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Caracterização química e mineralogia de solos antrópicos (terras pretas de índio) na amazônia central

Chemical and mineralogical characterization of anthropic soils (amazonian dark earths) in the central amazon

Resumos

Na Amazônia brasileira é comum a ocorrência de sítios arqueológicos. Frequentemente, observa-se que as ações humanas nesses sítios promoveram modificações significativas em muitas das características físicas, morfológicas e químicas dos solos desses ambientes, tornando-os muito diferentes dos solos adjacentes, especialmente nas áreas de terra firme da região. Embora muitos estudos tenham sido conduzidos visando compreender a magnitude dessas modificações e seus reflexos na gênese dos solos influenciados, muitas questões precisam ser mais bem compreendidas, sobretudo as relacionadas com a mineralogia desses solos. Este estudo teve como objetivo avaliar as características químicas, a composição mineralógica das frações argila e areia e o grau de pedogênese de cinco perfis de solos com horizonte A antrópico (Au), em ambientes de terra firme e várzea, localizados na Bacia Sedimentar do Amazonas, entre Coari e Manaus-AM. Amostras de solos foram coletadas, preparadas e submetidas às análises químicas de rotina e caracterizadas quanto aos teores de carbono oxidável e aos teores de Si, Fe, Al e P; adicionalmente, efetuou-se a identificação dos minerais presentes nas frações argila e areia, por meio de difratometria de raios X. Os resultados mostraram que as modificações promovidas pela atividade humana levaram à melhoria da fertilidade do solo, resultando em solos com acidez moderada, elevados teores de Ca2+ e de P disponíveis e baixos teores de Al3+ trocável. Esses resultados também revelaram teores muito elevados de P-total nos horizontes antrópicos, variando entre 1.630 e 8.840 mg kg-1 de P2O5. A mineralogia da fração argila dos solos antrópicos de terra firme revelou dominância de caulinita, além da ocorrência de gibbsita, de goethita e de óxidos de titânio (anatásio). O perfil de várzea, além de caulinita e goethita, apresentou também minerais do tipo 2:1 na fração argila. A mineralogia da fração areia dos solos estudados revelou dominância de quartzo, independentemente do ambiente. A fração magnética é composta por maghemita e hematita. Constatou-se, portanto, significativa riqueza química nos horizontes antrópicos, bem como diferenças na composição mineralógica desses horizontes.

Amazônia brasileira; horizonte antrópico (Au); várzea; mineralogia; DRX


Archeological sites are frequent in the Brazilian Amazon. The physical, chemical and morphological properties, due to anthropic influence, are quite different from surrounding soils, mainly in the uplands. Although several studies have been carried out to understand the magnitude of these modifications and their influence on the genesis of such soils, aspects such as the mineralogical properties need to be better described. This study aimed at evaluating the chemical and mineralogical properties of anthropic horizons (Au) of soils of upland and floodplain sites located in the Sedimentary Basin of the Amazon, between the cities of Coari and Manaus. Soil samples were collected and analyzed for chemical properties (pH ) and for the total contents of Fe, Al, Si and P. The mineralogical compositions of the clay and sand fractions were evaluated by X-ray diffraction (XRD). The results showed that anthropic modifications lowered the acidity and exchangeable Al soil contents and enhanced the contents of available Ca and P. The total P contents in the anthropic horizons ranged from 1630 to 8840 mg kg-1 of P2O5.. Kaolinite was the main mineral found in the clay fraction of upland soils, followed by gibbsite, goethite and titanium oxides. The floodplain soils showed clay fractions composed of kaolinite, goethite and 2:1 silicates. The sand fractions of all studied soils consisted predominantly of quartz. The magnetic fractions consisted of hematite and maghemite. In conclusion, better chemical properties were observed in the anthropic horizons, as well as differences in their mineralogical composition as compared to the other studied sites.

