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Caracterização e classificação de solos com horizontes subsuperficiais escuros derivados de rochas graníticas no Escudo sul-rio-grandense

Characterization and classification of soils with dark subsurface horizons derived from granite rocks in the Sul-Rio-Grandense Shield, Brazil

Resumos

Horizontes subsuperficiais escuros com características morfológicas similares aos solos com caráter sômbrico são encontrados nas áreas mais elevadas da porção leste do Escudo sul-rio-grandense, desenvolvidos nos horizontes A2, AB (ou AC) e BA de Argissolos, Luvissolos e Neossolos Regolíticos, respectivamente. Os mecanismos responsáveis pela sua gênese são ainda pouco compreendidos, apesar de a maioria dos autores concordar com a origem iluvial do húmus e de constituir horizonte diagnóstico. Os objetivos deste trabalho foram caracterizar e analisar o enquadramento de nove perfis de solos com horizontes subsuperficiais escuros do Escudo sul-rio-grandense nos critérios do SiBCS, WRB e Soil Taxonomy, sendo sete deles com características morfológicas de sômbrico. A observação de campo (continuidade lateral na paisagem) e a morfologia (ausência de horizonte E, cores mais escuras que os horizontes sobrejacentes e presença de cutans) apóiam o caráter sômbrico para a maioria dos perfis estudados, com a inserção do caráter sômbrico em nível de subgrupo nas classes de Argissolos Bruno-Acinzentados, Amarelos e Vermelho-Amarelos, bem como em Luvissolos e Neossolos Regolíticos, além da inclusão de eutrófico no nível de grande grupo na classe dos Argissolos Bruno-Acinzentados. Os dados sugeriram a revisão da definição de dessaturação na determinação do caráter sômbrico (distrófico) no SiBCS, com a adoção do valor V de 65 %, adequando essa à definição do Soil Taxonomy e WRB, bem como uma investigação mais aprofundada quanto à não associação do húmus com Al; e a consideração da retirada da capacidade de troca de cátions da matéria orgânica no cálculo da atividade da argila, para os horizontes subsuperficiais escuros.

pedologia; caráter sômbrico; morfologia do solo


Dark subsurface horizons with morphological characteristics similar to sombric horizons are found in higher altitude areas of the eastern portion of the Sul-Rio-Grandense Shield, Brazil. They developed in the A2, AB (or AC), and BA horizons of Ultisols, Alfisols, and Entisols. The mechanisms responsible for their genesis are still poorly understood, although most authors agree on the illuvial origin of the humus horizon and on its diagnostic character. The objective of this study was to characterize and analyze nine soil profiles with dark subsurface horizons from the Sul-Rio-Grandense Shield within the current criteria of the Brazilian Soil Classification System (SiBCS), the WRB, and Soil Taxonomy, seven of these soils having morphological characteristics of the sombric horizon. Field observation (lateral continuity in the landscape) and soil morphology (absence of E horizon, darker color than the overlying horizons, and the presence of cutans) support the sombric character for most of the soils studied, adding the sombric trait to the subgroup level in the Gray-Brown Argisol (Argissolo Bruno-Acinzentado), Yellow Argisol (Argissolo Amarelo), and Red-Yellow Argisol (Argissolo Vermelho-Amarelo), as well as to the Luvisol (Luvissolo) and Regolitic Neosol (Neossolo Regolítico) classes, in addition to including eutrophic in the Great Group level of the Gray-Brown Argisol (Argissolo Bruno-Acinzentado) class. The data suggest revising the definition of base desaturation (dystrophic) for the sombric character in the SiBCS, with adoption of the base saturation value of 65 %, fitting it to the Soil Taxonomy and WRB definition, as well as a deeper investigation of the lack of association of humus with Al and disregard of cation exchange capacity of organic matter in calculating clay activity for the dark subsurface horizons.

pedology; sombric character; soil morphology


DIVISÃO 1 - SOLO NO ESPAÇO E NO TEMPO

COMISSÃO 1.2 - LEVANTAMENTO E CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

Caracterização e classificação de solos com horizontes subsuperficiais escuros derivados de rochas graníticas no Escudo sul-rio-grandense(1 (1 ) Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor apresentada à Universidade Federal de Pelotas - UFPEL. )

