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Paragênese mineral de solos desenvolvidos de diferentes litologias na região sul de Minas Gerais

Mineral assemblage of soils developed from different lithologies in southern Minas Gerais, Brazil

Resumos

Estudos sistemáticos sobre os fatores de formação do solo são relativamente escassos no Brasil, em razão da dificuldade de amostrar vários níveis de um fator, mantendo os demais constantes. A região de Lavras, MG, possui grande diversidade geológica em uma área pequena, o que possibilita avaliar o controle exercido por diferentes litologias na mineralogia e nas demais características do solo. Foram selecionados oito solos embasados sobre quartzito, mica-xisto, gabro, itabirito, serpentinito, metacalcário, gnaisse e filito, em condições semelhantes de vegetação (floresta tropical semidecidual), relevo (terço médio de encosta) e clima. Após a descrição dos perfis, coletaram-se amostras dos horizontes e das rochas, e realizaram-se análises físicas e químicas de rotina, composição química total e mineralogia da rocha, da areia e da argila do solo. Todos os solos são pobres em bases trocáveis (exceto o Argissolo sobre itabirito), e notou-se grande variação na composição granulométrica, mineralógica e química. Os teores de Al2O3, SiO2 e Fe2O3 presentes nas rochas não evidenciaram correlação com os respectivos teores nos solos derivados, enquanto o teor de Fe2O3 foi fortemente correlacionado à densidade de partículas e suscetibilidade magnética. Apesar de evidências de material parcialmente alóctone em alguns casos, pôde-se notar forte influência da litologia subjacente na paragênese mineralógica. Os solos foram genericamente agrupados em: cauliníticos com minerais 2:1 (Argissolos sobre mica-xisto e itabirito; e Cambissolo sobre quartzito), cauliníticos (Argissolos sobre gnaisse e filito) e oxídicos (Latossolos sobre metacalcário e gabro; e Plintossolo sobre serpentinito). Os processos de monossialitização e alitização predominam na região, sendo respectivamente associados a rochas com valores intermediários e baixos em sílica, enquanto a presença de minerais 2:1 é acessória à caulinita e parece depender da presença de mica e altos teores de sílica na rocha de origem.

material de origem; gênese do solo; óxidos de Fe; difração de raios-X; suscetibilidade magnética


Systematic studies on of soil formation factors are relatively scarce in Brazil since comprehensive samplings of a variable factor while keeping others constant are difficult to perform. Near Lavras, Minas Gerais, there is wide geological diversity over a small area, which offers a chance to assess the control exerted by different lithologies on mineral suites and other soil properties. Thus, eight soils overlying quartzite, mica-schist, gabbro, itabirite, serpentinite, meta-limestone, gneiss and phyllite, under similar climate and tropical, semideciduous forest conditions were selected, all located on midslopes. After description of soil profiles, soil horizon and fresh rock samples were collected for standard physical, fertility, and chemical composition and mineralogical analyses. All soils were poor in bases (except for an Ultisol over itabirite) and showed wide textural, mineralogical and chemical variation. Despite evidence of partially allochthonous material in some cases, a strong influence of underlying lithology was noted on soil mineral suites. There were no significant correlations among Al2O3, SiO2 and Fe2O3 contents in rocks and soils, whereas Fe2O3 content was strongly correlated with particle density and magnetic susceptibility. The soils were grouped as: 1) kaolinitic with 2:1 minerals (Ultisols over mica-schist and itabirite, Inceptisol over quartzite); 2) kaolinitic (Ultisols over gneiss and phyllite), and 3) oxidic (Oxisols over meta-limestone and gabbro, plinthic Oxisol over serpentinite). Monosialitization and alitization processes predominate in the region, associated with rocks with moderate and low silica contents, respectively, whereas 2:1 minerals are accessory to kaolinite and their occurrence seems to depend on rocks rich in mica and silica.

soil parent material; soil genesis; Fe oxides; X-ray diffraction; magnetic susceptibility


DIVISÃO 1 - SOLO NO ESPAÇO E NO TEMPO

COMISSÃO 1.1 - GÊNESE E MORFOLOGIA DO SOLO

Paragênese mineral de solos desenvolvidos de diferentes litologias na região sul de Minas Gerais1 1 . Parte da Tese de Doutorado da primeira autora.

Mineral assemblage of soils developed from different lithologies in southern Minas Gerais, Brazil

Marla Alessandra AraujoI; Alessandro Vitor PedrosoII; Douglas Carvalho AmaralIII; Yuri Lopes ZinnIV

IDoutoranda, Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo - PPGCS, Universidade Federal de Lavras - UFLA. Caixa Postal 3037. CEP 37200-000 Lavras (MG). Bolsista CAPES. E-mail: marlaalessandr@gmail.com

IILicenciado em Química, UFLA. Bolsista de Apoio Técnico II da Fapemig. E-mail: alessandro-pedroso@bol.com.br

