INTRODUÇÃO
O solo é um sistema dinâmico e complexo que atua como habitat para os organismos vivos e que presta inúmeros serviços ecológicos, razões pelas quais tem sido reconhecida a necessidade da sua proteção pelas políticas ambientais (Souza et al., 2008). Entre as atividades que mais impactam os ecossistemas terrestres, destacam-se as minerações, principalmente pela contaminação por elementos-traço do solo, águas subterrâneas e superficiais das áreas mineradas e do seu entorno, causando a redução da biodiversidade, incluindo a fauna edáfica (Tavares, 2006). Entre esses elementos disponibilizados, o arsênio (As) é considerado extremamente tóxico e capaz de provocar diversos danos à saúde humana e aos ecossistemas (Borba et al., 2004). Assim, o biomonitoramento dos solos das áreas do entorno dos empreendimentos de mineração tem grande importância na sua preservação, demandando métodos padronizados e reprodutíveis para sua efetiva condução (Römbke et al., 2005).
A legislação em vigor no país é a Resolução Conama nº 420 de 2009 (Conama, 2009), que estipula valores orientadores de qualidade do solo, considerando o seu tipo de uso. Em Minas Gerais, essa norma foi regulamentada pela Resolução Conjunta COPAM/CERH nº 02 de 2010. Ambas as normas estabelecem limites de tolerância de substâncias dosadas por métodos químicos. Entretanto, a tendência atual é a associação dessas análises com bioensaios de toxicidade, reconhecidos internacionalmente como importantes ferramentas na avaliação de agentes químicos sobre a comunidade edáfica (Römbke et al., 2005). Essa combinação oferece resultados mais representativos das condições naturais do solo, ao avaliar a fração biodisponível dos contaminantes (Hankard et al., 2004). No Brasil, ainda há lacuna em relação às avaliações de risco ecológico associadas a áreas contaminadas. Apesar disso, alguns importantes estudos já foram conduzidos no país, com foco na avaliação do efeito de agrotóxicos sobre oligoquetas (Garcia et al., 2007; Silva e van Gestel, 2009; Nunes e Espíndola, 2012). Também foi um marco importante na área a publicação da norma ABNT (2007), testes de toxicidade aguda com oligoquetas, pela Agência Brasileira de Normas Técnicas.
Considerando a insipiência da área, os bioensaios com solos no Brasil ainda se baseiam em métodos padronizados por agências internacionais como a International Organization for Standardization (ISO) e Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), que empregam, em sua maioria, minhocas como bioindicadores, que avaliam a sobrevivência, a reprodução e o seu comportamento de rejeição desses organismos aos contaminantes (Natal Da Luz, 2004). O uso predominante desses organismos se deve aos seus inúmeros serviços ecológicos prestados e ao fato de ingerirem grande quantidade de solo, acumularem poluentes e representarem a maior parte da biomassa de invertebrados do solo (Plytycz et al., 2007). Conforme ainda não existem espécies nativas padronizadas no Brasil, são utilizadas as espécies padronizadas pelas agências internacionais, Eisenia fetida e Eisenia andrei (Annelida: Oligochaeta), caracterizadas por ampla faixa de sensibilidade, alta disponibilidade e boa adaptação a diferentes ambientes (Piola et al., 2009).
Atenção particular deve ser dada às propriedades físicas e químicas dos solos, como granulometria, teor de matéria orgânica, pH, em razão da sua influência na biodisponibilidade dos contaminantes e, consequentemente, na sua toxicidade, o que faz com que sua análise seja indispensável nos estudos ecotoxicológicos (Natal Da Luz et al., 2008; Nunes e Espíndola, 2012). Além dessas propriedades, os solos naturais usualmente apresentam misturas complexas de contaminantes, tornando as previsões sobre toxicidade menos precisas (Souza et al., 2008). A fim de eliminar essas interferências, é comum o uso de solos artificiais, onde são adicionados contaminantes.
Considerando que a literatura científica aponta para a existência de efeitos tóxicos de solos sob influência de minerações de ouro à fauna edáfica, bem como os indícios de toxicidade em corpos d’águas relacionados à drenagem das áreas avaliadas, apresentados em relatórios do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM, 2010) e que não foi encontrada na literatura a utilização dessa abordagem no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, o objetivo deste estudo foi avaliar a toxicidade do arsênio em solos do entorno de minerações de ouro a Eisenia andrei Bouché (1972), utilizando ensaios de toxicidade aguda e de reprodução. A hipótese deste estudo foi de que os solos do entorno das atividades de mineração têm elevadas concentrações de arsênio que causam efeitos tóxicos sobre o bioindicador utilizado.
