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Uma análise do financiamento da educação no estado da Califórnia, EUA

A review of educational financing in the state of California, USA

Resumos

Este trabalho é fruto de um estágio de pesquisa no Estado da Califórnia (EUA) e tem como objetivo analisar as principais características do financiamento da educação desse estado. A Califórnia possui 33 milhões de habitantes e cerca de seis milhões de alunos em seu sistema de educação básica que vai da pré-escola (kindergarten), em que as crianças entram com cinco anos de idade, até a 12ª série. O principal desafio enfrentado pelo estado, motivado principalmente por decisões judiciais, tem sido o de assegurar um patamar mínimo de recursos por aluno e o de evitar uma grande discrepância nos gastos por aluno entre distritos pobres e ricos. O que se constata é que o segundo objetivo tem sido parcialmente obtido mas basicamente mediante um nivelamento por baixo, de tal forma que o estado se coloca, hoje, em 40º lugar no ranking dos gastos por aluno no país.

FINANCIAMENTOS DA EDUCAÇÃO; CALIFÓRNIA-EUA; EDUCAÇÃO; CUSTO-ALUNO


This paper is the product of a research program in the State of California (USA), which aims it to analyze the main characteristics of the educational financing in that State. California has 33 million inhabitants and some 6 million primary students attending school from kindergarten - 5-years olds - through 12th grade. The major challenge faced by the State - mainly due to court decisions - is ensuring a minimum level of financial resources per student and avoiding discrepancy in spending per student between poor and rich districts. This second objective has been partially attained by lowering the level of State spending, so that California is, nowadays, the 40th in the American ranking of spending per student.

EDUCATIONAL FINANCE; CALIFORNIA-USA; EDUCATION; STUDENTS CUSTS


OUTROS TEMAS

Uma análise do financiamento da educação no estado da Califórnia, EUA

A review of educational financing in the state of California, USA

José Marcelino de Rezende Pinto

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo Ribeirão Preto, jmrpinto@ffclrp.usp.br

RESUMO

Este trabalho é fruto de um estágio de pesquisa no Estado da Califórnia (EUA) e tem como objetivo analisar as principais características do financiamento da educação desse estado. A Califórnia possui 33 milhões de habitantes e cerca de seis milhões de alunos em seu sistema de educação básica que vai da pré-escola (kindergarten), em que as crianças entram com cinco anos de idade, até a 12ª série. O principal desafio enfrentado pelo estado, motivado principalmente por decisões judiciais, tem sido o de assegurar um patamar mínimo de recursos por aluno e o de evitar uma grande discrepância nos gastos por aluno entre distritos pobres e ricos. O que se constata é que o segundo objetivo tem sido parcialmente obtido mas basicamente mediante um nivelamento por baixo, de tal forma que o estado se coloca, hoje, em 40º lugar no ranking dos gastos por aluno no país.

FINANCIAMENTOS DA EDUCAÇÃO – CALIFÓRNIA-EUA – EDUCAÇÃO – CUSTO-ALUNO

ABSTRACT

This paper is the product of a research program in the State of California (USA), which aims it to analyze the main characteristics of the educational financing in that State. California has 33 million inhabitants and some 6 million primary students attending school from kindergarten – 5-years olds – through 12th grade. The major challenge faced by the State – mainly due to court decisions – is ensuring a minimum level of financial resources per student and avoiding discrepancy in spending per student between poor and rich districts. This second objective has been partially attained by lowering the level of State spending, so that California is, nowadays, the 40th in the American ranking of spending per student.

EDUCATIONAL FINANCE – CALIFORNIA-USA – EDUCATION – STUDENTS CUSTS

Com uma população um pouco inferior à do Estado de São Paulo e um produto interno bruto – PIB – quase duas vezes superior ao do Brasil, a Califórnia é o estado que abriga a maior população dos EUA, o maior número de estudantes no sistema K-12 (kindergarten até a 12ª série1 1 O sistema de ensino obrigatório nos EUA tem duração de 13 anos englobando a elementary school, que corresponderia ao ensino fundamental no Brasil e no qual o aluno ingressa com cinco anos (no kindergarten) e fica até a 8ª série, e a high school, que corresponde ao ensino médio no Brasil, e engloba da 9ª à 12ª série. ), também o maior número de professores e uma das maiores diversidades étnicas do país. O principal desafio que o estado enfrenta, motivado principalmente por ações judiciais, é o de reduzir as diferenças entre os recursos financeiros colocados à disposição dos alunos pelos diferentes distritos escolares2 2 O distrito escolar é a unidade básica de gestão das escolas e possui considerável autonomia financeira e administrativa perante os estados e municípios. No fim do século XIX existiam cerca de 100 mil distritos escolares nos EUA; hoje eles não passam de 14 mil. .