Characterization and classification of soils with dark subsurface horizons derived from granite rocks in the Sul-Rio-Grandense Shield, Brazil

Márcio Ramos BotelhoI; Luiz Fernando Spinelli PintoII; Ana Cláudia Rodrigues de LimaII; Márcio Renato NunesIII

IProfessor, Geografia, E.E..E.M. Bibiano de Almeida. CEP 96200-200 Rio Grande (RS). E-mail: tchemarcio_rg@yahoo.com.br

IIProfessor, Departamento de Solos - DS, Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel - FAEM, UFPel. Caixa Postal 354. CEP 96010-900 Pelotas (RS). E-mail: lfspin@uol.com.br, anacrlima@hotmail.com

IIIMestrando do PPGMACSA, FAEM, UFPel. E-mail: marcio_r_nunes@yahoo.com.br

RESUMO

Horizontes subsuperficiais escuros com características morfológicas similares aos solos com caráter sômbrico são encontrados nas áreas mais elevadas da porção leste do Escudo sul-rio-grandense, desenvolvidos nos horizontes A2, AB (ou AC) e BA de Argissolos, Luvissolos e Neossolos Regolíticos, respectivamente. Os mecanismos responsáveis pela sua gênese são ainda pouco compreendidos, apesar de a maioria dos autores concordar com a origem iluvial do húmus e de constituir horizonte diagnóstico. Os objetivos deste trabalho foram caracterizar e analisar o enquadramento de nove perfis de solos com horizontes subsuperficiais escuros do Escudo sul-rio-grandense nos critérios do SiBCS, WRB e Soil Taxonomy, sendo sete deles com características morfológicas de sômbrico. A observação de campo (continuidade lateral na paisagem) e a morfologia (ausência de horizonte E, cores mais escuras que os horizontes sobrejacentes e presença de cutans) apóiam o caráter sômbrico para a maioria dos perfis estudados, com a inserção do caráter sômbrico em nível de subgrupo nas classes de Argissolos Bruno-Acinzentados, Amarelos e Vermelho-Amarelos, bem como em Luvissolos e Neossolos Regolíticos, além da inclusão de eutrófico no nível de grande grupo na classe dos Argissolos Bruno-Acinzentados. Os dados sugeriram a revisão da definição de dessaturação na determinação do caráter sômbrico (distrófico) no SiBCS, com a adoção do valor V de 65 %, adequando essa à definição do Soil Taxonomy e WRB, bem como uma investigação mais aprofundada quanto à não associação do húmus com Al; e a consideração da retirada da capacidade de troca de cátions da matéria orgânica no cálculo da atividade da argila, para os horizontes subsuperficiais escuros.

Termos de indexação: pedologia, caráter sômbrico, morfologia do solo.

SUMMARY

Dark subsurface horizons with morphological characteristics similar to sombric horizons are found in higher altitude areas of the eastern portion of the Sul-Rio-Grandense Shield, Brazil. They developed in the A2, AB (or AC), and BA horizons of Ultisols, Alfisols, and Entisols. The mechanisms responsible for their genesis are still poorly understood, although most authors agree on the illuvial origin of the humus horizon and on its diagnostic character. The objective of this study was to characterize and analyze nine soil profiles with dark subsurface horizons from the Sul-Rio-Grandense Shield within the current criteria of the Brazilian Soil Classification System (SiBCS), the WRB, and Soil Taxonomy, seven of these soils having morphological characteristics of the sombric horizon. Field observation (lateral continuity in the landscape) and soil morphology (absence of E horizon, darker color than the overlying horizons, and the presence of cutans) support the sombric character for most of the soils studied, adding the sombric trait to the subgroup level in the Gray-Brown Argisol (Argissolo Bruno-Acinzentado), Yellow Argisol (Argissolo Amarelo), and Red-Yellow Argisol (Argissolo Vermelho-Amarelo), as well as to the Luvisol (Luvissolo) and Regolitic Neosol (Neossolo Regolítico) classes, in addition to including eutrophic in the Great Group level of the Gray-Brown Argisol (Argissolo Bruno-Acinzentado) class. The data suggest revising the definition of base desaturation (dystrophic) for the sombric character in the SiBCS, with adoption of the base saturation value of 65 %, fitting it to the Soil Taxonomy and WRB definition, as well as a deeper investigation of the lack of association of humus with Al and disregard of cation exchange capacity of organic matter in calculating clay activity for the dark subsurface horizons.