MATERIAL E MÉTODOS
Áreas de estudo
Foram avaliadas duas áreas localizadas em diferentes bacias hidrográficas no Estado de Minas Gerais, na região do Quadrilátero Ferrífero. A escolha das áreas de estudo se baseou em indícios de toxicidade apontados em relatórios do Projeto Águas de Minas (IGAM, 2009).
A Área 1, localizada no município de Nova Lima, MG, na sub-bacia do Córrego da Mina, afluente do rio das Velhas, na Bacia do Rio São Francisco, no entorno de uma área de mineração de ouro desativada (Figura 1a). Nesta área foi adotado como controle (M0 ou Mutuca) um remanescente florestal, conhecido como Reserva da Mutuca, e um local (M1 ou Córrego da Mina), localizado no entorno do Córrego da Mina, à jusante de empreendimento de mineração. A Área 2 se encontra no município de Santa Bárbara, MG, na sub-bacia do Rio Conceição, dentro da Bacia do Rio do Doce, no entorno de uma mineração de ouro em atividade. Nesta área, foi adotado um controle (P0) e dois locais investigados (P1 ou Tulipa), no entorno de uma barragem de mineração, e (P2 ou Carrapatos), localizado no entorno de trecho do córrego à jusante da planta dessa mesma mineração (Figura 1b).

Figura 1 (a) Área 1 evidenciando os locais de amostragem, M0 e M1, em Nova Lima, e (b) Área 2 com os locais de amostragem, P0, P1 e P2, em Santa Bárbara, no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Fonte: Modificado do Zoneamento Ecológico-Econômico de Minas Gerais.

Figura 2 Concentrações de arsênio nas amostras de solo por coleta (a) e concentrações médias de arsênio e ferro (b), de acordo com os locais de amostragem em Nova Lima (M0 e M1) e em Santa Bárbara (P0, P1 e P2) no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais.
As duas áreas avaliadas apresentam clima tropical de altitude, com verões brandos e úmidos e invernos secos. Muitos dos depósitos de ouro do Quadrilátero Ferrífero são ligados a camadas intercaladas de óxidos de Fe e outros minerais. A Área 1, em Nova Lima, se encontra em unidade geotécnica Xistos, com litologia xisto metassedimentar, metavulcânico. Os principais depósitos estão hospedados nas formações Lapa Seca e Raposos. As formações estão intercaladas e são recobertas por xistos verdes. Elas estão agrupadas na Unidade da Metassedimentar do Grupo Nova Lima (Ladeira, 1988). A mineralização aurífera da Área 2 está relacionada à zona de cisalhamento transcorrente e hospedada em níveis sulfetados dentro de Formação ferrífera, na forma de finas camadas que variam na concentração de magnetita, carbonatos, silicatos, sulfetos e com veios de quartzo com espessura variável levemente discordantes das formações com bandas de óxidos de Fe. Há uma íntima relação entre ouro e sulfetos nas áreas de mineração. Os minerais da zona mineralizada são arsenopirita, pirrotita e pirita em veios de quartzo encaixados em formação ferrífera (Pereira, 1995).
As coletas de amostras de solo ocorreram entre agosto de 2011 e setembro de 2012. Em estação seca, foi feita uma coleta na Área 1 (Coleta 1) e duas na Área 2 (Coletas 1 e 5), enquanto em estação chuvosa, foram realizadas três coletas nas duas áreas (Coletas 2, 3 e 4). Em cada uma das quatro coletas, foram realizadas sub-amostragens aleatórias do solo superficial, nos primeiros 20 cm de profundidade, ao longo da área, para comporem uma amostra representativa de cada área.
Caracterização de atributos físicos e químicos dos solos
As amostras coletadas foram caracterizadas em relação ao pH, umidade e capacidade máxima de retenção de água (CMRA), de acordo com a ISO (2008), granulometria, pelo método Day (1965) e Gee e Bauder (1986) e matéria orgânica, segundo Tedesco et al. (1995). Considerou-se a classificação das classes texturais da Embrapa (Embrapa, 1997), utilizando-se frações das amostras de solo abaixo de 2,0 mm, obtidas por peneiramento.
