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A reforma do ensino médio no Chile: vitrina para a América Latina?

Reform of mid level teaching in Chile: showcase for Latin America?

Resumos

A reforma chilena tem sido apontada, principalmente por organismos internacionais, como modelo a ser seguido pela América Latina. A insistência nessa tese justifica a pesquisa desenvolvida em Santiago, que enfocou 12 escolas, em que foram entrevistados diretores e alguns professores. Representante do sindicato de professores e funcionários do Ministério da Educação também foram ouvidos. Diversos documentos oficiais foram estudados. O objetivo foi esclarecer como a reforma repercute nos agentes escolares encarregados de transformar as diretrizes em prática administrativa e pedagógica. O texto privilegia a discussão do financiamento e dos mecanismos de mercado introduzidos no sistema. Conclui que o avanço técnico-pedagógico alcançado não tem impedido que sérios agravos à justiça social sejam registrados.

POLÍTICAS PÚBLICAS; REFORMA DO ENSINO; ENSINO MÉDIO; CHILE


The Chilean reform has been pointed to (mostly by international agencies) as a model to be followed by Latin America. An insistence on this hypothesis justified the research developed in Santiago which focussed on 12 schools, where directors and some teachers were interviewed, and representatives of the teachers' unions and the Ministry of Education were also heard. Various official documents were studied for the purpose of clarifying how the reform has impacted on the school agents charged with transforming the directives in administrative and pedagogical practice. The text prioritizes discussion of financing and market mechanisms introduced into the system. It concludes that the technical pedagogical advances achieved have not prevented serious damage to social justice from being registered.


Tema em debate

A reforma do ensino médio no Chile: vitrina para a América Latina?

Reform of mid level teaching in Chile: showcase for Latin America?

Dagmar Zibas

Fundação Carlos Chagas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dagmar Zibas dzibas@fcc.org.br

RESUMO

A reforma chilena tem sido apontada, principalmente por organismos internacionais, como modelo a ser seguido pela América Latina. A insistência nessa tese justifica a pesquisa desenvolvida em Santiago, que enfocou 12 escolas, em que foram entrevistados diretores e alguns professores. Representante do sindicato de professores e funcionários do Ministério da Educação também foram ouvidos. Diversos documentos oficiais foram estudados. O objetivo foi esclarecer como a reforma repercute nos agentes escolares encarregados de transformar as diretrizes em prática administrativa e pedagógica. O texto privilegia a discussão do financiamento e dos mecanismos de mercado introduzidos no sistema. Conclui que o avanço técnico-pedagógico alcançado não tem impedido que sérios agravos à justiça social sejam registrados.

POLÍTICAS PÚBLICAS – REFORMA DO ENSINO – ENSINO MÉDIO – CHILE

ABSTRACT

The Chilean reform has been pointed to (mostly by international agencies) as a model to be followed by Latin America. An insistence on this hypothesis justified the research developed in Santiago which focussed on 12 schools, where directors and some teachers were interviewed, and representatives of the teachers' unions and the Ministry of Education were also heard. Various official documents were studied for the purpose of clarifying how the reform has impacted on the school agents charged with transforming the directives in administrative and pedagogical practice. The text prioritizes discussion of financing and market mechanisms introduced into the system. It concludes that the technical pedagogical advances achieved have not prevented serious damage to social justice from being registered.

Os anos 90 foram pródigos em pesquisas nacionais e internacionais, voltadas para a análise das reformas dos sistemas educativos. Tais reformas, iniciadas nos anos 80 nos países centrais, avançaram como uma onda irresistível e chegaram até nós com grande força nos meados da última década, atropelando, inclusive, um projeto mais antigo, intensamente discutido por diversos setores da sociedade em longa trajetória no Congresso Nacional.

O sincronismo mundial de um movimento reformista, que, apesar das muitas diferenças regionais, guarda importantes semelhanças em todos os países, é explicado, principalmente, por duas vertentes teóricas, as quais, embora antagônicas, dão importância aos mesmos elementos do movimento global. Ou seja, ambas constroem sua rede teórico-explicativa a partir do vertiginoso processo de mudanças mundiais – econômicas, sociais, tecnológicas e geopolíticas – que se estabeleceu com maior intensidade a partir do final da década de 80. A primeira vertente, que podemos chamar de hegemônica, é aquela que atribui as iniciativas de reforma educacional à necessidade de os diferentes países adequarem o conjunto de suas escolas à nova realidade internacional, realidade em que o conflito social básico estaria diluído, uma vez que os ganhos em produtividade e competitividade seriam agora baseados em conhecimento e não mais em baixos salários e matéria-prima barata. A "sociedade do conhecimento" exigiria um trabalhador autônomo, bem informado e criativo. O uso intensivo de conhecimentos produziria a dissolução de formas burocráticas e autoritárias de gestão, porque obrigaria a renovar permanentemente as linhas de decisão em razão da acumulação e do intercâmbio de informações. Todos os sistemas de ensino deveriam se transformar para atender às novas necessidades, e a transformação na área educacional permitiria que cada país pudesse inserir-se de modo competitivo na nova ordem mundial. O acesso geral ao conhecimento seria, então, suficiente para a instalação de um ordenamento econômico e social mais justo e democrático. A reforma deveria facilitar, ao mesmo tempo, a formação de uma cidadania voltada, especialmente, para a cooperação e para construção do consenso (Cepal/Unesco, 1992).

A visão otimista dessa vertente teórica tem-se debilitado ultimamente diante de indicadores que mostram o aumento acentuado da desigualdade e da exclusão social, inclusive e surpreendentemente, em países centrais, onde estão em vigor os mais avançados processos de transformação produtiva e tecnológica (Tedesco, 1999) e onde o nível educacional da população é bastante elevado.

Um segundo bloco teórico, que chamaríamos crítico, enfatiza a relação entre as reformas educacionais em curso e o atual processo de transformação do Estado, que decorre da nova forma de acumulação do capital. Essa nova forma de acumulação utiliza mecanismos tais como: ampliação e maior velocidade da renovação da base científica e tecnológica da produção, a abertura total de mercados dos países periféricos concomitante à manutenção de diversos mecanismos protecionistas nos mercados do Primeiro Mundo, o livre e instantâneo fluxo financeiro internacional, a intensificação do trabalho e o desemprego estrutural, a restrição a direitos trabalhistas historicamente conquistados, a diminuição da renda dos salários etc. Ela impõe, como bem discute Oliveira (1988), um novo papel para o Estado, que é chamado a restringir seus gastos nas áreas sociais e garantir mais alta remuneração ao capital internacional. Na esteira das transformações na produção, são construídas novas dinâmicas sociais que geram, por sua vez, novos modos de expressão cultural e de convivência social. Daí decorre a necessidade de formação de um novo tipo de trabalhador e, principalmente, de uma nova subjetividade, ou de um ser humano que pense, sinta e viva de maneira diferente daquela de poucos anos atrás. Para outros críticos, essa relação entre as esferas econômicas, sociais e culturais não pode ser vista apenas em um contínuo lógico e temporal. É preciso pensar em causalidades estruturais e recíprocas, já que certos fatores são eficientes à medida que atuam combinados com outros e que o efeito que produzem afeta suas próprias causas. De todo modo, as abordagens críticas concordam, em geral, na prevalência, neste início do século XXI, da observação de Gramsci quanto às mudanças no trabalho no início do século XX "...os novos métodos de trabalho estão indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, pensar e de sentir a vida" (Gramsci, 1988, p. 396). Ou, como afirma Tenti Fanfani (2000), "o capitalismo tem e necessita de um 'espiritu', quer dizer, produz subjetividades e comportamentos diferentes" (2000, p. 4). Evidentemente, as novas subjetividades e comportamentos tendem a estar afinados com o incessante movimento do capital em seu ininterrupto processo de acumulação e reprodução. Na perspectiva deste artigo, a febre de reformas dos sistemas educacionais ao redor de todo o mundo, ao longo dos anos 90, não pode ser compreendida fora do quadro analítico construído pela vertente teórica que denominamos crítica.

Na América Latina, o Chile foi o precursor das mudanças educacionais. Em um primeiro momento, ainda sob o regime ditatorial de Pinochet, a reforma chilena consistiu em um processo de descentralização e privatização. A municipalização de todo o sistema fundamental e médio nos anos 80 – até então vinculado ao governo federal – representou, aos olhos do magistério e de grande parte da sociedade civil chilena, uma estratégia para eximir o governo central de sua responsabilidade com o financiamento educacional, gerando a degradação das condições de trabalho docente e, conseqüentemente, um retrocesso na qualidade da educação. A privatização instalou-se por meio da substancial transferência de fundos públicos para o sistema privado, de tal modo que, a partir de 1981, o antigo e limitado sistema de subsídios públicos a algumas escolas particulares generalizou-se a toda uma nova rede privada de ensino (Rojas Figueroa, 1997).

O primeiro governo eleito, pós-Pinochet, sem condições políticas para mudar a Constituição, optou por aceitar a nova estruturação do sistema educacional, centrando seus esforços num acordo salarial e trabalhista mais justo para os professores. Rojas Figueroa (1997) caracteriza essa fase de "resignação", pois não havia forma de alterar a privatização da educação instalada pela ditadura, procurando os novos governantes apenas diminuir seus efeitos negativos. Entretanto, ao final do primeiro governo democrático, ocorre o que o autor classifica como "consentimento" ou adesão verdadeira das novas forças governistas ao princípio da privatização, com votação de lei que autorizava os estabelecimentos particulares subvencionados a cobrar mensalidades de seus alunos, sem que o aumento de renda derivada dessa cobrança se traduzisse em diminuição substantiva da subvenção. Nesse sentido, o governo eleito protegeu mais o sistema particular do que a ditadura, uma vez que esta, ao determinar cortes significativos da subvenção em casos de cobrança de taxas às famílias, procurava desestimular tal procedimento.

