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Ciclagem de nutrientes via precipitação pluvial total, interna e escoamento pelo tronco em sistema agroflorestal com Gliricidia sepium

Nutrient cycling through rainfall, throughfall and stemflow in an agroforestry system with Gliricidia sepium in semi-arid Paraiba, Brazil

Resumos

A deposição de nutrientes contidos na água de chuva que passa pela copa das árvores e que escoa pelo tronco até o solo pode constituir uma via importante da ciclagem biogeoquímica em sistemas agroflorestais de baixo uso de insumos externos. Todavia, não há informação disponível sobre esses processos em agroecossistemas da região semi-árida do Nordeste brasileiro. O presente trabalho foi conduzido em um sistema agroflorestal de cultivo em aléias, com gliricídia e milho, em Esperança, PB, e teve como objetivo quantificar: a proporção da água de chuva que escoa através da copa das árvores, ou pelo tronco, ou que é interceptada pela copa; e as entradas de N, P e K contidos na água escoada através da copa ou pelo tronco, bem como na água de chuva em áreas sem árvores. Na área experimental, foram delimitadas quatro parcelas, onde foram instalados coletores a 0,50 m de distância do tronco das árvores de gliricídia e coletores tipo ´colarinho´ acoplados ao redor do tronco destas. Paralelamente, foram instalados coletores em áreas adjacentes, sem árvores, para quantificação da precipitação pluvial total. Da precipitação pluvial total, 67 % escoou através da copa , 0,74 % escoou pelo tronco e 32 % foi interceptada pela copa das árvores. As concentrações de N e P foram similares nas amostras da água escoada através da copa ou pelo tronco, porém estas foram cerca de 300 % maiores do que na água de chuva. A concentração de K na água escoada pelo tronco foi cerca de 100 e 600 % maior do que na água escoada através da copa e na água de chuva, respectivamente. Em média, os aportes de N, P e K ao solo foram de 5, 1 e 24 kg ha-1 na água de chuva; 9, 2 e 62 kg ha-1 na água escoada através da copa; e 0,12, 0,02 e 1 kg ha-1 na água escoada pelo tronco, respectivamente. Os resultados demonstram a importância da adoção de sistemas agroflorestais para a sustentabilidade de sistemas agrícolas de baixo uso de insumos externos, como os da região semi-árida do Nordeste.

região semi-árida; deposição atmosférica; ciclagem de nutrientes


The nutrients in rainwater that reach the soil by throughfall or stemflow may represent significant nutrient fluxes in agroforestry systems with low external input. However, there is no information about these processes in agroecosystems of semi-arid northeastern Brazil. This study was conducted in an alley cropping system with Gliricidia and maize in Esperança, PB, Brazil. The objectives of the study were to quantify: (a) the proportion of rainfall that reaches the soil as throughfall or stemflow and the amount intercepted by the tree canopy; and (b) the input of N, P and K to the soil as throughfall, stemflow and direct rainfall water. Four plots were established in the experimental area and throughfall water collectors were placed at a distance of 0.50 m from the tree trunks. Stemflow water was collected in each plot using collars around the tree trunks that conducted the water to collectors while four collectors were installed in adjacent areas without trees to collect rainfall water. Of the total rainfall in 2004, 67 % reached the soil as throughfall, 0.74 % as stemflow and 32 % was intercepted by tree canopies. N and P concentrations were similar in throughfall and stemflow water samples, but these were around 300 % greater than those in rainfall water. The K concentration in stemflow water was 100 and 600 % greater than in samples from throughfall and rainfall, respectively. On average, N, P, and K inputs to the soil were 5, 1 and 24 kg ha-1 in rainfall water; 9, 2 and 62 kg ha-1 in throughfall water; and 0.12, 0.02 and 1 kg ha-1 in stemflow water, respectively. The results demonstrate the importance of agroforestry for the sustainability of agricultural systems with low external input in semi-arid NE Brazil.

semi-arid region; atmospheric deposition; nutrient cycling


NOTA

Ciclagem de nutrientes via precipitação pluvial total, interna e escoamento pelo tronco em sistema agroflorestal com Gliricidia sepium1 1 Projeto financiado pelo CNPq, Inter American Institute for Global Change Research (IAI) e ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).