Isso tem sido conseguido ao longo dos últimos 20 anos mas basicamente mediante um nivelamento por baixo nos recursos disponíveis por aluno. Assim é que, embora tenha demosntrado progressos razoáveis do ponto de vista da eqüidade, em 1997-1998, a Califórnia ocupava o 40º lugar no ranking nacional de gastos por aluno (Betts, Rueben, Danenberg, 2000; EdSource, 2000).

Antes de analisar esses dados, é importante apresentar algumas características gerais da organização do sistema educacional californiano. Existe um departamento estadual de educação cujo titular (Superintendente da Instrução Pública) é eleito juntamente com o governador e pode inclusive ser de um partido diferente do primeiro, como já ocorreu (Constituição Estadual, art. 9, seção 2; disponível em www.lao.ca.gov). Paralelamente, existe um Conselho Estadual de Educação (State Board of Education) cujos dez membros (um deles, estudante) são indicados pelo governador e devem ser aprovados por dois terços do Senado estadual. O Departamento de Educação da Califórnia – CDE – , por sua vez, articula-se com os condados (counties) cujo superintendente também é eleito. E os condados se articulam com os distritos escolares, que são os órgãos que de fato administram as escolas, os quais são governados por um conselho escolar (School Board) cujos membros (geralmente cinco) são eleitos pela respectiva comunidade. Esse conselho contrata o superintendente do distrito que é o principal executivo da educação básica na Califórnia e nos EUA em geral, apesar das variações entre os estados. Todas as decisões relativas à contratação de profissionais, dissídios coletivos, compra de materiais, aquisição e reforma de prédios ocorrem na esfera do distrito escolar e devem passar pela aprovação do School Board. No âmbito das escolas existe ainda um Conselho Local (Site Council) que geralmente delibera sobre a aplicação dos recursos discricionários da escola, que são repassados pelo distrito escolar ou arrecadados pela Associação de Pais e Mestres (Parents and Teacher Association –PTA).

De forma análoga ao que tem ocorrido no país como um todo, mas talvez em um ritmo mais acelerado, a Califórnia tem passado por um processo progressivo de centralização da gestão da educação nas mãos do estado em detrimento do poder local (distritos), tanto que se refere ao financiamento quanto à definição do currículo e avaliação do desempenho dos alunos.

Com essa centralização das decisões sobre os assuntos da educação na esfera estadual, têm aflorado os problemas decorrentes da dualidade de poder que marca a administração estadual da educação. Isso porque, de um lado, existe um Departamento Estadual da Educação, cujo presidente, o Superintendente da Instrução Pública é eleito e tem legitimidade própria e, de outro lado, existe o Conselho Estadual da Educação indicado e em sintonia com o governador. O que a história recente tem mostrado é que os governadores, pelo Conselho Estadual, inclusive por via judicial, assim como o poder legislativo, têm progressivamente reduzido a autonomia do superintendente e assumido um papel cada vez mais ativo na definição da política educacional, ao contrário do que acontecia no passado. Um dos exemplos dessa interferência é o "prêmio do governador" correspondente ao repasse de uma razoável soma de dinheiro para escolas e seus professores (em torno de US$20 mil/professor) que conseguissem elevar o desempenho de seus alunos nos testes padronizados (Kirst et al., 2000).

Contudo, antes de entrarmos, na discussão do sistema de educação básica e de seu financiamento, apresentamos alguns dados educacionais gerais do Estado da Califórnia, a começar pelos gastos realizados com educação pelo estado (tab. 1).

Como se vê, são valores significativos que correspondem a, praticamente, duas vezes o gasto público com educação do Brasil. Constata-se ainda que o sistema K-12 fica com 83% dos recursos e o ensino superior com 17%. Esses gastos proporcionaram, no ano fiscal 1999-2000, cerca de US$6,3 mil por aluno no sistema K-12, US$18 mil por aluno da Universidade da Califórnia, US$ 8,7 mil por aluno na Universidade Estadual da Califórnia e US$4,5 mil por aluno nos community colleges. A matrícula nessas redes e instituições é apresentada a seguir:

Como se vê, para um estado com cerca de 33 milhões de habitantes, em 2000, não muito distante da população do Estado de São Paulo (37 milhões de habitantes), vamos encontrar um sistema de educação básica com um nú mero equivalente de alunos, mas com uma oferta pública de ensino superior que era praticamente o dobro da matrícula pública no Brasil para esse nível de ensino no mesmo ano. Há que se considerar contudo que 2/3 dos alunos encontram-se em community colleges que geralmente oferecem cursos de dois anos de duração e cuja principal função é servir como um degrau para as universidades, àqueles que não conseguiram o ingresso pela via direta. Oferecem habilitações as mais variadas e de pouco valor no mercado. De qualquer forma, a matrícula na rede pública de universidades da Califórnia era, no ano escolar 2000-2001, quatro vezes maior que a das universidades públicas paulistas.

Para melhor entender as questões que envolvem o financiamento da educação na Califórnia, é importante também que apresentemos alguns indicadores gerais desse estado comparados com a média americana.

