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Conselhos municipais de educação: autonomia e democratização do ensino

Local board of education: autonomy and democratization of the educational system

Resumos

Este trabalho, resultado parcial de pesquisa mais ampla sobre sistemas municipais de ensino, apresenta um estudo sobre os conselhos municipais de educação constituídos nos nove municípios mineiros que instalaram seus sistemas de ensino até 2000. Toma-se como pressuposto a idéia de que os conselhos, na função de intermediação entre o Estado e a sociedade, traduzem ideais e concepções mais amplos de educação e de sociedade que, em cada momento histórico, influenciam a dinâmica das políticas educacionais em pauta. Buscando elementos concretos para refletir sobre essas questões, discute como se apresentam esses conselhos, sua composição, suas atribuições e as possibilidades de constituírem espaços democráticos de participação, contribuindo para a autonomia municipal na área do ensino e para o avanço das políticas públicas na área. Com o objetivo de auxiliar a compreensão dessa realidade, o texto traça, inicialmente, o percurso histórico da idéia de Conselho de Educação no país, considerando o período anterior à constituição dos sistemas federal e estaduais de educação pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, o período que se seguiu a essa lei e a situação atual.

CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO; DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO; SISTEMA DE ENSINO; POLÍTICAS PÚBLICAS


This paper - the partial result of a larger study on municipal education systems - presents an analysis of the boards of education of nine towns in the State of Minas Gerais, which implemented their education systems by 2000. The assumption is that the boards, being an intermediary between the government and the society, express ample ideals and conceptions of education and society, which, in every historical moment, influence the dynamics of the educational policy agenda. In search of concrete elements on which to reflect, there is a focus on these boards' modus operandi, composition and jurisdiction, as well as on the possibility that they become democratic arenas of participation, contributing to county autonomy in education and to the enhancement of public policies in the area. With the purpose of helping to understand this reality, the text initially draws the history of the concept of education board in the country, taking into account the period before the constitution of the federal and state education systems by the LDB (the Brazilian Curricular Law) of 1961, the period after its enforcement and the current scenario.

LOCAL BOARDS OF EDUCATION; DEMOCRATIZATION OF EDUCATION; SCHOOL SYSTEMS; PUBLIC POLICIES


OUTROS TEMAS

Conselhos municipais de educação: autonomia e democratização do ensino

Local board of education: autonomy and democratization of the educational system

Lucia Helena G. Teixeira

Faculdade de Educação da Universidade de Juiz de Fora luhet@powerline.com.br

RESUMO

Este trabalho, resultado parcial de pesquisa mais ampla sobre sistemas municipais de ensino, apresenta um estudo sobre os conselhos municipais de educação constituídos nos nove municípios mineiros que instalaram seus sistemas de ensino até 2000. Toma-se como pressuposto a idéia de que os conselhos, na função de intermediação entre o Estado e a sociedade, traduzem ideais e concepções mais amplos de educação e de sociedade que, em cada momento histórico, influenciam a dinâmica das políticas educacionais em pauta. Buscando elementos concretos para refletir sobre essas questões, discute como se apresentam esses conselhos, sua composição, suas atribuições e as possibilidades de constituírem espaços democráticos de participação, contribuindo para a autonomia municipal na área do ensino e para o avanço das políticas públicas na área. Com o objetivo de auxiliar a compreensão dessa realidade, o texto traça, inicialmente, o percurso histórico da idéia de Conselho de Educação no país, considerando o período anterior à constituição dos sistemas federal e estaduais de educação pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, o período que se seguiu a essa lei e a situação atual.

CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO - DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO - SISTEMA DE ENSINO - POLÍTICAS PÚBLICAS

ABSTRACT

This paper - the partial result of a larger study on municipal education systems - presents an analysis of the boards of education of nine towns in the State of Minas Gerais, which implemented their education systems by 2000. The assumption is that the boards, being an intermediary between the government and the society, express ample ideals and conceptions of education and society, which, in every historical moment, influence the dynamics of the educational policy agenda. In search of concrete elements on which to reflect, there is a focus on these boards' modus operandi, composition and jurisdiction, as well as on the possibility that they become democratic arenas of participation, contributing to county autonomy in education and to the enhancement of public policies in the area. With the purpose of helping to understand this reality, the text initially draws the history of the concept of education board in the country, taking into account the period before the constitution of the federal and state education systems by the LDB (the Brazilian Curricular Law) of 1961, the period after its enforcement and the current scenario.

LOCAL BOARDS OF EDUCATION - DEMOCRATIZATION OF EDUCATION - SCHOOL SYSTEMS - PUBLIC POLICIES

Os conselhos são, em sentido geral, órgãos coletivos de tomada de decisões, agrupamentos de pessoas que deliberam sobre algum negócio. Apareceram nas sociedades organizadas desde a Antigüidade e existem hoje, com denominações e formas de organização diversas, em diferentes áreas da atividade humana. Seu sentido pode ser buscado na etimologia greco-latina do vocábulo. Em grego refere à "ação de deliberar", "cuidar", "cogitar", "refletir", "exortar". Em latim, traz a idéia de "ajuntamento de convocados", o que supõe participação em decisões precedidas de análises, de debates.