Nutrient cycling through rainfall, throughfall and stemflow in an agroforestry system with Gliricidia sepium in semi-arid Paraiba, Brazil

Aldrin Martin Perez-MarinI; Rômulo Simões Cezar MenezesII

IPesquisador da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária (IPA), Solos e Nutrição de Plantas. Estação Experimental de Itapirema, BR 101, km 17 Norte, Postal 006, CEP 55900-000 Goina (PE). E-mail: aldrin@ipa.br

IIProfessor adjunto do Departamento de Energia Nuclear (DEN), Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Av. Prof. Luiz Freire 1000, CEP 50740-540 Recife (PE). E-mail: rmenezes@ufpe.br

RESUMO

A deposição de nutrientes contidos na água de chuva que passa pela copa das árvores e que escoa pelo tronco até o solo pode constituir uma via importante da ciclagem biogeoquímica em sistemas agroflorestais de baixo uso de insumos externos. Todavia, não há informação disponível sobre esses processos em agroecossistemas da região semi-árida do Nordeste brasileiro. O presente trabalho foi conduzido em um sistema agroflorestal de cultivo em aléias, com gliricídia e milho, em Esperança, PB, e teve como objetivo quantificar: a proporção da água de chuva que escoa através da copa das árvores, ou pelo tronco, ou que é interceptada pela copa; e as entradas de N, P e K contidos na água escoada através da copa ou pelo tronco, bem como na água de chuva em áreas sem árvores. Na área experimental, foram delimitadas quatro parcelas, onde foram instalados coletores a 0,50 m de distância do tronco das árvores de gliricídia e coletores tipo ´colarinho´ acoplados ao redor do tronco destas. Paralelamente, foram instalados coletores em áreas adjacentes, sem árvores, para quantificação da precipitação pluvial total. Da precipitação pluvial total, 67 % escoou através da copa , 0,74 % escoou pelo tronco e 32 % foi interceptada pela copa das árvores. As concentrações de N e P foram similares nas amostras da água escoada através da copa ou pelo tronco, porém estas foram cerca de 300 % maiores do que na água de chuva. A concentração de K na água escoada pelo tronco foi cerca de 100 e 600 % maior do que na água escoada através da copa e na água de chuva, respectivamente. Em média, os aportes de N, P e K ao solo foram de 5, 1 e 24 kg ha-1 na água de chuva; 9, 2 e 62 kg ha-1 na água escoada através da copa; e 0,12, 0,02 e 1 kg ha-1 na água escoada pelo tronco, respectivamente. Os resultados demonstram a importância da adoção de sistemas agroflorestais para a sustentabilidade de sistemas agrícolas de baixo uso de insumos externos, como os da região semi-árida do Nordeste.

Termos de indexação: região semi-árida, deposição atmosférica, ciclagem de nutrientes.