No Brasil, o modelo chileno passou a ser divulgado, no início da década de 90, por autores que viam na privatização a solução para a má qualidade do ensino público. J.C. Tedesco, por exemplo, apóia a tese segundo a qual "...as escolas privadas... [subvencionadas/chilenas] logram compensar as diferenças melhor do que as públicas" (Tedesco, 1991, p. 38). Igualmente, Mello (1990) argumenta em favor da fórmula chilena de transferência de fundos públicos para o sistema privado de ensino, destacando que o ensino médio seria muito beneficiado por políticas privatizantes. Como era de se esperar, empresários da educação têm, também, insistido na validade da tese do financiamento público das escolas particulares, citando sempre a reforma do Chile como paradigma a ser seguido1 1 . A esse respeito, ver Instituto Herbert Levy, 1992, e artigos de Izalci Lucas Ferreira (1997) e de José Zinder (1998), ambos autores vinculados a associações de proprietários de escolas. . São os organismos internacionais, no entanto, principalmente o Banco Mundial, os grandes mobilizadores de argumentos favoráveis à privatização, conforme modelo chileno, e à introdução de mecanismos de mercado nos sistemas educacionais públicos, insistindo, inclusive, na cobrança de taxas dos alunos do ensino médio2 2 . Em matéria no jornal Folha de S. Paulo (1999), o secretário de ensino médio e tecnológico do Ministério da Educação, Rui Berger, negou que o governo tivesse intenção de seguir as recomendações do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento a respeito da cobrança de taxas na escola média. .

A reiteração de referências ao Chile, como modelo de sucesso a ser seguido pela América Latina, justifica as iniciativas de se focalizar a reforma implementada naquele país. A pesquisa que desenvolvi em Santiago3 3 . Este trabalho traz resultados parciais do estudo, uma vez que parte do material coletado ainda estava sob análise por ocasião da redação deste texto. , em 2000, levantou dados – por meio de consulta a documentos e entrevistas semi-estruturadas – no Ministério da Educação, Sindicato de Professores em 12 escolas de ensino médio. As unidades escolhidas contemplaram quatro tipos de vínculos administrativo-financeiros existentes no sistema chileno4 4 . Ficaram fora da pesquisa liceus privados que não recebem financiamento estatal. : escolas municipais, escolas privadas subvencionadas, escolas técnicas administradas por associações de empresários e escolas municipais cedidas a cooperativa de professores. A opção de focalizar, no Chile, apenas a reforma do ensino médio teve por base o fato de que é esse nível de ensino que está sendo submetido, no Brasil, a uma transformação mais profunda. É, ainda, sobre o Ensino Médio, além do ensino superior, que incidem algumas teses privatizantes.

A importância do estudo da experiência chilena é reforçada também pelo fato de que, para além da adesão à privatização, os governos democráticos, pós-Pinochet, introduziram outras inovações que também têm sido caracterizadas como modelos para a América Latina: a avaliação do sistema por meio de provas de rendimento aplicadas aos alunos (Programa Sistema de Medición de la Calidad de la Educación – Simce); recursos compensatórios destinados a escolas mais carentes (Projeto 900 Escolas, ou P-900); financiamento de projetos elaborados pelas escolas, que devem competir entre si para a obtenção de recursos (Projetos de Melhoria Educativa – PME); melhoria das condições físicas e instalação de bibliotecas em todas as escolas fundamentais e médias – urbanas e rurais (Programa de Mejoramiento de la Calidad e Equidad de la Educación Básica – Mece-Básica, Programa de Mejoramiento de la Calidad e Equidad de la Educación Média – Mece-Média); introdução, no ensino médio, de atividades curriculares eletivas, que procuram contemplar as características da cultura jovem (Actividades Curriculares de Libre Elección– Acle); a instituição de concurso de bolsas de estudos no exterior para professores; Programa Enlaces, que até 2000 forneceu a todas as escolas médias e a 50% das escolas básicas equipamento de informática; etc. Mais recentemente, a reforma chilena está avançando para o estabelecimento da Jornada Escolar Completa – JEC –, que pretende estender o horário diário das aulas – do ensino fundamental e médio – por dois períodos (manhã e tarde).

O rol acima, ainda que incompleto, já dá uma visão do dinamismo do Ministério da Educação do Chile na última década. São programas tecnicamente avançados, que focalizam diversas dimensões do processo ensino-aprendizagem, elaborados por equipes altamente qualificadas. Foram introduzidos com a finalidade de transformar a estrutura do sistema, então decadente, e criar uma nova cultura escolar, voltada para a criatividade, a inovação e o compromisso. Esperava-se que os professores recuperassem o entusiasmo pela profissão. Para tanto, procurou-se incentivá-los (mas não financeiramente) para trabalho em equipe dentro da escola, ampará-los com farto material didático e constantes cursos de formação em serviço e estimulá-los por meio de concurso para bolsas de estudo no exterior e por outros recursos de intercâmbio profissional que possibilitassem o aumento da auto-estima, como a publicação de textos dos docentes sobre suas experiências em sala de aula. Os resultados não são uniformes, mas se considerarmos os testes de rendimento aplicados pelo Simce, o que mais chama a atenção é o avanço dos resultados das escolas fundamentais rurais, que, por serem as mais pobres, receberam maiores recursos, não só materiais, como técnicos. Houve, também, diminuição da distância entre as escolas de melhor resultado e aquelas de pior rendimento (Garcia-Huidobro, Cox, 1999), com maior avanço das escolas municipais em relação às particulares subvencionadas (Gonzales, 1999), ainda que persista uma grande diferença entre os melhores estabelecimentos e os piores, sendo os últimos freqüentados pelos alunos mais pobres (Garcia-Huidobro, 2001)5 5 . A avaliação dos resultados do Simce referente a 1999 indica uma diminuição da média de rendimento dos alunos. Garcia-Huidobro (2001) argumenta que o decréscimo verificado deve-se ao fato de ter havido uma decisão política de elevar os critérios de avaliação; ou seja, os testes mediriam agora objetivos mais complexos e o fariam com maior rigor. . Os índices de repetência e evasão no ensino médio estão em lento declínio. Esses índices eram, em 1990, de 12,35% (repetência) e 7,37% (evasão) e caíram para 9,02% e 5,80% em 1997, respectivamente (Gonzales, 1999). É de se notar, porém, que o Chile não adota medidas artificiais para acelerar o fluxo escolar, como está acontecendo em alguns estados brasileiros, onde se instala, muitas vezes, a promoção automática não declarada, com baixíssimos níveis de aprendizagem6 6 . Exemplos da promoção automática não declarada podem ser encontrados no sistema estadual de Ensino Médio em São Paulo. Ver a esse respeito Ferretti et al., 200l. . Assim, a melhoria dos índices chilenos de aprovação/evasão/repetência talvez esteja refletindo uma real melhoria da qualidade educativa.

O sindicato docente – Colégio de Professores do Chile – argumenta que os programas da reforma não têm a efetividade que poderiam ter porque os recursos estatais aplicados são modestos: 3,7% do PIB aplicados na educação em 1998 (Chile, 1998); como conseqüência, os salários docentes e as condições de trabalho (por exemplo, número de alunos por classe e número de horas para trabalhos extra-classe) ficaram longe do desejável. Dados da OECD/Unesco (1999) mostram que o salário inicial dos professores de nível médio em instituições públicas, no Chile, era, em 1999, de US$ 12,711 por ano, enquanto na Argentina era US$ 10,837 e no Brasil US$ 8,148. Ainda que o Chile, em relação a salário docente, pareça se colocar em situação privilegiada na América Latina, em relação aos países da OECD, com os quais é sempre comparado, sua posição é inferior. Por exemplo, excetuando-se o Chile, na OECD, a mais baixa remuneração inicial para docentes de nível médio é a de Portugal, onde chega a US$ 16,283 anuais (OECD/Unesco, 1999). Segundo alguns especialistas, a realidade salarial e as condições de trabalho do magistério causaram, ao longo dos anos 90, uma constante diminuição do número de estudantes que escolhem a carreira docente. Esses argumentos são usados por professores chilenos para mostrar por que não podem se dedicar a uma só escola (com jornada parcial em duas escolas recebem mais do que jornada única em uma escola) e por que muitos dos programas instituídos pelo ministério não atingem o nível esperado. Para os representantes dos professores, a reforma tem priorizado materiais e equipamentos didáticos, colocando a questão docente em segundo plano. O sindicato também é muito crítico a respeito dos mecanismos de mercado introduzidos, opinando que a competição entre as escolas tem aumentado muito a iniqüidade do sistema7 7 . Opiniões registradas em entrevista com assessora do sindicato dos professores e em consulta a documentos levantados na entidade de classe. .

O que pudemos registrar nas escolas estudadas é que diversos programas da reforma, de alto nível técnico, são muitas vezes prejudicados pelas restrições do financiamento ou sofrem distorções pela competição e recompensas introduzidas. Assim, ainda que haja alguns resultados técnico-pedagógicos importantes que fazem jus à tradição educacional do país, há problemas graves quanto à desejada "eqüidade", que tem sido o leitmotivda reforma no Chile. É esse mapeamento, dos sucessos e problemas do sistema chileno, que a pesquisa mencionada procurou realizar.