Pela tabela 3 observa-se que o estado responde por cerca de 13% dos alunos do país no sistema K-12 e por cerca de 10% dos professores, o que se reflete numa das mais altas relações alunos/professor (21) para uma média nacional de 16 alunos/professor. Esse maior número de alunos por docente acaba permitindo que se pague o 6º melhor salário médio do país. Alguns autores alertam contudo que, quando se levam em conta as diferenças no custo de vida ao longo do país, os salários pagos pela Califórnia encontram-se dentro da média nacional (Sonstelie, Bruner, Ardon, 2000). Um dado importante a se comentar sobre a situação dos professores na Califórnia é que esses adquirem certa estabilidade no emprego (tenure) após, em média, um período de dois ou três anos de exercício profissional em um distrito. Quanto ao desempenho de seus alunos nos testes padronizados, o estado apresenta em geral, os valores mais baixos do país, o que pode ser explicado pelo grande número de crianças provenientes de famílias pobres ou que possuem o inglês como segunda língua, características que influenciam muito o desempenho nesse tipo de teste. Talvez por isso, o sistema educacional do estado esteja sempre na berlinda, seja dos pesquisadores, seja dos meios de comunicação e da opinião pública em geral. E esse baixo desempenho pode talvez explicar também porque a Califórnia é um estado no qual a educação é um tema tão presente, seja na atividade legislativa, seja na ação do judiciário que, em última instância, analisa o cumprimento e a constitucionalidade das leis, como veremos.

Apresentaremos agora um perfil dos alunos, escolas e professores. A tabela 4, mostra a distribuição das matrículas no sistema público.

Como se pode constatar longe da tão conhecida, para os brasileiros, pirâmide educacional, encontra-se aqui um verdadeiro retângulo educacional em que boa parte dos alunos que ingressam no kindergarten, na idade de cinco anos, concluem o ensino médio (high school). Cabe contudo a observar que a tabela não capta o fluxo real dos alunos, uma vez que ela reflete a situação de diferentes coortes. Entretanto, pelo que se pode constatar, o índice de retenção é bastante pequeno no estado, e o critério básico de classificação dos alunos nas séries é a idade. Não obstante, estava em discussão a proposta de se criar um exame de saída da escola secundária, o que deverá reduzir o número de graduados nesse nível de ensino.

Quanto à rede privada, sua matrícula está em torno de 11% daquela da rede pública, número que não tem apresentado grande variação ao longo do tempo3 3 Disponível em cde.ca.gov.; acessado em 2002. . Cabe contudo comentar que tendo em vista o incentivo à "escolha educacional" (school choice), cujo pressuposto é o aumento do controle dos pais sobre as escolas (mesmo que públicas) pela introdução de mecanisos de mercado, existe um número significativo de estudantes freqüentando escolas públicas mas que não constituem necessariamente a população da vizinhança, diferente do padrão do sistema público. Kirst et al (2000) cita como exemplo as charter schools4 4 Nas charter schools parte significativa dos recursos públicos são repassados diretamente às escolas e ficam sob controle e administração dos pais que assinam um contrato com o distrito escolar, assumindo uma série de compromissos, inclusive de trabalho voluntário, em troca da maior autonomia de gestão. (37,4 mil alunos), as magnetics (208 mil alunos), escolas que se organizam em torno de um tema gerador que pode ser arte, ciência e tecnologia, e as próprias voucher schools5 5 Diferentemente do sistema charter, no caso do voucher, o recurso é repassado diretamente aos pais que, de posse desse "vale-escola", matriculam seus filhos na escola que, em tese, lhes aprouver. A aplicação em massa desse modelo no Chile, no período Pinochet, provocou um grande aumento de disparidade nos padrões de oferta e na qualidade do ensino (Gil, 2000). (4,4 mil alunos) que existem em Los Angeles, Oakland e San Francisco. Segundo o mesmo autor, a Califórnia é líder na criação de escolas charter, com 289 novas escolas em operação em 2001 e três distritos escolares inteiros.

A tabela 5 apresenta a divisão dos alunos das escolas públicas de acordo com o grupo étnico a que pertencem.

Como se costuma dizer, no sistema educacional da Califórnia, as minorias compõem a maioria. Ao todo, de acordo com o mesmo CDE são mais de 80 línguas e dialetos, e o sistema está apresentando grandes mudanças na composição étnica. Assim é que, em 1968, os brancos (não latinos) representavam 75% do total da população escolar e hoje representam menos da metade. Em 1998-1999, o índice de estudantes cujo inglês é uma segunda língua (english learner student – ELP) era 25% do total e 33% nas séries iniciais do ensino fundamental (kinder até 3ª série). Além disso, em 1996-1997, 40% dos estudantes enquadravam-se em programas de refeição subsidiada (free or reduced price lunch). Os hispânicos já correspondiam ao grupo étnico majoritário e caminhavam rapidamente para atingir a maioria absoluta dos estudantes. Outro dado é que a composição étnica apresenta grandes diferenças entre os distritos, podendo-se dizer, como regra geral, que nos distritos com maiores recursos por aluno concentram-se os estudantes do grupo branco (não latino) e asiático, enquanto os hispânicos e afro-americanos geralmente freqüentam escolas nos distritos mais pobres.

