of mineral fertilization on this attribute was verified. An increase in exchangeable Mg2+ levels was observed in the manure treatments to a depth of 30 cm; under mineral fertilizer, increases were observed from 30 cm downwards. There was a linear increase of base saturation through manure doses, down to a depth of 10 cm, and the mineral fertilization decreased base saturation at 5-10 cm, with a quadratic effect at 50-80 cm.

Index terms: organic fertilization, crop rotation, soil fertility, no-tillage.

INTRODUÇÃO

A elevada acidez do solo constitui um dos principais fatores que limitam a produtividade de um sistema agrícola, influenciando direta e indiretamente as reações químicas e a atividade biológica dos solos. Essa acidificação ocorre, freqüentemente, pelo processo de nitrificação de formas amoniacais ou amídicas de adubos minerais e orgânicos. A liberação do íon hidrogênio no processo de formação do nitrato acidifica a camada superficial do solo, no caso de plantio direto, ou a camada arável, quando incorporado (Fox & Hoffman, 1981; Follett & Peterson., 1988; McVay et al., 1989; Ismail et al., 1994; Juo et al., 1995). Além disso, solos cultivados podem ter aumento da acidez, em conseqüência do processo de erosão, extração de cátions básicos pelas culturas e lixiviação de bases, que, por meio da participação de ânions, atuam como carreadores dos cátions (Raij, 1991).

A maneira mais comumente utilizada para diminuir a acidez do solo é o uso de calcário. Contudo, alguns trabalhos têm demonstrado aumento do pH após a utilização de resíduos orgânicos de animais. Vitosh et al. (1973), utilizando esterco de gado, constataram acréscimos no pH quando da aplicação de esterco após um período de nove anos, sob condição de campo. Whalen et al. (2000), trabalhando sob controle, também constataram aumento do pH do solo com a aplicação de esterco. Ainda, Hoyt & Turner (1975) e Hue & Amien (1989) relatam que a adição de resíduos vegetais pode diminuir a acidez do solo.

Whalen et al. (2000) afirmam que modificações no pH de solos, com adição de esterco bovino, são devidas não só ao tamponamento por carbonatos e bicarbonatos, mas também a outros compostos, como os ácidos orgânicos com grupos carboxil e hidroxil fenólicos, os quais têm importante papel no tamponamento da acidez do solo e na variação do pH de solos ácidos manejados com esterco. A alteração do pH, pela aplicação de resíduos orgânicos, segundo Raij (1991), pode estar relacionada com: (a) o alto poder-tampão do material orgânico; (b) a possível neutralização do Al; (c) o efeito da saturação de bases, estimulando a manutenção ou a formação de certas bases permutáveis, como Ca, Mg, K e Na, contribuindo para redução da acidez e aumento da alcalinidade; (d) uma relação positiva com a capacidade de troca catiônica.

Embora com menor freqüência, a não-alteração do pH (Schjonning et al., 1994) ou mesmo a acidificação (King et al., 1974; Chang et al., 1990, 1991) foram constatadas após a aplicação de esterco.

O excesso de íons H+ e ânions NO3-, na solução do solo, faz com que aumente a lixiviação de bases, na forma de sais de Ca2+, Mg2+ e K+ no solo (Grove, 1986), incrementando os teores desses elementos em profundidade. A adição de resíduos orgânicos na forma de restos de culturas ou esterco de animais tem propiciado, em diversas condições, maior movimentação de cátions em profundidade (Kingery et al., 1994).

A perda de bases para as camadas mais profundas pode, em alguns casos, favorecer o desenvolvimento radicular das plantas (Stone & Silveira, 2001), permitindo maior capacidade de absorção de água e nutrientes do solo (Pavan, 1999), tendo como conseqüência maior resistência a condições climáticas adversas e melhor aproveitamento dos nutrientes.

Este trabalho teve como objetivo avaliar a influência do esterco líquido de gado leiteiro, combinado com adubação mineral, nos atributos químicos de um Latossolo Bruno em sistema plantio direto, em cinco profundidades do solo (0-5, 5-10, 10-30, 30-50 e 50-80 cm), numa área adubada por longo período (seis anos).