IIIMestrando, PPGCS/UFLA. Bolsista CAPES. E-mail: amaraldc@yahoo.com.br

IVProfessor, Departamento de Ciência do Solo, UFLA. E-mail: ylzinn@dcs.ufla.br

RESUMO

Estudos sistemáticos sobre os fatores de formação do solo são relativamente escassos no Brasil, em razão da dificuldade de amostrar vários níveis de um fator, mantendo os demais constantes. A região de Lavras, MG, possui grande diversidade geológica em uma área pequena, o que possibilita avaliar o controle exercido por diferentes litologias na mineralogia e nas demais características do solo. Foram selecionados oito solos embasados sobre quartzito, mica-xisto, gabro, itabirito, serpentinito, metacalcário, gnaisse e filito, em condições semelhantes de vegetação (floresta tropical semidecidual), relevo (terço médio de encosta) e clima. Após a descrição dos perfis, coletaram-se amostras dos horizontes e das rochas, e realizaram-se análises físicas e químicas de rotina, composição química total e mineralogia da rocha, da areia e da argila do solo. Todos os solos são pobres em bases trocáveis (exceto o Argissolo sobre itabirito), e notou-se grande variação na composição granulométrica, mineralógica e química. Os teores de Al2O3, SiO2 e Fe2O3 presentes nas rochas não evidenciaram correlação com os respectivos teores nos solos derivados, enquanto o teor de Fe2O3 foi fortemente correlacionado à densidade de partículas e suscetibilidade magnética. Apesar de evidências de material parcialmente alóctone em alguns casos, pôde-se notar forte influência da litologia subjacente na paragênese mineralógica. Os solos foram genericamente agrupados em: cauliníticos com minerais 2:1 (Argissolos sobre mica-xisto e itabirito; e Cambissolo sobre quartzito), cauliníticos (Argissolos sobre gnaisse e filito) e oxídicos (Latossolos sobre metacalcário e gabro; e Plintossolo sobre serpentinito). Os processos de monossialitização e alitização predominam na região, sendo respectivamente associados a rochas com valores intermediários e baixos em sílica, enquanto a presença de minerais 2:1 é acessória à caulinita e parece depender da presença de mica e altos teores de sílica na rocha de origem.

Termos de indexação: material de origem, gênese do solo, óxidos de Fe, difração de raios-X, suscetibilidade magnética.

SUMMARY

Systematic studies on of soil formation factors are relatively scarce in Brazil since comprehensive samplings of a variable factor while keeping others constant are difficult to perform. Near Lavras, Minas Gerais, there is wide geological diversity over a small area, which offers a chance to assess the control exerted by different lithologies on mineral suites and other soil properties. Thus, eight soils overlying quartzite, mica-schist, gabbro, itabirite, serpentinite, meta-limestone, gneiss and phyllite, under similar climate and tropical, semideciduous forest conditions were selected, all located on midslopes. After description of soil profiles, soil horizon and fresh rock samples were collected for standard physical, fertility, and chemical composition and mineralogical analyses. All soils were poor in bases (except for an Ultisol over itabirite) and showed wide textural, mineralogical and chemical variation. Despite evidence of partially allochthonous material in some cases, a strong influence of underlying lithology was noted on soil mineral suites. There were no significant correlations among Al2O3, SiO2 and Fe2O3 contents in rocks and soils, whereas Fe2O3 content was strongly correlated with particle density and magnetic susceptibility. The soils were grouped as: 1) kaolinitic with 2:1 minerals (Ultisols over mica-schist and itabirite, Inceptisol over quartzite); 2) kaolinitic (Ultisols over gneiss and phyllite), and 3) oxidic (Oxisols over meta-limestone and gabbro, plinthic Oxisol over serpentinite). Monosialitization and alitization processes predominate in the region, associated with rocks with moderate and low silica contents, respectively, whereas 2:1 minerals are accessory to kaolinite and their occurrence seems to depend on rocks rich in mica and silica.

Index terms: soil parent material, soil genesis, Fe oxides, X-ray diffraction, magnetic susceptibility.

INTRODUÇÃO

O solo é produto da interação de cinco fatores de formação independentes: clima, organismos, relevo, material de origem e tempo. Segundo o enfoque clássico de Hans Jenny (1941), para se avaliar o efeito de cada fator em propriedades do solo, os demais devem ser mantidos constantes, obedecendo ao princípio ceteris paribus. Embora tal princípio em Pedologia seja mais propriamente um ideal do que uma realidade efetivamente demonstrável, o conceito é útil para modelagem teórica dos processos de pedogênese. O material de origem tem destaque dentre os fatores de formação por ser o substrato sobre o qual atuam os processos pedogenéticos de transformação, remoção, translocação e adição (Simonson, 1959), que interagem com os demais fatores de formação e direcionam o sistema a um estado de equilíbrio específico para cada pedoambiente. Para solos autóctones, isto é, desenvolvidos in situ a partir da litologia subjacente, características fundamentais como a textura, a mineralogia e o complexo sortivo podem depender mais fortemente do material de origem do que dos demais fatores (Jenny, 1941; Heckman & Rasmussen, 2011). Por exemplo, Carvalho Filho et al. (2011) constataram que a influência da litologia na mineralogia e nas demais características químicas de óxidos de manganês em diferentes solos foi superior àquela da posição na paisagem e do grau de intemperismo.

Contudo, a influência litológica sobre a química do solo diminui com o tempo de pedogênese (Chesworth, 1973), em especial sob clima tropical úmido. No Brasil, isso se expressa pela presença generalizada de solos altamente intemperizados e homogêneos, como os Latossolos, desenvolvidos a partir de litologias muito distintas, o que de certa forma induziu à noção geral de que os solos brasileiros são mineralogicamente simples, invariavelmente constituídos por caulinita, óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio e quartzo, por causa do clima quente e úmido. Embora esses minerais sejam de fato quase ubíquos no Brasil, diversos estudos (Lacerda et al., 2001; Vidal-Torrado et al., 2006; Muggler et al., 2007; Anda et al., 2008) relatam a ocorrência frequente de minerais acessórios com importante efeito sobre a composição e propriedades do solo. Ainda, observa-se a existência de grandes diferenças em propriedades físicas em razão das variações nas proporções entre caulinita e óxidos (Ferreira et al., 1999).