Conforme já ressaltado, a unidade básica de organização do sistema educacional na Califórnia são os distritos escolares. Eles podem aglutinar apenas escolas de ensino fundamental (kinder a 8ª série), escolas de ensino médio (9ª a 12ª série), ou ambos os tipos (distritos unificados). Segundo dados do Departamento Estadual de Educação, dos 987 distritos existentes, 58% incluem apenas escolas de ensino fundamental, seguidos pelos distritos unificados com 33%, ficando os distritos que incluem exclusivamente escolas de ensino médio, com 9% do total.

Vejamos agora como os distritos variam conforme o número de alunos matriculados.

Os dados apresentados na tabela 6 mostram, de um lado, o predomínio dos pequenos distritos e, de outro, o fato de que a maioria dos alunos encontra-se nos distritos maiores. Assim 44% dos distritos possuem até mil alunos. Esses distritos respondem contudo por apenas 3% das matrículas. No pólo oposto há os distritos com mais de 50 mil alunos que representam apenas 1% do total de distritos, mas atendem 21% dos alunos. Segundo a mesma fonte da tabela 6, somente os distritos escolares de Los Angeles e de San Diego possuíam, respectivamente, 700 mil e 138 mil alunos. Essa grande variação no tamanho dos distritos, com certeza ajuda a explicar muito dos problemas enfrentados por um modelo de organização (superintendente e conselho escolar) que parece ter sido pensado para pequenas comunidades. De qualquer forma, podemos dizer que 47% dos alunos estudam em distritos com até 15 mil alunos, o que não parece ser um grande sistema.

Vejamos agora como as escolas se dividem entre os diferentes tipos e recursos. Os dados encontram-se na tabela 7.

Observa-se que, em geral, as escolas de ensino fundamental (K-5ª ou K-8ª) são menores, atendendo cerca de 600 alunos, seguidas pelas middle schools (6ª a 8ª) que possuem, em média, pouco menos de mil alunos e pelas high schools (9ª a 12ª) com quase 1.500 alunos, em média. Existem também algumas escolas alternativas ou que trabalham com alunos que se evadiram da high school (continuous), mas que possuem pequena representatividade no total dos atendidos (menos de 4%). O número de alunos por computador não apresenta grandes variações entre os três principais tipos de escolas, mas pode variar bastante entre escolas. O número de classes com internet também segue um padrão proporcional se consideramos que as escolas middle e high possuem mais alunos que as elementary schools.

Vejamos agora a composição étnica dos professores em comparação com a dos alunos.

Constata-se grande discrepância entre o perfil étnico dos alunos e de seus professores. Assim, enquanto 2/3 dos alunos não pertencem ao grupo euro-americano, 3/4 dos professores fazem parte desse grupo étnico. Esse fato, com certeza, traz problemas, em especial nos bairros mais pobres, dificultando a relação professor-aluno, ainda mais em um país em que a questão racial é sempre ressaltada, conforme inclusive relato do presidente do Conselho Distrital (School Board) de um dos distritos que visitamos. Ele relatava, em entrevista ao autor, problemas básicos de comunicação visto que os alunos (geralmente latinos ou originários das Ilhas do Pacífico) não dominavam o idioma do professor e vice-versa.

Um outro sério desafio enfrentado pelo estado da Califórnia advém da constatação de que cerca da metade de seus professores devem se aposentar nos próximos 15 anos. Segundo dados do Departamento Estadual de Educação, 36% dos professores possuíam, em 1997-1998, idade entre 45 e 54 anos e 14% já possuíam mais de 54 anos, enquanto a idade mínima para aposentadoria é de 59,5 anos.

Esse fato deve acirrar dois problemas graves que o estado já enfrenta. Um deles é o percentual de professores sem a credencial ou que lecionam em área para a qual não possuem a credencial. Segundo o Departamento Estadual de Educação, em 2001, apenas 86% do professores possuíam credencial integral e já em 1993-1994, 46% dos professores de matemática estavam ensinando fora de seu campo de formação, enquanto a média americana era de 28%, índice também elevado. O segundo problema será o aumento no número de professores inexperientes, sendo que, em 2001-2002, 15,2% dos professores possuíam até dois anos de serviço.

Considerando as dimensões do sistema de ensino californiano, a pressão pela redução no número de alunos por classe e as previsões de aposentadoria, pode-se afirmar que a falta de professores na próxima década deve ser um dos problemas mais graves do estado.

Por fim, quando se analisa a composição do professorado quanto ao sexo, observa-se que aqui também predominam as mulheres na profissão com 71% do total. Contudo, nas visitas às escolas foi possível encontrar alguns homens lecionando nas séries iniciais do ensino fundamental, o que é bem mais raro no Brasil.