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi instalado na Fazenda Capão-Alto, no município de Castro-PR, no período de março de 1997 a julho de 2003, em área experimental da Fundação ABC (Arapoti, Batavo e Castrolanda). Localiza-se na região fisiográfica denominada de Terceiro Planalto Paranaense, entre as coordenadas 24 º 50 ' de latitude sul e 49 º 50 ' de longitude oeste e altitude média de 900 m. O clima da região, segundo a classificação climática de Köppen, é do tipo Cfb, clima temperado propriamente dito, registrando temperaturas médias dos meses mais frios entre 13 ºC e 14 ºC e temperaturas médias nos meses mais quentes entre 23 e 24 ºC, sem estação seca definida, com pluviosidade anual entre 1.400 a 1.600 mm, sendo a média nos trimestres mais secos entre 250 e 350 mm e nos trimestres mais chuvosos entre 400 e 500 mm. A umidade relativa média do ar apresenta-se entre 70 e 75 %, e a evapotranspiração média anual entre 900 e 1.000 mm. A vegetação original é caracterizada por campo subtropical dos Campos Gerais do Paraná (IAPAR, 2000).

O tipo de solo, de acordo com a classificação da Embrapa (1999), é caracterizado como Latossolo Bruno distroférrico textura argilosa fase campo subtropical, com relevo suavemente ondulado. As características químicas médias do solo, por ocasião da instalação do experimento, podem ser observadas no quadro 1. Convém salientar que a área apresentava, anteriormente ao período de estudo, histórico de 16 anos de adubação orgânica com esterco, em sistema plantio direto, e intensa rotação de culturas típicas da região, tendo sido plantado, no verão, principalmente milho e soja e, no inverno cereais e forrageiras. Esses fatores são determinantes da elevada fertilidade apresentada pelo solo antes do experimento.


Os tratamentos foram distribuídos em três blocos casualizados divididos em 12 parcelas por bloco, em arranjo fatorial 3 x 4, com três doses de adubação mineral (0, 50 e 100 % da dose recomendada para as culturas) e quatro doses de adubação orgânica (0, 30, 60, 90 m3 ha-1 ano-1). Procedeu-se à correção do solo antes do experimento, com calcário dolomítico, na proporção de 1 t ha-1, sendo feita a lanço, sem incorporação; após 30 dias, foi realizado o plantio.

A adubação mineral foi baseada na análise inicial do solo; a quantidade de adubo mineral correspondente a 100 % do recomendado para as culturas, sem aplicação de esterco, encontra-se no quadro 2.


O esterco utilizado foi proveniente da criação de gado leiteiro, em sistema intensivo de manejo em galpões de confinamento (Free stall), sendo composto pela mistura de fezes e urina dos animais, além de outros materiais provenientes do processo criatório, como água desperdiçada nos bebedouros, água de higienização e restos de alimentos. Os dejetos foram armazenados em esterqueiras, próximas ao galpão de confinamento, e homogeneizados diariamente. O transporte do esterco líquido de gado leiteiro foi feito por meio de trator, com vagão contendo rosca-sem-fim, que permite a homogeneização do esterco quando este está sendo transportado para o campo. Foram utilizadas doses de 0, 30, 60 e 90 m3 ha-1 ano-1, aplicadas metade nas forrageiras de inverno e o restante nas de verão, manualmente em superfície e sem incorporação. As características do esterco, de três amostras coletadas no período do experimento, são apresentadas no quadro 3, e a quantidade de nutrientes adicionados ao solo, no período de sete anos, por meio da aplicação de 30 m3 ha-1 de esterco líquido de gado leiteiro, foi de aproximadamente 228, 372 e 618 kg ha-1 de N, P2O5 e K2O, respectivamente. A rotação de culturas e cultivares é apresentada no quadro 4, com os respectivos anos de plantio. As plantas foram cortadas e ensiladas, para posterior fornecimento no cocho aos animais.



A coleta de solo foi feita no inverno de 2003, em cinco profundidades (0-5, 5-10, 10-30, 30-50 e 50-80 cm); nas profundidades de 0-5, 5-10 e 10-30 cm, foram retiradas 15 amostras simples para fazer uma amostra composta, utilizando trado calador, e nas profundidades de 30-50 e 50-80 cm foram retiradas cinco amostras simples para fazer uma amostra composta, utilizando-se o trado holandês. As amostras foram coletadas aleatoriamente nas parcelas, com os cuidados recomendados para a não contaminação das amostras superiores, como limpeza de profundidade de amostras, no sentido das profundidades maiores para as menores.