A estrutura do ensino no Brasil comporta, atualmente, uma variedade de tipos de conselhos1 1 Cury (2000, p.44-45) enumera vários tipos de conselhos que funcionam junto às escolas e instâncias da administração do ensino. , mas é interesse deste trabalho centrar sua atenção nos Conselhos de Educação constituídos no âmbito dos municípios, dos estados e da União, com competências e atribuições relativas à condução da educação nessas instâncias. Pretende-se, com a pesquisa em que se insere este texto, identificar os municípios mineiros que até 2000 implantaram seus sistemas de ensino e os princípios que serviram de base para a sua constituição e funcionamento. Nessa perspectiva, ela abrange o estudo dos Conselhos Municipais de Educação - CME - que compõem esses sistemas.

Toma-se como pressuposto a idéia de que os conselhos, na função de intermediação entre o Estado e a sociedade, traduzem ideais e concepções mais amplas de educação e de sociedade que, em cada momento histórico, influenciam a dinâmica das políticas educacionais em pauta. Na atualidade, a constituição de conselhos tem sido percebida como a abertura de espaços públicos, de participação da sociedade civil, caracterizando a ampliação do processo de democratização da sociedade. Como explica Bobbio (1986, p.54), trata-se da ocupação, pelas formas da democracia representativa, de espaços até agora dominados por organizações hierárquicas e burocráticas, nas quais estão presentes a "exigência e o exercício efetivo de uma sempre nova participação".

Em contrapartida, a idéia dos conselhos de educação no Brasil está fortemente ligada à sua concepção como órgãos de governo, com função de assessoramento e colaboração, que os caracterizou ao longo de grande parte da história educacional brasileira no século XX. Essa concepção conferiu-lhes a marca de órgãos normativos do sistema, atuando, como mostra Cury (2000, p.44), na interpretação e resolução do emprego da legislação educacional no país, segundo suas competências e atribuições. Desempenharam, nessa função, importante papel na formação da estrutura hierárquica e burocrática de ensino que temos. Se isso é verdade, faz sentido indagar em que aspectos os atuais Conselhos Municipais se assemelham ou se diferenciam de seus antecessores nos municípios? Têm esses conselhos constituído espaços democráticos de participação? Estão eles em condições de contribuir para uma maior autonomia municipal na área do ensino e para o avanço das políticas públicas nessa área?

São nove os municípios mineiros que instalaram seus sistemas de ensino no período estudado: Belo Horizonte, Caratinga, Francisco Sá, Governador Valadares, Juatuba, Juiz de Fora, Lavras, Patos de Minas e Ribeirão das Neves. Buscando elementos concretos para refletir sobre essas questões, analiso, neste texto, a constituição dos conselhos de educação nesses municípios e a forma de organização por eles adotada. Visando a auxiliar a compreensão dessa realidade, o texto traça, inicialmente, o percurso histórico da idéia de conselho de educação no país, considerando o período anterior à constituição dos sistemas federal e estaduais de educação pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB - de 1961, o período que se seguiu a essa lei e a situação atual, na vigência da Lei n. 9.394/96.

OS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO NA LEGISLAÇÃO DE ENSINO NO BRASIL

Na educação brasileira, a existência dos conselhos pode ser identificada desde o Império. Considerando-se o período republicano, constata-se uma contínua transformação das concepções que orientaram a organização dos conselhos de educação nos diferentes momentos da história educacional brasileira e que plasmaram sua forma de funcionamento. Essas mudanças podem ser identificadas nos preceitos legais que definem a natureza desses órgãos em cada momento histórico, as competências que lhes são atribuídas e sua composição.

Conselhos anteriores à constituição dos sistemas de ensino no país

A criação do Conselho Nacional do Ensino se deu em 1925, com a Reforma Rocha Vaz2 2 Decreto n. 16. 782-A, 13.1.1925. , responsável também pela criação do Departamento de Educação no Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Entretanto, a legislação federal faz referência à criação de dois conselhos que podem ser tomados como seus antecessores. Trata-se do Conselho Superior de Instrução Pública, criado em 18913 3 Decreto n. 1.232-G, de 2.1.1891. , e do Conselho Superior de Ensino, instituído pela Reforma Rivadávia Correia4 4 Decreto n. 8.659, 5.1.1911. . Estando afetos, basicamente, ao ensino superior, tais conselhos constituíram-se como órgãos de fiscalização dos estabelecimentos de ensino mantidos pela União, sendo compostos por representantes desses estabelecimentos e tendo como competências atribuições ligadas ao funcionamento desse nível de ensino, numa perspectiva de racionalização administrativa.

Recriado com o nome Conselho Nacional de Educação - CNE - em 19315 5 Decreto n. 8.50/31, 11.4.1931. , após a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública, regulamentado em 19366 6 Lei n. 174, 6.1.1936. .

A legislação relativa à criação e regulamentação desses dois conselhos, o de 1925 e o de 1931, evidencia o caráter administrativo que lhes foi conferido, como parte da estrutura burocrática do Estado. Concebidos como órgãos administrativos, esses conselhos tiveram um elenco de competências no plano da gestão do ensino definido por lei, embora seja possível perceber, nesse aspecto, mudanças significativas no tipo de atribuições a eles conferidas.

