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Interação entre disponibilidade de água e compactação do solo no crescimento e na produção de feijoeiro

Interaction between water availability and soil compaction on common bean growth and yield

Resumos

Propriedades físicas do solo, crescimento de plantas e disponibilidade de água são fatores que interagem em resposta a mudanças na estrutura do solo. Conhecer como esses fatores interagem no campo é de grande importância para o manejo da compactação do solo, para fins de produção agrícola. Neste trabalho, três níveis de compactação, com e sem irrigação, foram avaliados sobre o crescimento e rendimento de grãos de feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.). A probabilidade de interação entre compactação e irrigação foi de 88 e 86 % para o índice de área foliar (IAF) e rendimento de grãos, respectivamente. Porém, a disponibilidade de água provocou respostas distintas para crescimento e rendimento de grãos nos diferentes níveis de compactação. No sentido do menor para o maior nível de compactação, o aumento da disponibilidade de água no solo pela irrigação (120 mm) resultou ganhos decrescentes no IAF (1,8, 0,8 e 0,3) e crescentes no rendimento de grãos (695, 1.042 e 1.198 kg ha-1). Assim, a compensação no crescimento do feijoeiro pelo aumento no conteúdo de água foi decrescente à medida que aumentou o estado de compactação, mas a compensação no rendimento de grãos foi maior que no crescimento. Consequentemente, o uso de diferentes variáveis de planta fornece diferentes níveis críticos para os fatores físicos indicadores da compactação do solo. Assim, a decisão de irrigar e, ou, descompactar o solo depende de conhecer como o componente vegetal de interesse agronômico responde conjuntamente à compactação e disponibilidade de água no solo.

déficit hídrico; densidade do solo; resistência do solo à penetração


Soil physical properties, plant growth, and water availability in the soil are factors that interact in response to changes in soil structure. Knowing how these factors interact in field conditions is of great importance for management of soil compaction for crop yield. In this paper, three levels of soil compaction, with and without irrigation, were assessed in regard to growth and yield of common bean (Phaseolus vulgaris L.). The probability of interaction between soil compaction and irrigation was 88 % for leaf area index (LAI) and 86 % for yield. However, water availability led to distinct responses between growth and grain yield at different levels of soil compaction. From the lowest to the highest level of soil compaction, the increase in soil water availability due to irrigation (120 mm) resulted in decreasing gains in LAI (1.8, 0.8, and 0.3) and increasing gains in grain yield (695, 1042, and 1198 kg ha-1). Thus, with the increase in soil compaction, the soil water content exhibits decreasing control on plant growth, but the yield remains more elastic than growth. Thus, the compensation in common bean growth through the increase in water content declined as the state of compaction increased, but compensation in grain yield was greater than in growth. Consequently, the use of different plant characteristic provides different critical levels to physical indicators of soil compaction. Thus, the choice of irrigating and/or chiseling depends on knowing how the harvested part of a plant responds to compaction and soil water availability in combination.

water deficit; soil bulk density; soil resistance to penetration


DIVISÃO 2 - PROCESSOS E PROPRIEDADES DO SOLO

COMISSÃO 2.2 - FÍSICA DO SOLO

Paulo Ivonir GubianiI; José Miguel ReichertII; Dalvan José ReinertII

IProfessor Adjunto, Departamento de Solos, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Av. Roraima, 1000, Campus Universitário. CEP 97105-900 Santa Maria (RS). E-mail: paulogubiani@gmail.com

IIProfessor Titular, Departamento de Solos, UFSM. E-mail: reichert@smail.ufsm.br, dalvan@ccr.ufsm.br