Brazilian Amazon; anthropic horizons (Au); floodplain; mineralogy; X-ray diffraction (XRD)


DIVISÃO 1 - SOLO NO ESPAÇO E NO TEMPO

COMISSÃO 1.1 - GÊNESE E MORFOLOGIA DO SOLO

Caracterização química e mineralogia de solos antrópicos (terras pretas de índio) na amazônia central1 1 Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada ao PPG Agronomia Tropical da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Projeto financiado pela FAPEAM. Recebido para publicação em agosto de 2009 e aprovado em março de 2011.

Chemical and mineralogical characterization of anthropic soils (amazonian dark earths) in the central amazon

Francisco Weliton Rocha SilvaI; Hedinaldo Narciso LimaII; Wenceslau Geraldes TeixeiraIII; Marcelo Batista MottaIV; Rodrigo Macedo SantanaV

IM.Sc. em Agricultura e Sustentabilidade na Amazônia. TAE, Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Av. General Rodrigo Otávio 3000, CEP 69077-000 Manaus (AM). E-mail: fweliton17@yahoo.com.br

IIProfessor Adjunto, UFAM. E-mail: hedinaldo@ufam.edu.br

IIIPesquisador da Embrapa Solos - CNPS, Rio de Janeiro (RJ). E-mail: wenceslau@cnps.embrapa.br

IVM.Sc. em Geociências, Manaus (AM). E-mail: marcelo.motta@cprm.gov.br

VM.Sc. em Agronomia Tropical, Manaus (AM). E-mail: macedo-rs@hotmail.com

RESUMO

Na Amazônia brasileira é comum a ocorrência de sítios arqueológicos. Frequentemente, observa-se que as ações humanas nesses sítios promoveram modificações significativas em muitas das características físicas, morfológicas e químicas dos solos desses ambientes, tornando-os muito diferentes dos solos adjacentes, especialmente nas áreas de terra firme da região. Embora muitos estudos tenham sido conduzidos visando compreender a magnitude dessas modificações e seus reflexos na gênese dos solos influenciados, muitas questões precisam ser mais bem compreendidas, sobretudo as relacionadas com a mineralogia desses solos. Este estudo teve como objetivo avaliar as características químicas, a composição mineralógica das frações argila e areia e o grau de pedogênese de cinco perfis de solos com horizonte A antrópico (Au), em ambientes de terra firme e várzea, localizados na Bacia Sedimentar do Amazonas, entre Coari e Manaus-AM. Amostras de solos foram coletadas, preparadas e submetidas às análises químicas de rotina e caracterizadas quanto aos teores de carbono oxidável e aos teores de Si, Fe, Al e P; adicionalmente, efetuou-se a identificação dos minerais presentes nas frações argila e areia, por meio de difratometria de raios X. Os resultados mostraram que as modificações promovidas pela atividade humana levaram à melhoria da fertilidade do solo, resultando em solos com acidez moderada, elevados teores de Ca2+ e de P disponíveis e baixos teores de Al3+ trocável. Esses resultados também revelaram teores muito elevados de P-total nos horizontes antrópicos, variando entre 1.630 e 8.840 mg kg-1 de P2O5. A mineralogia da fração argila dos solos antrópicos de terra firme revelou dominância de caulinita, além da ocorrência de gibbsita, de goethita e de óxidos de titânio (anatásio). O perfil de várzea, além de caulinita e goethita, apresentou também minerais do tipo 2:1 na fração argila. A mineralogia da fração areia dos solos estudados revelou dominância de quartzo, independentemente do ambiente. A fração magnética é composta por maghemita e hematita. Constatou-se, portanto, significativa riqueza química nos horizontes antrópicos, bem como diferenças na composição mineralógica desses horizontes.

Termos de indexação: Amazônia brasileira, horizonte antrópico (Au), várzea, mineralogia, DRX.