No desenvolvimento de um tipo de estudo como esse, convém sempre lembrar que

...tratar de conhecer as diferentes soluções que outros países e outros povos dão a seus problemas, a suas instituições, como no caso da educação, sempre foi um meio de desenvolvimento e de enriquecimento. Mas para fazer comparações, além da dificuldade de entender as diferentes línguas e seus complexos significados, existe o problema do conhecimento e da interpretação de sua história e de sua cultura. (Franco, 2000, p. 288)

A ênfase nesse alerta torna-se imprescindível se atentarmos para o fato de que a atual convergência das reformas educativas é tecida por agências internacionais que fazem tábula rasa das peculiaridades históricas e sociais dos diferentes países. Como bem nota Bueno (2000), todas as atuais transformações macroestruturais são interpretadas de maneira simplista pelos organismos internacionais, os quais, passando ao largo de todas as incertezas e contradições da atualidade, recomendam políticas uniformes destinadas a países muito diferentes.

Torna-se, portanto, irrecusável considerar, mesmo em um texto resumido e introdutório como este, alguns aspectos sociais e históricos do Chile, para que os dados empíricos, mais adiante discutidos, possam ter, como pano de fundo, um contexto minimamente definido.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA EDUCACIONAL CHILENO E DE SEU CONTEXTO

O sistema educacional chileno compreende oito anos de educação obrigatória, denominada educação básica, que atende crianças de 6 a 13 anos, e quatro anos de educação média, não obrigatória, destinada a jovens de 14 a 17 anos.

Tendo o Chile uma população comparável àquela da Grande São Paulo, é evidente que os números globais de seu sistema educacional são mínimos, quando contrapostos ao Brasil como um todo. O número total de suas escolas médias, municipais e particulares, é de aproximadamente 1.600, oferecendo duas modalidades de currículo: uma de caráter geral (humanístico-científico) e outra técnico-profissional. Embora, em termos legais, ambas as modalidades permitam a continuação de estudos em nível superior, é consenso que os alunos dos cursos profissionais não têm condições mínimas para competir nos exames de admissão à universidade.

A matrícula em todo o sistema médio de ensino (pouco mais de 700 mil ao final da década de 90) é dez vezes inferior às matrículas no Brasil (que já tem mais de 7 milhões de alunos no nível médio). No entanto, no Chile, hoje, cerca de 80% dos jovens entre 14 e 17 anos freqüentam o nível secundário, enquanto no Brasil, para a faixa etária 15/19 anos, essa porcentagem não chega a 40% (Zibas, Franco, 1999). O ensino básico chileno, que corresponde ao nosso ensino fundamental, desde o início da década de 70 já atende a quase 100% da faixa etária dos 6 aos 13 anos (Garcia-Huidobro, Cox, 1999).

A cobertura oferecida pelo sistema educativo chileno, cujos índices são comparáveis àqueles dos países centrais, tem uma base histórica bastante peculiar no quadro latino-americano. Desde o século XIX, os sucessivos governos vinham oferecendo um crescente serviço público de educação primária. Segundo Nuñes Prieto,

...em algum momento [do século XIX] se considerou que a dita oferta deveria ser gratuita, que deveria ser de responsabilidade do estado nacional, mais do que das municipalidades ou da iniciativa privada, que deveria atender também as meninas. A Lei Orgânica de Instrução Primária, de 1860, foi a expressão dessas decisões. (2000, p. 2)

Mais tarde, pensou-se que essa lei era insuficiente e que a universalização da educação primária seria promovida mais eficazmente com a adoção da obrigatoriedade. Assim, desde o início do século XX, discutia-se, no Chile, um projeto de educação primária obrigatória. Em 1920, finalmente, foi promulgada a lei que a instituía, tendo sido vencida a forte resistência de setores das classes dominantes. Esse avanço da legislação teve uma importante base científica: foi o pioneiro estudo de Dario E. Salas, classificado pelo próprio autor como um survey e intitulado "O Problema Nacional. Bases para a reconstrução de nossa educação primária", de 1917, que proporcionou os subsídios intelectuais e de informação para que se discutisse, com maior rigor, o tema da universalização e obrigatoriedade da educação primária (Nuñes Prieto, 2000).

Além da ampliação da oferta, já havia no Chile, desde fins do século XIX, uma preocupação com a qualidade da educação. Essa preocupação traduziu-se em um acordo com a Alemanha, que enviou missões de docentes que chegaram ao país a partir de 1890. Essas missões, difusoras da pedagogia de Herbart, encarregaram-se da gestão das escolas normais, fundando também o Instituto Pedagógico e introduzindo a dimensão científica na produção de saberes sobre a educação escolar (Nuñes Prieto, 2000).

Considerando-se o cenário latino-americano, é notável, ainda, na História da Educação do Chile, a precoce organização do sindicato de professores, denominado, em seus primórdios, Asociación General de Profesores de Chile. Tal entidade, formada por professores primários oriundos de camadas médias mais baixas, tinha, já em 1927, bastante força social e política, o que a fez capaz de propor uma reforma educacional de caráter integral, ou seja, embasada em uma concepção sistêmica da organização educacional pública. A concepção unitária e integradora da reforma tinha por objetivo superar a segmentação do sistema educacional, estando orientada, segundo Nuñes Prieto (2000), por uma ideologia igualitária e de justiça social. Essa proposta da Associação de Professores acabou sendo derrotada por outra agenda de reforma, esta elaborada por um conjunto de autoridades educacionais, docentes da universidade e figuras de destaque de organizações sociais e culturais diversas, em maioria integrantes de camadas médias e superiores da classe média. De todo modo, a tradição da organização docente no Chile marca uma diferença na América Latina e tem desdobramentos importantes na atualidade.

Em resumo, com esse histórico educacional, muito brevemente aqui referido, mas nitidamente de grande destaque no cenário latino-americano, não é de se estranhar que, já no início da década de 90, o Chile contasse com uma cobertura praticamente universal da escola fundamental e de 75% no que se refere ao ensino médio. Os analfabetos, que eram 16,4% em 1960, constituíam apenas 5,2% da população em 1992 (Garcia-Huidobro, Cox, 1999).

Outras características da sociedade chilena e de seu sistema de ensino também podem facilitar a compreensão do tipo de inovações adotadas e dos resultados obtidos. Por exemplo, apesar de ter sido o magistério um setor particularmente prejudicado durante o regime militar, com diminuição de salários e de status profissional, o professorado parece ainda preservar um certo prestígio social, principalmente se tivermos como contraponto o magistério no Brasil. Pesquisa desenvolvida com estudantes do ensino médio no Chile mostrou que os jovens – especialmente aqueles matriculados em estabelecimentos públicos – consideram seus professores adultos altamente significativos em suas vidas, acima de médicos, sacerdotes, psicólogos ou políticos (Lemaitre, 1999).

Condições históricas e sociais específicas parecem estar na base do comportamento dos jovens chilenos, reconhecidos, em geral, como disciplinados (ou mais submissos?). A grande influência da hierarquia católica em toda a sociedade chilena é bem conhecida. Uma ilustração dessa influência é a tardia adoção da lei do divórcio, que só em outubro de 2000 passou em votação na Câmara dos Deputados, estando ainda dependente do Senado. A televisão aberta e os meios de comunicação refletem o conservadorismo dos costumes: por exemplo, os programas de TV nacionais estão muito aquém do nível de erotização das novelas brasileiras. Por outro lado, em que pese a selvagem reação do Estado chileno durante o regime militar, o índice de criminalidade nos centros urbanos é muito inferior ao registrado no Brasil8 8 . Quanto ao nível de corrupção nas administrações, embora não seja possível uma avaliação segura, é interessante considerar o ranking, organizado pela ONG Transparência Internacional. A entidade entende a corrupção como abuso de cargo público para benefício privado e constrói uma escala de corrupção, desde 1995, com base em dados recolhidos em organismos internacionais, com empresários, analistas e público em geral. Embora não se trate de um estudo sobre a realidade, mas sobre percepções, pode ser sintomático que o Chile esteja colocado em 18º lugar no mundo, sendo na América Latina o número um, ou seja, percebido como menos corrupto, enquanto o Brasil figura na 49ª posição mundial ( El Mercurio, 14/10/2000). . No contexto escolar – em que aulas de religião (católica), embora sem freqüência obrigatória, têm espaço legalmente garantido no currículo, em que diversas escolas segregadas, somente para meninos ou para meninas, não causam estranheza, em que o uniforme completo para os alunos do ensino médio (muitas vezes, com gravata para os rapazes) é regra geral, em que professores e visitantes são recebidos, em muitos casos, em escolas públicas e privadas, em pé e em silêncio pelos adolescentes na sala de aula –, entende-se por que, no Chile, sequer é concebível o tipo de relação extremamente agressiva entre alunos e docentes, não muito raras em escolas públicas brasileiras, principalmente na periferia das grandes cidades, onde ameaças e agressões físicas de jovens contra seus professores (e vice-versa) tornam-se, às vezes, casos de polícia9 9 . A Unesco, em colaboração com diversos órgãos oficiais, tem patrocinado pesquisa sobre a violência que atinge jovens no Brasil. Ver a esse respeito Waiselfisz, 2000. Especificamente sobre o tema da violência nas escolas, está no prelo relatório final de pesquisa levada a efeito em diversos estados, sob a coordenação de Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua e apoiada por diversas instituições (Banco Internacional de Desenvolvimento, Fundação Ford, Instituto Ayrton Senna, Consed, entre outros). Os resultados mostram algumas situações alarmantes. .