Composto de três seções (Conselho do Ensino Secundário e do Superior, Conselho do Ensino Artístico e Conselho do Ensino Primário e do Profissional), o Conselho de 1925 tinha por definição legal a indicação das atribuições específicas da seção relativa ao ensino secundário, que deveriam ser assumidas, naquilo que fosse aplicável, pelas suas duas outras seções. Tais atribuições colocavam-no, na maioria dos casos, na condição de órgão de execução da administração do ensino.

Ao ser recriado em 1931, foi atribuído ao CNE um caráter técnico, diferenciando-o, nesse aspecto, do anterior, sem que se abdicasse da sua feição administrativa. O documento legal que o constitui afirma, entretanto, o contrário. Diz o Decreto n. 19.850/31:

Artigo 4º - O Conselho Nacional de Educação não terá atribuições de ordem administrativa, mas opinará em última instância sobre assuntos técnicos e didáticos e emitirá parecer sobre as questões administrativas correlatas, atendidos os dispositivos dos estatutos das universidades e dos regulamentos dos institutos singulares de ensino superior. (grifos meus)

O que se pode deduzir da leitura do caput desse artigo e da sua comparação com os dispositivos que regulamentaram a constituição do Conselho anterior é que ao órgão recriado se atribuíam funções consultivas, mais que de execução na condução das questões do ensino a cargo da União. Tal feição administrativa se acha ainda reforçada na definição dos critérios de escolha de seus membros (art. 3º), que estabelece como exigência que sejam "pessoas de reconhecida competência para as funções e, de preferência, experimentadas na administração do ensino e conhecedoras das necessidades nacionais" (grifo meu).

A função técnica desse Conselho vai-se revelar ainda de forma incisiva com a regulamentação estabelecida pela Lei n. 174/36. Definido por esse documento legal como órgão colaborador do Poder Executivo, foi estabelecida como sua principal atribuição a elaboração do Plano Nacional de Educação - PNE. Uma concepção modernizadora (Rocha, 2000, p.45) de inspiração escolanovista, nos termos definidos no Manifesto dos Pioneiros de 1932, presente na Constituinte de 1934 e nas reformas de ensino das décadas de 30 a 60, pode ser percebida na definição das competências desse órgão. Essa concepção conferiu ao CNE uma função normativa para o setor da educação, que ganhou importância crescente a partir da Reforma Francisco Campos e foi responsável, em grande parte, pela organização da estrutura de ensino no país. Como parte da burocracia estatal, o CNE passou, então, a ocupar um papel de destaque na definição do sistema legal, dimensão constitutiva do Estado que "fornecesse o tecido regular, subjacente da ordem social existente em um dado território" (O'Donnell, 1993, p.126). Nesse sentido, se pode atribuir ao Conselho contribuição importante na constituição de uma certa ordem na área da educação, que orienta a organização do ensino, estabelece competências e define direitos, possibilitando o exercício da cidadania com o alargamento do sentido da democracia para a sociedade civil.

As mudanças na concepção dos conselhos e nas competências a eles atribuídas resultaram na alteração de sua composição em relação aos seus antecessores. A legislação indica que esses dois conselhos incorporaram, na sua organização, representantes dos vários níveis e modalidades de ensino, assim como da iniciativa particular mantenedora de estabelecimentos educativos, e das diversas regiões do país. Constata-se, entretanto, que essa composição, além da representação do poder executivo, permaneceu presa aos profissionais da educação e da cultura. Em 1931 e 1936, a lei indica, com as expressões "personalidades de reconhecida capacidade e experiência" ou "pessoas de reconhecida competência", o critério personalístico de escolha dos que deveriam ser nomeados pelo Presidente da República para compor o CNE. Referiu-se, assim, aos "nomes eminentes do magistério", profissionais capazes de representar os vários graus e modalidades de ensino e contribuir para a organização e o funcionamento da educação nacional.

A análise desse período evidencia que o caráter de órgão auxiliar do poder executivo com função fiscalizadora, que predominou no início do século, cedeu lugar à formação de um órgão com características técnicas, composto por profissionais especializados, com condições para assumir as atribuições normativas que lhe foram atribuídas a partir de então.

Os conselhos e as reformas de ensino dos anos de 1960 e 1970

Ao estabelecer a LDB, a Lei n. 4.024/61 instituiu os sistemas federal e estadual de ensino e criou o Conselho Federal de Educação - CFE -, preceituando a criação de conselhos congêneres nos estados, os Conselhos Estaduais de Educação - CEEs. Ao definir, no seu art. 7º, como incumbência do Ministério de Educação e Cultura, a de "velar pela observância das leis do ensino e pelo cumprimento das decisões do Conselho Federal de Educação", o legislador atribui pela primeira vez ao Conselho, a que confere denominação nova, o caráter de órgão deliberativo.

O CFE herdou dos conselhos que o antecederam a natureza administrativa que os caracterizou. Acrescida de funções deliberativas, essa natureza administrativa conservou seu caráter técnico e normativo. No que se refere ao CFE, essa função técnica condicionou a seleção dos 24 membros de que deveria ser composto, assegurando-se a representatividade dos profissionais do ensino nos seus diferentes ramos e modalidades, assim como das várias regiões do país. Conforme preceitua o art. 8º da LDB, o CNE deveria ser composto de "pessoas de notável saber e experiência em matéria de educação".