RESUMO

Propriedades físicas do solo, crescimento de plantas e disponibilidade de água são fatores que interagem em resposta a mudanças na estrutura do solo. Conhecer como esses fatores interagem no campo é de grande importância para o manejo da compactação do solo, para fins de produção agrícola. Neste trabalho, três níveis de compactação, com e sem irrigação, foram avaliados sobre o crescimento e rendimento de grãos de feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.). A probabilidade de interação entre compactação e irrigação foi de 88 e 86 % para o índice de área foliar (IAF) e rendimento de grãos, respectivamente. Porém, a disponibilidade de água provocou respostas distintas para crescimento e rendimento de grãos nos diferentes níveis de compactação. No sentido do menor para o maior nível de compactação, o aumento da disponibilidade de água no solo pela irrigação (120 mm) resultou ganhos decrescentes no IAF (1,8, 0,8 e 0,3) e crescentes no rendimento de grãos (695, 1.042 e 1.198 kg ha-1). Assim, a compensação no crescimento do feijoeiro pelo aumento no conteúdo de água foi decrescente à medida que aumentou o estado de compactação, mas a compensação no rendimento de grãos foi maior que no crescimento. Consequentemente, o uso de diferentes variáveis de planta fornece diferentes níveis críticos para os fatores físicos indicadores da compactação do solo. Assim, a decisão de irrigar e, ou, descompactar o solo depende de conhecer como o componente vegetal de interesse agronômico responde conjuntamente à compactação e disponibilidade de água no solo.

Termos de indexação: déficit hídrico, densidade do solo, resistência do solo à penetração.

SUMMARY

Soil physical properties, plant growth, and water availability in the soil are factors that interact in response to changes in soil structure. Knowing how these factors interact in field conditions is of great importance for management of soil compaction for crop yield. In this paper, three levels of soil compaction, with and without irrigation, were assessed in regard to growth and yield of common bean (Phaseolus vulgaris L.). The probability of interaction between soil compaction and irrigation was 88 % for leaf area index (LAI) and 86 % for yield. However, water availability led to distinct responses between growth and grain yield at different levels of soil compaction. From the lowest to the highest level of soil compaction, the increase in soil water availability due to irrigation (120 mm) resulted in decreasing gains in LAI (1.8, 0.8, and 0.3) and increasing gains in grain yield (695, 1042, and 1198 kg ha-1). Thus, with the increase in soil compaction, the soil water content exhibits decreasing control on plant growth, but the yield remains more elastic than growth. Thus, the compensation in common bean growth through the increase in water content declined as the state of compaction increased, but compensation in grain yield was greater than in growth. Consequently, the use of different plant characteristic provides different critical levels to physical indicators of soil compaction. Thus, the choice of irrigating and/or chiseling depends on knowing how the harvested part of a plant responds to compaction and soil water availability in combination.

Index terms: water deficit, soil bulk density, soil resistance to penetration.

INTRODUÇÃO

As mudanças na estrutura do solo decorrentes da compactação (Hamza & Anderson, 2005; Mary & Changying, 2008) são mais conhecidas que suas consequências no crescimento e na produção das plantas. As evidências de pesquisas sobre a relação entre resposta de plantas (crescimento e produção de grãos) e compactação do solo, interpretada em termos de intervalo hídrico ótimo, não possibilitam indicar níveis críticos de compactação em solo sob plantio direto (Reichert et al., 2009; Gubiani et al., 2013a,b). Uma das causas reside no fato de interpretar o conceito de intervalo hídrico ótimo indistintamente para o crescimento e a produção de grãos. Em seus artigos, Letey et al. (1985) e Silva et al. (1994) fundamentam o conceito de intervalo hídrico ótimo em processos vegetais, usando os termos crescimento e produção ("plant growth" e "crop production"), mas não aparecem em seus textos o termo produção de grãos ("yield" ou "grain production") como variável relacionada com o intervalo hídrico ótimo. Como há indicações que prejuízos na parte aérea podem ser compensados no rendimento de grãos (Medeiros et al., 2005, Centurion et al., 2006), então a interpretação da compactação do solo pode ser distinta se avaliada via crescimento ou produção de grãos.

Outra causa está associada às particularidades no regime hídrico do solo dos diferentes experimentos. Embora se saiba que os fatores físicos do solo são dependentes do conteúdo de água do solo (Letey et al., 1985), e que essa dependência tem sido expressa empiricamente no conceito de intervalo hídrico ótimo (Silva et al., 1994), quase não há detalhamento experimental de campo sobre a interação da compactação com disponibilidade de água no solo sobre a resposta das plantas. Estudos em casa de vegetação comprovam que a disponibilidade de água condiciona a resposta das plantas em solo compactado (Beutler & Centurion, 2003; 2004; Medeiros et al., 2005). Em experimentos no campo, muitos estudos têm avaliado isoladamente o efeito de atributos físicos sobre o crescimento de plantas em condições sem controle do conteúdo de água do solo (Silva et al., 2000; Beutler et al., 2006; Collares et al., 2006; Klein & Câmara, 2007; Kaiser et al., 2009). Em alguns casos, atribuiu-se à irrigação diferenças nos resultados, mas essa não constituiu uma causa de estudo planejada experimentalmente (Stone & Silveira, 1999; Amado et al., 2009).