Outra diferença básica entre o ensino médio chileno e o brasileiro diz respeito às matrículas diurnas e noturnas. Enquanto, entre nós, como se sabe, o ensino médio continua sendo principalmente noturno, arcando com todos os ônus de uma situação precária e inadequada para a formação dos adolescentes, no Chile, as matrículas no período da noite são minoritárias, consideradas "educação de adultos" e rigorosamente destinadas a maiores de 18 anos.

Há, ainda, no Chile, uma tradição de "estudos do meio", provavelmente derivada da forte influência da "pedagogia do interesse" de Herbart no início da organização do sistema nacional de ensino. Os recentes estímulos materiais e técnicos da reforma – aliados a essa tradição pedagógica e, ainda, à melhor formação dos professores, ao maior status profissional docente e às condições psicossociais favoráveis do microcosmo escolar – parecem ser de molde a criar um clima, em geral, mais estimulante nas escolas chilenas. Ou seja, a rotina chapada e improdutiva de grande parte de nossas escolas10 10 . Inúmeros estudos de caso têm mostrado essa realidade no Brasil (ver, por exemplo, Ferretti et al., 200l). Além disso, os resultados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), que têm indicado reiteradamente os precários resultados de rendimento escolar no ensino médio, em todo o país, podem justificar a inferência de que os maus resultados de rendimento dos alunos estão relacionados a uma rotina improdutiva nas escolas. , tantas vezes denunciada entre nós, não pareceu fortemente estabelecida na maioria das escolas visitadas. Com maior ou menor vigor, estavam os jovens diversas vezes dedicados a atividades não rotineiras. Embora o trabalho interdisciplinar não seja prática comum, os professores individualmente se mostraram, em muitos casos, criativos e envolvidos. Essa situação registrada contraria as avaliações de diversos especialistas (Garcia-Huidobro, Cox, 1999) e do sindicato, as quais indicam uma baixa motivação do magistério chileno. No entanto, observei em diversas escolas – tanto municipais, quanto particulares (religiosas) subvencionadas – muitas atividades que pareceram estimulantes. Alguns exemplos: dramatização de lendas nacionais em uma classe de primeiro ano do ensino médio, trabalhos de artes plásticas sobre o filme Matrix com alunos de diversas turmas do ensino médio, alunos reunidos para trabalhos na biblioteca, alunos assistindo a vídeo pedagógico na aula de Física, com o monitoramento de um professor que pareceu didaticamente estimulante, exposição multidisciplinar de trabalhos sobre a História da América Latina, exposição de experimentos científicos, serviço informativo de alto-falante dirigido por alunos durante o recreio em uma escola, fotos de visitas a museus, a parques e monumentos e de atividades desenvolvidas aos sábados: danças folclóricas, desfiles de moda, performance de bandas etc.

Sem dúvida, para além dos estímulos da reforma, um certo grau de dinamismo registrado nas escolas chilenas pesquisadas deve ser também interpretado à luz das peculiaridades históricas e sociais já referidas neste texto. Os estudos das agências internacionais, em geral, ignoram tais peculiaridades. Um exemplo é o tamanho de turmas recomendado. O sistema chileno adota, como norma, um máximo de 45 alunos por classe, independentemente da série e do nível de ensino, o que é considerado ideal pelo Banco Mundial. Todas as escolas visitadas tinham turmas sempre maiores que 40 alunos, a maioria com 45 alunos. O Sindicato de Professores informa que há pressão, oriunda de diversas fontes, para que as escolas adotem turmas não inferiores a 45 alunos11 11 . O Ministério da Educação informa que a média de alunos por turma, no ensino médio, é de 31. No entanto, como se trata de "média", é preciso considerar os extremos que favorecem essa média: escolas rurais em zonas de baixa densidade demográfica ou escolas privadas da elite. Esse item é tão sensível, no sistema, que entrou na pauta da última negociação entre o governo e o sindicato, ficando acordado que, a partir de 2002, o número máximo de alunos por turma será de 40, mas apenas em escolas com maioria de alunos de baixa renda ( Periódico La Tercera, 11/11/2000). . Tal prática é veementemente contestada pelo magistério chileno, que alega grande dificuldade de trabalhar com esse tamanho de turma, principalmente no contexto de uma metodologia que exige atenção individual ao aluno. Ou seja, em um quadro disciplinar tradicionalmente rigoroso, como o que registramos nas escolas no Chile, há argumentos contra a adoção de turmas de 45 alunos. No entanto, esse número é recomendado pelo Banco Mundial para toda a América Latina, havendo, no Brasil, iniciativas em diversos estados para a instalação desse padrão. Pode-se prever que, entre nós, principalmente em vista das relações psicossociais predominantes no microcosmo escolar, a direção de turmas maiores seja muito mais problemática.

É com esse cuidado – de ler a reforma chilena dentro do quadro histórico e social que lhe é peculiar – que devem ser interpretados os dados discutidos em seguida, coletados por meio da pesquisa mencionada. Adicionalmente, as múltiplas dimensões da reforma, a grande quantidade de informações registradas e o exíguo espaço deste artigo exigiram uma árdua opção. Escolhi tratar, inicialmente, do cronograma da reforma do ensino médio para, em seguida, discutir o financiamento e a relação entre financiamento e alguns programas inovadores adotados na forma como essa relação repercute nas escolas estudadas.

O CRONOGRAMA DA REFORMA

Se há um aspecto da reforma do ensino médio do Chile que poderia ter servido de guia para os nossos policy makers é o cronograma adotado. Ao contrário do processo brasileiro, a reforma chilena não começou com a reforma curricular: para os envolvidos na elaboração do projeto, tornou-se ponto de honra tentar conseguir, em primeiro lugar, o desenvolvimento de condições materiais, técnicas e psicossociais para que os professores e as escolas se abrissem de modo positivo para a discussão das modificações do currículo.

Lemaitre (1999) explica que, na história educacional chilena (e, acrescentaríamos, igualmente na brasileira), os processos de "reforma" constituíram habitualmente um processo vertical, de cima para baixo, e dirigido apenas a mudanças curriculares e normativas. Nesse quadro, decidiu-se que o processo desencadeado no início dos anos 90 não seria chamado de "reforma", mas de "melhoria da qualidade e da eqüidade do ensino médio". O movimento inovador começou com um amplo programa de pesquisa, englobando 13 projetos, contratados pelo ministério nas principais agências de pesquisa do país, principalmente aquelas ligadas às universidades. A meta era obter um quadro geral do funcionamento dos diversos tipos de escolas e liceus, de forma a ter subsídios para a elaboração da proposta de inovações. Um segundo passo foi a consulta nacional a mais de 2 mil grupos representativos de professores, pais e outros setores da sociedade, chamados a opinar sobre o perfil que deveria ter a escola média. Como resultado, ações de melhoria da infra-estrutura, instalação de bibliotecas em todas as escolas, programas intensivos de formação em serviço, além de projetos especiais, como Acle e Enlaces, que detalharemos mais adiante, antecederam as mudanças no currículo, construindo uma base mais sólida para as inovações pretendidas no método e nos conteúdos do ensino. Cox conclui:

... a reforma curricular é implementada com base sobre aquilo que já se construiu por meio de diversas políticas e programas de melhoramento do sistema escolar, e não como a primeira pedra do processo; isto estabelece, a nosso juízo, condições favoráveis para a sua implementação. (1999, p. 234)

Os cuidados estratégicos, políticos e técnicos adotados pelo Ministério da Educação não garantem o sucesso da reforma curricular, mas, sem dúvida, sua ausência comprometeria todo o processo. Essa constatação põe a nu a fragilidade do processo de nossa reforma curricular, cuja complexidade teórico-metodológica encontra nas escolas uma notória precariedade material, profissional e técnica. Os investimentos prometidos para a melhoria e expansão do ensino médio ainda estão longe de se concretizar para todo o sistema, mas os professores já estão convocados para a reforma curricular. Essa inversão no método de implantação da reforma brasileira permite prever a repetição de históricas frustrações.

É interessante notar também que a reforma curricular chilena não abandonou a estrutura baseada em disciplinas. Cristian Cox, especialista conhecido internacionalmente e assessor do Ministério da Educação, assim definiu a opção do Chile em entrevista gravada (2000) para a pesquisa aqui discutida:

... a reforma curricular chilena está armada sobre disciplinas. Investigamos o currículo do ensino médio de 36 países, investigamos historicamente, e nenhum país saiu dessa matriz. Temos teoria e boas categorias para perguntar aos que pensam em um currículo integrado, para além das disciplinas, "qual sistema nacional realizou isso?" Nenhum!

Aqui, resta-nos perguntar: o rigor metodológico expresso por Cox foi preocupação de nossos reformadores ao embasarem na interdisciplinaridade e na organização do currículo por áreas do conhecimento o novo currículo do ensino médio brasileiro? Em nosso caso, embora não haja qualquer indicação oficial de abandono da estrutura disciplinar do currículo, a grande ênfase nas áreas de conhecimento, o despreparo técnico das equipes escolares e a constante falta de professores para certas disciplinas faz temer a instituição do "professor polivalente" no ensino médio, como alerta o Parecer da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação– ANPEd (1997) – sobre o Plano Nacional de Educação.