Antes de concluir esta seção apresentaremos o perfil dos administradores escolares, inclusos os diretores de escola e assistentes, assim como os superintendentes, assistentes e diretores dos distritos escolares. Em 1999-2000 seu número era de aproximadamente 24 mil pessoas, 56% das quais mulheres; trabalhavam com educação há cerca de 21,5 anos, 14,9 anos dos quais no respectivo distrito (EdSource, 2001). Constata-se ainda que a maioria pertence à etnia branca (não latina) em grande discrepância com o perfil étnico dos alunos e que mais de 80% possuem, pelo menos, o mestrado.

EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE O FINANCIAMENTO DO SISTEMA KINDER-12ª SÉRIE

Para aqueles que acham que o Brasil é o país das leis, valeria a pena visitar os EUA. Se, de fato, eles possuem uma Constituição Federal bastante concisa, isso decorre não da ausência de legislação, mas da natureza do federalismo americano que delega aos estados boa parte do direito de legislar sobre os mais variados assuntos. Assim é que, desde de 1820, a educação é uma atribuição dos estados e nessa esfera vamos encontrar uma extensa produção legislativa. Basta dizer que o Código Educacional da Califórnia possui mais de 4 mil páginas (incluindo a jurisprudência), e que apenas seu índice é composto por 38 páginas.

Faremos agora uma rápida apresentação da legislação que regula o financiamento educacional no estado. Em primeiro lugar cabe comentar que, desde 1879, a Constituição Estadual assegura ensino gratuito e obrigatório dos 6 aos 18 anos, ou então até a conclusão do ensino médio. Outra alteração fundamental relativa ao financiamento da educação na Califórnia remonta ao ano de 1968. Inicia-se então um processo judicial (caso Serrano versus Priest) em que os postulantes questionam a legalidade do sistema de financiamento da Califórnia que, em virtude do grande peso dos recursos locais no financiamento da educação, proporcionava oportunidades diferentes para os alunos em razão das diferenças econômicas entre os distritos escolares, não assegurando um tratamento igualitário a todos os estudantes como determinava a Constituição Estadual. Assim, em 1971, a Suprema Corte Estadual, julgando o caso, decide que o sistema educacional da Califórnia era inconstitucional porque não era igualitário. Em 1972, uma lei do Senado Estadual (SB 90) estabelece o sistema, ainda em vigor, que fixa um valor limite de recursos por aluno para despesas de caráter geral (revenue limits). Mas em 1974, ainda tendo por base o caso Serrano versus Priest, um juiz determina que a diferença entre os recursos básicos por aluno (revenue limit) não poderia ser superior a US$100 (hoje, corrigido pela inflação, esse valor é cerca de US$340). A decisão foi confirmada pela Suprema Corte em 1976. Alguns distritos, que historicamente gastavam valores acima desses limites mantiveram o direito adquirido, passando entretanto a receber apenas US$120/aluno-ano de recursos estaduais (com algumas peculiaridades) dentro do seu limite de recursos básicos. Em 1978, uma emenda constitucional, (Proposition 13) aprovada em plebiscito, limitou o imposto sobre a propriedade em 1% de seu valor de mercado, representando um corte brusco nos recursos dos distritos escolares mais ricos, o que facilitou a política de equalização, mas pelo nivelamento por baixo dos recursos educacionais. Nesse processo, os recursos locais, que historicamente representavam mais da metade das receitas educacionais, tiveram seu peso reduzido para 1/3 na Califórnia. Já em 1984, também uma emenda constitucional criou a loteria estadual que distribui um mínimo de 34% de seus recursos para escolas de ensino fundamental e médio e para os colleges, na proporção dos alunos matriculados (aproximadamente US$123/aluno nas escolas de ensino fundamental, em 2000/2001, para programas instrucionais e materiais). Por fim cabe comentar outra emenda constitucional aprovada em 1988 (Propositon 98), que assegurou um mínimo de recursos por aluno (por tipo de distrito) e criou o school report card, um relatório que todo distrito deve fazer com os principais indicadores sobre suas escolas6 6 Somente agora os distritos estão começando a tornar públicos esses dados, com base em modelos definidos pelo Departamento Estadual de Educação. .

SITUAÇÃO ATUAL DO FINANCIAMENTO

Do ponto de vista das fontes de recursos no sistema K-12 regular, o atual sistema de financiamento da educação na Califórnia é composto basicamente de dois elementos centrais: um valor base por aluno (revenue limit), referenciado em uma fórmula bastante complexa (mais de quatro páginas de extensão), acrescido de valores destinados a atividades específicas (categorical aid). A esses acrescem-se os recursos da Loteria Estadual e eventuais recursos para fins especiais, geralmente alocados pelos distritos. Assim, a fórmula atual (2000-2001), que estabelece os recursos recebidos por um dado distrito escolar, trabalha com os seguintes parâmetros:

  • Recurso dentro do limite legal (

    revenue limit) multiplicado pelo número de alunos freqüentes (

    average daily attendance ADA).

