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Composição química da solução do solo nas diferentes classes de poro do solo

Chemical composition of soil solution in different soil pore classes

Resumos

A composição química da solução do solo pode ser considerada indicadora da presença de nutrientes ou contaminantes no solo. Para analisar a variação dessa composição nos poros do solo, utilizou-se um sistema de extração sequencial da solução do solo em diferentes classes de diâmetro de poro. Colunas de PVC foram construídas e preenchidas com terra fina seca ao ar de um Cambissolo Háplico distrófico, e irrigadas com água destilada (T1), efluente de estação de tratamento de esgoto sanitário EETE (T2) e EETE + 1,2 g L-1 CaSO4 (T3), aplicando lâminas de 150 e 300 mm. Antes da irrigação e após cada lâmina, aplicaram-se na base de cada coluna os seguintes potenciais: 0, 13,3, 26,7, 40,0 e 53,3 kPa para extração e coleta da solução do solo nas faixas de poros: Ø > 76,2 µm, 44,6 < Ø < 76,2 µm, 29,6 < Ø < 44,6 µm, 25,2 < Ø < 29,6 µm, e 23,3 < Ø < 25,2 µm. Os atributos analisados nas soluções extraídas foram pH, condutividade elétrica e as concentrações de Na+, Ca2+, NO3-e NH4+. A variação das concentrações iônicas na porosidade do solo foi semelhante, sendo 3 a 10 vezes maior na microporosidade (Ø < 44,6 m) do que na macroporosidade (Ø > 44,6 m). Todos os dados foram ajustados significativamente ao modelo linear Y = a - b.log(X), onde Y é o atributo avaliado e X o diâmetro de poro do solo. Embora a concentração de NO3-na microporosidade supere o valor limite [NO3-]lim para água doce potável (Classe 1), a baixa concentração na macroporosidade (sempre inferior a [NO3-]lim/4) limita o risco de contaminação por lixiviação. Constatou-se também que a adição de gesso promove a redução da concentração de NO3-e de Na+ no solo.

porosidade do solo; efluente de estação de tratamento de esgoto; gesso; nitrato; sodicidade


The chemistry of the soil solution can be regarded as an indicator of the presence of nutrients or contaminants in the soil. To evaluate the variation of this chemical composition in the soil pores, a sequential system of extraction of the soil solution from the different soil pore classes was used. Soil columns were constructed and filled with air-dried fine soil of a Dystrophic Ultisol, and irrigated with: distilled water (T1), treated wastewater (T2) and treated wastewater + 1.2 g L-1 CaSO4 (T3) at irrigation levels of 150 and 300 mm, added progressively (without leaching). Before and after irrigation the soil solution was extracted by applying successive tensions at the base of the columns: 0; -13.3; -26.7; -40.0 and -53.3 kPa, corresponding to the following soil pore classes: Ø > 76.2 µm; 44.6 < Ø < 76.2 µm; 29.6 < Ø > 44.6 µm; 25.2 < Ø < 29.6 µm and 23.26 < Ø < 25.2 µm. The pH, electrical conductivity, Na+, Ca2+, NO3-and NH4+ were analyzed. The variation in ionic concentrations within the pores was always similar, that is, 3 - 10 times higher in micropores (< 44.6 µm) than in macropores; (> 44.6 µm). The data were fitted to the linear model Y = a + b.log(X), where Y is the measured value and X the pore diameter, was significant, specially after applying 300 mm of water or wastewater. Although the nitrate micropore concentration exceeded the limit value [NO3-]lim for potable freshwater (Class 1), the low macropore concentration (always lower than [NO3-]lim/4) limited the contamination risk by leaching. Moreover, the addition of gypsum resulted in reduced nitrate and sodium concentrations.

soil porosity; treated wastewater; gypsum; nitrate; sodicity


SEÇÃO II - QUÍMICA DO SOLO

Composição química da solução do solo nas diferentes classes de poro do solo

Chemical composition of soil solution in different soil pore classes

Thomas Vincent GloaguenI; Francisco Adriano de Carvalho PereiraII; Roberta Alessandra Bruschi GonçalvesI; Vital da Silva PazII