Index terms: pedology, sombric character, soil morphology.

INTRODUÇÃO

A ocorrência de solos com horizontes subsuperficiais escurecidos pela matéria orgânica, distintos do horizonte espódico, é comum em parte da área do Escudo sul-rio-grandense, principalmente na sua porção leste, formada por várias suítes de rochas de composição dominantemente granítica (Silveira, 2006). A posição e morfologia desses horizontes coincidem com os horizontes A2, AB, BA e, em alguns casos, com o horizonte AC/CR. Esses horizontes são observados na classe dos Argissolos, principalmente Argissolos Bruno-Acinzentados, e em alguns Luvissolos e Neossolos Regolíticos.

Esses horizontes, morfologicamente, assemelham-se ao caráter sômbrico, descrito na atual versão do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, SiBCS (Embrapa, 2013), e nos Sistemas de Classificação de Solos Americano (Soil Taxonomy) e FAO (World Reference Base - WRB). A ocorrência desses horizontes fora constatada em solos da Região Sul do Brasil, sobretudo nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Oenning, 2001; Silveira, 2006; Almeida et. al., 2009; Botelho, 2011; Lunardi Neto, 2012). A hipótese de que o horizonte A fora enterrado por alguma atividade antrópica local foi descartada, uma vez que o horizonte subsuperficial escuro é observado em vários segmentos da paisagem.

Derivado do termo francês sombre (escuro), o horizonte sômbrico originalmente foi reconhecido por pedólogos belgas que trabalharam no centro-sul do continente africano em países como Rwanda, Congo e Burundi (Frankart et al., 1974; Frankart, 1983; Smith, 1986; Mutwewingabo, 1989), sendo mais recentemente encontrado em algumas regiões da América do Sul (Beinroth et al., 1996; Faivre, 1990) e no sul da Índia (Caner et al., 2003).

De acordo com os sistemas de classificação da Soil Taxonomy (USDA, 1999; 2010) e da FAO (WRB, 2006), o sômbrico é um horizonte mineral subsuperficial de drenagem livre, com presença de húmus iluvial não associado ao Al, como no horizonte B espódico, nem disperso pelo Na, como no horizonte nátrico. Apresenta valores e cromas baixos, e normalmente, mas não necessariamente, teores mais elevados de matéria orgânica, em relação ao horizonte sobrejacente. Possui espessura mínima de 15 cm (WRB, 2006) e não é subjacente a um horizonte álbico. Comumente são encontrados em Oxisols e Ultisols, correspondentes aos Latossolos e Argissolos, respectivamente, e também podem ocorrer em Alfisols e Inceptisols, correspondentes aos Luvissolos e Cambissolos, respectivamente (Frankart, 1983), distinguindo-se do horizonte A enterrado pelo acompanhamento das variações laterais ou por análises em secções delgadas, onde a presença de matéria orgânica ocorre mais concentrada sobre os agregados do que uniformemente dispersa na matriz. É típico de regiões úmidas alto-montana em regiões tropicais e subtropicais (USDA, 1999).

Essa definição foi originada a partir da concepção proposta por Sys et al. (1961), que relaciona a gênese do horizonte sômbrico com a iluviação de compostos orgânicos não associados ao Al; e também foi incorporada na primeira edição do Sistema de Classificação de Solos americano (Soil Survey Staff, 1975), sendo mantida nas edições posteriores.

Apesar de o horizonte sômbrico ser diagnóstico nos sistemas de classificação de solos da Soil Taxonomy e da FAO, esse horizonte foi criado a partir de dados limitados e sua pedogênese ainda é pouco compreendida (Bockheim, 2012). A origem iluvial do húmus é apontada pela maioria dos autores como o principal processo pedogenético responsável pela formação do horizonte sômbrico; porém, ainda há muitas dúvidas sobre os mecanismos responsáveis pela sua gênese (Frankart, 1983; Smith, 1986; Mutwewingabo, 1989; Caner et al., 2003). O requisito da ausência de Al associado ao húmus tem sido usado como tentativa para diferenciá-lo do horizonte espódico (Almeida et al., 2009). Independentemente da sua origem, o horizonte sômbrico é útil para fins taxonômicos e facilmente identificável no campo (Eswaran, 1986).