As amostras de solo foram analisadas em relação às concentrações de As, Fe, Al, Cu, Ni, Zn e Mn, pelo Laboratório de Análises Químicas do Departamento de Metalurgia da Faculdade de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais. Inicialmente, as amostras passaram por secagem homogênea, seguida de peneiramentos até obtenção de fração abaixo de 400 μm. Conforme recomendação da Resolução Conama n° 420 de 2009 (Conama, 2009), a abertura das amostras foi realizada pelo método 3051A USEPA (USEPA, 2007), em microondas Ethos 1 marca Millestone. As análises foram feitas por ICP-AES, utilizando o equipamento OPTIMA 7300DV, da marca Perkin Elmer, e também por AAS (Espectrofotometria de Absorção Atômica), utilizando o equipamento Analyst 300, da marca Perkin Elmer.
Criação de E. andrei e desenvolvimento do solo artificial tropical
A criação de E. andrei foi estabelecida com base em normas internacionais (OECD, 1984; ISO 1998, 2008), adaptado para as condições tropicais (Garcia, 2004; ABNT, 2007). Nos testes de sensibilidade a As, foi utilizado como controle Solo Artificial Tropical (SAT), produzido com base em adaptações dessas mesmas normas internacionais, conforme Nunes e Espindola (2012). Esse solo foi produzido pela combinação de 70 % de areia, 20 % de caulim e 10 % de fibra de coco em pó. O conteúdo arenoso continha 50 % do seu peso constituído por fração abaixo de 250 μm. Os valores médios da umidade, pH e CMRA desses solos foram, respectivamente, iguais a 6,5, 4,6 e 60 %. A matéria orgânica era representada pela fibra de coco (10 %) e se enquadrava na classe texturalmédia.
Ensaios de toxicidade aguda e crônica
Os ensaios de toxicidade aguda e crônica foram conduzidos em embalagens plásticas de 1 kg, com tampa contendo perfurações. Em cada uma das quatro coletas na Área 1 e das cinco na Área 2, para cada local investigado e os controles, no total de cinco tratamentos, foram utilizadas quatro réplicas, cada uma com 500 g de solo (em base seco). Dez oligoquetos foram colocados em cada réplica. Ensaios de toxicidade aguda foram realizados de acordo com as normas da OECD (1984) e ABNT (2007), com duração de 14 dias, sem adição de alimento, após os quais foi contabilizado o número de organismos mortos em cada réplica. Ensaios de toxicidade crônica, considerando a reprodução de E. andrei, foram baseados na norma ISO (1998). Esses ensaios tiveram duração de 56 dias de exposição, com alimentação semanal com esterco bovino peneirado, seco e desfaunado, após os quais foi contabilizado o número de juvenis presentes em cada uma das réplicas.
A variação de biomassa fresca dos organismos entre o início e o fim dos bioensaios de toxicidade aguda e crônica também foi avaliada. Os organismos foram previamente lavados com água destilada, secos em papel de filtro e, a seguir, pesados nos grupos de 10 organismos que compuseram cada réplica. Ao final dos ensaios, foram novamente lavados, secos e pesados. A diferença de biomassa fresca foi registrada.
Testes de sensibilidade a arsênio em SAT e P0
Foram conduzidos testes de sensibilidade de E. andrei a As(V), na forma de arsenato de sódio inorgânico (Na2HAsO4.7H2O) adquirido da Sigma-Aldrich, Brasil. O desenho experimental foi similar ao do ensaio de toxicidade aguda, porém foram usadas múltiplas concentrações de As(V) tanto em SAT, quanto em solo natural controle, não contaminado, coletado na Área 2 (P0), a fim de se avaliar a influência das propriedades físicas e químicas do meio na toxicidade do metaloide. Após a realização de testes preliminares com ampla faixa de concentrações de As(V), foram feitas três repetições do teste para cada tipo de solo, nas concentrações 100, 150, 200, 250 e 275 mg kg-1, para o SAT, e nas concentrações 1.100, 1.150, 1.200, 1.250 e 1.300 mg kg-1, para P0.