Observações entre os anos de 1987 a 2000 indicaram que as perdas mais intensas, da ordem de 19,1 milhões de toneladas, na produção de soja e milho no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, ocorreram por causa de falta de chuva; em períodos de maior escassez (1992 a 1997), até 93 % da safra foi perdida (Berlato & Fontana, 2001). Se a compactação do solo limita o acesso de água pelas plantas e intensifica o estresse hídrico provocado pela falta de chuva, parte dessas perdas está sendo causada pela compactação do solo. Portanto, deve haver interação entre compactação e disponibilidade de água no solo no crescimento e produção de grãos das culturas. Como a cultura do feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.) é muito sensível a estresse hídrico (Guimarães, 1988) e é responsiva à compactação do solo (Collares et al., 2006; Lima et al., 2010), essa foi escolhida para o objetivo deste trabalho, que consiste em avaliar a interação entre disponibilidade de água e compactação do solo no crescimento e produção de grãos de feijoeiro no campo.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi conduzido em Argissolo Vermelho distrófico arênico (Embrapa, 2006), de textura franco-arenosa, com 150 g kg-1 de argila, 238 g kg-1 de silte e 612 g kg-1 de areia, na camada de 0-0,30 m. O clima da região é caracterizado como Cfa (subtropical úmido sem estiagens), de acordo com a classificação de Köppen, sendo a temperatura média do mês mais quente superior a 22 ºC e a do mês mais frio, entre -3 oC e 18 oC (Moreno, 1961).

O delineamento experimental foi em blocos ao acaso com parcelas subdivididas. Os quatro blocos continham duas parcelas principais, uma com e a outra sem irrigação. Cada parcela principal (9 × 5 m) foi subdividida em níveis de compactação (subparcelas de 5 × 3 m): solo sob plantio direto durante 16 anos (PD), que era a condição presente na área; PD com compactação adicional (PDC); e PD com escarificação (PDE), totalizando 24 unidades experimentais. A compactação e a escarificação foram realizadas após dessecação e senescência da vegetação espontânea presente na área (Glifosato, na dose de 1.230 g ha-1 i.a.). O PDC consistiu da aplicação de quatro sequências de tráfegos paralelos, distanciados meia largura da roda traseira de um trator agrícola (massa aproximada de 3,8 Mg), quando o conteúdo gravimétrico de água médio no solo era 0,14 kg kg-1. O PDE consistiu de uma escarificação até uma profundidade de 0,25 m e linhas distanciadas por 0,5 m, quando o conteúdo gravimétrico médio de água no solo era 0,11 kg kg-1.

A implantação e o manejo da cultura foram realizados de acordo com as indicações técnicas da cultura do feijoeiro no Rio Grande do Sul (CEPEF, 2003). A semeadura do feijoeiro, cultivar BRS Valente, foi realizada no dia 30 de janeiro de 2008 (safrinha), numa densidade de 280.000 sementes ha-1. As sementes foram tratadas com uma mistura de fungicida (Carbendazim 30 g kg-1 i.a. + Thiram 70 g kg-1 i.a.) + inseticida (Fipronil 250 g L-1 i.a.), em dosagens conforme recomendações técnicas. Para garantir uniformidade de recobrimento das sementes com solo, essas foram distribuídas manualmente em sulcos espaçados 0,45 m, previamente formados por uma semeadora e cobertas com auxílio de enxada manual. A adubação de base (12, 73 e 25 kg ha-1 de N, P e K, respectivamente, aplicada na linha de semeadura) e a de cobertura (18 kg ha-1 de N, aplicada aos 18 dias após a semeadura) foram definidas a partir da análise química do solo e seguindo a indicação da recomendação oficial (CQFSRS/SC, 2004). As plantas daninhas, pragas e doenças foram controladas com herbicidas, inseticidas e fungicidas, respectivamente, de acordo com recomendações técnicas da cultura do feijoeiro (CEPEF, 2003).