Para determinação do pH, utilizou-se leitura potenciométrica em solução de CaCl2 0,01 mol L-1, relação solo/solução 1:2,5. A acidez potencial (H + Al) foi estimada por meio da leitura do pH após a adição de solução tamponada SMP às amostras de solo, utilizando-se calibração apropriada. O Ca2+ e o Mg2+ foram extraídos com KCl 1 mol L-1 e quantificados por espectrofotometria de absorção atômica. Todas as determinações foram realizadas nos laboratórios da UFPR, seguindo método descrito por Marques & Motta (2003).

Os dados foram submetidos a análises de variância e regressão, adotando-se o nível de 5 % para o erro tipo I, utilizando-se o programa Statistical Analysis System (SAS, 1996). Nos casos em que a interação adubação mineral × adubação orgânica não foi significativa, efetuou-se o estudo de regressão de primeiro e segundo graus, por meio do comando GLM. As relações significativas foram ilustradas em gráficos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No quadro 5 são mostrados os efeitos dos tratamentos para pH (CaCl2), acidez potencial (H + Al), Ca2+ e Mg2+ trocável e V, nas diversas profundidades analisadas neste experimento, e seus coeficientes de variação. Os resultados indicaram não haver interação entre adubação orgânica e adubação mineral sobre a acidez, em nenhuma profundidade avaliada.


O efeito da adubação orgânica sobre o pH ocorreu na camada superficial de 0-5 cm e na profundidade de 30-50 cm (Quadro 5). Na camada de 0-5 cm, para cada m3 de esterco aplicado anualmente, houve aumento linear médio de 0,0047 unidade na escala de pH após seis anos de aplicações (Figura 1a e Quadro 6). Já na profundidade de 30-50 cm, o aumento na escala de pH para adição de esterco foi até o nível de 62 m3 (Figura 1a). Após essa quantidade, o pH decresce à medida que se adiciona esterco. Não se observou efeito da adubação orgânica sobre o pH nas camadas entre 5 e 30 cm e 50 e 80 cm. Sob plantio direto, observa-se, em geral, aumento da densidade e da resistência à penetração nas camadas imediatamente abaixo da superfície, indicando uma provável diminuição da porosidade do solo (Hammel, 1989; Motta, 2002). Desse modo, é possível que, com o auxílio de canais preferenciais, comuns em áreas de plantio direto, parte dos produtos neutralizantes responsáveis pelo acréscimo do pH na camada de 30-50 cm tenha sido transportada diretamente da superfície para esta camada, o mesmo não acontecendo com as camadas nas quais não houve alteração nos valores de pH.



Corroborando os resultados aqui obtidos, acréscimos de pH com uso de esterco bovino têm sido relatados sob controle (Olsen et al., 1970; Iyamuremye et al., 1996; Whale et al., 2000) e em campo (Vistosh et al., 1973). Josan et al. (2005) também constataram maiores valores de pH em áreas com atividade de gado de leite do que em áreas abandonadas, indicando possível efeito do esterco sobre o aumento do pH do solo. O uso de esterco de frango também proporcionou acréscimo do pH, em solos arenosos, até a camada de 60 cm, após aplicações contínuas por mais de 15 anos (Kingery et al., 1994).

No entanto, King et al. (1974) não encontraram efeito da adição de esterco de aves, em relação ao pH, até a profundidade de 15 cm, havendo decréscimo do pH na profundidade de 15-30 cm. Decréscimo até 60 cm de profundidade foi observado por Chang et al. (1991), após 11 anos de aplicações de doses crescentes de esterco de gado de corte, em solos alcalinos. Ernani & Gianello (1983), trabalhando em casa de vegetação com aplicação de esterco de aves e gado de leite ao solo, também não perceberam alteração do pH nos diversos tratamentos analisados, verificando diminuição do teor de Al trocável no solo com o aumento do material orgânico aplicado.