Análise estatística
Os valores médios do percentual de mortalidade, do número de juvenis produzidos e do percentual de perda de biomassa foram analisados estatisticamente, por meio do programa TOXSTAT, versão 1.5. Inicialmente, os dados foram analisados em ternos de sua normalidade, pelo teste de Shapiro-Wilks, e da homogeneidade das variâncias, pelo teste de Bartlett. Quando eles apresentaram distribuição normal e as variâncias foram homogêneas, foi realizada análise de variância, seguida da aplicação do teste de Dunnett, para comparação entre médias dos tratamentos e dos controles. Os dados não paramétricos foram analisados pelo teste de Kruskal-Wallis. Quando houve diferença estatística significativa entre os valores médios do atributo avaliado de um local investigado em relação aos resultados do seu controle (p<0,05), foi considerado que houve efeito tóxico e, caso contrário, não houve efeito tóxico. Os resultados dos testes de sensibilidade a As foram analisados com o teste estatístico Trimmed Spearman-Karber (Hamilton et al., 1978), para determinação da CL50 (14d). Os métodos de Pearson e de regressão linear dos dados foram utilizados nas avaliações das correlações entre as concentrações de As das amostras ambientais e as respostas dos bioensaios de reprodução.
RESULTADOS
Caracterização de atributos físicos e químicos dos solos
As amostras apresentaram valores de pH moderadamente ácido, com tendência ao neutro (ISO, 2008) e todas foram enquadradas na mesma classe textural, textura média (Embrapa, 1997). Os teores de matéria orgânica variaram de 1,73 a 5,65 %, o que é considerado baixo para o desenvolvimento de oligoquetas (Nunes e Espíndola, 2012). De modo geral, não foi necessário o acerto da umidade dos solos, uma vez que já se encontravam acima da metade de sua capacidade máxima de retenção de água (Quadro 1).
Quadro 1 Valores médios e desvios-padrão de atributos físicos e químicos das amostras de solo de áreas minerárias de Nova Lima (M0 M1) e de Santa Bárbara (P0, P1 e P2) no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais
Atributo | M0 | M1 | P0 | P1 | P2 |
---|---|---|---|---|---|
As (mg kg-1) | 13.25 ± 18.36 | 489.32 ± 50.05 | 82.33 ± 45.25 | (1) | 1329.31 ± 951.41 |
Fe (g kg-1) | 297.48 ± 35.13 | 7.6935.90 ± 56 | 142.06 ± 15.14 | 280.96 ± 33.33 | 110.74 ± 6.66 |
Al (g kg-1) | 32.33 ± 7.13 | 27.89 ± 2.87 | 50.47 ± 9.62 | 75.00 ± 9.73 | 33.18 ± 9.38 |
Cu (mg kg-1) | 19.67 ± 26.85 | 186.84 ± 34.92 | 34.12 ± 18.10 | 9.99 ± 19.98 | 46.23 ± 11.99 |
Mn (mg kg-1) | 962.16 ± 14.35 | 623.80 ± 39.76 | 3780.48 ± 17.99 | 839.99 ± 16.75 | 7533.84 ± 6.38 |
Ni (mg kg-1) | 15.41 ± 10.32 | 120.11 ± 20.16 | 87.61 ± 7.31 | 34.75 ± 23.39 | 99.50 ± 3.60 |
Pb (mg kg-1) | 27.84 ± 0.55 | (1) | 19.57 ± 0.47 | 23.50 ± 0.22 | 28.97 ± 0.86 |
Zn (mg kg-1) | 33.21 ± 5.32 | 100.90 ± 6.46 | 74.53 ± 18.12 | 43.79 ± 1.57 | 84.92 ± 39.72 |
Umidade (%) | 49.81 ± 8.19 | 49.81 ± 8.19 | 49.81 ± 8.19 | 49.81 ± 8.19 | 49.81 ± 8.19 |
pH | 6.13 ± 0.25 | 6.13 ± 0.25 | 6.13 ± 0.25 | 6.13 ± 0.25 | 6.13 ± 0.25 |
CMRA/2(2) (%) | 34.26 ± 1.49 | 34.26 ± 1.49 | 34.26 ± 1.49 | 34.26 ± 1.49 | 34.26 ± 1.49 |
MO(3) (%) | 4.61 ± 0.51 | 4.61 ± 0.51 | 4.61 ± 0.51 | 4.61 ± 0.51 | 4.61 ± 0.51 |
Classe textural | média | média | média | média | média |
(1) Concentrações abaixo do limite de detecção. (2) 50 % da CMRA (capacidade máxima de retenção de água). (3) Matéria orgânica. Área 1: M0 (Controle Mutuca), M1 (Córrego da Mina). Área 2: P0 (Controle), P1 (Tulipa) e P2 (Carrapatos).