Apesar do importante controle exercido pela litologia sobre o solo, há relativamente poucos trabalhos que abordam sistematicamente o efeito de vários materiais de origem na paragênese mineral de solos do trópico úmido (Loi et al., 1982; Lacerda et al., 2001). Isto é principalmente por causa da dificuldade de amostrar litologias diferentes, cuja distância entre si seja pequena o suficiente para que outros fatores de formação se mantenham similares. Tal abordagem, embora difícil, pode oferecer perspectivas que não podem ser obtidas somente com o estudo da principal litologia de uma região; por exemplo, na região de Lavras, MG, Curi et al. (1990) destacaram que sutis diferenças litológicas influenciaram muito mais as propriedades dos solos delas derivados do que as diferentes superfícies geomórficas em que se localizavam. Na mesma região, Chagas et al. (1997) observaram que a variação da orientação de camadas de um metapelito gerou solos com mineralogias quantitativamente diferentes, tendo o solo embasado sobre camadas horizontais menores grau de intemperização e relação gibbsita/caulinita do que outro desenvolvido sobre rocha de orientação inclinada, o que proporcionou maior drenagem e remoção de sílica.

A região de Lavras, no centro-sul do Estado de Minas Gerais, apresenta grande diversidade geológica, já mapeada em nível de detalhe (Quéméneur et al., 2002) em uma área relativamente pequena, o que possibilita excelentes condições de avaliação do efeito de diferentes rochas na formação e nas propriedades de solos sob clima, relevo e vegetação relativamente similares. Dessa forma, este trabalho teve por objetivo avaliar o controle exercido por oito litologias na paragênese mineral e nas demais características dos solos delas derivados. Foi testada a hipótese de que a mineralogia da areia e especialmente a da argila variam em grande parte em razão da litologia subjacente.

MATERIAL E MÉTODOS

O mapa geológico em escala 1:100.000 da região de Lavras (Quéméneur et al., 2002) foi utilizado para pré-seleção das áreas de interesse, entre as 30 formações geológicas mapeadas. Durante uma série de visitas ao campo, foram selecionados oito locais, em Lavras e nos municípios vizinhos de Ijaci, Bom Sucesso e Ibituruna (Quadro 1, Figura 1), que permitissem a percepção mais ampla possível da variedade litológica local. Visando à máxima similaridade de condições entre os fatores de formação e a maior representatividade, todos os pontos amostrais estavam posicionados no terço médio da encosta, que ocupa geralmente a maior a área percentual da paisagem, e sob floresta tropical semidecidual, em estádio avançado de regeneração. O clima da região possui temperatura e precipitação pluvial médias anuais de 20,4 ºC e 1.460 mm (Dantas et al., 2007), respectivamente, podendo ser classificado como tropical (ou warm temperate de Köppen) com inverno seco.



Foram abertos e descritos perfis de solo com profundidade mínima de 1 m em cada local, sendo coletadas amostras deformadas dos horizontes, bem como da respectiva litologia subjacente em estado inalterado, na parte inferior do perfil ou em afloramentos adjacentes. As amostras de solo foram secas ao ar e peneiradas em malha com abertura de 2 mm, obtendo-se a terra fina seca ao ar (TFSA). Quando existente, foi calculada a porcentagem de cascalhos e calhaus.

A análise granulométrica foi feita pelo método da pipeta (Embrapa, 1997), empregando-se NaOH 1 mol L-1 e agitação lenta (16 h) para dispersão das amostras. A densidade de partículas foi mensurada pelo método do picnômetro (Blake & Hartge, 1986). As seguintes análises foram conduzidas segundo métodos compilados por Embrapa (1997), exceto quando especificado de outra forma: o pH foi mensurado em H2O e em KCl 1 mol L-1, na proporção solo-líquido de 1:2,5 (v/v); Ca2+, Mg2+ e Al3+ foram extraídos com KCl 1 mol L-1, sendo Ca2+ e Mg2+ determinados por espectrofotometria de absorção atômica e Al3+ por titulação com NaOH 0,025 mol L-1; K e P foram extraídos com solução Mehlich-1 (HCl 0,05 mol L-1 + H2SO4 0,025 mol L-1), sendo o K+ determinado em fotômetro de chama e P por colorimetria; H+Al foi determinado indiretamente por leitura em potenciômetro em solução SMP tamponada a pH 7,0 (Quaggio & van Raij, 2001); e o P remanescente foi mensurado na solução de equilíbrio de CaCl2 0,01 mol L-1, contendo 60 mg L-1 de P, com leitura por colorimetria a 725 nm. O carbono orgânico do solo foi determinado por oxidação úmida com Na2CrO4 4 mol L-1 + H2SO4 concentrado, sem aquecimento externo, e leitura colorimétrica do excesso de Cr3+ em solução, conforme Cantarella et al. (2001). Com os resultados obtidos, calcularam-se os valores de saturação por Al3+ (m%), a capacidade de troca catiônica (CTC) a pH 7,0 (valor T), CTC efetiva (valor t), soma de bases (SB) e saturação por bases (V%). Os solos foram classificados, segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Embrapa, 2006).