SUMMARY

The nutrients in rainwater that reach the soil by throughfall or stemflow may represent significant nutrient fluxes in agroforestry systems with low external input. However, there is no information about these processes in agroecosystems of semi-arid northeastern Brazil. This study was conducted in an alley cropping system with Gliricidia and maize in Esperança, PB, Brazil. The objectives of the study were to quantify: (a) the proportion of rainfall that reaches the soil as throughfall or stemflow and the amount intercepted by the tree canopy; and (b) the input of N, P and K to the soil as throughfall, stemflow and direct rainfall water. Four plots were established in the experimental area and throughfall water collectors were placed at a distance of 0.50 m from the tree trunks. Stemflow water was collected in each plot using collars around the tree trunks that conducted the water to collectors while four collectors were installed in adjacent areas without trees to collect rainfall water. Of the total rainfall in 2004, 67 % reached the soil as throughfall, 0.74 % as stemflow and 32 % was intercepted by tree canopies. N and P concentrations were similar in throughfall and stemflow water samples, but these were around 300 % greater than those in rainfall water. The K concentration in stemflow water was 100 and 600 % greater than in samples from throughfall and rainfall, respectively. On average, N, P, and K inputs to the soil were 5, 1 and 24 kg ha-1 in rainfall water; 9, 2 and 62 kg ha-1 in throughfall water; and 0.12, 0.02 and 1 kg ha-1 in stemflow water, respectively. The results demonstrate the importance of agroforestry for the sustainability of agricultural systems with low external input in semi-arid NE Brazil.

Index terms: semi-arid region, atmospheric deposition, nutrient cycling.

INTRODUÇÃO

O retorno de nutrientes por meio da água de chuva constitui um processo importante da ciclagem biogeoquímica de nutrientes, especialmente em regiões onde predominam sistemas agrícolas de baixo uso de insumos externos, como na região semi-árida do Nordeste brasileiro. Nessas regiões, as características ambientais e socioeconômicas, como solos deficientes em nutrientes litogenéticos, precipitação pluvial irregular, sistemas de transporte pouco desenvolvidos e baixos níveis de desenvolvimento humano, não permitem o uso generalizado de insumos adquiridos no mercado (Sampaio et al., 1995). Geralmente, esses insumos, como fertilizantes e pesticidas sintéticos, são usados em pequenas quantidades, de forma esporádica e somente por uma pequena percentagem de agricultores (Reijntjes, 1999).

Nesse contexto, em sistemas agrícolas de baixo uso de insumos externos, a precipitação pluvial pode promover a entrada de nutrientes por meio de vários processos, como: (1) incidência direta sobre o solo sem interação com as copas, denominada como precipitação pluvial total; (2) pela lavagem das copas e deposição no solo, ou precipitação pluvial interna; e (3) pelo escoamento através do tronco e posterior infiltração no solo. No primeiro caso, a entrada se dá como resultado direto da composição da precipitação pluvial total em termos dos elementos necessários à nutrição vegetal, após a infiltração no solo ou, em menor extensão, por processos de absorção foliar. No segundo e terceiro processos, a água de chuva, ao atravessar o dossel, arrasta e carreia material particulado depositado sobre a superfície das folhas, tronco e tecidos vegetais durante os períodos de seca, o que acarreta modificações na composição química da água de chuva (Nunes et al., 1986; Schroth et al., 2001; Cintra, 2004). Para alguns nutrientes, as entradas no solo por meio desses processos de lavagem podem exceder a quantidade normalmente retornada ao solo via queda de serrapilheira (Burghouts et al., 1998).

Vários estudos recentes têm demonstrado que a implementação de sistemas agroflorestais - como o cultivo em aléias ou a preservação de espécies nativas ou introduzidas - pode contribuir para a preservação da fertilidade do solo em agroecossistemas do semi-árido nordestino (Araújo Filho, 1990; Menezes & Salcedo, 1999; Barreto & Fernandes, 2001; Menezes et al., 2002; Perez-Marin et al., 2006). Uma das espécies arbóreas plantadas em propriedades rurais do Agreste paraibano nesses sistemas agroflorestais é a gliricídia (Gliricidia sepium). Essa espécie geralmente é plantada em cercas-vivas nas propriedades e, recentemente, tem sido plantada no sistema de cultivo em aléias, o qual consiste no plantio de fileiras de gliricídia suficientemente espaçadas entre si, para permitir o plantio de culturas agrícolas ou forrageiras entre elas (Perez-Marin et al., 2007).