Ao preceituar que ao CFE cabia a tarefa de colaborar na organização e no funcionamento dos sistemas federal e estadual de ensino, mantendo intercâmbio com os conselhos constituídos nos estados, a reforma do ensino preceituada pela LDB de 1961 trouxe, para o recém-criado Conselho, uma forte conotação normativa, que foi assimilada pelos conselhos constituídos nos estados. Esse caráter normativo dos conselhos de educação contou com um notável reforço do poder executivo, a partir de 1964, em decorrência do papel a eles atribuído pelos governos militares.

Nessa mesma direção, a Lei n. 5.692/71 confirmou e expandiu o caráter normativo dos conselhos de educação no país, ao atribuir-lhes competências para realizar a regulamentação complementar de vários de seus preceitos relativos à organização dos currículos do ensino de primeiro e segundo graus e à adequação do ensino às peculiaridades locais ou regionais. Contribuiu, dessa forma, para consolidar ainda mais a característica burocrática do funcionamento dos conselhos de educação, que já vinha marcando a atuação destes ao longo de sua história. Por outro lado, a lei, em seu art. 71, facultou aos municípios em que houvesse condições para tal a possibilidade de constituição de seus próprios conselhos de educação, podendo ser a eles delegadas competências pelos respectivos conselhos estaduais.

As lutas pela democratização da sociedade brasileira trouxeram, na década de 1980, propostas de participação da sociedade civil em diferentes instâncias da administração pública e inspiraram a constituição de conselhos municipais de educação no espaço aberto pela legislação federal, apontando tais conselhos como locus de discussão e de participação nas questões de educação.

Ao ser criado, em 1961, o CFE teve prevista em sua organização uma composição de 24 membros nomeados pelo Presidente da República, para um mandato de seis anos. Permanece nessa composição a forma de representação dos profissionais do ensino, a partir de escolhas individuais. Nela devem estar representadas as diversas regiões do país, os diversos graus do ensino e o magistério oficial e particular. Essa mesma composição, que serviu de modelo para a organização dos conselhos estaduais, permaneceu na vigência da Lei n. 5.692/71, até o fechamento do CFE, na década de 1990.

Ao lado de uma forte conotação normativa, reforçando o caráter técnico de suas competências, os conselhos de educação registraram, nesse período, tanto em âmbito federal como nos estados, o crescimento, em sua composição, dos representantes da iniciativa privada da área de ensino, em detrimento da representação das entidades ligadas ao ensino público.

Atual legislação do ensino e Conselhos de Educação

As propostas de mudança de que estiveram vazadas as políticas de educação no país, na década de 1990, apoiaram-se nos preceitos firmados pela Constituição Federal de 1988. Os princípios de gestão democrática do ensino público e de garantia de padrão de qualidade (art. 206, inc. VI e VII), a afirmação da educação como direito público subjetivo (art. 208, § 1º) e a descentralização administrativa do ensino (art. 211) fortaleceram a concepção dos órgãos colegiados na estrutura de ensino e alimentaram as expectativas em favor da constituição de conselhos de educação mais representativos.

Referindo-se explicitamente à organização dos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino, a Constituição não faz menção aos conselhos de educação.

Antecipando-se à nova LDB, então em tramitação no Congresso Nacional, a Lei n. 9.131, 24.11.1996, veio introduzir alterações nos artigos 6º, 7º, 8º e 9º da LDB de 1961, criando um novo CNE. Concebido no projeto da LDB que tramitava no congresso, com natureza política, mais que administrativa, assumindo caráter normativo e de coordenação, o Conselho foi constituído como órgão normativo, deliberativo e de assessoramento do Ministério da Educação e do Desporto, não admitindo o governo restringir sua esfera de ação às funções executivas. Diz o texto da lei:

Artigo 7º - O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.

Falou-se, pela primeira vez, em participação da sociedade na composição desse órgão, embora o governo não admita que essa representação seja majoritária e resguarde a sua prerrogativa de indicação dos membros.

Composto das Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, cada uma com 12 membros, o CNE mantém-se com o mesmo número de conselheiros do antigo CFE. Mantém, igualmente, como atribuição do Presidente da República, a escolha e nomeação de seus membros, ficando, ainda, assegurada a representatividade das diversas regiões do país e das diversas modalidades de ensino. Quanto às formas de indicação dos conselheiros, a legislação inovou, introduzindo a representação por categoria. Ao definir, no §1º do seu art. 8º, que "pelo menos a metade, obrigatoriamente, dentre os indicados em listas elaboradas especialmente para cada Câmara", será feita "mediante consulta a entidades da sociedade civil, relacionadas às áreas de atuação dos respectivos colegiados", supera-se a forma personalística de indicação de parte do Conselho.

A LDB de 1996, por sua vez, define a existência de um CNE criado por lei, com funções normativas e de supervisão (art. 9º, §1º). Sem nominar outros tipos de conselhos, refere-se, ao longo de seu texto, ao estabelecimento de normas próprias de cada sistema de ensino, o que faz supor a existência de conselhos de educação como órgãos normativos desses sistemas.