A mineralogia das frações areia e argila, bem como da rocha inalterada, foi determinada em aparelho difrator de raios-X (Philips PW1840), regulado a 35 kV e 25 mA, tendo o cobalto (Co) como fonte de radiação Kα. Amostras de rocha foram moídas em almofariz, peneiradas em malha de 0,2 mm, acondicionadas em navículas do tipo "janela" para amostras em pó, sendo procedida a análise no intervalo de 5 a 80º2θ, com 0,01º2θ de variação angular. A mesma especificação foi adotada para a fração areia e argila saturada com Mg, exceto que para esta foram preparadas amostras orientadas e análise no intervalo de 5 a 45º2θ. Amostras com argilominerais 2:1 foram solvatadas com etileno-glicol durante 48 h e reanalisadas no intervalo de 5 a 12º2θ. Não foi possível obter lâminas orientadas da argila do Plintossolo derivado de serpentinito, de modo que a argila floculada foi seca a 70 ºC, macerada e acondicionada como pó em navículas, umedecida com água destilada e compactada manualmente, deixando-se secar por 12 h e procedendo-se à análise no difratograma, conforme descrito para pó de rocha e areia.

A composição geoquímica total das amostras de rochas e da TFSA foi quantificada por espectrometria de energia dispersiva de raios-X (EDS), realizada em microscópio eletrônico de varredura (LEO Evo 40 XVP, Zeiss) regulado a 25 kV e distância de trabalho de 9 mm. Após leitura, o teor de cada elemento foi convertido para teor do óxido equivalente. A suscetibilidade magnética foi mensurada em base de massa para cada amostra com aparelho Bartington Magnetic Susceptibility Meter MS2, na frequência de 0,46 MHz. Finalmente, foram preparadas seções delgadas de amostras das diferentes litologias em resina epóxi, para análise micromorfológica em microscópio petrográfico.

RESULTADOS

Caracterização física, morfológica e química

A caracterização física dos perfis de solo é apresentada no quadro 2. Os perfis desenvolvidos sobre quartzito, mica-xisto, itabirito, serpentinito e gnaisse apresentaram entre 1,4 e 48,3 % de seu peso como cascalho e calhaus, constituído por materiais relativamente resistentes ao intemperismo ou, no caso do Plintossolo Concrecionário sobre serpentinito, por petroplintita, que compõe >50 % do volume do horizonte B. Esse solo ainda apresentou a maior densidade de partículas (3,8 kg dm-3), seguido pelo Argissolo sobre itabirito (>3,0 kg dm-3), valores similares aos mencionados por Carvalho Filho et al. (2011) em solos ricos em Fe e Mn no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Quanto à classificação textural, os perfis desenvolvidos sobre quartzito, itabirito e serpentinito possuem textura média, enquanto aqueles sobre gnaisse, filito e mica-xisto são argilosos e os sobre gabro e metacalcário, muito argilosos. Os teores de argila variaram entre 116 e 790 g kg-1, uma variação maior do que para silte (103 a 609 g kg-1) e areia (76 a 517 g kg-1). À exceção do Plintossolo e do Cambissolo, que apresentaram respectivamente estrutura granular ou em grãos simples com poucos blocos subangulares, os demais solos apresentaram estrutura em blocos subangulares. Contudo, Latossolos derivados do gabro e metacalcário apresentaram também grânulos muito pequenos entre os blocos, sugerindo que esses blocos podem derivar da coalescência desses mesmos grânulos ou da atividade faunal, posto que são mais comuns no horizonte A.


A cor do solo apresentou matizes entre 5R e 7.5YR (Quadro 2), que corresponderam, ao horizonte B do Plintossolo, derivado do serpentinito e vários horizontes do Cambissolo sobre quartzito e Argissolo sobre gnaisse, respectivamente, sugerindo grande variação nos teores de hematita.

No quadro 3, encontra-se a caracterização química dos perfis, sendo possível notar que, à exceção do Argissolo sobre itabirito, com alta fertilidade natural, todos os demais apresentaram baixos teores de bases trocáveis (SB), refletindo geralmente um avançado estádio de lixiviação. Não obstante, no horizonte superficial de todos os perfis, houve acúmulo relativo de bases trocáveis em relação aos demais horizontes, especialmente nos solos derivados do gnaisse e do filito, que apresentaram grau de lixiviação relativamente menor. Os perfis desenvolvidos sobre gabro, serpentinito, metacalcário e filito demonstraram caráter ácrico - valor de pH (KCl) > pH (H2O), refletindo o predomínio de cargas elétricas positivas, o que geralmente resultou em valores muito baixos de P remanescente (Prem). Além disso, no Plintossolo sobre serpentinito, notou-se um excesso de Mg2+ em relação ao Ca2+, comum em solos desenvolvidos a partir de rochas ultramáficas, em razão da sua abundância em Mg (Pinto & Kämpf, 1996; Vidal-Torrado et al., 2006). Com exceção do Cambissolo sobre quartzito, com baixo teor de argila, todos os solos apresentaram > 20 g kg-1 de carbono orgânico no horizonte A, de acordo com a vegetação florestal.