Entretanto, a maioria dos estudos realizados até hoje sobre o efeito da introdução de árvores em campos de cultivo ou pastagens na região semi-árida quantificou apenas os fluxos de nutrientes aportados ou retirados do solo via adubação orgânica, produção de biomassa vegetal, colheita de produtos agrícolas e queda de serrapilheira. Ainda não há dados, tanto na região do Agreste da Paraíba como no restante da região semi-árida nordestina, a respeito do impacto da introdução de árvores sobre a interceptação da água de chuva pelas copas ou sobre a contribuição das árvores na ciclagem de nutrientes por meio da precipitação pluvial interna ou escoamento pelo tronco.

O presente trabalho foi conduzido em um sistema agroflorestal de cultivo em aléias com gliricídia no Agreste paraibano e teve como objetivo quantificar a fração da precipitação pluvial total que atravessa a copa e chega ao solo, que escoa pelo tronco até o solo ou que é interceptada pela copa das árvores, bem como os aportes de N, P e K ao solo por meio da água de chuva, da precipitação pluvial interna e da água escoada pelo tronco.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido no período de janeiro a dezembro de 2004, no Centro Agroecológico São Miguel (CASM), sede da ONG Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa (AS-PTA), no município de Esperança, no Agreste paraibano (7 º 19 ' S e 33 º 51 ' O). A região apresenta uma estação chuvosa, de março a agosto, e estação seca, de setembro a fevereiro, com precipitação pluvial média anual de 800 mm. O solo na área experimental é classificado como Neossolo Regolítico (Embrapa, 1999). Nessa área, fileiras de gliricídia foram plantadas em 1996, com um espaçamento de 6 m entre fileiras e 1 m entre as plantas.

Em 2004, dentro da área experimental, foram demarcadas quatro parcelas, com dimensão de 6 x 24 m cada uma, onde foram quantificados a precipitação interna (PI) e o escoamento pelo tronco (ET), ou seja, a água que passa através das copas das árvores e a água que escoa pelo tronco.

A precipitação total (PT) foi medida em área aberta, adjacente às áreas com árvores, utilizando-se quatro pluviômetros comuns, com área de captação igual a 314 cm2 cada um. A PI foi medida por meio de coletores com área de captação igual 78,54 cm2. Foram utilizados 12 coletores por parcela de 6 x 24 m, somando 48 coletores em toda a área experimental. Os coletores foram instalados sobre estacas e fixados a um suporte munido de parafusos, os quais permitiam o nivelamento dos mesmos. Os volumes de água coletados eram posteriormente tabulados em milímetro de altura de água, a partir da área de captação dos pluviômetros.

Com relação ao escoamento pelo tronco (Et), este foi medido em dispositivos coletores que constavam de um funil acoplado ao redor do tronco da árvore de gliricídia, tipo colarinho, colado a este por meio de cola silicone. O funil, por sua vez, estava ligado a um recipiente plástico conectado a uma mangueira plástica, com função básica de desviar o Et para os recipientes fechados, que tinham capacidade de 2 L. Foram utilizados 12 dispositivos coletores por parcela, que eram fixados em árvores selecionadas. No total, o Et foi medido em 48 árvores. A transformação dos valores de volume de água coletados para milímetros foi feita por meio da projeção média das copas das árvores de gliricídia, a qual foi de 3,14, 0,28 e 0,79 m2, para gliricídia com cobertura total, podada e com queda de folha, respectivamente.

As leituras de PT, PI e Et foram feitas após cada chuva; na medida do possível, procurou-se efetuar as medições mais ou menos duas horas após o término das chuvas. Com os valores de PT, PI e Et, foi calculada a precipitação pluvial efetiva (PE) e a interceptação (I), conforme Helvey & Patric (1965), em que:

Para determinar os teores de N, P e K presentes na PT, PI e Et, subamostras de 50 mL desses componentes foram retiradas após cada chuva. Tanto os dispositivos coletores de água da PT, PI e Et como as garrafas utilizadas para armazenamento das amostras foram lavados abundantemente com HCl 6 mol L-1, água de torneira e deionizada, como recomendado por Likens et al. (1967). As garrafas de polietileno foram lavadas antes da coleta com água das próprias amostras. As amostras foram armazenadas congeladas até o momento da análise. As concentrações de N, P e K foram determinadas trimestralmente, sendo o primeiro trimestre de janeiro a março (JFM), o segundo, de abril a junho (AMJ), e o terceiro, de julho a setembro (JAS) (Quadro 1). As concentrações de K foram analisadas por fotometria de chama; de P, por colorimetria; e de N, por colorimetria com um Technicon Auto-Analyzer.