FINANCIAMENTO E PROGRAMAS INOVADORES

Em 2001, o sistema escolar do Chile completa 20 anos de adoção de um padrão de financiamento equacionado a partir da economia, cuja lógica, na opinião do economista Pablo Gonzalez, assessor do Ministério da Educação, é de difícil compreensão para os educadores (Gonzalez, 1999). Segundo o autor, os gastos no sistema escolar chileno classificam-se em duas categorias: subvenções e o resto. As subvenções representam aproximadamente 60% do gasto do Ministério da Educação e 78% do financiamento do sistema escolar. A subvenção oficial é dada por aluno que assiste às aulas e esse subsídio varia por nível e modalidade de ensino. Trata-se de uma transferência de recursos que é entregue aos "mantenedores educacionais", entidades públicas (municípios) ou privadas, que são julgadas habilitadas para administrar estabelecimentos de ensino. Teoricamente, um sistema de financiamento baseado em subsídios à demanda geraria um mercado de educação, com consumidores que podem escolher de quem comprar os serviços educacionais, com livre entrada e saída de mantenedores e livre concorrência entre setores público e privado, com ou sem fins de lucro. O pressuposto fundamental é de que as famílias escolheriam os estabelecimentos de forma racional e que a variável principal na qual baseariam suas decisões seria a qualidade da educação oferecida. (Gonzalez, 1999).

Não é difícil perceber que a "livre escolha", princípio fundamental do sistema, não funciona para os mais pobres ou para crianças consideradas "difíceis". Na verdade, a escolha é mais fácil para a escola do que para os pais12 12 . Gimeno Sacristán faz essa mesma observação em relação às escolas privadas que recebem financiamento público na Espanha (Zibas, 1999). . Como os resultados do Simce são usados como base para diversas estratégias do ministério, inclusive para premiação de escolas consideradas de "excelência acadêmica", são comuns os estratagemas para não se aceitarem matrículas de determinado perfil de aluno. Em uma escola municipal situada em bairro de população de baixa renda, encontramos um pai que contou da dificuldade de matricular seu filho, considerado "problemático", em outros estabelecimentos dos arredores. Segundo a diretora, sua escola está se tornando um "gueto" dos mais pobres entre os pobres e "dos mais difíceis", porque seria a única da região que não discrimina alunos. Ainda de acordo com o depoente, chegam também à escola muitas transferências no meio do ano escolar. São crianças com baixo rendimento, "aconselhadas" a mudar de escola por ocasião da aplicação dos testes do Simce para determinadas séries. Há, ainda, o recurso de pedir que os alunos academicamente mais fracos faltem no dia da aplicação da prova.

O Ministério da Educação do Chile tem, sem dúvida, preocupação com a eqüidade e trata de coibir as práticas fraudulentas, mas a fiscalização é difícil e, em algumas circunstâncias, impossível. Outro exemplo das dificuldades para se obter o funcionamento ideal do "mercado da educação" foi registrado em escola municipal situada em bairro de classe média.

Segundo a diretora, sua escola havia obtido, por dois biênios consecutivos, o prêmio de excelência acadêmica e os professores receberam, por quatro anos, um plus em seus salários. Para esse incentivo, a escola, além de bons resultados no Simce, deveria provar que atendia, além da classe média, uma certa porcentagem de alunos pobres. Na última avaliação, a escola não conseguiu a premiação porque o ministério descobriu, por meio de questionário distribuído diretamente aos pais, sem conhecimento da escola, que não havia matrículas de crianças pobres. Nossa entrevistada assegurou que os pais haviam mentido ao responder o questionário do ministério, declarando renda superior à real. A diretora ainda arriscou uma explicação psicossocial para o ocorrido: no Chile, o reconhecimento de pobreza seria considerado vergonhoso e os mais necessitados tentariam sempre "manter as aparências". De toda forma, constata-se a fragilidade do sistema. Se o ministério tem razão, houve premiação indevida por quatro anos. Se a diretora está correta, o atual cancelamento do prêmio é injusto.

Parece muito importante o registro dessas conseqüências – em grande parte inevitáveis – da introdução de mecanismos de mercado na educação, em um momento em que cresce essa tendência entre nós. A Secretaria do Estado de São Paulo, por exemplo, acaba de adotar um sistema de premiação em dinheiro para os diretores cujas escolas obtenham os melhores resultados nas provas de avaliação do sistema (Sistema de Avaliação de Rendimento do Estado de São Paulo – Saresp)13 13 . Em São Paulo, o Saresp é aplicado pela própria escola, com a supervisão facultativa de pais. Em estudo de caso sobre a aplicação do Saresp, Esteves (1998) registrou indícios de fraude e a explicação de professor sobre os motivos que o levam a ensinar as respostas aos alunos. Estudo mais recente (Ferretti et al., 2001) registra que pode haver incentivo à incidência de fraudes quando dotações às escolas são vinculadas aos resultados obtidos pelos alunos nos testes. . Adicionalmente, é importante considerar os estudos internacionais que mostram o seguinte: quando resultados de avaliações de sistema ganham importância para decisões estratégicas, existe tendência de se inflacionarem os resultados (Bierlein apud Malta Campos, 2000).

Há, no Chile, contudo, importantes iniciativas pedagógico-administrativas do ministério, universalizadas para todo o sistema. É o caso da melhoria da infra-estrutura dos prédios escolares e da instalação de bibliotecas em todas as escolas médias, com uma doação inicial de 300 livros, escolhidos por especialistas de diversas áreas, e recursos para que as escolas escolhessem, a partir de um catálogo com obras nacionais e estrangeiras, o restante de sua coleção.

Com a mesma abrangência universalizada, a formação dos professores em serviço é constante. Além de cursos oferecidos pelo ministério, as escolas dispõem de recursos federais para contratar, dentro de um rol de agentes aprovados pelo órgão central, a assessoria técnica que mais lhe for conveniente. Nesse caso, concretiza-se a formação do grupo de professores na própria escola, o que tem sido reputado por especialistas como a forma mais eficiente de formação em serviço. No caso do Chile, no entanto, há a restrição do tempo de que os professores dispõem fora de sala de aula, uma vez que há o impasse entre o Ministério da Educação e o magistério quanto ao pagamento de trabalho extra-classe, conforme discutiremos mais adiante.

O programa Acle também alcança toda a rede municipal e particular subvencionada, representando um significativo avanço no sentido de abrir a escola para as necessidades mais específicas do aluno do ensino médio. Pretende-se, com esse programa, transformar o liceu em um centro de referência cultural, recreativa, social e afetiva, de modo que se crie uma identificação sólida entre o jovem e sua escola. O Acle consiste em atividades não obrigatórias (esportivas, artísticas ou culturais), escolhidas pelos alunos e que devem se desenvolver aos sábados. São coordenadas por dois professores ou por alunos devidamente treinados. O ministério paga um dos coordenadores e financia material necessário para as atividades. Depois do terceiro ano de financiamento específico do Estado, as escolas deverão tornar-se auto-suficientes e autofinanciar o desenvolvimento dessas atividades. A média de freqüência às escolas nos sábados é de 25% dos alunos, o que é considerado satisfatório pelo ministério (Mecklenburg, 1999). A pesquisa registrou, no entanto, os limites desse programa, anotando também, em todas as escolas visitadas, um índice menor do que 25% de freqüência às atividades do Acle14 14 . A exceção foi uma escola particular subvencionada, religiosa, para meninas, onde a freqüência às atividades de libre elección, aos sábados, era obrigatória. . Alguns diretores opinaram que a freqüência é pequena porque os alunos não têm passe disponível para transporte aos sábados. Segundo nossos entrevistados, há também alunos que trabalham nos fins de semana, o que os impede de freqüentar a escola nesses dias. Outros jovens, principalmente da classe média, têm outras oportunidades de lazer mais atraentes. A possibilidade de auto-sustentação do programa, após o financiamento de três anos pelo ministério, também foi questionada por vários de nossos interlocutores.

A distribuição aos alunos de livros didáticos é outro importante programa universalizado da reforma do ensino médio, alcançando todas as escolas municipais e particulares subvencionadas. Além disso, há farto material impresso – e, pelo que se pôde apurar, de elevado nível técnico-pedagógico e grande apelo visual – distribuído a todo o magistério, destinado a subsidiar os professores individualmente ou reunidos nos Grupos Profissionais de Trabalho – GPT – em cada escola15 15 . Uma breve descrição de dois exemplos talvez já possa dar uma visão da qualidade do material disponível. Um dos livros do módulo de Artes Visuais tem o título Seis formas de ver. O conteúdo discute Arte como uma forma de linguagem e tem como foco principal os depoimentos de conhecidos artistas plásticos e arquitetos. A partir desse material, são sugeridas atividades que os professores devem propor aos alunos. Outro livro, intitulado Introdução ao cálculo das probabilidades, coloca problemas, jogos e leitura de textos curtos para que os professores de disciplinas diversas (Matemática, Física, História, Biologia) trabalhem em conjunto para aprofundar conceitos e construir abordagens didáticas motivadoras. .