Composição geoquímica

São apresentados, no quadro 4, a composição geoquímica das diferentes litologias e os perfis derivados. Dentre as rochas, destacam-se os altos teores de SiO2, no quartzito (>90 %); Fe2O3, no itabirito (>85 %); MgO, no serpentinito (~34 %); e CaO, no metacalcário (>98 %). Analisando comparativamente a composição química das rochas de origem e dos solos derivados, é possível observar o acúmulo relativo de Al2O3 em todos os casos. Os teores de SiO2 são similares em mica-xisto, gnaisse e solos deles derivados, enquanto os solos derivados das demais rochas apresentaram perda por causa dos processos de dessilicatização, à exceção dos perfis sobre itabirito e do metacalcário, onde os teores de sílica aumentaram pela dissolução preferencial dos minerais principais. Os altos teores de SiO2 no filito sugeriram grande importância, atípica, do quartzo tamanho silte nessa rocha específica, e os relativamente altos teores de argila (Quadro 2) e bases (Quadro 3) no solo sotoposto apontaram para uma provável contribuição de material pelítico ou pelítico-carbonático. Similarmente, os teores de Fe2O3 aumentaram da rocha para o solo em todos os casos, exceto para mica-xisto, onde o solo sotoposto tem o mesmo teor; e para o itabirito, um minério de ferro concentrado, que evidenciou perda significativa de Fe2O3 com a evolução pedogenética, embora os altos teores de MnO2 tenham se mantido no solo. O aumento do teor de K2O do quartzito para o solo pode sugerir certa quantidade de material alóctone, provavelmente do Argissolo sobre mica-xisto distante cerca de 100 m, embora os teores de areia e silte (Quadro 2) sejam consistentes em indicar muito maior contribuição do quartzito. O TiO2 evidenciou-se concentrado no solo em relação à rocha em todos os casos, exceto em gabro e mica-xisto. Os valores de suscetibilidade magnética aumentaram consideravelmente da rocha para os horizontes suprajacentes em concordância com os teores de Fe2O3, exceto para o Argissolo sobre itabirito, onde foram constantes e muito altos. Os teores de Fe2O3 demonstraram correlação significativa (r=0,82; p<0,01; n=14) com a densidade de partículas nos horizontes B e com a suscetibilidade magnética em todos os horizontes e rochas (r=0,77, p<0,01, n=34). Não foi encontrada correlação significativa entre os teores de Al2O3, SiO2 e Fe2O3 presentes nas rochas com os respectivos teores nos horizontes derivados, em virtude dos enriquecimentos e empobrecimentos apontados anteriormente.


Mineralogia do solo (areia e argila) e da rocha

De acordo com a difração de raios-X, gibbsita e goethita ocorreram na fração argila de todos os solos, enquanto a caulinita e hematita foram registradas, respectivamente, em sete e seis dos oito solos estudados (Figuras 2 e 3). Rutilo foi registrado apenas na argila do Cambissolo sobre quartzito e no Argissolo sobre mica-xisto, enquanto a magnetita foi detectada apenas no Plintossolo sobre serpentinito. Entre os minerais 2:1, illitas ocorreram em quatro dos oito solos (Argissolos sobre filito, itabirito e xisto; e Cambissolo sobre quartzito), enquanto os três últimos solos apresentaram minerais com distância basal de 1,4 nm, que não registraram expansão após solvatação por etileno glicol, constituído por vermiculita com cátions hidroxilados entre camadas (VHE). O aspecto dos picos dos principais minerais de argila sugere que os solos estudados podem ser genericamente agrupados em cauliníticos (Argissolos sobre gnaisse e filito), cauliníticos com minerais 2:1 (Argissolos sobre mica-xisto e itabirito; e Cambissolo sobre quartzito), gibbsítico (Latossolo sobre metacalcário), hematítico (Plintossolo sobre serpentinito) e gibbsítico-hematítico (Latossolo sobre gabro). A composição predominantemente hematítica do Plintossolo Concrecionário pode ser notada ainda na elevação constante da intensidade do background do difratograma com o aumento do ângulo 2α da difração (Figura 3), causada pela fluorescência do Fe (Marques, J.J., comunicação pessoal).



No quadro 5, evidenciam-se a composição mineralógica da fração areia dos solos e as respectivas rochas que compõem a litologia subjacente, enquanto, na figura 4, ilustram-se seções delgadas dessas. Destacam-se as presenças de micas (grãos alongados e coloridos) no quartzito e xisto (Figura 4a,b) e de plagioclásios (cristais cinzentos) e anfibólios/piroxênios (massas amarelas e negras), no gabro (Figura 4c). A micrografia do itabirito (Figura 4d) demonstra profusão de grãos opacos dos óxidos de Fe e Mn imersos em matriz de quartzo microcristalino impregnado por Fe, de cor vermelha a alaranjada, e ainda grãos alongados de mica. O serpentinito (Figura 4e) evidencia a predominância de serpentina, entremeada por fibras de anfibólios e massas opacas de óxidos de Fe. O quartzo compõe a maior parte do filito (grãos coloridos na figura 4f). O gnaisse (Figura 4g) apresenta predominância de feldspatos potássicos (grãos listrados) e quartzo, com moscovita em diferentes tamanhos (grãos coloridos alongados). Os grãos de calcita (Figura 4h) mostram-se compactados e sem porosidade, comprovando o metamorfismo, e com várias pontuações de materiais opacos. Em relação às areias, o quartzo ocorre em todos os solos; nota-se redução geral na diversidade mineralógica nessa fração em relação à rocha, com exceção do Latossolo sobre metacalcário (composta por carbonatos) e dos perfis sobre quartzito e itabirito, cujas areias conservaram mineralogia semelhante à da rocha. No Plintossolo desenvolvido sobre serpentinito, a areia apresenta composição similar à de concreções ferruginosas, e a presença de quartzo é provavelmente em razão do quartzo secundário formado pela rápida dessilicatização dos minerais máficos (Trescases et al., 1981), uma vez que o serpentinito não contém quartzo. As presenças de gibbsita e hematita na areia do Plintossolo podem ser atribuídas à cimentação desses minerais, de acordo com cristalinidade muito superior àquela encontrada na fração argila.