Desconformidades significativas a Resolução Conama 420/2009 (Conama, 2009), foram verificadas somente em relação ao arsênio, nas áreas M1 e P2, durante o período amostrado. Essas concentrações se mantiveram relativamente constantes nas coletas de M1 (467,9-538,8 mg kg-1), enquanto para P2 as concentrações foram expressivamente superiores nas coletas realizadas em período seco (2.368,5 ± 27,8 mg kg-1), comparadas com as demais coletas, em período chuvoso (636,5 ± 99,9 mg kg-1). As concentrações de As nos controles naturais foram de 13,25 a 82,33 mg kg-1, dentro da faixa de prevenção do Conama nº 420 (Conama, 2009). Somado a isso, foram observadas concentrações elevadas de Fe em todas as amostras avaliadas, inclusive nos controles, com médias na faixa de 76,9-297,5 g kg-1 (Figuras 2a e 2b). Entretanto, a legislação não estipula valores de tolerância para o Fe, devido a sua ampla distribuição na natureza, o que também ocorre para Al e Mn. Os demais elementos se encontraram bem abaixo dos limites de tolerância.
Ensaios de toxicidade aguda e crônica
Não foi necessária a correção da umidade das amostras, uma vez que os valores já estavam acima de 50 % da CMRA. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as taxas de mortalidade dos organismos expostos às amostras dos locais avaliados e seus controles, não havendo, portanto, efeito de toxicidade aguda à E. andrei em nenhuma das amostragens (Figura 3a). Também não houve diferença estatisticamente significativa (p<0,05) em relação à variação de biomassa dos organismos expostos, havendo, de modo geral, perda de biomassa em todos os locais avaliados, incluindo os controles.

Figura 3 Percentual de mortalidade de E. andrei em ensaio de toxicidade aguda de arsênio (a) e número de juvenis produzidos em ensaio de toxicidade crônica em amostras de solos de diferentes coletas em áreas minerárias de Nova Lima (M0 e M1) e Santa Bárbara (P0, P1 e P2) no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Regressões lineares da resposta de reprodução às concentrações de arsênio nas amostras, considerando todas as amostras (c) e as amostras dos locais M1 e P2.
Nos ensaios de toxicidade crônica também não foi verificada diferença significativa em relação à mortalidade parental e à variação da biomassa dos organismos expostos. Entretanto, o número de juvenis produzidos por E. andrei nas amostras de solo de M1 e P2, com médias de 7,2 e 14,1 juvenis, respectivamente, foi estatisticamente inferior (p<0,05) ao número produzido nos seus respectivos controles, M0 e P0, com médias de 37,0 e 32,8 juvenis, respectivamente, em todas as amostragens (Figura 3b). Em P2, houve uma produção de juvenis bem inferior nas amostras de períodos de seca, com média de 2,5 juvenis, concomitante com as elevadas concentrações de As nessas amostras, comparadas às amostras do período chuvoso, com média de 10,4 juvenis, com menores concentrações desse elemento.
Foi observada alta correlação inversa entre a concentração de AS nas amostras e o número de juvenis produzidos (p=0,80). A análise de regressão linear dos dados mostrou que, para os resultados em geral, o As pode explicar 65,3 % das respostas obtidas em relação à reprodução (R2 = 0,65). Porém, considerando-se M1 e P2, isoladamente, esses valores chegaram a 84,5 e 94,9 %, respectivamente, diferindo dos demais locais amostrados, que não apresentaram valores significativos (Figuras 3c e 3d).
Testes de sensibilidade a arsênio em SAT e P0
Foram observadas diferentes respostas de E. andrei às concentrações de As em solo artificial tropical e em solo natural, evidenciadas por suas correspondentes curvas de dose-resposta (Figura 4). Houve maior sensibilidade da espécie ao As no SAT comparado com o solo natural controle (P0). A CL50 na exposição ao SAT (207,4 ± 1,1 mg kg-1) foi seis vezes inferior a CL50 relacionada ao solo natural (1.248,1 ± 13,3 mg kg-1).