Foi utilizada a estatística descritiva para análise dos dados mensais de PT, PI, Et, PE e I e regressão linear para analisar as relações entre essas variáveis. As concentrações e quantidades de nutrientes na PT, PI e no Et foram analisadas por meio de análises de variância em blocos casualizados, e a comparação de médias foi feita pelo teste de Tukey.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fluxo da água de chuva dentro do sistema agroflorestal de cultivo em aléias

A pluviosidade anual no período experimental foi de 1.000 mm, sendo, nesse ano, 25 % maior do que a média anual da região, que é de 800 mm. No sistema estudado, a precipitação pluvial interna (PI) contribuiu com a maior parte da água que atravessou a cobertura vegetal e atingiu o solo, com média anual de 673 mm, correspondendo a 67 % da precipitação pluvial total (PT). O escoamento pelo tronco (Et) foi menor do que a PI, atingindo apenas 7,4 mm, correspondente a 0,74 % da PT.

O Et tornou-se presente apenas após eventos de precipitação pluvial total maiores ou iguais a 4 mm, valor próximo ao encontrado por Lima & Leopoldo (2000) em mata ciliar, que foi de 4,2 mm, e 2,8 vezes menor que daquele encontrado por Oliveira Junior & Dias (2005) em mata atlântica: 11,3 mm. Os percentuais de Et, embora pequenos, são relevantes, pois, segundo Oliveira Junior & Dias (2005), a quantidade e a baixa velocidade da água que chega ao solo por meio do escoamento pelo tronco facilitam a infiltração. Nesse caso, o Et funcionaria como um mecanismo de auto-abastecimento que exerce efeito sobre a qualidade e quantidade de entrada de água no solo, resultante de sua distribuição localizada ao redor do tronco (Johnson, 1990; Oliveira Junior & Dias, 2005).

A precipitação pluvial efetiva (PE) e a interceptação (I) foram de 680 e 320 mm, correspondendo a 68 e 32 % da PT, respectivamente. Os valores mensais de PI e Et apresentaram alta correlação com a PT, como indica o modelo linear (Figura 1). Os menores valores de correlação para estimativa do Et sugerem que existem outros fatores que podem alterar os seus valores, além da quantidade de chuva. Contudo, as equações obtidas pelo modelo podem ser usadas na estimativa da precipitação pluvial interna, do escoamento pelo tronco, da precipitação pluvial efetiva e, conseqüentemente, das perdas por interceptação em sistemas de cultivos em aléias, em condições similares às da área experimental. Não obstante, são necessários estudos adicionais na região para realizar comparações e ajustar os dados para os diferentes sistemas de produção existentes.


Deposição de nutrientes

O Et e a PI apresentaram concentrações similares de N e P, com exceção do K, que foi cerca de 1,9 vez maior no Et (Quadro 1). Já as concentrações de N, P e K na água de chuva foram cerca de três, duas e seis vezes menores do que as concentrações encontradas no Et e PI, respectivamente (Quadro 1). De maneira geral, os teores médios de N, P e K na água de chuva foram de 0,5, 0,1 e 2,4 mg L-1; na água que atravessou a cobertura vegetal, de 1,4, 0,20 e 8,6 mg L-1; e no escoamento pelo tronco, de 4, 0,24 e 15 mg L-1, respectivamente.