IProfessor Adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas - CETEC. CEP 44380-000 Cruz das Almas (BA). E-mails: tgloaguen@gmail.com; robertabruschi@gmail.com

IIProfessor Adjunto da UFRB, CEP 44380-000 Cruz das Almas (BA). E-mails: fadriano@ufrb.edu.br; vitalpaz@ufrb.edu.br

RESUMO

A composição química da solução do solo pode ser considerada indicadora da presença de nutrientes ou contaminantes no solo. Para analisar a variação dessa composição nos poros do solo, utilizou-se um sistema de extração sequencial da solução do solo em diferentes classes de diâmetro de poro. Colunas de PVC foram construídas e preenchidas com terra fina seca ao ar de um Cambissolo Háplico distrófico, e irrigadas com água destilada (T1), efluente de estação de tratamento de esgoto sanitário EETE (T2) e EETE + 1,2 g L-1 CaSO4 (T3), aplicando lâminas de 150 e 300 mm. Antes da irrigação e após cada lâmina, aplicaram-se na base de cada coluna os seguintes potenciais: 0, 13,3, 26,7, 40,0 e 53,3 kPa para extração e coleta da solução do solo nas faixas de poros: Ø > 76,2 µm, 44,6 < Ø < 76,2 µm, 29,6 < Ø < 44,6 µm, 25,2 < Ø < 29,6 µm, e 23,3 < Ø < 25,2 µm. Os atributos analisados nas soluções extraídas foram pH, condutividade elétrica e as concentrações de Na+, Ca2+, NO3-e NH4+. A variação das concentrações iônicas na porosidade do solo foi semelhante, sendo 3 a 10 vezes maior na microporosidade (Ø < 44,6 m) do que na macroporosidade (Ø > 44,6 m). Todos os dados foram ajustados significativamente ao modelo linear Y = a - b.log(X), onde Y é o atributo avaliado e X o diâmetro de poro do solo. Embora a concentração de NO3-na microporosidade supere o valor limite [NO3-]lim para água doce potável (Classe 1), a baixa concentração na macroporosidade (sempre inferior a [NO3-]lim/4) limita o risco de contaminação por lixiviação. Constatou-se também que a adição de gesso promove a redução da concentração de NO3-e de Na+ no solo.

Termos de indexação: porosidade do solo, efluente de estação de tratamento de esgoto, gesso, nitrato, sodicidade.

SUMMARY

The chemistry of the soil solution can be regarded as an indicator of the presence of nutrients or contaminants in the soil. To evaluate the variation of this chemical composition in the soil pores, a sequential system of extraction of the soil solution from the different soil pore classes was used. Soil columns were constructed and filled with air-dried fine soil of a Dystrophic Ultisol, and irrigated with: distilled water (T1), treated wastewater (T2) and treated wastewater + 1.2 g L-1 CaSO4 (T3) at irrigation levels of 150 and 300 mm, added progressively (without leaching). Before and after irrigation the soil solution was extracted by applying successive tensions at the base of the columns: 0; -13.3; -26.7; -40.0 and -53.3 kPa, corresponding to the following soil pore classes: Ø > 76.2 µm; 44.6 < Ø < 76.2 µm; 29.6 < Ø > 44.6 µm; 25.2 < Ø < 29.6 µm and 23.26 < Ø < 25.2 µm. The pH, electrical conductivity, Na+, Ca2+, NO3-and NH4+ were analyzed. The variation in ionic concentrations within the pores was always similar, that is, 3 - 10 times higher in micropores (< 44.6 µm) than in macropores; (> 44.6 µm). The data were fitted to the linear model Y = a + b.log(X), where Y is the measured value and X the pore diameter, was significant, specially after applying 300 mm of water or wastewater. Although the nitrate micropore concentration exceeded the limit value [NO3-]lim for potable freshwater (Class 1), the low macropore concentration (always lower than [NO3-]lim/4) limited the contamination risk by leaching. Moreover, the addition of gypsum resulted in reduced nitrate and sodium concentrations.