Apesar de não constar o horizonte sômbrico como um horizonte diagnóstico, na primeira edição do SiBCS (Embrapa, 1999) havia o Cambissolo Húmico alumínico sômbrico, com horizonte subsuperficial de cor mais escurecida que o horizonte sobrejacente, mas que não reúne as propriedades de um horizonte B espódico, que não permaneceu na segunda edição (Embrapa, 2006). Na atual classificação brasileira de solos (Embrapa, 2013), o caráter sômbrico encontra-se em fase de validação e deve atender os seguintes critérios: apresentar espessura mínima de 10 cm; não possuir horizonte eluvial E; não atender os critérios exigidos para o horizonte espódico; apresentar continuidade lateral em vários segmentos da paisagem; apresentar valores e cromas nos estados seco e, ou, úmido mais baixos do que o horizonte sobrejacente; saturação por bases inferior a 50 %; e possuir evidências de acumulação de húmus seja pela presença de cutans, ou pelo maior teor de carbono orgânico em relação ao horizonte sobrejacente.

Este trabalho foi conduzido a fim de caracterizar solos com horizontes subsuperficiais escuros morfologicamente similares ao sômbrico, derivados de rochas graníticas do ponto de vista morfológico, físico e químico, além de verificar o enquadramento nos critérios do SiBCS, WRB e Soil Taxonomy.

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização do ambiente e localização dos perfis

O estudo foi realizado na área do Batólito Pelotas, uma unidade geotectônica situada na porção leste do Escudo sul-rio-grandense composta por uma variedade de rochas graníticas, associadas a xenólitos de rochas metamórficas de baixo a alto grau de metamorfismo. A área foi totalmente percorrida com o propósito de entender a distribuição dos solos com horizontes subsuperficiais escuros, em diferentes posições na paisagem. Foram selecionados para estudo nove perfis de solos localizados nos municípios de Canguçu, Dom Feliciano, Pelotas e Piratiní (Figura 1). Os perfis encontram-se sob condições de relevo suave ondulado a ondulado e com altitudes entre 193 e 400 m, respectivamente perfis P6 e P1.


A vegetação dominante, inserida no bioma Pampa, é formada por extensas áreas de campo com inclusões de florestas nas margens dos rios (Boldrini et al., 2010). A vegetação original predominante nas áreas dos perfis é constituída por porções da floresta subtropical, enquadrando-se nas formações de floresta submontana (IBGE, 1986), com altitudes entre 30 e 400 m. Essa porção da floresta estacional semidecidual encontra-se bastante influenciada pela atividade antrópica e muitas áreas são utilizadas com agricultura familiar.

Para a escolha dos perfis, foi considerada, além da ocorrência do horizonte subsuperficial escuro, a continuidade desse horizonte na paisagem para afastar a possibilidade de constituir um horizonte A enterrado. Os perfis P2 e P5 foram utilizados para fins comparativos com os perfis que apresentam horizontes similares ao sômbrico, quanto às características morfológicas, físicas e químicas.

Procedimentos analíticos

A descrição morfológica dos perfis de solo foi realizada conforme Santos et al. (2005), onde foram coletadas amostras de todos os horizontes. A composição granulométrica da fração terra fina seca ao ar foi determinada pelo método da pipeta, usando-se o NaOH 1 mol L-1, com agitação horizontal por 16 h. A fração argila foi determinada pela velocidade de sedimentação das partículas considerando a Lei de Stokes. O silte foi calculado por diferença entre as massas das frações areia e argila, em relação ao total. Os teores de argila dispersa em água foram determinados pelo mesmo procedimento, porém sem utilização de um agente químico dispersante (Embrapa, 1997).

As análises químicas foram determinadas conforme os métodos preconizados em Embrapa (1997), incluindo pH em água e em KCl 1 mol L-1, Ca2+, Mg2+, K+ e Na+, Al3+ e H+Al. Com base nesses dados, calculou-se a CTC a pH 7,0, soma de bases (S), saturação por bases (V %), saturação por Al (m %) e saturação por Na (PST). O carbono orgânico total foi determinado por combustão seca (analisador elementar). As formas de Al e Fe complexadas organicamente no solo foram extraídas com pirofosfato de sódio 0,1 mol L-1 (Alp e Fep), sendo centrifugadas a 3.500 rpm por 15 min.