A porosidade e a densidade do solo foram determinadas aos cinco dias após a semeadura (DAS), que coincidiu com 20 e 13 dias após as operações de escarificação e compactação, respectivamente. Amostras de solo com estrutura preservada foram coletadas em anéis metálicos de 0,06 m de diâmetro × 0,05 m de altura, nas camadas de 0-0,1; 0,1-0,2 e 0,2-0,4 m de todas as subparcelas. As amostras foram saturadas por capilaridade e submetidas às tensões de 60 e 100 cm, em coluna de areia (Reinert & Reichert, 2006). Nessas amostras, foram calculadas a porosidade total (PT, considerada como o conteúdo de água na saturação), microporosidade (Micro, considerada como o conteúdo de água na tensão de 60 cm), macroporosidade (Macro, diferença entre porosidade total e microporosidade) e densidade do solo (DS, relação entre a massa de solo seco a 105 oC e o volume da amostra).

A resistência do solo à penetração (RP) foi medida aos 23, 25, 26, 35 e 36 DAS, com um penetrômetro manual, com armazenamento eletrônico dos dados e ponta cônica com ângulo de penetração de 30o e área basal de 129 mm2. A velocidade de penetração foi de aproximadamente 2 m min-1, e o armazenamento de dados foi a cada 0,015 m. Cinco medidas foram efetuadas em cada subparcela para melhor representar a condição média do solo. As medidas foram feitas até a profundidade de 0,45 m e na entrelinha da cultura, para desconsiderar o efeito do sulco de semeadura.

O conteúdo volumétrico de água no solo foi monitorado diariamente com o uso de um TDR Trase (Soil Moisture Equipment Co., Santa Barbara, CA), usando-se equação de calibração específica para o solo do experimento. As sondas metálicas de haste dupla e 19 cm de comprimento foram instaladas inclinadas para integrar as camadas de 0-0,10, 0,15-0,25 e 0,30-0,45 m, numa das extremidades de cada subparcela. A maior profundidade de instalação das sondas foi definida para abranger a camada de solo, onde se concentra a grande maioria das raízes do feijoeiro, conforme observado em estudo anterior (Collares et al., 2006).

Diariamente, calculou-se a disponibilidade de água, que consistiu em subtrair do conteúdo atual de água no solo o conteúdo de água retido na tensão de 1.500 kPa. Esse último foi obtido com um psicrômetro de ponto de orvalho-WP4, conforme descrito por Klein et al. (2006) e corrigido para base volumétrica, multiplicando-se pela DS de cada camada.

A irrigação por aspersão foi aplicada a partir da semeadura, sempre que o conteúdo de água no solo (medido com o TDR Trase) diminuia para valores iguais ou menores que 75 % da capacidade de campo (CC). A lâmina de água a ser aplicada foi calculada para que o conteúdo de água no solo ficasse próximo da CC, , em que h é a lâmina de água a ser aplicada (cm); θcc, o conteúdo de água na capacidade de campo (cm3 cm-3); θ, o conteúdo de água no solo (cm3 cm-3); z, a espessura da camada de solo (cm); e n, o número de camadas de solo.

A CC foi definida como o conteúdo de água no solo 24 h depois de repetidas precipitações pluviais concentradas num período de três a quatro dias (precipitações com acumulados próximos de 60 mm), o qual foi semelhante ao conteúdo de água das amostras submetidas à tensão de 100 cm na coluna de areia. Assim, foram usados valores de conteúdo de água na CC de 0,227, 0,233 e 0,238 cm3 cm-3, respectivamente para o ESC, PD e PDC, na camada de 0-0,10 m e de 0,222, 0,228 e 0,224 cm3 cm-3, respectivamente para o ESC, PD e PDC, na camada de 0,15-0,25 m. Na camada de 0,30-0,45 m, que não foi alterada pela escarificação nem pela compactação, usou-se um único valor de CC, 0,245 cm3 cm-3, para todos os tratamentos.