Index terms: soil porosity, treated wastewater, gypsum, nitrate, sodicity.

INTRODUÇÃO

O importante papel da solução do solo em ciências ambientais decorre da sua função no fluxo de massa entre a hidrosfera e a litosfera, por meio do transporte das espécies iônicas, coloides, e outras partículas em suspensão. A sua interação com o solo e com a microfauna e microflora altera a sua composição química ao longo do tempo e do perfil do solo. Dessa forma, o monitoramento da composição da solução do solo frequentemente adotado em experimentos agrícolas, para avaliar a evolução da fertilidade do solo (Smethurst, 2000; Lilienfein et al., 2000; Silva et al., 2000), bem como da sua salinidade (McIntyre, 1980; Dias et al., 2005), e em estudos ambientais, para monitorar a lixiviação de NO3- (Donn & Menzies, 2005; Gloaguen et al., 2007), de elementos-traço metálicos (Percival, 2003) ou de compostos orgânicos (Bellin & Rao, 1993).

Exceto nos lisímetros de tensão zero, que armazenam a água de drenagem livre (gravitacional), a coleta da solução do solo por outros métodos dificilmente diferencia o tipo de água obtida: gravitacional, capilar ou fortemente retida no solo. Landon et al. (1999) demonstraram com marcadores isotópicos que a amostra obtida com cápsula porosa pode ser composta de 15 a 95 % de água gravitacional (macroporosidade), o que prova a grande variabilidade das amostras obtidas por esse método. Por outro lado, Ranger et al. (2001) identificaram grande variação na composição química da água gravitacional, água capilar fracamente retida (extraída com cápsula porosa) e água capilar fortemente retida (extraída por centrifugação): a concentração iônica é geralmente baixa na água gravitacional, e alta na água fortemente retida. Observações semelhantes foram feitas por Laclau et al. (2003). Gloaguen et al. (2009), por meio de um método de extração sequencial da solução do solo, também concluíram que a água retida nos microporos é sempre mais concentrada do que a água dos macroporos, evidenciando que a padronização da metodologia de extração da solução do solo (por exemplo, amplitude e duração da sucção nas cápsulas porosas ou velocidade de centrifugação) é necessária para a comparação de dados de diferentes estudos.

A variação composicional em função da porosidade do solo ocorre em função de vários fatores, tais como superfície específica, atividade da fração sólida (argila > silte > areia), grau de intemperismo dos minerais, matéria orgânica em suspensão na água gravitacional, diferença entre a taxa rápida de liberação/retenção das espécies químicas (absorção, adsorção e atividade microbiana) e os processos mais lentos de difusão e de convecção entre os poros finos e grossos (horas a dias), resultando num gradiente de concentração. A soma dos fenômenos deveria resultar numa distribuição complexa e altamente variável dos íons na porosidade do solo.

Outro aspecto determinante na variabilidade espacial da composição química da solução do solo é o aporte de espécies químicas para o solo pela precipitação ou irrigação. No caso da irrigação com águas residuárias, como as estações de tratamentos não são planejadas para eliminar os sais, esses permanecem em concentração alta no efluente tratado. Gloaguen (2006) mostrou que a adição de cátions é muito elevada, variando de 34 % para o Ca2+ a 99 % para o Na+. Esses sais têm dois efeitos distintos no solo. Primeiramente, o excesso de sais no solo leva à sua salinização e ao aumento do potencial osmótico da água no solo, o que, a longo prazo, torna impraticável a cultura de plantas pouco tolerantes à salinidade. O segundo efeito ainda mais indesejável, devido a seu caráter menos reversível, é a sodificação, que é dependente da razão entre Na+ e Ca2+ + Mg2+ e não da salinidade da água de irrigação. Enquanto a adição de Ca2+ favorece a formação de agregados e a estrutura do solo, a sodificação do solo prejudica as propriedades físicas (Magesan et al., 1999; Halliwell et al., 2001; Goncalves et al., 2007) e químicas (Fonseca, 2005; Medeiros et al., 2005; Herpin et al., 2007; Gloaguen et al., 2007), e, consequentemente, o crescimento e desenvolvimento das culturas. Aplicação de gesso para controle da sodicidade e lixiviação parcial para controle da salinidade (Qadir & Oster, 2004) seriam práticas possíveis de serem adotadas ao manejo de irrigação com águas residuárias, necessitando, então, o conhecimento detalhado da dinâmica dos solutos.