As maiores concentrações de N, P e K na água escoada pelo tronco ou através da copa das árvores, em comparação à água de chuva, podem ser decorrentes de dois processos. O primeiro seria a lavagem desses elementos da superfície das folhas e nos troncos das árvores após a deposição de poeira ou de partículas resultantes de queimadas em localidades próximas à área de estudo. Além disso, pode haver lixiviação da solução do apoplasto por meio dos estômatos e entre outras aberturas da epiderme foliar e do tronco (Nunes et al., 1986; Crockford et al., 1996; Holscher et al., 1997). Essa última explicação serviria principalmente para o K, que apresenta alta concentração, mas baixa retenção no apoplasto, e cujas concentrações na água que atravessou a cobertura vegetal e que escoou pelo tronco foram entre quatro e seis vezes maiores do que na água de chuva (Quadro 1). A primeira explicação serviria principalmente para N e P, que não são facilmente lixiviáveis de folhas e troncos e cujas concentrações apenas duplicaram após a passagem da água pelas copas e pelos troncos das árvores de gliricídia.

A chuva aportou anualmente no sistema estudado cerca de 5, 1 e 24 kg ha-1 de N, P e K, respectivamente (Quadro 2). Já a água que atravessou a copa das árvores aportou ao solo 9, 2 e 62 kg ha-1 de N, P e K, respectivamente. Por sua vez, as concentrações dos nutrientes contidos na água escoada pelo tronco foram bem mais baixas, aportando cerca de 0,12, 0,02 e 1 kg ha-1 de N, P e K, respectivamente (Quadro 1), uma vez que apenas 0,74 % da precipitação pluvial total escoou pelo tronco.


Dados obtidos em outras regiões apresentam valores próximos aos observados neste estudo. Schroth et al. (2001), por exemplo, reportaram deposições anuais de N, P e K via PT de 5, 0,07 e 2,6 kg ha-1, respectivamente, em Manuas, ao passo que Nunes et al. (1986), na Zona da Mata de Pernambuco, reportaram valores anuais de P e K próximos de 11,1 e 19,4 kg ha-1, respectivamente. As diferenças entre os sistemas estudados no tocante a vegetação, pluviosidade, método e intensidade de amostragem, provavelmente, explicam as variações entre os aportes de nutrientes via PT, PI e Et.

Segundo Artaxo & Hansson (1995) e Schroth et al. (2001), o fluxo de nutrientes via PI e Et pode ser similar àquele via queda de serrapilheira. No presente estudo, observou-se que o retorno de N, P e K ao solo via PI + Et- PT representou 21, 59 e 93 %, respectivamente, da quantidade total que entra ao sistema por meio desses processos espontâneos de reciclagem de nutrientes e daqueles aportados via queda de serrapilheira.

CONCLUSÕES

1. Os resultados sobre ciclagem de nutrientes via precipitação pluvial total, interna e escoamento pelo tronco em sistemas agroflorestais permitem visualizar a importância da adoção desse sistema como estratégia de uso sustentável do solo e da água em regiões semi-áridas.

2. Pode-se deduzir que, devido à interceptação pela copa de uma quantidade significativa de água, haveria menos escoamento superficial e também menos suprimento de água para o lençol subterrâneo em áreas sob manejo agroflorestal do que em sistemas agrícolas tradicionais. Esses mecanismos, portanto, poderiam levar a menores perdas de solo, nutrientes e água por erosão, lixiviação e escoamento subsuperficial.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pela concessão da bolsa de estudo; à Capes, à ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e ao Inter American Institute for Global Change Research (IAI-CRN001), pelo apoio financeiro; e à Equipe Técnica da AS-PTA, pelo auxílio nas atividades de laboratório e campo.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em agosto de 2007 e aprovado em setembro de 2008.

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    Projeto financiado pelo CNPq, Inter American Institute for Global Change Research (IAI) e ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      Set 2008
    • Recebido
      Ago 2007
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