As variáveis medidas na cultura foram:

(a) população de plantas: contagem do total de plantas de uma linha selecionada aleatoriamente em cada subparcela aos 36 DAS;

(b) índice de área foliar (IAF): área foliar (AF) por unidade de superfície do solo. A AF foi estimada aos 21, 27, 38 e 56 DAS, medindo-se o comprimento e a máxima largura do folíolo central, de todos os trifólios de três plantas aleatoriamente escolhidas em cada subparcela. A equação linear AF = 1,86 (CL) - 4,23 (r2 = 0,98) foi obtida previamente a partir das medidas da área foliar real de 20 trifólios de diferentes tamanhos (variável dependente) e do produto do comprimento pela largura (CL) do folíolo central do trifólio (variável independente). A área foliar real dos 20 trifólios foi calculada pelo método da poligonal fechada de Gauss, a partir dos pares xy do perímetro do limbo foliar fotografado sobre uma grade quadriculada de malha de 5 × 5 mm; e

(c) rendimento de grãos: colheita das plantas de cinco linhas centrais da subparcela, descartando-se duas linhas laterais e uma faixa de 0,5 m da extremidade da subparcela, restando uma área útil de 9 m2. Os grãos foram secos e a umidade foi ajustada para 13 % em base de massa.

A análise de variância foi utilizada para testar os efeitos isolados e conjuntos dos fatores irrigação e compactação sobre o índice de área foliar e o rendimento de grãos. Sobre a densidade, porosidade e resistência do solo à penetração, apenas o efeito do fator compactação foi testado na análise de variância, visto que as medidas foram feitas antes da inclusão da irrigação como fator de estudo, exceto as medições de RP, aos 35 e 36 DAS. Quando o teste F foi significativo, os fatores foram avaliados pelo teste de médias de Tukey a 5 %.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A precipitação pluvial ocorrida até os 56 DAS do feijoeiro foi irregular, com grande intensidade em torno de 30 DAS e escassa antes e após esse período (Figura 1). A maioria das irrigações foi aplicada dos 32 aos 52 DAS (77 dos 120 mm aplicados), período em que a precipitação acumulada foi de apenas 29 mm. Embora o ciclo da cultura tenha se estendido até próximo aos 103 DAS (colheita), após 56 DAS, as precipitações foram suficientes para manter o conteúdo de água no solo maior ou próximo a 75 % da CC. Além disso, após a plena frutificação, o déficit hídrico tem pouca influência sobre a produção (Guimarães, 1988).


Na camada de 0-0,10 m, foram verificadas alterações significativas na DS e na PT em razão do tráfego e da escarificação (Quadro 1). A menor DS e maior PT foram verificadas no PDE, sendo estatisticamente diferente dos demais tratamentos. A Macro também foi maior no PDE, mas diferiu apenas do PDC. No PD e no PDC, a Macro foi menor que 0,10 cm3 cm-3, limite considerado crítico para difusão de oxigênio (Xu et al., 1992). Nas demais camadas, não ocorreram diferenças significativas na DS e PT.


No período de 0 a 56 DAS, a disponibilidade de água no solo variou de forma mais marcante na camada de 0-0,10 m (Figura 2a). Na camada de 0,15-0,25 e 0,30-0,45 m, as diferenças foram maiores entre os níveis de irrigação (Figura 2b,c ). O maior decréscimo da disponibilidade de água ocorreu dos 32 aos 52 DAS, período em que praticamente não houve precipitação (Figura 1). Na camada de 0-0,10 m, a partir dos 36 DAS, a disponibilidade de água no solo foi sempre menor no PDE e maior no PDC, com ou sem irrigação (Figura 2a). Aspectos gerais discutidos na sequência demonstram que essa situação, aparentemente simples, decorre de uma relação de efeitos recíprocos entre disponibilidade de água, compactação e crescimento do feijoeiro.