A configuração que se desenhou a partir daí com relação aos sistemas de ensino indica realidades distintas referentes aos conselhos de educação nos diferentes níveis da estrutura de ensino no país.

No âmbito da União, o CNE passou a contar com a participação da sociedade civil para indicação de metade de seus membros, conforme já referido. Teve, no entanto, restringidas, em relação aos conselhos que o precederam, suas competências de caráter propriamente deliberativo. No âmbito dos estados, os dispositivos constitucionais, em sua maior parte, tratam os conselhos como órgãos colegiados, aos quais compete estabelecer a relação entre a sociedade e o Estado (Cury, 2000, p.52-53).

Situação bem diversa é registrada, nesse particular, no que diz respeito aos Conselhos Municipais de Educação - CME - que se instalaram até então, conforme preceitua a Lei n. 5.692/71, mantendo-se, nesses casos, submissos ao respectivos Conselhos Estaduais no exercício de competências que lhes foram por estes delegadas.

Ao firmar o município como ente federativo autônomo, a Constituição de 1988, em seu art. 211, estabeleceu que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios "organizarão os seus sistemas de ensino", definindo como competência desses últimos a atuação no ensino fundamental e pré-escolar.

A atual LDB, ao regular tais preceitos, reafirmou essa organização (art. 8º) e explicitou as incumbências dos municípios em matéria de ensino (art. 11). A constituição dos sistemas municipais de ensino foi tratada nesse artigo sendo firmada a possibilidade, ainda, de optar entre compor com o Estado um sistema único, ou manter-se integrado ao sistema estadual.

Nesse contexto, diferentes orientações têm sido formuladas pelos governos estaduais, a partir das secretarias de educação ou dos conselhos estaduais de educação, no que diz respeito ao processo de municipalização do ensino, constituição dos sistemas municipais de ensino e criação dos conselhos municipais de educação.

Nesse particular, o Estado de São Paulo, antes mesmo da aprovação da LDB, regulou esse processo mediante lei estadual7 7 Lei Estadual n. 9.143, de 9/3/1995 (Silva, 2001, p.60). (que estabeleceu as normas para a criação, composição, atribuições e funcionamento dos Conselhos Municipais e Regionais de Educação) e deliberações do CEE (que regularam a delegação de competências aos CMEs)8 8 Indicação CEE 6/95 e Deliberação 9/95 (Silva, 2001, p.60). . Minas Gerais ficou no plano das recomendações: mediante o Parecer n. 500/989 9 Em Minas Gerais, o Conselho Estadual de Educação, pelo Parecer n. 500 de 13/5/1998, se pronunciou a respeito. Tendo como relatora a professora Glaura Vasques de Miranda, o parecer estabeleceu, com clareza, as bases para a organização dos sistemas municipais de ensino nas diversas modalidades. o CEE emitiu orientações sobre a organização dos sistemas municipais de ensino. No seu conteúdo, o parecer interpreta os preceitos da LDB sobre a constituição dos sistemas municipais de ensino, dedicando um item específico à discussão dos CMEs, em que recomenda a sua constituição e sugere atribuições a serem assumidas por eles, sem, no entanto, referir-se à indicação de normas específicas para a configuração desses órgãos.

Recomenda-se que:

... o Conselho seja constituído dentre os membros de reconhecido espírito público e competência na área de educação, buscando representatividade entre associações e entidades da área da educação do município ou vinculados ao direito da criança e do adolescente;

... os membros do Conselho, escolhidos nos termos do que definir a sua norma de criação, sejam nomeados por ato do Prefeito Municipal; (Minas Gerais, 1998, p.26)

Na concepção que orientou a elaboração do parecer, o CME é tratado como órgão deliberativo, normativo e consultivo da administração municipal. No que diz respeito à sua composição, sobressai nessa orientação referência ao "reconhecido espírito público" como critério de escolha dos conselheiros, incluindo representantes de entidades que atuam na área dos direitos da criança e do adolescente, o que denota o entendimento da educação como direito.

Pode-se afirmar que os conselhos de educação desempenharam um papel fundamental na organização do sistema de ensino no Brasil. Atuando na formalização do sistema e na uniformização do modelo de escolas consagrado no país, eles assumiram a tarefa de normatizar o processo de ensino, estabelecendo as bases para o seu acompanhamento e avaliação. Cumpriram o papel para o qual foram criados, construindo conhecimentos sobre a organização e a administração do ensino, definindo rumos, criando alternativas de ação.

Se é certo que neles se cristalizaram modelos burocráticos e cartoriais de ação, que conflitam com as exigências da sociedade nesta passagem de milênio, também é correto reconhecer que os conselhos de educação constituem o espaço próprio de deliberações cuidadosas e refletidas. Se as funções técnicas que lhes foram atribuídas os afastaram da realidade cotidiana dos estabelecimentos de ensino, a participação popular pode representar a oxigenação de seus tecidos, desde que assegurada a proporcionalidade adequada à manutenção de suas funções normativas, ao lado da dimensão política que deve iluminar as decisões que lhe estão afetas.