  • Recursos para uso específico (

    categorical revenues).

  • Outros recursos especiais.

  • Loteria.

Em que:

  • ADA (aluno freqüente): média do número de estudantes efetivamente presentes em cada dia de aula e daqueles com faltas justificadas (corresponde, em média, a 95% dos alunos matriculados).

  • Recurso dentro do limite legal: cada distrito tem o seu valor em função de características históricas. O recurso limite é uma combinação de recursos locais do imposto sobre a propriedade e de recursos estaduais. Sempre que o primeiro se eleva, o segundo é reduzido e vice-versa. Ano a ano, seu valor médio é corrigido em função da inflação e da variação da renda do estado. Para o ano de 2000-2001, a média do estado por tipo de distrito foi US$4.306/aluno-presente, para distritos com escolas de ensino fundamental, US$4.485/aluno-presente, para distritos unificados (escolas de ensino fundamental e médio), e US$5.175, para distritos com escolas de ensino médio apenas.

  • Recursos para uso específico: são recursos dos três níveis (federal, estadual e local), relacionados com especificidades de cada distrito, ou escola, como alunos atendidos no transporte escolar, alunos com subsídio alimentar, programas de redução do número de alunos por classe, alunos com necessidades especiais. Esses programas sofreram um grande crescimento nos últimos anos.

  • Outros recursos: geralmente associados à arrecadação levada a efeito pelos distritos mediante plebiscitos e destinados a fins específicos (reformas dos prédios escolares, por exemplo).

  • Loteria: pelos menos 34% das receitas da Loteria Estadual da Califórnia devem ser distribuídos para o sistema público de educação (K-12 e superior). No sistema K-12, no ano 1999-2000, o valor por aluno foi de US$125, o que representou 1% do total de recursos para este nível de ensino. Estudos feitos em uma amostra de escolas pelo Departamento de Educação mostram que a maioria das escolas, principalmente as maiores, usa esses recursos para contratação de pessoal.

A tabela 9, apresenta um esquema básico da distribuição de recursos por aluno (receita) para o ano escolar de 1999-2000.

Esse quadro de recursos é o modelo padrão e a forma pela qual os dados são apresentados para os diversos distritos do estado. Todas as planilhas podem ser obtidas via internet diretamente no banco de dados do estado (www.ed-data.k12.ca.us), desagregados por distrito escolar, mas não por escola. Pelos dados da tabela 9, observa-se que, na Califórnia, os recursos estaduais respondiam, nesse ano, por 59,5% do total; os recursos locais por 32,5%; os federais por 5,9% e a loteria por 2,1%. Assim, a principal fonte de recursos para a educação é o estado, seguida pelos recursos locais. Como já dissemos, estes últimos já tiveram uma participação maior mas proporcionalmente diminuiram sobretudo seu peso em virtude da Proposição 13, que reduziu a taxação sobre a propriedade, principal fonte local de recursos.

Um segundo dado importante é que os recursos básicos por aluno representavam apenas cerca de 65% do total, ficando os demais 35% destinados a programas específicos. Como todo o esforço de equalização das diferenças entre os distritos é feito tendo por base os revenue limit, esse fato tem gerado algumas distorções e amplo debate entre os pesquisadores da área. Assim, o que as estatísticas estaduais mostram é que boa parte dos distritos escolares da Califórnia já se ajustaram aos limites fixados na decisão judicial do caso Serrano versus Priest (máximo de diferença entre os gastos por aluno: US$100 de 1980, ajustado pela inflação), mas considerando apenas os recursos dentro do limite legal. Ora, dada a progressiva importância dos recursos de uso específico (em 1978-1979 eles respondiam apenas por 10% dos recursos destinados à educação contra os 35% em 2000-2001), os esforços de equalização acabam, muitas vezes, comprometidos.

Faremos agora, então, uma breve apresentação dos valores e destinações principais desses recursos de uso específico (categorical aid).

Os recursos do tipo categorical aid, também chamados "recursos vinculados" (earmarked money), constam do orçamento federal e estadual e destinam-se a programas específicos como educação especial, alimentação escolar, educação de adultos, entre outros. No ano escolar de 2000-2001, os seis principais programas estaduais nessa alínea foram o de educação especial (US$2,5 bilhões), redução do número de alunos por classe (US$1,6 bilhões), educação infantil (US$1,1 bilhões), programas de dessegregação (US$677 milhões), educação de adultos (US$591 milhões) e transporte de estudantes (US$477 milhões). Já com recursos federais cabe comentar o programa de alimentação infantil (US$1,3 bilhões), o programa de apoio aos alunos em desvantagem (US$1,1 bilhões), de desenvolvimento infantil (US$815 milhões) e de educação especial (US$522 milhões).