Para a classificação dos perfis nos sistemas do Soil Taxonomy e da FAO, foi necessário considerar a divergência entre os métodos de determinação de atributos diagnósticos, como a atividade da fração argila e a saturação por bases; por exemplo, em solos com argila de atividade baixa, é necessário deduzir a participação da matéria orgânica da CTC do solo (WRB, 2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A abrangência e distribuição dos solos com caráter sômbrico na paisagem constituem variações das classes dos Argissolos e Luvissolos, e mais raramente Neossolo Regolítico, nas unidades de mapeamento em levantamentos de nível exploratório e de reconhecimento, pelo menos até média intensidade, conforme observação de campo relativa à continuidade desses na paisagem. Esses solos ocorrem principalmente nas posições de topo e meia encosta, onde podem constituir unidades de mapeamento em levantamentos mais detalhados.

Caracterização morfológica

As características morfológicas dos perfis estudados encontram-se no quadro 1; e as fotografias deles, na figura 2. Os horizontes subsuperficiais escuros coincidiram com os horizontes A2, AB, BA, Bt1 e AC/CR (Figura 2), cujo desenvolvimento em parte do horizonte diagnóstico superficial (epipedon) também foi encontrado por Frankart (1974), Eswaran (1986), Faivre (1990), Silveira (2006), Almeida et al. (2009), Botelho (2011) e Lunardi Neto (2012).



Nos horizontes subsuperficiais escuros dos perfis P1, P3, P4, P6, P7, P8 e P9, os aspectos da cor foram condizentes com a definição de horizonte sômbrico proposta pela Soil Taxonomy (USDA, 1999, 2010), FAO (WRB, 2006) e Embrapa (2013), cujos valores e cromas foram inferiores em relação aos horizontes sobrejacentes. O escurecimento desses horizontes apresentou-se uniforme em toda a matriz dos agregados e diminuiu gradativamente a partir do horizonte BA, nos perfis P1, P4, P6 e P9. Nos perfis P3 e P7, o escurecimento continuou intenso inclusive no horizonte B, significando que a posição dos horizontes escuros, nos perfis estudados, não se restringiu ao horizonte diagnóstico subsuperficial.

A presença de cutans de coloração escura (organs) foi mais expressiva nos horizontes Bt e BC dos perfis P2 (sem as características morfológicas de sômbrico), P6 e P7 (com presença de organs abaixo dos horizontes escuros). Os organs destacaram-se da matriz brunada e foram responsáveis pela coloração variegada desses horizontes (Quadro 1). Essa feição ocorreu com menor intensidade nos perfis P1, P4 e P5 e pareceu indicar um processo relativamente recente de translocação de material orgânico proveniente dos horizontes superiores. Esse processo aconteceu de forma mais ampla na área do Escudo, não se restringindo apenas aos perfis com horizontes subsuperficiais escuros.

A estrutura dos horizontes escuros parece estar relacionada com tipo de solo, variável entre fraca a moderada, tamanho pequeno a grande e predomínio de blocos angulares e subangulares, o que é comum para grande parte dos solos da região. Os horizontes subsuperficiais escuros apresentaram espessuras entre 25 e 60 cm; e as transições para os horizontes sobre e subjacentes são frequentemente claras e planas ou onduladas. A ausência do horizonte E foi constatada em todos os perfis. A ocorrência de um horizonte E sobreposto aos horizontes subsuperficiais escuros descaracterizaria o caráter sômbrico, sendo típica do horizonte espódico (Embrapa, 2013).

Na figura 3, ilustra-se, com mais detalhes, a posição dos horizontes subsuperficiais escuros nos perfis P4 e P6 e a variação lateral do P4. Na região da área de estudo, é comum a presença de solos com horizontes similares ao caráter sômbrico em diferentes segmentos da paisagem, sendo mais comuns nas áreas de topo e encosta. O acompanhamento das variações laterais e a ausência de linha de pedras nos horizontes subsuperficiais escuros indicaram não se tratarem de horizontes A enterrados. Estudos de fracionamento das areias, relações entre a areia total e suas subfrações e a similaridade mineralógica entre os horizontes (dados não mostrados - Botelho, 2011) confirmaram a não sobreposição de depósitos superficiais nos perfis.