A questão da participação política da sociedade civil, no âmbito da educação local, emerge como ponto fulcral nessa discussão e requer que se dedique a ela especial atenção, quando se discutem as competências e a composição dos conselhos de educação, no âmbito dos municípios. Nesse sentido, contribuição de Elenaldo Teixeira (2001, p.25-28) é valiosa. Como mostra o autor, a participação assume, nos tempos atuais, formas novas de ação coletiva, substituindo os modos de participação ativa e direta que, na América Latina dos anos de 1970 e 1980, se expressaram nos movimentos pela redemocratização dos países. A "participação cidadã", na expressão do autor, que se utiliza de instrumentos institucionais para se expressar, caracteriza-se pela busca de consensos, pela construção de identidades, pela tentativa de controle da aplicação dos recursos públicos, pela interferência na elaboração de orçamentos, pela criação e efetivação de direitos e pelo enfrentamento de problemas cotidianos.

Esse tipo de participação constitui um processo complexo e contraditório, que envolve a sociedade civil, o Estado e o mercado. Não nega o sistema, busca antes aperfeiçoá-lo pela utilização de mecanismos institucionais disponíveis. Nele os papéis definem-se mediante a atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações, fortalecendo a sociedade civil quer pela assunção de deveres e responsabilidades, quer pela criação e o exercício de direitos (Teixeira, 2001, p. 30).

Como órgãos da esfera pública, os conselhos possuem uma estrutura mista, que conta com a presença da sociedade civil, vinculada ao Estado. Essa composição cria a possibilidade de uma ação mais articulada e global das organizações e define as bases para uma ação política sobre as esferas de decisão do poder.

Nos conselhos municipais, nos fóruns, nas conferências, a participação constitui, atualmente, instrumento de controle social e político do Estado pela sociedade, possibilitando aos cidadãos atuarem na definição de critérios e parâmetros para orientarem a ação pública (idem, p.38).

No que diz respeito à educação, as expectativas com relação à constituição de sistemas em muitos municípios brasileiros parece não se ter concretizado até o momento, embora não se disponha de dados de pesquisas a respeito. Com ou sem a constituição dos sistemas municipais de ensino, experiências de conselhos de educação são registradas com diferentes formatos em municípios brasileiros. Algumas delas firmadas desde os anos de 1980, outras muito mais recentes. Os CMEs das cidades mineiras, que constituíram seus sistemas de ensino até o ano de 2000, serão analisados no próximo item, levando-se em conta sua natureza, as competências a eles atribuídas e a sua composição.

CONSELHOS DE EDUCAÇÃO E SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO EM MINAS GERAIS

A análise dos documentos relativos a cada um dos municípios estudados permitiu identificar a diversidade de tipos de conselhos constituídos e evidenciou uma riqueza de expressões da autonomia municipal, no que diz respeito à organização adotada nos seus CME, para fazer face às suas responsabilidades na área do ensino.

Dos nove municípios pesquisados, apenas Patos de Minas não instituiu um CME. A Lei Municipal n. 4.506, de 12/9/1997, daquele município, em seu art. 4º, atribuiu à Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer a competência para estabelecer as normas de gestão democrática do ensino público municipal.

Nos municípios de Caratinga, Governador Valadares e Juiz de Fora, a criação do CME se deu ainda na vigência da Lei n. 5.692/71, sendo reorganizados por ocasião da criação dos respectivos sistemas municipais de ensino. Os CME de Caratinga e de Governador Valadares foram criados na década de 1990, enquanto o de Juiz de Fora tem uma história mais antiga. Criado em 1968, foi instalado em 1972, tendo funcionado por um curto espaço de tempo. Recriado em 1985, vem funcionando ininterruptamente desde então. O CME no município de Juatuba foi criado em 1997, antecedendo em um ano a criação do seu sistema de ensino, enquanto os de Belo Horizonte, Francisco Sá, Lavras e Ribeirão das Neves foram criados por ocasião da constituição dos respectivos sistemas de ensino.

A explicitação dos fins/objetivos atribuídos a esses conselhos aparece na legislação pertinente de quatro dos oito municípios estudados: Belo Horizonte, Francisco Sá, Lavras e Juiz de Fora, sendo que, no caso dos três primeiros, é atribuído aos conselhos o objetivo de favorecer a participação da sociedade civil na definição da política educacional e concorrer para a melhoria do ensino ministrado, ao passo que ao CME de Juiz de Fora confere-se a finalidade de orientar, estabelecer normas e assessorar o governo municipal em matéria de ensino.

Na totalidade dos casos estudados, os conselhos são definidos como órgãos de caráter deliberativo e consultivo, sendo que a função normativa, omitida nos documentos pertinentes aos conselhos de Francisco Sá e Ribeirão das Neves, é atribuída a todos os demais.

Quanto ao número dos seus membros, os CMEs variam de cinco componentes, em Juatuba, a 24 membros, em Belo Horizonte10 10 Francisco Sá prevê sete membros na composição de seu conselho, Governador Valadares 16, Caratinga 17, Lavras 10 e Ribeirão das Neves 23. . Vale ressaltar que a lei que regulamenta a organização do CME de Juiz de Fora deixa em aberto a definição do número de seus componentes ao permitir a incorporação, a qualquer tempo, da representação de entidades da sociedade civil com atuação em educação no âmbito do município, e que venham a requerer sua inclusão no conselho.