DISCUSSÃO

Metodologia de amostragem e de análise geoquímica

Embora este trabalho tenha visado uma amostragem em condições ceteris paribus, em termos práticos isto é discutível, pois não é provável se obterem condições absolutamente iguais de relevo, pedoforma, tipo de vegetação e biomassa, tempo de pedogênese etc. para um número relativamente grande de litologias. Neste estudo, são marcantes as diferenças de declive, variando entre 3 e 27º, com efeito claro sobre o grau de denudação e rejuvenescimento, mesmo com todos os solos no terço médio das encostas. Não obstante, as diferenças nos solos amostrados podem ser consideradas, com relativo grau de certeza e o mais próximo possível do ideal, mais relacionadas às diferentes litologias do que à interação dos demais fatores de formação do solo. Ainda, como os solos estudados resultam de diferentes processos de formação, como dessilicatização acentuada em Latossolos e argiluviação nos Argissolos, pode-se questionar que a comparabilidade não é perfeita, e que o ideal seria amostrar solos da mesma ordem, como os Latossolos, desenvolvidos de litologias diferentes. Porém, tal amostragem não é também possível, pois se a litologia influencia o tipo e a intensidade dos processos de formação, é improvável desenvolver-se um Plintossolo Concrecionário sobre quartzito ou calcário, rochas pobres em Fe (Quadro 4), ou um Argissolo sobre serpentinito, onde filossilicatos secundários não parecem se formar no clima vigente. Finalmente, uma eventual amostragem da mesma ordem de solo sobre diferentes rochas não seria talvez desejável, pois os solos amostrados neste estudo são efetivamente os mais representativos, em escala local, do controle exercido por cada litologia na pedogênese.

Este trabalho, por visar a relação entre a litologia e o solo, buscou caracterizar a composição geoquímica por quantificação total dos elementos químicos principais, evitando deliberadamente avaliar somente fases suscetíveis a ataque por ácidos fortes. Assim, optou-se pelo EDS em detrimento de ataque sulfúrico ou outro ácido, que embora não permita obter alguns índices como Ki ou Kr, possui ainda a vantagem de determinar um espectro mais amplo dos elementos principais (>6 g kg-1) que compõem as amostras. Assim, em unidades de pesquisa com disponibilidade de microscopia eletrônica e EDS acoplado, há potencial para estudos de gênese de solos e suas relações com os materiais de origem.

Paragênese caulinítica com minerais 2:1

O Cambissolo sobre quartzito e o Argissolo sobre mica-xisto apresentaram argila nitidamente caulinítica com minerais 2:1, mais especificamente de illita e VHE (Figura 2). Ainda, os teores de illita podem ser significativos, assumindo que este mineral contém em média 7 % de K2O, conforme revisto por Thompson & Ukrainczyk (2002). Isso está de acordo com a presença de mica na rocha, assinalada pela difração de raios-X (no caso do quartzito, com fracos picos de mica na montagem em pó, pelo teor de K2O), bem como teores altos a moderados de Si no solo (Quadro 4), decorrentes da dessilicatização ainda moderada. Rodrigues & Klamt (1978) atribuíram a presença de VHE em solos altamente intemperizados e ácidos com a aluminação em entre camadas das micas, o que aumenta a estabilidade do mineral. Contudo, Graham & O'Geen (2010) ressaltaram que o intemperismo in situ da vermiculita contribui para o aumento no teor de caulinita dos horizontes subsuperficiais. Ao se considerar o clima relativamente quente e úmido atual, poderia-se esperar uma caulinitização mais avançada do material. Assim, a presença de minerais 2:1 poderia sugerir descontinuidade na intensidade dos processos pedogenéticos (Kämpf & Klamt, 1978), talvez em razão de um clima anterior mais seco, que limitaria processos de dessilicatização. Porém, embora tal mudança climática seja altamente provável, tal processo resultaria talvez na presença desses ou outros minerais menos estáveis nos solos de paragêneses gibbsíticas e oxídicas em locais próximos, que seriam igualmente influenciados por este paleoclima seco, de modo que o controle da litologia ainda parece ser o mais efetivo da paragênese atual. Ainda, é relevante notar que mesmo Latossolos desenvolvidos sobre gnaisse leucocrático nessa região podem apresentar illita na fração argila (Marques Jr. et al., 1992) provavelmente de baixa atividade e com algum revestimento por óxidos de Fe/Al. Solos com horizonte B textural, desenvolvidos sobre rochas ígneas ácidas a básicas na mesma região, apresentaram igualmente micas, vermiculitas e mesmo clorita (Lacerda et al., 2001), provavelmente por dessilicatização incompleta em condições de drenagem imperfeita.