Há dois objetivos principais neste trabalho: determinar a variação da composição química da solução do solo nas diferentes classes de poros, e avaliar os efeitos da irrigação com água residuária e da adição de gesso nesta distribuição dos sais nos poros do solo.

MATERIAL E MÉTODOS

Características do experimento

Colunas de solo foram construídas com tubo de PVC de 30 cm de comprimento e 5,2 cm de diâmetro, tendo na base uma camada de areia descontaminada e um filtro de esponja. Elas foram preenchidas com terra fina seca ao ar (< 2 mm de diâmetro), coletada em Simões Filho - BA (12 º 47 ' 5 '' S 38 º 26 ' 2 '' O) na camada de 0-0,3 m de um Cambissolo Háplico distrófico, derivada de arenito com níveis argilosos (Quadro 1). A macroporosidade (potencial matricial no solo ψm > -6,5 kPa) e microporosidade (potencial matricial no solo ψm < -6,5 kPa) foram de 0,035 e 0,414 m3 m-3, respectivamente. O solo das colunas, com massa média de 0,862 ± 0,005 kg, foi compactado lentamente até atingir a densidade do solo no campo conhecida previamente (1.350 kg m-3).


Aplicaram-se na superfície do solo 300 mm (630 mL) de água destilada com CE < 6,0 µS cm-1 (Tratamento 1), 300 mm de efluente de estação de tratamento de esgoto sanitário EETE (Tratamento 2) e 300 mm de EETE com 1,2 g L-1 de CaSO4 (Tratamento 3), em três colunas para cada tratamento. Para completar a aplicação de 300 mm de água sem ter lixiviação, foram necessárias dez aplicações sucessivas de 30 mm. A evaporação entre cada aplicação foi acelerada colocando as colunas numa estufa a 35 ºC até atingir a mesma massa da coluna determinada antes da aplicação. A aplicação foi feita lentamente num período de aproximadamente 8 h, evitando sempre carga hidráulica na superfície para não ocorrer escoamento preferencial entre a parede da coluna e o solo.

Coleta e análise da solução do solo

Foram realizadas em cada coluna três coletas da solução do solo: (a) antes da aplicação, (b) após aplicação de 150 mm, e (c) após aplicação de 300 mm de água/EET. A coleta sempre seguiu o mesmo procedimento: saturação por 24 h com água destilada (simulando solo saturado após forte precipitação), seguida da aplicação sucessiva com bomba elétrica de vácuo, na base das colunas, dos seguintes potenciais: 0; 13,3; 26,7; 40,0 e 53,3 kPa (-0; -100; -200; -300; -400 mm Hg). A etapa da saturação com água foi adotada com objetivo de simular uma lixiviação das espécies químicas no solo saturado com água da chuva (salinidade geralmente menor que 2 % da salinidade de um efluente sanitário). O potencial mátrico foi medido por meio de um tensiômetro; o diâmetro mínimo foi então calculado através da lei de Jurin (Gloaguen, 2009). Desse modo, os potenciais -0; -13,3; -26,7; -40,0 e -53,3 kPa correspondem, respectivamente, as seguintes classes de diâmetro de poros: Ø > 76,2 µm (macroporosidade drenável); 44,6 < Ø < 76,2 µm (macroporosidade não drenável); 29,6 < Ø < 44,6 µm (microporosidade); 25,2 < Ø < 29,6 µm (microporosidade) e 23,26 < Ø < 25,2 µm (microporosidade).

As amostras coletadas foram pesadas com balança de precisão (0,01 g) e o volume foi considerado equivalente à massa após ter-se verificado que a razão entre o volume (água) e massa (água + solutos) sempre era superior a 0,999. Após leituras do pH e da condutividade elétrica, as amostras foram congeladas a -12 ºC.