DISCUSSÃO
As amostras de solos naturais não causaram efeito de toxicidade aguda a E. andrei, o que foi atribuído às concentrações biodisponíveis dos contaminantes nos solos naturais abaixo das concentrações letais. Esses resultados concordam com os de Souza et al. (2008) e Silva e van Gestel (2009). A variação da biomassa nos bioensaios também não foi um atributo sensível nesse estudo, uma vez que houve tendência de perda da biomassa dos oligoquetas, inclusive nos controles. Nunes e Spindola (2012) atribuíram a perda de biomassa à baixa concentração de matéria orgânica nos solos utilizados.
Por outro lado, a reprodução da espécie avaliada foi sensível às concentrações dos contaminantes nos solos naturais. O evidente efeito tóxico das amostras das áreas avaliadas (M1 e P2) sobre a reprodução de Eisenia andrei esteve altamente correlacionado com as concentrações de As nas amostras (R2 = 0, 845 e 0,949, respectivamente). Efeito e correlação semelhantes foram relatadas por Ávila et al. (2007) e Artuso et al. (2011) utilizando Eisenia fetida. Esses últimos autores destacaram o baixo desenvolvimento de juvenis em concentrações de As acima de 21,0 mg kg-1, em exposição a solos do entorno de mineração no Chile. O efeito observado no presente estudo ocorreu em concentrações bem acima desse valor (429,38 mg kg-1), o que se acredita estar relacionado às diferenças na biodisponibilidade do As nas áreas avaliadas. Nesse sentido, esse elemento, embora em elevadas concentrações em algumas amostras, como P2 (622,70-2.388,16 mg kg-1), não se encontrava totalmente biodisponível, não causando a mortalidade significativa dos organismos expostos. Portanto, a análise química desse elemento não traduziu a sua real disponibilidade à biota, no tempo de exposição recomendado pelo teste agudo desses organismos.
As propriedades físicas e químicas dos locais investigados foram, de forma geral, semelhantes às dos seus controles, tornando-se comparáveis nos ensaios de toxicidade. Nesse sentido, as amostras tinham baixos teores de matéria orgânica, associada à diminuição da biodisponibilidade de contaminantes, e o pH das amostras foi acertado para uma mesma faixa, considerada adequada, evitando sua influência na toxicidade, como ressaltado por Cataldo et al. (2011). Como os solos se enquadravam na mesma classe textural, textura média, evitou-se a interferência dos intervalos granulométricos mais grossos, geralmente associados à menor biodisponibilidade de metais (Natal Da Luz et al., 2008).
Apesar de o solo artificial tropical também apresentar textura média, assim como o controle P0, houve diferenças significativas em relação a ele, nos testes de sensibilidade ao As. Além disso, P2 apresentou concentrações de As que chegaram próximo a 2.400 mg kg-1, aproximadamente 12 vezes maior que a CL50 encontrada para solo artificial tropical, a qual, porém, não causou efeito de toxicidade aguda aos oligoquetos expostos. Esses resultados levaram a crer que a composição dos solos avaliados mostrou-se determinante na redução da biodisponibilidade do As observada nos solos naturais, conforme correlação positiva identificada entre as concentrações de Fe e a produção e juvenis (p=0,67). Nesse sentido, as áreas de estudo localizam-se no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, áreas ricas em minérios de Fe, onde é comum se encontrar As associado aos óxidos de Fe, na forma de arsenopirita, ou adsorvido sobre esses compostos, ou ainda na forma de sulfatos de Cu, situações que reduzem significativamente sua biodisponibilidade (Ávila et al., 2007; Adriano, 2001; Esteves, 2009). Da mesma forma, acredita-se que a grande diferença na sensibilidade de E. andrei ao As no solo artificial tropical em relação ao solo natural controle, com CL50 cerca de seis vezes maior deste em relação àquele, também esteja relacionada às elevadas concentrações de Fe nesse último. Ressalta-se que, embora os cloretos e fosfatos não tenham sido avaliados nesse estudo, há evidências de que esses compostos podem reduzir a assimilação de As pelas minhocas (Lee e Kim, 2008).
Arsênio ocorre naturalmente no solo, geralmente em baixas concentrações, na faixa de 0,1 a 40 mg kg-1 (Bissen e Frimmel, 2003). Porém, em determinadas formações geológicas, pode haver concentrações bem maiores, como áreas ricas em minérios de Fe, onde é comum encontrar As em torno de 570 mg kg-1 (Ávila et al., 2007).