O Argissolo derivado de itabirito é um solo atípico por mais de uma razão: embora os teores de Fe2O3 total sejam altos (30-35 %), isso se deve à presença importante de hematita e magnetita na fração areia, enquanto a argila apresenta paragênese caulinítica com 2:1 (Figura 2); e esse solo apresentou alta fertilidade (Quadro 3), condição inesperada uma vez que o itabirito tipicamente apresenta baixos teores de nutrientes, bem como os solos deles derivados (Carvalho Filho et al., 2011). A ocorrência de material alóctone poderia ser cogitada como explicação, uma vez que na Serra de Bom Sucesso ocorre, associado ao itabirito, biotita-xisto com quartzo (Quéméneur et al., 2002). Embora isto seja provável, o itabirito ainda deve contribuir com grande parte do principal material de origem, pois o perfil desse solo é permeado por cascalho e calhaus (Quadro 2), compostos exclusivamente por fragmentos do itabirito, que está a uma profundidade de 1,5 m; a alta suscetibilidade magnética da rocha é mantida no perfil (Quadro 4), de acordo com a magnetita na fração areia (Quadro 5), visível também na figura 4d; a perda acentuada de Fe2O3 da rocha para o solo pode ser explicada pela mobilização do Fe, que impregnava a matriz quartzosa microcristalina durante o intemperismo, tendo sido preservada a magnetita grosseira no solo; e o alto teor de Mn da rocha é mantido no solo (Quadro 4), talvez pela preservação desse elemento na argila como litioforita, estável em solos altamente intemperizados pela presença de Al e Li em sua estrutura (Dixon & White, 2002). Ainda assim, é possível que a inesperada alta fertilidade desse solo seja em razão da influência de biotita-xisto ou mesmo dolomitos ferruginosos, além de um rejuvenescimento do terreno associado ao declive mais forte.

Paragênese caulinítica

As argilas dos Argissolos sobre filito e gnaisse apresentaram predominância nítida de caulinita (Figuras 2 e 3), derivada a partir das micas no filito e de micas e feldspatos, no caso do gnaisse. A largura, intensidade e simetria dos picos da caulinita nos difratogramas em ambos os solos (Figura 2) denotam alta cristalinidade (Pötter & Kämpf, 1981) e grande tamanho dos cristalitos. No Argissolo sobre filito ocorreu ainda illita e VHE, em picos pequenos e irregulares, que respondem também pelos teores de K2O no perfil, e observou-se cerosidade forte e abundante até os primeiros 80 cm do perfil, o que provavelmente com o gradiente textural contribuiu para o caráter nítico desse solo. Esses dois solos apresentam altos teores de SiO2, que, ao contrário do Cambissolo sobre quartzito, não ocorre predominantemente como quartzo, evidenciando um estádio mais avançado, mas ainda moderado, de dessilicatização, confirmado também pelos picos pequenos de gibbsita. Uma vez que o gnaisse é a rocha predominante na área estudada (Quéméneur et al., 2002) e em muitas outras áreas do Estado e do País, isso concorda com a noção geral de monossialitização em solos desenvolvidos a partir dessa rocha, sob clima quente e úmido.

Paragênese oxídica

A proporção entre picos de caulinita e gibbsita na argila do Latossolo desenvolvido sobre metacalcário (Figura 3), bem como os altos teores de Al2O3 (Quadro 4), indica paragênese predominantemente gibbsítica. Ao lado do contraste entre a composição geoquímica dessa rocha e o solo suprajacente, isso suscita novamente a possibilidade de material alóctone. De fato, o metacalcário estudado ocorre associado a calcifilito (Quéméneur et al., 2002), cujos restos de alteração podem ter contribuído a essa paragênese. É também provável que a rápida dissolução do metacalcário resultasse em acúmulo seletivo de fases aluminossilicatadas, que existiam em teores abaixo do detectável por difração de raios-X ou EDS, e que foram submetidas à rápida dessilicatização em condições de baixo teor de sílica em solução, de modo que a gibbsita se tornou o mineral mais estável.

O Latossolo desenvolvido sobre gabro foi classificado como gibbsítico-hematítico por causa da presença de picos intensos e bem definidos desses minerais (Figura 3) e proporção de Al2O3 e Fe2O3 em sua composição (Quadro 4). Além disso, verifica-se redução na intensidade dos picos de caulinita à medida que se aprofunda no perfil, o que pode corresponder a uma redução no grau de cristalinidade ou tamanho dos cristais (Pötter & Kämpf, 1981), visto que os teores de SiO2 são relativamente constantes nos diferentes horizontes relacionados (Quadro 4). A rocha apresenta teores baixos de sílica, presente como minerais pouco resistentes ao intemperismo (anfibólio, olivina, piroxênio), de modo que a dessilicatização se deu de forma rápida e provavelmente em processo direto de alitização, e a presença ainda importante de caulinita pode derivar da alteração menos eficiente do ortoclásio e albita. Essa maior importância da gibbsita em relação à caulinita já havia sido observada em rochas gnáissicas com maiores teores de Fe, na mesma região (Marques Jr. et al., 1992).

Conforme já mencionado, o serpentinito é uma rocha pobre em Si, composta essencialmente por minerais ferromagnesianos, com teores consideráveis de elementos-traço como Cr, Ni e Co (Vidal-Torrado et al., 2006). O Plintossolo Concrecionário derivado apresentou argila de paragênese hematítica, o que atribuiu a esse solo coloração muito mais vermelha do que aos demais. A fraca presença de gibbsita reflete o baixo teor original de Al no serpentinito (Graham & O'Geen, 2010), bem como a provável inclusão de parte desse Al nas estruturas da goethita e hematita (Curi & Franzmeier, 1987). Ainda, os minerais presentes aparentam baixa cristalinidade, em razão dos picos baixos em relação ao espectro de fundo, e há forte magnetismo das areias e cascalho por causa da magnetita e, ou, maghemita. Talvez a feição mais interessante nesse solo seja a ausência de caulinita, atribuível à alteração muito rápida dos silicatos presentes na rocha (anfibólio e serpentina), de modo que a sílica liberada foi lixiviada ou precipitada como quartzo secundário, em ausência de Al em solução, conforme notado em lateritas niquelíferas de Goiás (Trescases et al., 1981). Além disso, a presença de petroplintita em abundância nesse solo é indicativa da preservação seletiva do Fe, o principal elemento pouco móvel presente neste pedoambiente, e sua ulterior segregação e imobilização do Fe em condições variáveis de oxidação (Rodrigues & Klamt, 1978). Finalmente, a mineralogia desse solo contrasta radicalmente com as paragêneses ricas em filossilicatos em solos derivados de rochas ultramáficas no planalto gaúcho e em outra área do sul de Minas Gerais, provavelmente em razão das menores temperaturas e, ou, maior taxa de rejuvenescimento local (Pinto & Kämpf, 1996; Vidal-Torrado et al., 2006).