As maiores diferenças na RP ocorreram na camada de 0-0,10 m, onde a RP foi no máximo de 1 MPa no PDE e no mínimo de 2 MPa no PDC (Quadro 2). Na camada de 0,30-0,45 m, a RP não foi sensivelmente alterada. Na primeira e na segunda camadas, a RP no PDE não superou 2 MPa, sendo quase sempre significativamente inferior que no PD e PDC, enquanto no PD, a RP foi menor que 2 MPa apenas quando o conteúdo de água do solo estava acima de 80 % da disponibilidade de água (Figura 2). No PDC, a RP das camadas 0-0,10 e 0,10-0,20 m permaneceu acima de 2 MPa praticamente todo o ciclo, visto que mesmo quando a disponibilidade de água foi alta aos 35 DAS (Figura 2) a RP esteve próxima ou igual a 2 MPa (Quadro 2).


Para a população de plantas, não houve efeito significativo dos tratamentos. Aos 36 DAS, a população média foi de 190.000, 199.000, 189.000 plantas ha-1, respectivamente no PDE, PD e PDC. Para o IAF, a probabilidade da interação entre compactação e irrigação aumentou de 44 % aos 21 DAS para 88 %, aos 56 DAS. Caso não tivesse sido usado o delineamento de blocos ao acaso, aumentaria a probabilidade da interação, visto que não houve significância para o uso de blocos e, consequentemente, três graus de liberdade usados para o efeito de blocos diminuíram o grau de liberdade do erro, aumentando o quadrado médio do erro experimental. Assim, aos 56 DAS, houve indicação com 88 % de probabilidade de que o aumento no IAF causado pela irrigação foi decrescente com o aumento do nível de compactação do solo (Figura 3). Na média, a diferença aos 56 DAS no IAF com e sem irrigação foi de 1,8; 0,8; e 0,3, respectivamente para o PDE, PD e PDC. Como a extração de água é proporcional à quantidade de fitomassa produzida (Carlesso, 1995), a diminuição da fitomassa pela compactação implicou em permanência de maior conteúdo de água no PDC, enquanto o aumento da fitomassa pela escarificação implicou em maior extração de água no PDE (efeitos evidentes na camada de 0-0,10 m, Figura 2a).


A probabilidade de interação entre compactação e irrigação sobre o rendimento de grãos (RG) foi de 86 %, menor que os 95 % (1-α), normalmente usados para que hajam 5 % (α) apenas de probabilidade de erro tipo I (concluir equivocadamente que há interação). Neste estudo, houve 14 % de probabilidade de erro tipo I para a interação e este é o risco de concluir equivocadamente que houve interação entre irrigação e compactação. Por duas razões principais, é razoável tolerar neste experimento o risco de 14 % para o erro tipo I. A primeira delas é que não houve significância para o uso de blocos e, consequentemente, houve aumento do quadrado médio do erro experimental. A segunda é que as diferenças no RG de 695, 1.043 e 1.198 kg ha-1 ao se comparar, respectivamente, PDE, PD e PDC com e sem irrigação têm grandes implicações agronômicas. Por exemplo, a diferença de 1.198 kg ha-1 entre PDC irrigado com PDC não irrigado corresponde a 20 sacas num hectare, quantidade maior que a média da maioria dos estados brasileiros produtores de feijão (CONAB, 2013).

Com risco de 14 % para o erro tipo I, em razão da não significância para blocos, assume-se que houve dependência da irrigação para o efeito dos níveis de compactação (Figura 4a) no RG. Com irrigação, o PD proporcionou o maior RG e houve diferença apenas entre PD e PDC; sem irrigação, o menor RG foi verificado no PDC, que foi diferente dos demais tratamentos. Quando a água não foi um fator limitante (uso da irrigação), o RG foi alto no PDC (2.853 kg ha-1), mesmo que a DS (Quadro 1) tenha sido semelhante à crítica (1,72 kg dm-3 para solo com 150 g kg-1 de argila, de acordo com Reichert et al., 2009). Comparado com o PDC, o PDE com irrigação não foi uma opção vantajosa, embora tenha havido diminuição significativa da DS na camada de 0-0,10 m (Quadro 1) e da RP nas camadas de 0-0,10 e 0,15-0,25 m (Quadro 2). Diferentemente, sem irrigação e com ocorrência de deficiência hídrica no solo (Figura 3), o RG no PDC foi significativamente menor que no PDE (Figura 4a).