As concentrações de Na+, K+ e NO3- foram obtidas com medidores de íon compactado Horiba (compact ion meter), cuja exatidão variou entre 1 e 4 %, conforme apresentado em Gloaguen et al. (2009). A concentração de Ca2+ foi determinada por titulação com EDTA (Raij et al., 2001), e a concentração de NH4+ por colorimetria (método Indotest, APHA, 2005).

Análise dos dados

Foram utilizadas as médias dos valores obtidos nas três colunas para cada tratamento (T1, T2 e T3) e cada lâmina aplicada (0, 150 e 300 mm). Os dados foram ajustados ao modelo linear yi = β0 + β1.xi + εi pelo método dos mínimos quadrados da ferramenta de análise do programa Microsoft Excel®. A significância da regressão linear foi verificada por uma análise de variância; foram comparados os valores de F para p < 0,05 e p < 0,01.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O efluente sanitário EETE (Quadro 2), após tratado em digestor anaeróbio de fluxo ascendente (DAFA), foi classificado como ligeiramente salobro (CONAMA, 2005). O valor da razão de adsorção de Na (RAS = Na/√(Ca2+ + Mg2+) = 6,5 mmol0,5 L-0,5) restringe o seu uso na irrigação devido a problemas potenciais na estrutura do solo (Ayers & Westcot, 1999). No entanto, a adição de gesso, elevando a concentração de Ca2+ para 326 mg L-1, reduziu o valor da RAS para 3,0 (mmolc L-1)0,5 e elevou a condutividade elétrica para 1,27 dS m-1, possibilitando o seu uso na agricultura (Ayers & Westcot, 1999).


Os valores de pH, condutividade elétrica e das concentrações iônicas em função do diâmetro mínimo de poro do solo estão apresentados nas figuras 1 e 2. Observou-se, nitidamente, correlação linear entre o logaritmo do diâmetro de poro e as concentrações iônicas da solução do solo. As equações no quadro 3 correspondem aos gráficos 1 e 2 e indicam o aumento exponencial da concentração iônica com a diminuição do diâmetro dos poros. Concentrações maiores na água capilar (macroporosidade não drenável e microporosidade, ou seja, poros com diâmetro inferior a 44,6 µm) foram também observadas em condições de campo por Ranger et al. (2001) e Laclau et al. (2003), utilizando lisímetros de tensão zero (coletores de drenagem livre) e extratores de solução com cápsulas de cerâmica porosas.




Os valores de pH na solução do solo variaram entre 4,0 e 6,2 (Figura 1) e são considerados baixos quando comparados com os obtidos na solução de um solo irrigado com EETE (Gloaguen et al., 2007; Herpin et al., 2007). Isso ocorre devido ao procedimento da saturação com água destilada, diferente da coleta in situ da solução do solo com cápsulas porosas.

O pH variou de 5,5 a 6,0 na macroporosidade drenável (Ø > 76 µm) para as nove colunas antes do experimento para I = 0 mm e tratamentos 1, 2 e 3) (Figura 1). Na microporosidade, o pH decresce exponencialmente até valores inferiores a 5, o que indica uma retenção dos íons hidrogênio na porosidade fina. A hidrólise dos minerais, geralmente determinante da composição química da solução do solo na microporosidade, consome H+ e provoca alcalinização (van Breemen et al., 1984; Laclau et al., 2003), mas ocorre a longo prazo. Neste estudo, a acidificação constatada pode ser atribuída à nitrificação que ocorre principalmente na microporosidade (Ranger et al., 2001). A aplicação de 300 mm de lâmina de água destilada resulta em um decréscimo de 1,5 unidade de pH na macroporosidade drenável (Figura 1, I = 300 mm, Tratamento 1), e de 1,0 unidade (média) na água capilar (macroporosidade não drenável + microporosidade). Esta acidificação da solução do solo foi atribuída à lixiviação das bases na primeira coleta. O mesmo comportamento nos valores de pH foi observado quando foi aplicado EETE (T2 Figura 1). Por outro lado, a adição de CaSO4 no EETE promoveu aumento do pH após aplicação de uma lâmina de 150 mm, principalmente na microporosidade (aumento de 1,3 unidade). As retas de regressão entre pH e log(Ø) foram sempre significativas quando o solo recebeu água destilada (Quadro 3). Por outro lado, foi menos claro no caso do solo irrigado com EETE (T2 e T3).