Sobre a interação litologia/relevo e o caráter autóctone/alóctone

A comparabilidade entre solos e fatores de formação neste estudo é em alguma medida influenciada pelo fato de que determinadas litologias estão intrinsecamente relacionadas a um relevo específico na região, pois quartzitos e mica-xistos ocorrem predominantemente em serras. O itabirito aparece apenas na parte mais inclinada da Serra de Bom Sucesso (Figura 1), enquanto o calcário ocupa a posição mais baixa. Tal interação se manifesta também na declividade das encostas onde cada perfil foi descrito. Pode-se ainda questionar se o redoximorfismo enfraquece a comparabilidade do Plintossolo sobre serpentinito com os outros, mas isso seria improvável, pois o relevo atual não concentra drenagem e a plintitização é provavelmente pretérita, como indicado pela ausência de mosqueados ou outros indicadores de redoximorfismo atual. O mais provável é que a plintitização verificada se deve ao rápido e intenso aporte de Fe pela alteração do serpentinito, o que não ocorreu nas camadas subsuperficiais, mesmo se redoximórficas, das outras litologias. Em todo caso, a representatividade de estudos sobre fatores de formação do solo tende em encontrar um meio-termo entre perfeita comparabilidade para poucos (dois a três) solos, ou entre comparabilidade razoável entre um número maior de solos, o caminho escolhido deste trabalho para incluir mais informação.

Finalmente, neste estudo, evidências geoquímicas e mineralógicas nos solos sobre quartzito, itabirito, metacalcário e filito podem ser interpretadas como reflexo de uma gênese mista, isto é, de solos compostos em maioria ou em grande parte por material autóctone, porém com contribuição alóctone, cuja quantificação é difícil ou impossível. A presença de material alóctone é comumente interpretada como resultado de transporte horizontal e vertical ao longo da paisagem, o que seria plausível não somente nas encostas amostradas neste estudo, mas também na maioria dos solos e das paisagens similarmente dissecadas. Porém, as grandes diferenças entre os solos investigados, bem como similaridades em suscetibilidade magnética e teor de Mn entre rocha e solo, por exemplo, permitem inferir que a eventual presença de material alóctone não necessariamente invalida a representatividade deste estudo e a conclusão de que a litologia subjacente exerce o principal controle sobre a paragênese mineral e demais propriedades dos solos na região de Lavras, MG.

CONCLUSÕES

1. A análise de oito solos derivados de diferentes litologias denotou grande diferença na paragênese mineral (em termos qualitativos e quantitativos), composição geoquímica e outras propriedades edáficas.

2. Embora os resultados tenham também sugerido em alguns casos a possibilidade de interferências, como material alóctone (solos sobre itabirito, quartzito e calcário) e desenvolvimento diferencial do relevo, a hipótese de que a natureza da litologia foi o principal controle da paragênese mineral dos solos encontra ainda respaldo.

3. Processos de alitização e monossialitização parecem predominar na região, a depender da litologia: rochas com menores teores de sílica (calcário-calciofilito, gabro e serpentinito) favoreceriam a paragênese oxídica, enquanto as com teor intermediário (gnaisse e filito) beneficiariam uma paragênese caulinítica.

4. O processo de bissialitização é menos expressivo, manifestando-se na presença importante de illita e vermiculitas aluminosas acessórias à caulinita, em solos derivados de rochas com alto teor de sílica como quartzo e mica (quarzito e mica-xisto) e em menor escala, nos solos sobre itabirito e filito.

AGRADECIMENTOS

À Fapemig, pelo apoio financeiro contínuo para realização deste trabalho, nos projetos CAG-APQ 1352-09 e APQ-720-12. À Capes, pelo recurso aportado ao Laboratório de Micromorfologia do Solo (Edital Pró-Equipamentos) e pela concessão das bolsas de doutorado (com estágio no exterior) e mestrado ao primeiro e terceiro autores. Ao professor João José Marques, da Universidade Federal de Lavras, pelo auxílio na classificação dos solos. A Franklin "Sandy" Jones e Jerry Marshall Bigham, The Ohio State University, pela ajuda nas análises de suscetibilidade magnética e micromorfologia. A Paulo Siqueira Jr., pelo modelo digital de inclinação da figura 1. Finalmente, os autores expressam gratidão aos revisores anônimos e editor associado, cujos comentários em muito melhoraram este trabalho.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 17 de janeiro de 2013 e aprovado em 12 de setembro de 2013.

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  • 1
    . Parte da Tese de Doutorado da primeira autora.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Fev 2014

    Histórico

    • Aceito
      12 Set 2013
    • Recebido
      17 Jan 2013
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