A pesquisa relatada neste trabalho registrou, no entanto, que o rico material distribuído aos docentes para trabalho interdisciplinar não era usado em nenhuma das 12 escolas visitadas, embora o "livro do professor", destinado ao trabalho em cada disciplina específica, complemento do livro didático distribuído aos alunos, fosse usado em muitos casos. Os grupos de trabalho não estavam ativos em nenhum dos estabelecimentos contatados, quer municipais quer particulares subvencionados. Os motivos para essa omissão do magistério, lamentável especialmente em vista da qualidade do material disponível, eram sempre os mesmos: os livros são complexos, exigem muito tempo de estudo conjunto e individual e os professores não têm tempo para reuniões desse tipo. Nas palavras de um docente: "Comigo, são dois professores de Inglês neste liceu, mas não sei como trabalha meu colega. Cada um segue seu caminho e não há tempo para nos reunirmos". O que foi constatado é que existe um impasse entre o Ministério da Educação e os professores no que diz respeito ao tempo que deve ser destinado ao trabalho extra-classe. O ministério insiste no fato de que os professores ganham por hora completa de 60 minutos e dão aulas de 45 minutos. Os 15 minutos restantes deveriam ser somados e constituir tempo para reuniões, principalmente para atividades dos Grupos Profissionais de Trabalho. Os professores argumentam que os 15 minutos que sobram em cada aula são usados para atendimento individual de alunos, de pais, para correção de trabalhos, preparação de material para as aulas e para outros treinamentos, como informática e outros tipos de formação em serviço contratados pelas escolas. Nesse contexto, as reuniões pedagógicas – GPTs – não têm espaço. Importante notar que esse problema não está resolvido sequer nas escolas que já adotaram o regime de Jornada Escolar Completa – JEC. Mesmo nesses estabelecimentos, a maioria dos professores prefere ter jornada parcial, pois a dedicação a duas escolas eleva sua renda. Nas escolas privadas subvencionadas também não foi registrado incentivo ao trabalho em grupo. Nessas escolas o tempo livre dos professores (os 15 minutos excedentes de cada hora-aula paga) era usado para preparação de aulas, atendimento de pais e alunos e reuniões administrativas.

Garcia-Huidobro e Cox (1999) advertem que "uma parte significativa do magistério mantém uma disposição socioafetiva de desânimo e de carência de perspectivas" (p. 42). O sindicato, de outro lado, diagnostica um divórcio entre as prioridades do ministério e os interesses do professorado, principalmente quanto a condições de trabalho e salários. Sem dúvida, esse distanciamento é um grande entrave para a reforma, em que pese o envolvimento individual de muitos docentes, conforme aqui já discutido. Todavia, as dificuldades causadas pela resistência do magistério como um todo não têm sido devidamente reconhecidas por diretrizes do Banco Mundial, que insistem na tese de que insumos educativos, como materiais didáticos, são mais importantes para a qualidade do ensino do que salário docente ou condições de trabalho (Torres, 1996). O resultado de políticas de privilegiamento de material didático e de minimização das reivindicações docentes parece bem ilustrado pelo desperdício do excelente material de orientação interdisciplinar distribuído pelo Ministério de Educação do Chile, ignorado pelos professores de todas as escolas visitadas.

Outro programa chileno universalizado é o Enlaces, por meio do qual computadores foram distribuídos a todas as escolas médias, que receberam entre três e nove micros, dependendo do número de alunos matriculados. Diversas universidades, por todo o país, têm contrato com o Ministério da Educação para dar apoio técnico às escolas e treinamento de professores para o uso dos equipamentos de informática. O acesso à internet também é gratuito e ilimitado para todas as escolas municipais e particulares subvencionadas. O ministério, em avaliações do programa, tem recolhido relatos de avanços importantes pelo uso dos recursos da computação nas escolas. Por exemplo, em uma escola média rural, um professor assim se expressou:

Os estudantes lançam suas perguntas e comentários ao espaço, através da Internet, e as respostas chegam de diferentes pessoas de diferentes lugares, do país e do mundo. Assim, um estudante de doutorado de uma universidade americana responde perguntas de física formuladas por um aluno da escola rural. (Lemaitre, 1999).

A pesquisa tratada neste texto observou, em todas as escolas visitadas, grande esforço para a familiarização dos alunos com a informática básica. O maior ou menor sucesso depende, evidentemente, além da competência dos instrutores, da quantidade e qualidade do equipamento. Nesse aspecto, foi notada uma grande disparidade de recursos disponíveis. Como o número de computadores distribuído pelo ministério (máximo de nove unidades) é claramente insuficiente para atender grandes escolas e turmas normais de 45 alunos, as escolas lançam mão de diversas estratégias para melhor se equiparem. Nesse contexto, são privilegiadas as escolas municipais ou privadas subvencionadas que atendem principalmente filhos da classe média. Essas escolas podem solicitar ajuda dos pais para a compra de maior número de computadores. Outras escolas (em geral municipais), que atendem alunos mais pobres, dependerão do dinamismo (ou do melhor relacionamento) dos diretores para conseguir recursos necessários de empresários ou outras entidades.

Por outro lado, embora os alunos estivessem, em geral, tendo contato com os procedimentos de uso de computadores (variando a disponibilidade de recursos, nos laboratórios das escolas visitadas, desde um aluno por computador – em turmas divididas em dois grupos com atividades diferentes –, até cinco alunos por aparelho, em turmas igualmente divididas), poucos professores usavam os recursos da informática para ensinar o conteúdo de suas disciplinas. O melhor dos casos registrados foi um liceu municipal polivalente, que, por oferecer, além do ensino médio regular, curso técnico em Administração, tinha quatro professores de informática que também treinavam colegas de outras disciplinas no uso de computadores. Estava disponível um equipamento para ampliação de imagens (datashow) e acervo importante de softwares para diversas disciplinas. Segundo o monitor do laboratório de informática, poucos professores utilizavam os recursos. "A prática para uso dos recursos exige muitas horas em frente da tela do computador e a maioria dos professores não tem tempo para isso". Havia também a limitação do uso do equipamento, porque a prioridade era dada aos alunos do curso de Administração.

Ao contrário do Projeto Enlaces ou do projeto de instalação de bibliotecas e de melhoria da infra-estrutura escolar, os Proyectos de Mejoramiento Educativo– PME – têm por base mecanismos de concorrência para sua consecução. Os PMEs são considerados uma das ferramentas mais importantes da política educacional chilena da última década . Pretende-se, através deles, motivar a criatividade, iniciativa e autonomia profissional dos docentes, bem como incentivar mudanças na cultura organizacional das escolas (Andaur, 1999). Em tese, os professores devem examinar a realidade de sua escola e decidir qual problema querem superar. Com o apoio técnico da supervisão regional, devem desenvolver um projeto que será submetido a avaliação e, se aprovado, terá financiamento do Ministério da Educação. Nesse concurso, são estabelecidos três níveis de avaliação e cada escola concorre apenas com as similares no que diz respeito a médias nos resultados do Simce. Em busca da eqüidade, também há maior número de vagas no concurso para escolas que atendem alunos de baixa renda. O estímulo à autonomia é bem-vindo aos olhos do magistério e registramos, em algumas das escolas pesquisadas, entusiasmo de diretores e professores quanto a projetos aprovados. Por exemplo, em uma escola municipal que atende jovens de estratos de baixa renda, estava em fase de implementação um projeto de laboratório de ciências (química e física), com móveis e equipamentos adequados. Em outra escola municipal, os professores estavam usando, em suas aulas, diversos vídeos recebidos por meio de projeto aprovado.

No entanto, o trabalho em equipe necessário para a elaboração do PME não pareceu ser de praxe. Pelo menos em duas escolas municipais os responsáveis declararam que o projeto aprovado foi elaborado apenas pela direção. Adicionalmente, foi registrado que há escolas que dispõem de recursos técnicos extras para concorrer. Por exemplo, visitamos uma das 10 escolas de propriedade do arcebispado de Santiago. Nesse liceu, o PME financiado pelo Ministério da Educação havia sido elaborado por um grupo técnico central, que faz projetos para todas as escolas do arcebispado.

Em outra escola católica subsidiada, recolhemos o seguinte depoimento da coordenadora pedagógica sobre o Projeto de Melhoria Educativa que obteve financiamento do Ministério da Educação:

...a concorrência para se obter financiamento de projetos está muito grande. Existem assessorias privadas que vendem projetos para as escolas. Nossos professores dão aulas em outros estabelecimentos e não temos como conciliar os diversos horários para reuniões demoradas. O tempo que conseguimos juntos é para tratar de problemas imediatos e para transmissão da orientação geral da direção. Contratamos depois uma dessas assessorias particulares que fez o projeto que precisávamos e agora ganhamos o financiamento.

As situações acima descritas, além de fraudarem o princípio da "concorrência livre e justa" idealizada pelos órgãos centrais, contrariam completamente os objetivos da proposta, uma vez que, através dos concursos PME, pretende-se alcançar o aperfeiçoamento docente e o engajamento de todos os agentes escolares em projetos autônomos, apenas assessorados, quando necessário, pela supervisão regional.