Já para adubação mineral (Quadro 5), observou-se pequeno decréscimo no valor do pH, nas profundidades de 0-5 e 5-10 cm. Esses resultados estão de acordo com a maioria daqueles citados na literatura (Paiva et al., 1996; Abreu Júnior et al., 2000) quanto ao uso de fertilizantes minerais, pois há tendência de diminuição dos valores de pH devido ao efeito ácido da nitrificação do amônio, ficando este geralmente restrito aos primeiros centímetros da camada superficial. Na profundidade de 50-80 cm, observou-se ligeiro aumento do pH, atingindo o ponto máximo com a dose de 60 % de adubação mineral (Figura 1b). Após esta dose de adubação, entretanto, as respostas foram negativas.

Não foi possível verificar o efeito do esterco sobre a acidez trocável (Al3+ trocável) devido ao valor de pH em CaCl2 estar próximo de 5,0, quando o Al3+ geralmente encontra-se precipitado na forma de hidróxido de alumínio, Al(OH)3 (Raij, 1991).

A acidez potencial (H + Al) teve comportamento inverso ao do pH na profundidade de 0-5 cm (Figura 2a), como era esperado, observando-se redução da acidez potencial pelo uso de esterco. Os resultados aqui obtidos corroboram os de Hoyt & Turner (1975), Holanda et al. (1982), Hue (1992) e Iyamuremye et al. (1996), que também observaram decréscimo da acidez potencial, trabalhando com esterco animal.


Na profundidade de 5-10 cm, há diminuição da acidez potencial em função da adubação mineral (Figura 2b). Já na profundidade de 10-30 cm, o gráfico (Figura 2b) mostra que o ponto máximo onde ocorreu elevação da acidez potencial é com dose de 42 % da recomendada; após esse limite, ocorre diminuição da acidez potencial. Nas demais profundidades, não houve efeito da adubação mineral sobre a acidez potencial.

O decréscimo da acidez potencial na camada de 5-10 cm não era esperado, visto que nela ocorreu diminuição do pH. Isso pode ter ocorrido devido à deficiência na estimativa dos teores de H + Al por meio do valor do pH em SMP, que pode não ter sido suficientemente sensível para detectar, com exatidão, diferenças devidas aos tratamentos.

Conforme esperado, os resultados mostraram que não houve efeito significativo da adubação mineral sobre os teores de Ca2+ trocável em nenhum dos tratamentos analisados, nas cinco profundidades estudadas (Quadro 5). A adubação com esterco aumentou linearmente os teores de Ca2+ apenas na camada de 0-5 cm (Quadro 5), mostrando que, para cada m3 de esterco adicionado anualmente ao solo, houve acréscimo no Ca trocável de 0,0113 cmolc dm-3 após o período de seis anos (Figura 3 e Quadro 6).


Observou-se aumento linear significativo para o Mg2+ com o incremento das doses de esterco líquido de gado de leiteiro até os 30 cm de profundidade (Quadro 5), sendo os valores mais altos na camada de 0-5 cm. Já a adubação mineral proporcionou alterações no teor de Mg2+ apenas em profundidades superiores a 30 cm. É interessante observar que o Mg2+ aumenta, na profundidade de 30-50 cm, até o ponto correspondente a 55 % da dose máxima de adubo mineral; após esse ponto, há decréscimo nos valores de Mg2+. Na profundidade de 50-80 cm, o aumento ocorre até o ponto de 65 %, depois do qual o Mg2+ começa a decrescer. Ou seja, o comportamento do teor de Mg2+ em adubação com esterco é linear, enquanto com adubação mineral é quadrático (Figura 4a,4b).


O aumento do Mg2+ numa profundidade maior do que o de Ca2+ e o efeito quadrático do Mg2+ nas profundidades de 30-50 e 50-80 cm (Figura 4b), com decréscimo na dose máxima de adubo mineral, provavelmente se devem à menor força de adsorção deste íon em relação ao Ca2+, como relatado por Loyola & Pavan (1989), favorecendo assim a lixiviação do Mg2+ para camadas mais profundas.