SUMMARY

Archeological sites are frequent in the Brazilian Amazon. The physical, chemical and morphological properties, due to anthropic influence, are quite different from surrounding soils, mainly in the uplands. Although several studies have been carried out to understand the magnitude of these modifications and their influence on the genesis of such soils, aspects such as the mineralogical properties need to be better described. This study aimed at evaluating the chemical and mineralogical properties of anthropic horizons (Au) of soils of upland and floodplain sites located in the Sedimentary Basin of the Amazon, between the cities of Coari and Manaus. Soil samples were collected and analyzed for chemical properties (pH ) and for the total contents of Fe, Al, Si and P. The mineralogical compositions of the clay and sand fractions were evaluated by X-ray diffraction (XRD). The results showed that anthropic modifications lowered the acidity and exchangeable Al soil contents and enhanced the contents of available Ca and P. The total P contents in the anthropic horizons ranged from 1630 to 8840 mg kg-1 of P2O5.. Kaolinite was the main mineral found in the clay fraction of upland soils, followed by gibbsite, goethite and titanium oxides. The floodplain soils showed clay fractions composed of kaolinite, goethite and 2:1 silicates. The sand fractions of all studied soils consisted predominantly of quartz. The magnetic fractions consisted of hematite and maghemite. In conclusion, better chemical properties were observed in the anthropic horizons, as well as differences in their mineralogical composition as compared to the other studied sites.

Index terms: Brazilian Amazon, anthropic horizons (Au), floodplain, mineralogy, X-ray diffraction (XRD).

INTRODUÇÃO

A ocorrência de solos alterados por populações pré-colombianas na paisagem amazônica, conhecidos regionalmente como Terra Preta de Índio (TPI) ou Terra Preta Arqueológica, representa um importante registro da ocupação humana e do uso do solo na Amazônia (Lima, 2001; Lima et al., 2002). As TPIs são solos com presença de horizonte A antrópico (Au) que, de modo geral, apresentam teores elevados de nutrientes, principalmente Ca2+ e P, em comparação com a maioria dos solos de terra firme na Amazônia. Estes, na maioria, apresentam baixa fertilidade natural, atribuída à natureza do material geológico, às geoformas e às condições bioclimáticas atuais (Schaefer et al., 2000; Lima et al., 2006).

As TPIs têm sido objeto de vários estudos relacionados a vários ramos da ciência, especialmente Ciência do Solo e Arqueologia. Os estudos dos solos de sítios arqueológicos na Amazônia brasileira deram maior destaque aos atributos relacionados à fertilidade, sendo menos frequentes aqueles relacionados à mineralogia. Estudos recentes da composição mineralógica das TPIs foram realizados por Lima (2001), Lima et al. (2002), Lehmann et al. (2006) e Sérgio et al. (2006).

De modo geral, as TPIs ocupam pequenas áreas, de dois a cinco hectares (Teixeira & Martins, 2003), as quais, no entanto, possuem grande importância histórica, especialmente relacionada à cultura de antigas populações indígenas da Amazônia pré-colonial, e grande interesse agronômico.

As áreas de TPI, por suas características físicas, fertilidade elevada e sustentabilidade, são muito requeridas para o cultivo de espécies alimentares, principalmente hortaliças e fruticultura (Teixeira & Martins, 2002), embora constituam sítios arqueológicos (patrimônio cultural), de preservação obrigatória, de acordo com a Lei Federal nº 3.924 de 26 de julho de 1961.

A maioria dos trabalhos de mineralogia das TPIs foi realizada em áreas de terra firme, onde são mais frequentemente identificados sítios arqueológicos. Recentemente, foram identificados alguns sítios enterrados em ambiente de várzea (Teixeira et al., 2006; Corrêa, 2007; Silva, 2008; Macedo, 2009), reforçando a necessidade de ampliar os estudos sobre esses solos.