Verifica-se que o RG nos diferentes níveis de compactação teve grande dependência da irrigação. Quanto mais compactado estava o solo mais o RG decresceu quando as plantas não foram irrigadas. Interpretado de outra maneira, o acréscimo no rendimento de grãos (ARG) pelo uso da irrigação foi decrescente com a diminuição do nível de compactação (Figura 4b). Em média, 10, 9 e 6 kg ha-1 mm-1 foram produzidos a mais respectivamente no PDC, PD e PDE pelo uso de 120 mm de irrigação (Figura 4b). Assim, em solo compactado, o efeito da irrigação foi mais efetivo no RG e, em solo descompactado (escarificado), o efeito da irrigação foi mais efetivo no crescimento da parte aérea (Figura 3).

O comportamento das medições do feijoeiro deste experimento foi coerente com resultados de trabalhos conduzidos em casa de vegetação com outras culturas. Estudando o efeito da irrigação e compactação sobre a cultura do arroz de sequeiro cultivado em vasos, Medeiros et al. (2005) verificaram que a diferença no número de grãos cheios por panícula e na esterilidade da espigueta, em razão dos diferentes níveis de irrigação, foi gradativamente diminuindo à medida que aumentou a compactação do solo. Os autores observaram também que as diferenças do rendimento de grãos se elevaram com o aumento da compactação, semelhante ao que foi observado com o feijoeiro neste trabalho. Resultados também indicando a interação entre níveis de compactação e irrigação foram relatados por Beutler & Centurion (2003; 2004), avaliando raízes, parte aérea e rendimento de grãos das culturas da soja e do arroz, cultivadas em vaso.

Os resultados de campo deste trabalho também apresentam que a compensação no crescimento das plantas pelo aumento do conteúdo de água do solo é decrescente à medida que aumenta o estado de compactação, mas a compensação no rendimento de grãos é maior que no crescimento. Aos 56 DAS, as diferenças no IAF com e sem irrigação decresceram na ordem PDE, PD e PDC, mas as diferenças no RG com e sem irrigação aumentaram na ordem PDE, PD e PDC. A relação entre RG e IAF sugere que a proporção de grãos em relação à matéria seca total da planta também foi otimizada na ordem PDE, PD e PDC, amortecendo os prejuízos no crescimento das plantas causados pelo PDC. Isso pode explicar resultados de pesquisa em que não houve concordância entre produção de grãos e intervalo hídrico ótimo (Benjamin et al., 2003; Klein & Câmara, 2007; Gubiani et al., 2013b), embora tenha havido concordância entre intervalo hídrico ótimo e crescimento da parte aérea de milho (Silva et al., 2004; Gubiani et al., 2013b) e raízes de feijão (Kaiser et al., 2009). Consequentemente, o uso de diferentes variáveis de planta vai fornecer diferentes níveis críticos para os fatores físicos indicadores de compactação do solo. Essas indicações diferenciadas precisam ser consideradas nos estudos que avaliam compactação do solo, a partir de resposta de plantas. Sem essa distinção, um mesmo estado de compactação pode ser ou não considerado crítico.

CONCLUSÕES

1. O aumento da disponibilidade de água no solo dissipou os prejuízos da compactação mais no rendimento de grãos do que no crescimento do feijoeiro.

2. O uso da irrigação aumentou muito o índice de área foliar em solo escarificado, comparado com o aumento pequeno verificado no solo compactado. Diferentemente, o uso da irrigação aumentou pouco o rendimento de grãos em solo escarificado, comparado com o aumento expressivo verificado em solo compactado. Em decorrência disso, prejuízos no crescimento das plantas em solo compactado podem ser compensados no rendimento de grãos, se houver disponibilidade de água na fase reprodutiva.

3. Os níveis críticos de indicadores da compactação do solo estabelecidos a partir de variáveis do crescimento de plantas podem não necessariamente indicar diminuição na produção de grãos. A decisão de irrigar e, ou, descompactar o solo depende de conhecer como o componente da planta de interesse agronômico responde conjuntamente à compactação e disponibilidade de água no solo.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 03 de julho de 2013

Aprovado em 13 de março de 2014

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    Interaction between water availability and soil compaction on common bean growth and yield
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2013
    • Aceito
      13 Mar 2014
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