Atributos físicos e químicos

A granulometria da fração total revelou que é comum a presença de frações grosseiras (> 2 mm) nos horizontes com caráter sômbrico, porém perfazendo menos de 20 % da massa do solo, o que parece estar de acordo com resultados observados para os solos desenvolvidos sobre rochas graníticas na região (Cunha et al., 1997; Silveira, 2006). Foi observado o predomínio da fração areia na maior parte dos horizontes com caráter sômbrico, com classes texturais franco-argiloarenosa a argiloarenosa, em razão de esses incluírem parte do epipedon. O fracionamento da areia evidenciou o predomínio da areia grossa sobre as demais frações (Quadro 1), o que está relacionado à natureza do material de origem (granitos).

Os valores de carbono orgânico total (COT) demonstraram que os horizontes com caráter sômbrico, apesar da tonalidade mais escura em relação aos horizontes sobrejacentes, não necessariamente apresentaram maior teor de CO (Quadro 2), como é o caso dos perfis P1 e P9. Os valores de COT sugeriram que a tonalidade mais escura dos horizontes subsuperficiais está relacionada a outros fatores (textura, mineralogia da matriz etc.), bem como à constituição química do húmus (Caner et al., 2003).


Os perfis são forte a moderadamente ácidos, e os valores de H+Al e Al são mais elevados nos horizontes com caráter sômbrico do que na porção do epipedon sobrejacente. Esse aumento da acidez potencial nesses horizontes possivelmente está associado à contribuição das substâncias húmicas (dados não apresentados - Botelho, 2011). A saturação por alumínio (m%) foi elevada na maioria dos horizontes com caráter sômbrico (>50 %), à exceção dos perfis P7 (Luvissolo) e P8 (Neossolo Regolítico), que ocorreram lado a lado (Figura 1). Houve pequena participação do Na na CTC, o que atendeu ao critério de baixa saturação por Na na definição de sômbrico.

Na literatura, há diversos trabalhos que associam o horizonte sômbrico a solos distróficos e com argila de atividade baixa (Sehgal & Sys, 1970; Frankart, 1983; Almeida et al., 2009). Entretanto, na região do Escudo sul-rio-grandense esses horizontes foram encontrados também em solos eutróficos (P7 e P8) e com argila de atividade alta (P3 e P7). Nos solos com horizontes com caráter sômbrico, o horizonte B apresentou argila de atividade baixa (>27 cmolc kg-1 de argila) nos perfis P1, P4 e P6 (Argissolos distróficos e alumínicos) e alta (27 cmolc kg-1 de argila) nos P3, P7 e P9 (Argissolos alíticos e Luvissolo). Entretanto, deve-se considerar que no SiBCS (Embrapa, 2013) não se descontou a contribuição da matéria orgânica na CTC do solo. Se descontada essa da CTC (Camargo et al., 1987), seria revelada uma argila de atividade baixa, condizente com a mineralogia caulinítica desses solos (dados não apresentados - Botelho, 2011). Os dados indicaram, portanto, que deveria ser revisada a definição de dessaturação na definição do caráter sômbrico (distrófico) no SiBCS (Embrapa, 2013), adotando-se um valor um pouco mais elevado, como no caso da definição do A chernozêmico (V de 65 %), de forma a adequar essa à definição do Soil Taxonomy e WRB, que considera a extração com NH4OAc. Além disso, os dados indicaram também a necessidade de considerar a rediscussão do cálculo da atividade da argila no caso de solos com horizontes com caráter sômbrico e, ou, com altos teores de CO no horizonte diagnóstico subsuperficial; essa última uma condição relativamente comum nos solos da Região Sul do Brasil. Se realizada, o Luvissolo (P7) e os Argissolos alíticos (P3 e P9) seriam enquadrados como Argissolo eutrófico e Argissolos alumínicos, respectivamente.