Este estudo objetivou caracterizar a mineralogia das TPIs, de terra firme e de várzea, avaliando os componentes minerais da fração argila, os minerais magnéticos e o grau de pedogênese desses solos, com o intuito de contribuir para a compreensão da gênese, da riqueza química e da sustentabilidade das TPIs da Amazônia brasileira.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados cinco solos de sítios arqueológicos (quatro em terra firme e um em várzea), situados na Bacia Sedimentar do Amazonas, entre as cidades de Coari e Manaus -AM (Figura 1). Os perfis de terra firme (ambientes não sujeitos à inundação) foram: sítio Comunidade São João Batista (S 3 ° 18 ' 14 " - W 60 ° 32 ' 96 "); sítio Pilão (S 03 ° 12 ' 01 " - W 60 ° 20 ' 06 "); sítio Lago do Limão (S 03 ° 11 ' 08 " - W 60 ° 20 ' 46 "); e sítio Ena (S 3 ° 48 ' 76 " - W 62 ° 07 ' 75 "). No ambiente de várzea (planície aluvial), de deposição holocênica e pleistocênica, que margeia os rios de águas barrentas (ricas em sedimentos em suspensão) e sujeita a inundações sazonais (Iriondo, 1982; Teixeira et al., 2007), foi estudado o sítio Lauro Sodré, na margem esquerda do Solimões (S 3 ° 51 ' 18 " - W 62 ° 35 ' 62 ") (Figura 1).


Amostras dos horizontes antrópicos e não antrópicos foram coletadas, secas ao ar, destorroadas e passadas em peneiras de 2 mm de abertura de malha para obtenção da TFSA e submetidas às seguintes análises: pH (em água e em solução KCl 1 mol L-1); Al3+, extraído com KCl 1 mol L-1 e quantificado por titulometria com solução NaOH 0,025 mol L-1; acidez potencial (H+Al), extraída com acetato de Ca 0,5 mol L-1 a pH 7,0 e quantificada por titulometria com solução NaOH 0,025 mol L-1; P, Na e K extraídos por Mehlich-1 e quantificados, respectivamente, por colorimetria e fotometria de chama; Ca2+ e Mg2+, extraídos com KCl 1 mol L-1 e quantificados por colorimetria; e C orgânico total (COT), por oxidação via úmida. Os procedimentos metodológicos utilizados estão descritos em Embrapa (1999).

As frações argila e areia foram separadas conforme Embrapa (1997) para análise por difração de raios X (DRX), em equipamento SHIMADZU XRD 6000, com anodo de Cu, em intervalo de varredura entre 3 e 60 02θ.

Adicionalmente, de duas amostras (TFSA) coletadas em horizontes antrópicos (sítios Comunidade S.J. Batista e Pilão), foram isoladas frações com ímã de mão e analisadas em lupa binocular e por DRX. Nas demais amostras, não obteve-se material suficiente para análise.

Amostras de 1 g de TFSA foram solubilizadas por 20 mL de solução H2SO4: H2O 1:1 aquecidas e fervidas por 30 min, usando-se condensador de refluxo para evitar evaporação, seguindo-se resfriamento, diluição com água destilada e filtragem. No filtrado, foram quantificados os teores de Al, Fe e P. O resíduo foi solubilizado com solução de NaOH para dosagem do Si (Embrapa, 1997). Os teores dos elementos foram convertidos para a forma de óxidos (Al2O3, Fe2O3, P2O5 e SiO2), e as relações moleculares Ki e Kr, calculadas mediante as expressões: Ki = % SiO2 x 1,7/ % Al2O3 e Kr = %SiO2 x 1,7/[ % Al2O3 + ( %Fe2O 3 x 0,64)].

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização química

A acidez ativa do solo, medida por meio do pH em água, revelou acidez moderada na maioria das amostras analisadas, conforme os critérios de avaliação descritos em Embrapa (2006), com valores de pH em água variando entre 5,1 e 6,4. Adicionalmente, os valores de pH em KCl foram inferiores aos de pH em água, evidenciando predomínio de carga superficial líquida negativa em todos os perfis estudados (Quadro 1). Os teores de Na e K são baixos em todos os perfis analisados.


Os teores de Ca2+ e P foram muito elevados, especialmente nos horizontes antrópicos. Os valores de Ca2+ variaram de 3,23 a 25,0 cmolc kg-1, enquanto os teores de P variaram entre 23 e 955 mg kg-1. Os teores mais elevados desses elementos foram observados nos horizontes antrópicos do sítio Lago do Limão, enquanto os menores valores foram encontrados nas camadas superficiais do Neossolo Flúvico, sítio Lauro Sodré (Quadro 1).