A principal crítica que se faz a esses programas é que, de cerca de menos de dez programas no início, destinados essencialmente a grupos desfavorecidos, eles se expandiram até atingir mais de uma centena e avançaram cada vez mais para as áreas do ensino regular, criando um grande engessamento do sistema escolar. Essa expansão fez também com que alguns distritos (geralmente os maiores e mais organizados e nem sempre os mais necessitados) se articulassem em lobbies para obter tais recursos (Finkelstein, Furry, Huerta, 2001; Sonstelie, Brunner, Ardon, 2000).

Outra fonte de recursos para as escolas na Califórnia são as contribuições voluntárias para a educação. Os instrumentos de doação voluntária de recursos para as escolas, seja por associações de pais e mestres, seja por meio de fundações têm sido motivo de muita discussão e debate no estado nos últimos tempos. Esse parece ter sido o caminho encontrado, principalmente pelos distritos e escolas mais ricos para ampliar seus recursos, tendo em vista a Proposição 13 assim como a série de decisões judiciais, a partir de Serrano versus Priest, em 1971, que buscaram equalizar os recursos financeiros disponíveis para os distritos. Assim é que, se em 1971, ano da primeira decisão, havia no estado seis fundações educacionais, em 1995 já existiam mais de quinhentas entidades dessa natureza (Sonstelie, Brunner, Ardon, 2000). A tabela 10, apresenta, para o ano de 1994, o número de entidades envolvidas com o levantamento de recursos financeiros na Califórnia, assim como os valores arrecadados. Cabe ressaltar que só estão computadas as entidades cuja arrecadação anual é igual ou superior a 25 mil dólares.

Segundo o mesmo estudo, cerca de 35% do valor arrecadado é consumido em despesas operacionais, restando portanto, no mesmo ano, 146 milhões em recursos, o que propiciou cerca de US$19 por aluno, um valor insignificante se considerarmos os gastos totais por aluno-ano. Contudo, como o mesmo estudo mostra, existe uma grande diferença nos recursos levantados pelos diferentes distritos. Segundo os autores, os dados evidenciam que essa fonte de recursos acaba sendo um fator de diferenciação significativa entre os distritos escolares, em que estudam os alunos oriundos de famílias mais pobres, que chegam a receber sete vezes menos recursos per capita que aqueles freqüentados por famílias mais ricas. Assim, enquanto 92% dos alunos estudam em escolas cuja contribuição por aluno é inferior a US$100, 1,3% freqüentam escolas cujos valores são superiores a US$500. Considerando somente os distritos, a situação é mais crítica: 98,6% dos estudantes, em 1994, estavam matriculados em distritos cujas contribuições por aluno eram inferiores a US$100, enquanto apenas 0,2% dos alunos situavam-se em distritos cujas contribuições por aluno eram iguais ou superiores a US$500 (Sonstelie, Brunner, Ardon, 2000).

DIFERENÇAS ENTRE OS DISTRITOS ESCOLARES NO FINANCIAMENTO À EDUCAÇÃO

Como veremos a seguir, apesar das medidas tomadas tanto na esfera do judiciário quanto do legislativo, visando a reduzir as diferenças de recursos financeiros entre os distritos, estas ainda persistem e acabam interferindo nos recursos colocados à disposição dos alunos pelas suas respectivas escolas. Tais diferenças se refletem basicamente no pessoal que é o elemento de custo mais elevado. Assim, as escolas dos distritos mais ricos geralmente possuem um número maior de auxiliares de ensino ou de pessoal de suporte, além de maior acesso a recursos computacionais.

A tabela 11, apresenta as diferenças de recursos por aluno entre distritos de dois condados vizinhos, todos na região da Baía de São Francisco.

Os dados mostram como, mesmo numa região próxima, as diferenças entre os distritos nos recursos por aluno podem ser grandes. Percebem-se também os efeitos limitados das mudanças ocorridas em razão das decisões judiciais pois estas atuam só na "receita no limite legal" (linha A), que responde por apenas 65% do total de recursos recebidos pelos distritos. Pela tabela percebe-se que um distrito como Palo Alto (cuja maioria dos recursos vem de fonte local) recebe cerca de 47% a mais por aluno que um distrito como Alisal Elementary, ou 55% a mais, considerando-se apenas os recursos dentro do limite legal. Pela tabela observa-se também como varia entre os distritos a parcela de recursos dentro da "receita no limite legal" que vem de fontes locais e estaduais. Assim, enquanto em Palo Alto 94% dos recursos dentro do limite legal vêm de fontes locais, no distrito de Alisal esse índice é de 27% e a média, na Califórnia, é de 42%. As diferenças entre os distritos se revelam mais dramáticas quando comparamos as despesas com salários. Assim é que Palo Alto gasta com salários do pessoal instrucional cerca de 52% acima de Ravenswood, um distrito vizinho, o que representa um adicional de US$ 1.500 por aluno-ano. Isso ajuda a entender por que o primeiro distrito nunca enfrenta problema de falta ou evasão de professores enquanto o segundo apresenta grande número de professores com credenciais emergenciais, alta rotatividade e conflitos trabalhistas, como pudemos presenciar numa manifestação de professores em uma reunião do Conselho Distrital, reivindicando a interferência destse órgão com o intuito de forçar o superintendente a retomar as negociações salariais que estavam paralisadas. Enquanto isso, o Distrito de Palo Alto concedeu um aumento de 8,5% para todos o seus trabalhadores no ano de 2001, retroativo a agosto.