Com relação ao requisito do Al não associado ao húmus, especificamente citado na definição de horizonte sômbrico pelo Soil Taxonomy e WRB, os dados da extração com pirofosfato de sódio evidenciaram maiores valores de Fep e Alp nos horizontes com caráter sômbrico e, ou, enriquecidos em cutans (P2 e P5, não sômbricos). Dados semelhantes foram encontrados por Lunardi Neto (2012) para solos da Região Sul do Brasil (SC e RS). Como a solução de pirofosfato de sódio extraiu principalmente as formas de Fe e Al complexadas a compostos orgânicos, os dados indicaram certo grau de associação da matéria orgânica dos horizontes escurecidos com matéria orgânica (sômbricos e não sômbricos) com esses metais. Como morfologicamente esses horizontes não apresentaram semelhança com horizontes espódicos, incluindo a ausência de horizonte E, e como não foram especificados critérios que definiram valores para a associação de Al com o húmus eluvial nas definições do Soil Taxonomy e WRB, sugeriram-se mais pesquisas para esclarecer a necessidade de não associação com esses metais.

Classificação

Os perfis com horizontes subsuperficiais escuros foram classificados como Argissolos Amarelo, Vermelho-Amarelos e Bruno-Acinzentados, Luvissolo e Neossolo Regolítico (Quadro 3). Esses foram classificados adequadamente até o terceiro nível categórico (Grande Grupo), exceto P5, que para ser devidamente enquadrado recebeu a inclusão do termo eutrófico na classe dos Argissolos Bruno-Acinzentados (Quadro 3). Os perfis P1, P3, P4, P6, P7, P8 e P9 possuem horizontes subsuperficiais escuros que atendem os critérios estabelecidos para caráter sômbrico. Dessa forma, uma vez que o sistema confere autonomia aos usuários para fazer possíveis combinações com subgrupos já existentes no SiBCS (Embrapa, 2013), utilizou-se o subgrupo sômbrico para os perfis em questão. Entretanto, o escurecimento dos horizontes subsuperficiais dos perfis não sômbricos (P2 e P5), em conjugação com as cores, levou ao enquadramento desses como Argissolos Bruno-Acinzentados.


No quadro 4, são apresentadas as classificações dos perfis segundo os sistemas do Soil Taxonomy e da FAO. Em relação ao Soil Taxonomy, à exceção dos perfis P7 e P8, todos os demais solos foram adequadamente classificados. Em nível de grande grupo, as classes contempladas com o horizonte sômbrico são os Oxisols e os Ultisols (USDA, 2010), apesar de ser mencionada a ocorrência do horizonte sômbrico em Alfisols e Inceptisols (Frankart, 1983). No entanto, o Soil Taxonomy prevê a formação desses em horizontes câmbicos, além de argílicos e óxicos, sem opção de enquadramento como sômbrico para Alfisols e Inceptisols, e nem para Entisols. Assim, os perfis P7 e P8 ficariam mais bem classificados como Sombric Hapludalf e Sombric Udorthent. No sistema de classificação da FAO (WRB, 2006), o não enquadramento do sômbrico ocorre somente no perfil P8 (Regosol).


CONCLUSÕES

1. A observação de campo (continuidade lateral nos vários segmentos da paisagem) e a morfologia (ausência de horizonte E, cores mais escuras que os horizontes sobrejacentes e a presença de cutans) apóiam o caráter sômbrico para a maioria dos perfis estudados.

2. Em nível de subgrupo, o caráter sômbrico também pode ser inserido nas classes de Argissolos Bruno-Acinzentados, Amarelos e Vermelho-Amarelos, bem como em Luvissolos e Neossolos Regolíticos.

3. No nível de Grande Grupo, propõe-se a inclusão do termo eutrófico na classe dos Argissolos Bruno-Acinzentados.

4. Os dados sugerem a revisão da definição de dessaturação na definição do caráter sômbrico (distrófico) no SiBCS, com a adoção do valor V de 65 %, adequando essa à definição do Soil Taxonomy e WRB, bem como uma investigação mais aprofundada em relação à não associação do húmus com alumínio.

5. Nos horizontes subsuperficias enriquecidos em matéria orgânica, sugere-se retirar a atividade dessa no cálculo da atividade da argila.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 27 de agosto de 2013

Aprovado em 19 de maio de 2014

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  • (1
    ) Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor apresentada à Universidade Federal de Pelotas - UFPEL.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2014

    Histórico

    • Recebido
      27 Ago 2013
    • Aceito
      19 Maio 2014
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