A influência da ação antrópica estende-se além dos horizontes antrópicos, como revelaram os teores de P nos horizontes não antrópicos, especialmente nos solos de terra firme. De modo geral, os teores desse elemento nos solos de terra firme da Amazônia brasileira são inferiores a 5 mg kg-1 (Rodrigues, 1996). Os teores elevados de P nas TPIs são resultantes da incorporação, por populações pré-colombianas, de resíduos orgânicos ricos em P, sobretudo espinhas de peixes, ossos de mamíferos e quelônios e, em alguns casos, possivelmente, ossos humanos, ricos em P (Lima, 2001; Lima et al., 2002).

Os teores de C orgânico total (COT) variaram de 0,79 a 60,90 g kg-1. Os teores mais elevados foram observados nos horizontes antrópicos das TPIs da terra firme (Quadro 1). Os solos dos sítios Comunidade S.J. Batista e Lauro Sodré apresentam os menores teores de COT. Por serem solos mais arenosos, a estabilidade do C orgânico é menor. O menor teor observado no sítio Lauro Sodré pode ser atribuído à sua posição na paisagem (várzea alta) e à natureza dos sedimentos minerais recentes.

Por outro lado, teores elevados de COT, em relação aos solos adjacentes, têm sido considerados um dos atributos típicos das TPIs, podendo ser utilizados para diferenciá-las dos solos adjacentes (Pabst, 1991; Lima, 2001; Kampf & Kern, 2005). De modo geral, esses solos adjacentes apresentam teores de C orgânico no horizonte A inferiores a 30 g kg-1 (Rodrigues, 1996; Lima, 2001).

Os teores mais elevados de COT das TPIs são atribuídos ao acúmulo de material orgânico (Kern & Kämpf, 1989) e, principalmente, aos resíduos de queimadas (Smith, 1980). A ocorrência de carvão vegetal, de acordo com Glaser et al. (2000), é outro atributo comum nas TPIs, sendo esse carvão de origem pirogênica (Glaser et al., 1999). De acordo com Pabst (1991), a matéria orgânica das TPIs pode ser seis vezes mais estável que a de solos não antrópicos. Por sua vez, a elevada fertilidade desses solos está relacionada ao teor de matéria orgânica e à sua elevada reatividade (Cunha et al., 2007).

Componentes mineralógicos das frações argila e areia

As frações argila das TPIs de terra firme apresentaram composições mineralógicas semelhantes, com predomínio de caulinita. Foram observados também goethita, gibbsita e anatásio. Na TPI da várzea do rio Solimões, observaram-se, além da caulinita, argilas silicatadas 2:1, além de mica/ ilita, comuns em solos menos intemperizados (Figura 2). Na fração areia das TPIs de terra firme constatou-se a presença exclusiva de quartzo (Figura 3). Os resultados encontrados neste estudo, de modo geral, não diferem dos observados por Lima (2001), Lehmann et al. (2006) e Lima et al. (2006).



A análise mineralógica dos concentrados magnéticos de duas amostras de TPI revelaram principalmente a presença de maghemita, mineral não observado em solos não antrópicos adjacentes (Figura 4). Costa et al. (2004) e Sérgio et al. (2006) também observaram a ocorrência de maghemita em TPI e em fragmentos de cerâmicas encontradas em sítios arqueológicos com TPI. De acordo com Costa et al. (2004), a presença desse mineral explica o magnetismo mostrado por cerâmicas. Por sua vez, Sérgio et al. (2006) observaram que maghemita e hematita encontradas em cerâmica e no solo apresentaram características cristalinas semelhantes, indicando a mesma origem. Ainda segundo esses autores, a provável rota de origem da maghemita em horizontes antrópicos está relacionada à exposição desses compostos a elevadas temperaturas. Portanto, é provável que a maghemita observada seja resultante da degradação da cerâmica, ou também originada de queimadas frequentes que eram feitas nesse ambiente. A presença de hematita no material magnético (Figura 4) indica que esse mineral está associado à maghemita, provavelmente revestindo os agregados.