No Brasil, em Minas Gerais, no início da década de 90, estava instalado um programa semelhante ao PME chileno, mas, ao que parece, com menor nível técnico-administrativo ou com estratégias de controle pouco refinadas. Pretendia financiar projetos pedagógicos em um esquema de competição entre as escolas. Estudo de seis escolas, escolhidas por sua localização em zonas diferentes do estado, concluiu que a disputa pelos poucos recursos disponíveis terminava por beneficiar uma escola central e tradicional de Belo Horizonte, que contava com melhores recursos humanos e com maior expressão política. O relatório final da pesquisa dizia o seguinte:

... o conhecimento acumulado nessa instituição, que se produz devido ao fortalecimento do eixo político, permite que o grupo avance e obtenha recursos de outras fontes e da própria Secretaria de Educação, por meio da apresentação de projetos pedagógicos. (Fundap/IESP, 1995, p. 62)

Entretanto, o maior agravo à eqüidade introduzido no sistema educacional chileno, agravo reconhecido inclusive por defensores da privatização (Cox, 1997), é o "financiamento compartilhado", adotado pelo governo pós-Pinochet. Para o economista Gonzalez (1999), no entanto, uma grande vantagem dessa política é a possibilidade de aproveitar a disposição das famílias para pagar pela educação, o que incrementaria o volume de recursos privados investidos no sistema, abrindo também a possibilidade de melhor fiscalização do gasto público16 16 . Oficialmente, a cobrança de taxas em escolas fundamentais municipais não é permitida. No ensino médio municipal, as taxas devem ter a aprovação do conjunto de pais. Uma vez aprovada, a taxa deixa de ser facultativa. No entanto, mesmo nas escolas municipais visitadas (com cursos fundamentais e médios), onde a taxa não era compulsória, ficou clara a pressão sobre as famílias para a contribuição "espontânea", inclusive sobre alunos do ensino fundamental. .

O que se tem apurado, na prática, todavia, é, muitas vezes, a perversão do princípio de eqüidade, tão presente no discurso oficial chileno. Nesse sentido, a pesquisa aqui discutida registrou os seguintes exemplos.

Numa escola religiosa subsidiada, que atende apenas meninas, a grande maioria filhas de classe média, os pais pagam mensalidades no nível máximo permitido por lei para que a escola receba, concomitantemente, a maior subvenção estatal possível. Mesmo assim, as mensalidades cobradas das famílias são inferiores àquela que poderiam pagar. Nessas condições, os pais têm folga orçamentária para comprar diversos equipamentos para a escola. O resultado é um estabelecimento com infra-estrutura muito superior ao de uma escola municipal de região próxima, que atende crianças pobres, cujos pais, na maior parte dos casos, não podem pagar taxas mensais, muito menos comprar equipamentos para a escola, mas o subsídio oficial recebido por aluno é igual ao da escola particular subvencionada.

Outro caso de interesse registrado refere-se à uma escola técnica administrada pela Câmara Nacional de Comércio. Essa entidade administra um grupo de 13 escolas técnicas que eram, antes da década de 80, afetas ao governo central. A entrevista com o diretor revelou algumas particularidades do sistema. Em primeiro lugar, ficou claro que o órgão empresarial não tem o compromisso de investir nada nas escolas. Há doações de equipamento, mas não é um processo sistemático ou obrigatório. O suporte financeiro vem todo do governo central e de contribuição mensal das famílias. Um dos privilégios das escolas técnicas administradas por empresários é que, ao contrário de todas as outras, os subsídios oficiais recebidos são calculados por número de matrículas. As outras escolas recebem por alunos presentes nas aulas. Além dessa vantagem financeira, as taxas mensais pagas pelos estudantes são fonte importante de renda. O diretor da escola visitada informou que, depois de 1993, quando foi adotado o "financiamento compartilhado", já não chegam ao liceu alunos provenientes das camadas mais pobres. Indagado sobre a causa da mudança do perfil do alunado, uma vez que a contribuição mensal nas escolas públicas, mesmo quando aprovada pela maioria dos pais, não pode, em tese, afastar aqueles que não podem pagar, admitiu que há um constrangimento normal, principalmente em se tratando de uma escola técnica, que exige alto investimento em equipamentos e materiais. Nessas condições, os que não podem pagar acabam retirando seus filhos da escola.

São vários os exemplos registrados de enfraquecimento do princípio da educação como direito do cidadão e obrigação do Estado. Consideremos o seguinte episódio: em uma escola municipal visitada, que atende quase exclusivamente crianças de famílias pobres, e onde, ao contrário das escolas particulares subvencionadas, o pagamento de taxas pode ser facultativo, a diretora entrevistada estava muito claramente esgotada por sua luta para conseguir recursos para a manutenção do estabelecimento. Parecia muito revoltada com as regras do ministério que, em sua opinião, não atendem às necessidades excepcionais de seu alunado. Em suas palavras:

...somos muito prejudicados porque os subsídios são recebidos de acordo com a presença de alunos, e não por matrícula. Nesta escola, há mensalmente muitas ausências. Os motivos são vários. Os pais são muito pobres e não têm tempo de cuidar para que os filhos não faltem. Mas uma questão importante é o pátio da escola não ser coberto. Muitos alunos, principalmente os menores, faltam em dias de chuva ou de muito frio. Os subsídios diminuem, mas temos que manter a estrutura para atender todos os alunos, mesmo os que faltam. Quando nos queixamos de que o dinheiro não é suficiente, dizem que devemos procurar empresários para ajudar a escola. Temos feito isso e muito mais. Mas os empresários não se interessam. As professoras chegam a comprar material ou pedem sobras nas escolas em que estudam seus filhos.

Quanto aos pais, a entrevistada descreveu-os como muito necessitados, mas, mesmo assim, declarou que deveriam, a seu juízo, pagar obrigatoriamente taxas à escola. Disse: "na verdade são muito pobres, vivem em barracões, muitas vezes sem água ou luz, mas têm dinheiro para tomar sua cerveja e não mandam 10 centavos para a escola. A cobrança de taxas deveria ser obrigatória e não facultativa". Essa mesma diretora, que nos pareceu extremamente trabalhadora e envolvida na solução dos muitos problemas de sua escola, não percebeu a situação constrangedora a que submetia seus alunos diante da pesquisadora. Em todas as classes visitadas, perguntava aos estudantes se eles contribuíam com algum dinheiro para a escola e, diante das tímidas respostas negativas, fazia uma exortação para a necessidade de tal contribuição.

É sabido que, no Brasil, mesmo não estando instituído o "financiamento compartilhado", existem, em muitas escolas públicas, pressões para a contribuição financeira das famílias. Sem dúvida, porém, no Chile, o sistema de taxas oficialmente adotado – considerado obrigatório nos estabelecimentos privados subvencionados e, nos municipais, facultativo, quando não aprovado pela maioria dos pais ("facultativo, mas não muito", como disse um professor) – enfraquece muito mais a concepção de direito à educação. A acirrada competição entre as escolas, para a obtenção de recursos oficiais e privados, é de molde a tornar cada vez mais disseminada a idéia de que pagar pela educação é uma obrigação das famílias, mesmo das mais pobres.

Entrevista com um diretor provincial, cargo correspondente aproximadamente ao nosso diretor regional ou delegado regional de ensino, esclareceu algumas artimanhas que permeiam o sistema privado subvencionado, nem sempre passíveis de serem coibidas pelos órgãos centrais. Nosso entrevistado declarou que muito do tempo de sua equipe é gasto atendendo pais cujos filhos são recusados por escolas privadas que recebem subsídios governamentais e cobram taxas mensais das famílias. As recusas são motivadas por fatores tais como: baixo rendimento escolar, comportamentos considerados disruptivos, gravidez das adolescentes e atraso no pagamento das taxas mensais. Uma tática comum é reter documentos dos inadimplentes.

Sobre essas irregularidades, Garcia-Huidobro e Cox afirmam

que se produzem impunemente, já que não existe no Chile um marco legal das atividades educativas que defina com clareza o alcance do direito de todos a uma educação de qualidade e dê ao Estado as ferramentas indispensáveis para cumprir um papel efetivo de guarda desses direitos. (1999, p. 40, tradução nossa)

Nessa perspectiva, apesar das ressalvas, considera-se que o financiamento público de escolas privadas é benéfico para a democracia e para a justiça social, pois quebraria a rigidez do monopólio estatal na distribuição da educação, permitindo uma certa margem de escolha de padrões pedagógicos e de escala de valores por parte das famílias, embora haja padrões mínimos estabelecidos pelo Estado. O sistema privatizado necessitaria apenas de maior controle. Aqui, no entanto, restam algumas questões. Em primeiro lugar, cabe a pergunta: trata-se apenas de uma problema de controle ou os desvios formam parte inerente e inarredável de um sistema que permite o lucro na prestação de serviços educacionais que recebem subsídios públicos? Como, depois de 20 anos, essa questão – ao contrário de outras facetas técnico-pedagógicas da reforma – sequer está equacionada no Chile, o registro das distorções permite que se fortaleçam as críticas à privatização.

Adicionalmente, em nome da construção da autonomia individual e da constituição do Estado democrático, a questão da escolha, por parte das famílias, de certa gama de valores e de determinados conteúdos a serem transmitidos pela escola também pode ser questionada. Tenti Fanfani argumenta que, em qualquer parte do mundo, considera-se que há objetivos e conteúdos educativos que precisam estar presentes em todas as instituições que constituem a oferta educativa, uma vez que há conhecimentos e valores que devem ser desenvolvidos em todos os membros das novas gerações e que têm a ver com a formação da cidadania em uma sociedade democrática. Nesse caso, as "divergências" não são pertinentes nem legítimas, pois há certas coisas que não são matéria de "escolha". De outra parte, quem escolhe, a família ou as crianças? Aqui o autor, citando Nadia Urbinati, uma especialista italiana em politicologia, responde que as crianças não são propriedade da família e muito menos do Estado. A autonomia, como conquista progressiva dos indivíduos, necessita da proteção do Estado e este tem a obrigação de "oferecer a todos os instrumentos e as oportunidades para que formem sua própria visão e vocação, com respeito a si mesmos antes que com respeito aos valores e à vontade da família de origem" (2000, p. 17).