A regressão linear entre a condutividade elétrica e o logaritmo do diâmetro de poro apresentou um elevado coeficiente de determinação (até 0,986; p < 0,01; Quadro 3). Na macroporosidade drenável, o valor da CE foi baixo (média = 74,7 µS cm-1), mas na microporosidade o valor atingiu 1.008 µS cm-1, com média de 364 µS cm-1. Independentemente do tratamento, as irrigações sucessivas resultaram no aumento do coeficiente angular das retas, devido ao aumento preponderante da salinidade na microporosidade (Figura 1). O fato de o fenômeno ocorrer também no solo que recebeu água destilada revela o papel decisivo da desorção iônica dos agregados na composição química da solução do solo na microporosidade (Ranger et al., 2001; Laclau et al., 2003). Paralelamente, nota-se que quanto maior a lâmina de efluente aplicada, maiores o coeficiente de determinação e a significância da regressão linear (Quadro 3). Pode-se afirmar que o aumento da irrigação (sem lixiviação) leva a uma melhor correlação entre salinidade e porosidade do solo. Finalmente, a menor salinidade da solução do solo em T3 (com CaSO4) do que em T2 (sem CaSO4), embora inesperada, foi explicada pela adsorção do Ca2+ na CTC do solo, enquanto os ânions SO42- foram precipitando com os cátions da solução do solo (Na+, K+, Mg2+), diminuindo o total de sais dissolvidos.

A concentração de Na+ na solução do solo apresentou um comportamento semelhante ao da CE (Figura 1), porém, mais significativo, com valor de r2 até 0,996 (Quadro 3). Também se observou que quanto maior a lâmina aplicada, melhor a relação linear entre [Na+] e log(Ø), exceto no caso do tratamento 1, em que o decréscimo de [Na+] na terceira coleta foi atribuído ao baixo teor de Na+ no solo, que deve ter sido expressivamente extraído na segunda coleta (nos tratamentos 2 e 3, houve reposição pela água residuária). Isso foi confirmado com as concentrações de Ca2+ e de NO3- que seguem a mesma tendência (Figura 2). Após aplicação de uma lâmina de 300 mm, as concentrações médias de Na+ nos tratamentos 2 e 3 foram, respectivamente, 6,1 e 5,1 vezes maior do que no tratamento 1. No entanto, nota-se que a adição de gesso (T3) proporcionou valores menores de [Na+] na solução do solo (com relação a T2), provavelmente causado pela precipitação do Na+ na forma de Na2SO4.

A distribuição de Ca2+ na porosidade do solo foi semelhante à do Na+, sobretudo nos tratamentos 1 e 2 (Figura 2). A adição de Ca2+ pelo efluente contribuiu para o aumento da concentração do elemento na solução do solo na microporosidade (Figura 1). A concentração inicial era em torno de 70 mg L-1 e atingiu 541 mg L-1 (T2) e 712 mg L-1 (T3) após a irrigação. Por outro lado, não houve acúmulo do elemento na macroporosidade, e a concentração não ultrapassou 100 mg L-1, limitando as perdas de Ca2+ pela água de drenagem livre (água gravitacional).