Esses resultados evidenciam que as ações antrópicas promoveram alterações químicas, morfológicas, principalmente na cor (terras pretas), e também pequenas modificações na composição mineralógica dos solos estudados.

Ataque sulfúrico

De acordo com os resultados (Quadro 2), os teores de Fe2O3 variaram entre 42,9 e 99,3 g kg -1, considerados relativamente baixos, tanto nos solos da terra firme quanto no solo da planície aluvial (várzea). Esses valores estão dentro do que é normalmente observado nos solos amazônicos. Assim, cinco dos solos avaliados foram classificados como hipoférricos, enquanto o solo do sítio Lago do Limão, com teor de Fe2O3 superior a 80 g kg-1, foi classificado como mesoférico (Embrapa, 2006). Não foram observadas diferenças expressivas nos teores de Fe2O3 em profundidade nos diferentes solos avaliados.


A relação Si/Al ou índice Ki dos solos avaliados variou de 1,31 a 2,88. Os menores valores foram observados nos solos de terra firme, indicando tratar-se de solos dominados por compostos de natureza secundária e grau elevado de intemperismo. Na TPI, em área de várzea (sítio Lauro Sodré), o Ki foi mais elevado (Quadro 2), indicando a presença de material pouco intemperizado e menor grau de pedogênese nesse ambiente, ou seja, solo menos desenvolvido e mais novo quando comparado aos mais bem drenados e profundos da terra firme. De acordo com Lima (2001), os solos das áreas de várzea possuem maior variedade de minerais e grau incipiente de pedogênese, decorrentes das características do ambiente, com elevação do lençol freático e renovação anual pelo aporte de sedimentos. Mota et al. (2007) relatam que valores de Ki >2 indicam presença de minerais do tipo 2:1, o que foi confirmado pela DRX (Figura 2).

Os teores totais de P são elevados nas TPIs, com valores de P2O5 variando de 860 a 8.840 mg kg -1 nas profundidades avaliadas (Quadro 2). O valor mais elevado desse elemento foi observado no horizonte antrópico (Au) em área de várzea (sítio Lauro Sodré), na profundidade de 140 a 160 cm. Vale ressaltar que o teor mais elevado nessa profundidade deve-se ao fato de, nesse ambiente, o Au estar enterrado. Nos solos arqueológicos da terra firme, os valores de P2 O5 variaram de 940 a 8.340 mg kg-1; o mais elevado foi observado no Au superficial do sítio Lago do Limão; e o menor (3.910 mg kg-1), no horizonte subsuperficial não antrópico do sítio Pilão, entre 110 e 120 cm de profundidade, indicando a influência do horizonte antrópico sobre os horizontes não antrópicos desses solos.

Os valores elevados de P2O5 nas TPIs são considerados indicativos de atividade antrópica, constituindo uma caraterística típica marcante dos horizontes antrópicos, independentemente do ecossistema em que se encontram.

CONCLUSÕES

1. As ações humanas promoveram modificações nas características químicas dos horizontes antrópicos, conforme observado pelos elevados teores de P disponível, Ca2+, K+ e Mg2+, destacadamente nos sítios de terra firme. Entretanto, na várzea, somente o teor de P apresentou diferença em relação aos horizontes não antrópicos.

2. Os horizontes antrópicos apresentaram pequenas diferenças na composição mineralógica em relação aos não antrópicos nas áreas de terra firme, notadamente pela presença de maghemita.

3. Os valores elevados de Ki do horizonte antrópico em área de várzea sugerem menor grau de pedogênese, quando comparados aos dos solos antrópicos mais bem desenvolvidos e profundos da terra firme.

4. Os teores totais de P foram elevados em todos os horizontes antrópicos, sendo um indicador de atividade humana nos ambientes estudados.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Amazonas; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas; ao Projeto Piatam/PETROBRAS; ao Dr. Eduardo Neves (USP); e ao Carlos Augusto da Silva (Museu Amazônico).

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  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada ao PPG Agronomia Tropical da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Projeto financiado pela FAPEAM. Recebido para publicação em agosto de 2009 e aprovado em março de 2011.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2009
    • Aceito
      Mar 2011
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