As posições de Tenti Fanfani são, sem dúvida, polêmicas, mas parecem trazer argumentos de peso para o questionamento da tese liberal de privatização do ensino como direito das famílias de escolherem uma certa gama de valores e determinados conteúdos a serem transmitidos na escola. Esses argumentos talvez tenham amplo apoio em países ou regiões em que a educação pública, laica, universal e gratuita tem forte tradição. Nos EUA, por exemplo, várias localidades têm rejeitado, por plebiscito, o sistema de privatização via vouchers. Ainda, na Flórida, esse sistema foi considerado inconstitucional (Henales, Edwards, 2000).

De todo modo, na discussão das atuais reformas educacionais, não é possível ignorar que as transformações macroestruturais, que criam desigualdades e exclusão, também acenam com a possibilidade de acesso menos elitizado à ciência, à tecnologia e aos conhecimentos históricos e sociais. Esse acesso ampliado poderá, em certas circunstâncias, contribuir para o crescimento humano e para a formação da cidadania. Ou seja, as contradições básicas do atual momento histórico podem ser estratégicas para a elaboração de respostas criativas que permitam a superação dos impasses de nosso sistema educacional, muito especialmente dos graves problemas do ensino médio.

Nesse cenário, como uma conclusão ainda provisória da análise dos dados colhidos, podemos dizer que há, no Chile, diversos programas, de excelente nível técnico-pedagógico, que poderiam ser mais bem estudados por nossos especialistas, para adaptação à nossa realidade. Os programas Enlaces, Acle, as técnicas de elaboração e distribuição de material de apoio aos docentes e as estratégias de formação em serviço, a quantidade e a qualidade dos livros didáticos entregues aos alunos, as bolsas de estudo para professores no exterior, a universalização das bibliotecas escolares e a melhoria da rede física são alguns dos aspectos da reforma chilena de grande impacto inovador.

Por outro lado, como discutimos acima, o aprimoramento técnico-pedagógico de diversos programas não tem impedido os agravos à justiça social decorrentes do padrão de financiamento adotado e das práticas de mercado introduzidas no sistema. Todavia, sem dúvida, esses efeitos seriam muito mais graves se o modelo de financiamento fosse transplantado para um contexto como o nosso. Sendo nossa distribuição de renda muito pior do que a chilena – diferença que se reflete em índices de mortalidade infantil, que entre nós é de 34,5 em mil nascidos vivos, enquanto que no Chile o mesmo índice é igual a 10 (IBGE, 2001) –, sendo ainda nossa estrutura educacional muito maior, mais frágil e muito distante da tradição pedagógica e política do sistema escolar chileno, com pífias possibilidades de controle por parte dos órgãos centrais, com um magistério socialmente desprestigiado e tecnicamente pouco preparado, os efeitos sobre os mais pobres seriam devastadores.

Os péssimos resultados de nosso atual sistema e a intensa divulgação, pelas agências multilaterais, dos resultados sempre descontextualizados e parciais do modelo chileno têm servido para justificar iniciativas oficiais de introdução de alguns dos mecanismos de mercado vigentes na chamada "vitrina" da América Latina. Desse modo, ao analisar alguns dados do processo educacional do Chile, esse trabalho pretendeu incentivar a discussão de alternativas para a nossa realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Este texto traz alguns resultados de pesquisa realizada no Chile, em outubro e novembro de 2000, financiada pela Fapesp.

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  • WAISELFISZ, J. Mapa da violência II: os jovens do Brasil. Brasília: Unesco, 2000.
  • Endereço para correspondência
    Dagmar Zibas
  • 1
    . A esse respeito, ver Instituto Herbert Levy, 1992, e artigos de Izalci Lucas Ferreira (1997) e de José Zinder (1998), ambos autores vinculados a associações de proprietários de escolas.
  • 2
    . Em matéria no jornal
    Folha de S. Paulo (1999), o secretário de ensino médio e tecnológico do Ministério da Educação, Rui Berger, negou que o governo tivesse intenção de seguir as recomendações do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento a respeito da cobrança de taxas na escola média.
  • 3
    . Este trabalho traz resultados parciais do estudo, uma vez que parte do material coletado ainda estava sob análise por ocasião da redação deste texto.
  • 4
    . Ficaram fora da pesquisa liceus privados que não recebem financiamento estatal.
  • 5
    . A avaliação dos resultados do Simce referente a 1999 indica uma diminuição da média de rendimento dos alunos. Garcia-Huidobro (2001) argumenta que o decréscimo verificado deve-se ao fato de ter havido uma decisão política de elevar os critérios de avaliação; ou seja, os testes mediriam agora objetivos mais complexos e o fariam com maior rigor.
  • 6
    . Exemplos da promoção automática não declarada podem ser encontrados no sistema estadual de Ensino Médio em São Paulo. Ver a esse respeito Ferretti et al., 200l.
  • 7
    . Opiniões registradas em entrevista com assessora do sindicato dos professores e em consulta a documentos levantados na entidade de classe.
  • 8
    . Quanto ao nível de corrupção nas administrações, embora não seja possível uma avaliação segura, é interessante considerar o
    ranking, organizado pela ONG Transparência Internacional. A entidade entende a corrupção como abuso de cargo público para benefício privado e constrói uma escala de corrupção, desde 1995, com base em dados recolhidos em organismos internacionais, com empresários, analistas e público em geral. Embora não se trate de um estudo sobre a realidade, mas sobre percepções, pode ser sintomático que o Chile esteja colocado em 18º lugar no mundo, sendo na América Latina o número um, ou seja, percebido como menos corrupto, enquanto o Brasil figura na 49&ordf; posição mundial (
    El Mercurio, 14/10/2000).
  • 9
    . A Unesco, em colaboração com diversos órgãos oficiais, tem patrocinado pesquisa sobre a violência que atinge jovens no Brasil. Ver a esse respeito Waiselfisz, 2000. Especificamente sobre o tema da violência nas escolas, está no prelo relatório final de pesquisa levada a efeito em diversos estados, sob a coordenação de Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua e apoiada por diversas instituições (Banco Internacional de Desenvolvimento, Fundação Ford, Instituto Ayrton Senna, Consed, entre outros). Os resultados mostram algumas situações alarmantes.
  • 10
    . Inúmeros estudos de caso têm mostrado essa realidade no Brasil (ver, por exemplo, Ferretti et al., 200l). Além disso, os resultados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), que têm indicado reiteradamente os precários resultados de rendimento escolar no ensino médio, em todo o país, podem justificar a inferência de que os maus resultados de rendimento dos alunos estão relacionados a uma rotina improdutiva nas escolas.
  • 11
    . O Ministério da Educação informa que a média de alunos por turma, no ensino médio, é de 31. No entanto, como se trata de "média", é preciso considerar os extremos que favorecem essa média: escolas rurais em zonas de baixa densidade demográfica ou escolas privadas da elite. Esse item é tão sensível, no sistema, que entrou na pauta da última negociação entre o governo e o sindicato, ficando acordado que, a partir de 2002, o número máximo de alunos por turma será de 40, mas apenas em escolas com maioria de alunos de baixa renda (
    Periódico La Tercera, 11/11/2000).
  • 12
    . Gimeno Sacristán faz essa mesma observação em relação às escolas privadas que recebem financiamento público na Espanha (Zibas, 1999).
  • 13
    . Em São Paulo, o Saresp é aplicado pela própria escola, com a supervisão facultativa de pais. Em estudo de caso sobre a aplicação do Saresp, Esteves (1998) registrou indícios de fraude e a explicação de professor sobre os motivos que o levam a ensinar as respostas aos alunos. Estudo mais recente (Ferretti et al., 2001) registra que pode haver incentivo à incidência de fraudes quando dotações às escolas são vinculadas aos resultados obtidos pelos alunos nos testes.
  • 14
    . A exceção foi uma escola particular subvencionada, religiosa, para meninas, onde a freqüência às atividades de
    libre elección, aos sábados, era obrigatória.
  • 15
    . Uma breve descrição de dois exemplos talvez já possa dar uma visão da qualidade do material disponível. Um dos livros do módulo de Artes Visuais tem o título
    Seis formas de ver. O conteúdo discute Arte como uma forma de linguagem e tem como foco principal os depoimentos de conhecidos artistas plásticos e arquitetos. A partir desse material, são sugeridas atividades que os professores devem propor aos alunos. Outro livro, intitulado
    Introdução ao cálculo das probabilidades, coloca problemas, jogos e leitura de textos curtos para que os professores de disciplinas diversas (Matemática, Física, História, Biologia) trabalhem em conjunto para aprofundar conceitos e construir abordagens didáticas motivadoras.
  • 16
    . Oficialmente, a cobrança de taxas em escolas fundamentais municipais não é permitida. No ensino médio municipal, as taxas devem ter a aprovação do conjunto de pais. Uma vez aprovada, a taxa deixa de ser facultativa. No entanto, mesmo nas escolas municipais visitadas (com cursos fundamentais e médios), onde a taxa não era compulsória, ficou clara a pressão sobre as famílias para a contribuição "espontânea", inclusive sobre alunos do ensino fundamental.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2002
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