A documentação consultada evidencia a presença, em todos esses conselhos, de três categorias de representantes: poder executivo, profissionais do ensino e sociedade civil. Varia entre eles o número e a forma de representação de cada uma dessas categorias.

A presença do poder executivo se faz, quer seja mediante o dirigente do órgão municipal encarregado das questões do ensino, que em alguns casos assume a presidência do conselho, quer seja pela presença de um ou mais funcionários designados para tal pelo executivo. Na organização do CME de Caratinga, é mencionada a presença do prefeito municipal, seu presidente de honra.

Na organização desses conselhos, a presença dos profissionais do ensino aparece das mais diferentes formas. São eles representados por um ou mais dos seguintes elementos: professores de diferentes graus e redes de ensino, diretores de escolas, especialistas de ensino, funcionários, servidores da administração regional do ensino estadual - SRE - e classe patronal. Tais representantes são escolhidos individualmente ou pelos órgãos de classe, como sindicatos e/ou associações que congregam uma categoria específica desses profissionais, como orientadores educacionais e inspetores, como ocorre na organização do CME de Juiz de Fora.

A representatividade da sociedade civil aparece na regulamentação desses conselhos mediante a presença de um ou mais dos seguintes componentes: estudantes, pais, associações de pais, colegiados escolares, associações comunitárias, conselhos tutelares ou conselhos da criança e do adolescente, seção local da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil -, associações comerciais e/ou industriais, representantes do setor financeiro, entidades que atuam no meio rural e Rotary.

Além dessas categorias, em alguns conselhos, como os de Belo Horizonte, Caratinga, Juatuba, Juiz de Fora e Lavras, está também presente na sua composição a representação do poder legislativo, com a participação de vereadores.

No que diz respeito à duração dos mandatos dos conselheiros, a documentação consultada indica uma variação entre dois e quatro anos, sendo admitida a recondução por um mandato consecutivo, na maioria deles. A nomeação dos conselheiros é tratada como atribuição dos prefeitos municipais em todos os casos estudados, ficando a cargo das entidades a escolha dos representantes indicados. Apenas no caso do CME de Lavras está prevista a indicação dos conselheiros por meio de lista tríplice para escolha, pelo prefeito municipal, do candidato a ser nomeado.

A participação nos conselhos é considerada, na maioria dos municípios, serviço relevante, não fazendo os conselheiros jus a nenhum tipo de gratificação. A previsão de pagamento de jetons pela participação em reuniões do conselho só aparece na legislação referente ao CME de Francisco Sá.

Como se pode perceber, a composição dos conselhos abre espaço para uma representação mais democrática. Em primeiro lugar, porque neles a participação dos profissionais de ensino apresenta-se de forma diversificada e reforça a representação por categoria. Em segundo lugar, porque neles se conta com a representação da sociedade civil, permitindo sua participação na definição da política de educação a ser levada a cabo no município. Cabe atentar, no entanto, para o fato de que, se, por um lado, essa forma de representação supera as escolhas personalistas e clientelistas que podem comprometer a gestão participativa do trabalho dos conselhos, por outro lado, pode assumir um caráter de representação corporativa na defesa dos interesses da categoria, como explica Bobbio (1986, p.46-45), em detrimento dos interesses mais gerais da população em matéria de ensino.

Outro aspecto que interessa analisar na organização desses conselhos é o que diz respeito às competências a eles atribuídas. A documentação estudada revela marcante conotação administrativa. Trata-se, sem dúvida, de atribuições de caráter técnico-administrativo, mais que de simples execução de tarefas administrativas, o que requer conhecimentos e capacidades específicas de quem as realiza.

No elenco de competências atribuídas aos conselhos, destaca-se o fato de que, em todos eles, há referências específicas ao papel desse órgão no processo de planejamento da educação no município. Varia, entretanto, de um município para outro, a forma como se espera que venha a ser por eles efetivado esse papel. Também é de se notar as várias competências atribuídas aos conselhos quanto ao acompanhamento e controle da aplicação dos recursos financeiros no desenvolvimento e manutenção do ensino municipal e quanto ao controle das ações do poder público na área.

No que diz respeito à participação dos conselhos na definição da política educacional dos municípios, só foram encontradas referências explícitas entre as competências definidas para os CMEs de Belo Horizonte e de Lavras11 11 O elenco de competências desses dois conselhos é muito semelhante, o que faz supor que se tenham valido de influências comuns na sua organização. . Entretanto, é forçoso reconhecer que a atuação de cada um desses conselhos assume um caráter político. Elaborando normas para o ensino municipal, examinando processos e emitindo pareceres, eles estão legislando sobre o ensino e concorrendo para o estabelecimento de uma "ordem" estável, na expressão de O'Donnell (1993, p.125), que firma as bases da cidadania.