Há de se considerar, entretanto, que os efeitos da adubação mineral sobre o Mg2+ trocável do solo devem ser indiretos, já que esse elemento não é encontrado nas formulações dos adubos minerais utilizados. Assim, pressupõe-se que esse íon seja proveniente da dissolução do calcário dolomítico aplicado previamente à superfície, cujo deslocamento pode ter sido favorecido pela competição com o K aplicado na adubação mineral.

Corroborando os resultados aqui obtidos, acréscimos de Ca2+ e Mg2+ trocável sob controle (Olsen et al., 1970; Whalen et al., 2000) e em campo (Vitosh et al., 1973; Warman, 1987; Chang et al., 1991; Josan et al., 2005) foram observados em diferentes solos onde se aplicou esterco. Chang et al. (1991), após 11 anos de aplicação de esterco de gado de corte, constataram aumento do teor de Ca2++ Mg2+ trocável, sendo os maiores teores obtidos entre 30-60 e 60-90 cm de profundidade, sem e com irrigação, respectivamente, indicando grande mobilidade desses elementos no solo.

Todavia, o efeito do uso de esterco, em longo prazo, tem afetado camadas de solo mais profundas do que as observadas neste trabalho. Kingery et al. (1994), trabalhando com esterco de aves em solos arenosos, constataram aumento dos teores de Ca2+ até uma profundidade de 140 cm, mostrando a mobilidade do Ca2+ no perfil do solo. No mesmo trabalho, constatou-se incremento dos níveis de Mg2+ até a profundidade de 290 cm, sendo o efeito mais pronunciado nos primeiros 15 cm de profundidade, confirmando assim a maior mobilidade do Mg2+ em relação ao Ca2+. Esses acréscimos nos valores de Ca2+ e Mg2+ também foram verificados por Franchini et al. (1999), trabalhando com resíduos vegetais, e Anjos & Mattiazzo (2000), com lodo de esgoto. Possivelmente, a menor lixiviação desses elementos no caso estudado deve-se ao alto poder-tampão do Latossolo Bruno, cuja textura é muito argilosa e possui elevados teores de matéria orgânica.

Contrariando os resultados obtidos neste experimento, King et al. (1974) verificaram que os teores de Ca2+ e Mg2+ diminuíram na superfície do solo após a adição de esterco de aves, sendo justificado pelo incremento dos teores de K, o qual compete com Ca2+ e Mg2+ nas superfícies sortivas do solo.

A mobilidade do Ca2+ e do Mg2+, em profundidade, favorece o desenvolvimento radicular das plantas (Stone & Silveira, 2001), permitindo maior capacidade de absorção de água e nutrientes do solo (Pavan, 1999), tendo como conseqüência maior resistência a condições climáticas adversas e melhor aproveitamento dos nutrientes.

Figura 5


A saturação por bases foi afetada apenas pelo efeito simples do esterco líquido de gado leiteiro nas profundidades de 0-5 e 5-10 cm, sendo coerente, portanto, com o aumento do pH e dos teores de Ca e Mg e com a redução da acidez potencial verificados nessas camadas. Contrariamente ao observado, Schjonning et al. (1994) constataram diminuição da saturação de bases na camada de 0-20 cm pelo uso de esterco, em razão do acréscimo na acidez potencial. Contudo, a camada inferior não foi afetada pelo uso de esterco.

CONCLUSÕES

1. O efeito da adubação do solo com esterco líquido de gado de leite combinado com adubação mineral ocorreu de maneira isolada, ou seja, não há interação entre eles.

2. A adubação com esterco favoreceu o aumento do pH na camada superficial do solo de 0-5 cm, enquanto a adubação mineral promoveu acidificação do solo, até a profundidade de 10 cm.

3. O esterco líquido de gado de leite foi eficiente em elevar o teor de Ca2+ na superfície do solo (0-5 cm), enquanto a adubação mineral não influenciou os teores de Ca2+ no solo.

4. A adubação com esterco foi eficiente em aumentar os teores de Mg2+ até a profundidade de 30 cm. A adubação mineral incrementou os teores de Mg2+ apenas em profundidade superior a 30 cm.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em agosto de 2007 e aprovado em setembro de 2008.

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  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado apresentada pelo primeiro autor ao Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, Universidade Federal do Paraná - UFPR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      Set 2008
    • Recebido
      Ago 2007
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