O comportamento do NO3- também se assemelhou ao do Na+ e Ca2+ (Figura 2). Era esperado um comportamento diferenciado, uma vez que a concentração desse íon depende essencialmente da atividade microbiana do solo (Recours & Mary, 1990), e da capacidade de troca aniônica do solo (Alcantara & Camargo, 2005). O meio aeróbio do solo favorece a nitrificação, transformando o N na forma reduzida no efluente (NH4+ ou N-orgânico) em nitrato (Nishio & Fujimoto, 1990). Desse modo, apesar da baixa concentração de nitrato no efluente (1,2 mg L-1, Quadro 2), ela supera 10 mg L-1 na macroporosidade e chega a 60 mg L-1 na microporosidade, onde o processo de nitrificação aumenta (Ranger et al., 2001). O aumento da lâmina de irrigação também ocasionou maior variabilidade de [NO3-] na porosidade do solo, indicado pelo aumento do coeficiente angular (b, em valor absoluto) das retas [NO3-] = a + b.log(Ø), como foi observado para CE, Na+ e Ca2+. Como o nitrato é parcialmente oriundo da oxidação do amônio, este se encontra em baixa concentração na solução do solo (somente 3 valores superiores a 1 mg L-1), geralmente um décimo da concentração no efluente (Figura 2). Outro resultado interessante foi a concentração menor de nitrato na solução do solo encontrada no tratamento T3 (ETEE + CaSO4) em comparação ao tratamento T2 (sem gesso). Rietz & Haynes (2003) demonstraram que o aumento da salinidade provoca um decréscimo da taxa de mineralização do N orgânico do solo. Utilizando a função proposta pelos autores, Nmineralizado = f(CE), verificou-se que o N mineralizado é 4,5 vezes menor quando passa de CE = 875 µS cm-1 (tratamento T2: EETE) a CE = 2.750 µS cm-1 (tratamento T3: EETE + CaSO4). Embora os valores calculados não sejam reais devido à diferença das condições experimentais, isso revela qualitativamente o impacto da aplicação de gesso na nitrificação, explicado pelo estresse salino que altera o metabolismo dos microorganismos (Rietz & Haynes, 2003).

Apesar das concentrações elevadas na microporosidade, a concentração de nitrato na macroporosidade permaneceu inferior ao valor limite para água doce de classe 1 (10 mg L-1 N-NO3-; CONAMA, 2005), demonstrando que a lixiviação da água não levaria à contaminação de águas subsuperficiais. Esta dependência entre concentração de nitrato e porosidade do solo deve ser considerada nos modelos de transporte de solutos para otimizar a absorção radicular e estimar corretamente os fluxos de nitratos no solo.

A condutividade elétrica (CE), por ser relacionada ao total dos sais dissolvidos (U.S. Salinity Laboratory Staff, 1954; McIntyre, 1980), foi bem correlacionada com as concentrações de Na+ e NO3- (Figura 3), como revela o ajuste às retas lineares Na+ = a + b.CE e NO3- = a + b.CE (r2 entre 0,820 e 0,976; p < 0,01). Após a aplicação do efluente, o coeficiente angular foi semelhante em todos os casos estudados (Figura 3; tratamentos T2 e T3). Associando as informações das figuras 1, 2 e 3, verificase que, neste estudo, uma medida de condutividade elétrica na água de drenagem (gravitacional) e outra na água capilar (com tensão conhecida) são suficientes para avaliar a distribuição das concentrações de Na+ e de NO3- na porosidade do solo.


Estudos posteriores serão necessários para estabelecer as correlações entre a classe do solo (considerando principalmente a textura, teor de óxidos e teor de matéria orgânica) e o potencial mátrico do solo quando se aplica determinada tensão na cápsula porosa.

CONCLUSÕES

1. As concentrações iônicas (C) na solução do solo são inversamente proporcionais ao logaritmo do diâmetro de poro do solo (Ø), obedecendo à relação linear significativa C = a + b.log(Ø).

2. Esta correlação aumenta com aumento da lâmina de irrigação com água ou com esgoto tratado.

3. A distribuição da concentração de NO3- nos poros do solo foi semelhante à dos cátions, o que revela que a dinâmica do NO3- é mais influenciada pelos processos físico-químicos (dispersão e adsorção) do que bioquímicos.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em janeiro de 2009 e aprovado em julho de 2009.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2009

Histórico

  • Aceito
    Jul 2009
  • Recebido
    Jan 2009
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