Por outro lado, atuando formalmente como instâncias deliberativas e de gestão, os CMEs constituem instâncias de interlocução e proposição e assumem o papel de agentes do poder administrativo (Teixeira, 2001, p.138).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Comparando CMEs mantidos pelos municípios mineiros que criaram seus sistemas de ensino com o modelo de conselho criado e mantido no país até a aprovação da atual LDB, constata-se que eles, embora se assemelhem em alguns aspectos aos seus antecessores, não constituem meros reflexos deles na forma como foram concebidos, na sua organização e nas competências a eles atribuídas. As semelhanças expressam-se, basicamente, no fato de assumirem um elenco de atribuições de natureza administrativa, como os conselhos já existentes nos âmbitos federal e estadual, enquanto as diferenças estão registradas no desenho de sua composição, que abre espaço para a participação da sociedade civil nas discussões e nas decisões que lhe cabem, e na atribuição de competências que, extrapolando o campo da organização e do estabelecimento de normas para serem aplicadas aos estabelecimentos de ensino, ganha terreno no controle e na regulação das ações do poder público municipal no campo do ensino.

Neste sentido é que se deve considerar valiosa a colaboração que tais conselhos podem prestar para a democratização do ensino, no âmbito dos sistemas municipais criados. Constituem, eles, instâncias institucionalizadas, nas quais setores populares têm conseguido espaço para expressão e representação de seus interesses referentes ao ensino no nível do município.

Cumpre chamar a atenção para o fato de que uma composição que contempla maior participação da sociedade civil, no âmbito desses órgãos, pode carecer de pessoal especializado para o desempenho das tarefas técnicas que lhes são atribuídas. Em decorrência, cabe ao poder público municipal garantir a existência de um quadro de pessoal qualificado de assessoria aos conselhos, a fim de que seus membros se sintam devidamente instrumentados para atuar satisfatoriamente.

No entanto, como mostra Teixeira (2001, p.38), a natureza híbrida do conselho suscita questionamentos e merece atenção. Primeiro, pelo papel decisório que um conselho assume. Essa função decisória, que supõe uma delegação de poderes concedidos aos escolhidos pelos mecanismos eleitorais em conformidade com procedimentos legalmente definidos, é exercida nos conselhos de educação pelos representantes indicados por entidades da área do ensino, sem que se disponha de meios generalizáveis, uma esfera pública, para orientar essa escolha.

Segundo, pela questão da responsabilidade das decisões tomadas. Tratando-se de uma estrutura híbrida, a responsabilidade fica diluída, podendo comprometer a eficácia do Estado e a autonomia da sociedade civil. Considerando que os agentes políticos devem ser responsabilizados pelos seus atos e decisões, no plano político, administrativo e até criminal, pode-se perguntar: "No caso dos conselhos, é possível responsabilizar os representantes da sociedade civil por participarem nas decisões?" (Teixeira, 2001, p.139). Nesta perspectiva, ao lado dos conselhos, o autor considera a importância de fóruns, plataformas, conferências que, embora tendo relacionamento e interlocução com o poder político, constituem espaços públicos autônomos.

Tendo a clareza de que a estrutura legal que dá suporte à organização dos CMEs nos municípios estudados é insuficiente para assegurar o seu efetivo funcionamento nos termos propostos, considera-se que os dados apresentados neste estudo podem ser enriquecidos com a análise das informações sobre o processo de funcionamento de cada um dos conselhos, o que poderá vir a constituir objeto de um novo e mais aprofundado estudo sobre o assunto.

Recebido em: março 2003

Aprovado para publicação em: fevereiro 2004

Este artigo é produto parcial do projeto da pesquisa Autonomia municipal: criação de sistemas municipais de ensino, coordenado pela professora doutora Diva Chaves Sarmento e desenvolvido pelo Núcleo de Estudos do Conhecimento e da Educação - Nesce -, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.

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  • TEIXEIRA, E. C. O Local e o global: limites e desafios da participação cidadã. São Paulo: Cortez; EQUIP; UFBA, 2001.
  • 1
    Cury (2000, p.44-45) enumera vários tipos de conselhos que funcionam junto às escolas e instâncias da administração do ensino.
  • 2
    Decreto n. 16. 782-A, 13.1.1925.
  • 3
    Decreto n. 1.232-G, de 2.1.1891.
  • 4
    Decreto n. 8.659, 5.1.1911.
  • 5
    Decreto n. 8.50/31, 11.4.1931.
  • 6
    Lei n. 174, 6.1.1936.
  • 7
    Lei Estadual n. 9.143, de 9/3/1995 (Silva, 2001, p.60).
  • 8
    Indicação CEE 6/95 e Deliberação 9/95 (Silva, 2001, p.60).
  • 9
    Em Minas Gerais, o Conselho Estadual de Educação, pelo Parecer n. 500 de 13/5/1998, se pronunciou a respeito. Tendo como relatora a professora Glaura Vasques de Miranda, o parecer estabeleceu, com clareza, as bases para a organização dos sistemas municipais de ensino nas diversas modalidades.
  • 10
    Francisco Sá prevê sete membros na composição de seu conselho, Governador Valadares 16, Caratinga 17, Lavras 10 e Ribeirão das Neves 23.
  • 11
    O elenco de competências desses dois conselhos é muito semelhante, o que faz supor que se tenham valido de influências comuns na sua organização.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2004
    • Recebido
      Mar 2003
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