Alguns estudos mostraram a contaminação de solos de minerações por As e seus efeitos adversos à fauna edáfica do entorno dessas atividades (Ávila et al., 2007; Button et al., 2012). Esse elemento tem alto potencial de causar impactos adversos na saúde humana e dos ecossistemas, sendo considerado um dos maiores fatores de risco ambiental (Chen et al., 2009).
Estudos específicos relacionados à toxicidade de As em oligoquetas são relativamente raros (Khalil, 2013), e as informações existentes desse grupo não se referem a E. andrei. Para Lumbricus terrestris, Meharg et al. (1998) e Langdon et al. (2001) estimaram a CL50 (8-d) do As em 100,0 e 96,0 mg kg-1, respectivamente, enquanto a CL50 (96-h) de arsenato para Pheretima hawayana e Allolobophora caliginosa foi de 233,43 e 147,24 mg kg-1, respectivamente (Khalil, 2013). Esses valores mostram que As foi mais tóxico a essas espécies, comparado a E. andrei, no presente estudo. Arsenito [As(III)] pode ser cerca de 100 vezes mais tóxico que o arsenato [As(V)] (Neff, 1997), conforme demonstrado por Kaushik et al. (2013) que relataram CL50 de As(III) de 5,0 mg kg-1, para Eisenia fetida. De acordo com esses autores, solos naturais que contenham arsenito acima de 1,0 mg kg-1 não seriam adequados para o desenvolvimento dessa espécie. Apesar disso, a forma pentavalente predomina nos solos naturais, o que também se acredita acontecer nos solos avaliados nesse estudo, dada a maior similaridade dos valores encontrados com aqueles associados a essa forma química do As.
Biomonitoramentos sistematizados, como o presente estudo, podem ser úteis nos processos de tomada de decisões que atuam na definição de medidas mitigadoras, compensatórias e de remediação de áreas contaminadas, comuns nas minerações. As informações ecotoxicológicas podem, nesse sentido, auxiliar as autoridades competentes na regulamentação dessas atividades e dos níveis de elementos-traço disponibilizados por eles para o seu entorno. Espera-se também que a legislação relacionada à qualidade dos solos no país incorpore o uso dos ensaios de toxicidade com amostras de solos, dada a sua grande relevância, o que já é uma realidade no caso da água.
Essa investigação mostrou que estudos ecotoxicológicos em áreas específicas requerem o uso e a validação de solos de referência naturais específicos, aliado à análise dos efeitos das propriedades dos solos nos bioensaios. É preciso também ressaltar que, embora E. andrei seja uma espécie exótica, a realização de estudos com espécies padronizadas como essa é fundamental, para que estudos futuros possam atuar na validação de bioensaios com espécies nativas. Sugere-se que outros estudos utilizem outras espécies de oligoquetas e representantes de outros grupos, na avaliação de solos sob influência de minerações e outros empreendimentos potencialmente poluidores, sempre considerando as especificidades dos ciclos dos poluentes em condições tropicais.
CONCLUSÕES
As concentrações de arsênio nas amostras de solos do entorno de áreas de mineração, representadas por M1 (Córrego da Mina) e, principalmente, P2 (Carrapatos), foram consideravelmente superiores aos valores estipulados pela legislação em vigor, que é de 150 mg kg-1, o que estaria relacionado à disponibilização desse elemento para o entorno das áreas onde vêm ocorrendo essas práticas minerárias.
As amostras de solos do entorno de áreas de mineração, M1 e, principalmente, P2, causaram evidente efeito tóxico sobre a reprodução de E. andrei em todas as amostragens realizadas, demonstrando o potencial das áreas de mineração em causarem danos à fauna edáfica. Esse efeito esteve altamente correlacionado com as concentrações de arsênio nas amostras.
A sobrevivência e a variação da biomassa dos organismos não foram atributos sensíveis na detecção de efeitos tóxicos dos solos do entorno de áreas de mineração, considerando o tempo de exposição empregado.
Arsênio apresentou baixa biodisponibilidade nos solos naturais avaliados, principalmente em P2, em relação ao solo artificial tropical, o que foi atribuído aos altos teores de ferro nas áreas amostradas.