Os recursos por aluno, assim como o perfil dos estudantes e seu desempenho nos testes apresentam diferenças gritantes entre os distritos e as escolas.

A tabela 12 é bastante rica em informações. Em primeiro lugar nota-se como existe forte correlação entre o número de alunos que recebem alimentação subsidiada em uma escola, ou seja, que pertencem a famílias mais pobres, e baixo desempenho nos testes. Assim pode-se concluir que, salvo exceções, o Academic Performance Index – API – é antes um indicador de riqueza ou pobreza da comunidade que freqüenta a escola do que um indicador de qualidade do seu ensino. Contudo, os dados da tabela alertam também para o fato de que, não obstante o peso do nível socioeconômico das famílias no desempenho dos alunos, outros fatores também influenciam no resultado, como apontam os resultados das escolas Sanches e Steinbeck do Distrito de Alisal, por exemplo. Observa-se também a grande diferença na composição socioeconômica (medida pelo percentual de estudantes com subsídio alimentar) entre os distritos escolares, em que um distrito como Palo Alto apresenta uma clientela homogênea e com poucos alunos oriundos de famílias mais pobres, enquanto o distrito de Alisal apresenta também uma clientela homogênea mas no pólo socioeconômico oposto. Talvez não seja coincidência que o distrito de Alisal apresente um dos menores valores por aluno, considerando a receita no limite legal (Tab. 11), o que mostra que nos EUA, assim como no Brasil, as escolas que atendem os alunos mais pobres tendem a ser também mais pobres em recursos financeiros. Já o distrito de Redwood apresenta uma clientela bastante heterogênea do ponto de vista socioeconômico, característica que se reflete também no desempenho de seus alunos nos testes padronizados.

Como se vê, como em qualquer lugar do mundo, é extremamente difícil conseguir um sistema educacional que assegure ensino de qualidade para a maioria das crianças e jovens e que, ao mesmo tempo, faça a distribuição eqüitativa dos recursos educacionais. A Califórnia, impulsionada pela ação do judiciário e do legislativo tomou uma série de medidas sobre o seu sistema de financiamento educacional que pretendiam, de um lado, impedir que as diferenças de recursos financeiros entre os distritos escolares fossem muito grandes (Decisão Serrano versus Priest), de outro, assegurar que cada aluno do estado recebesse um mínimo de recursos. Ao mesmo tempo foram sendo ampliados os recursos (categorical aid) que se destinavam, a clientelas específicas mais necessitadas (alunos com necessidades especiais ou em desvantagem educacional ou socioeconômica, ou que tinham o inglês como uma segunda língua). Com isso pretendia-se, segundo os princípios da justiça redistributiva, tratar de forma desigual os desiguais.

Pode-se concluir que se houve um avanço grande, em especial no atendimento dos grupos marginalizados, muito há ainda por ser feito, seja porque o nivelamento deu-se "por baixo" mediante a redução dos recursos dos distritos mais ricos (que reagiram aumentando as doações voluntárias), seja porque o sistema de destinação específica (categorical aid), que já consome mais de 35% dos recursos, é de difícil controle e avaliação, flutua de acordo com os grupos que estão à frente do executivo estadual ou do legislativo e é também suscetível às ações dos grupos de pressão, que muitas vezes conseguem levantar recursos para os distritos que já são mais bem aquinhoados. Assim é que estudo feito pelo Public Policy Institute da Califórnia – PPIC – e elaborado por Julian R. Betts, Kim S. Rueben and Anne Danenberg (2000) mostra que as escolas freqüentadas pelos alunos mais pobres, possuem em geral um maior número de professores menos experientes ou com a qualificação mínima (bacharelado), possuem também maior número de professores com certificação emergencial e oferecem menor número de disciplinas que são requisitos para o ingresso no sistema de universidades estaduais. Coincidência ou não, como vimos, são também os alunos mais pobres os que apresentam os piores desempenhos nos testes padronizados aplicados no estado.

Por fim, algumas palavras sobre que tipo de lições o sistema de financiamento da Califórnia pode fornecer para o Brasil. Em primeiro lugar não se pode esquecer que todo sistema educacional possui uma história e, portanto, o que dá certo em um lugar pode não funcionar em outro. Feitas essas considerações, a maior diferença que se observa na comparação entre os dois países, além da gritante disparidade, em termos absolutos e relativos, no montante dos recursos aplicados em educação, encontra-se na participação ativa do judiciário e do legislativo nos assuntos referentes ao financiamento da educação básica. Pelo que pudemos constatar, a discussão do orçamento da educação, por exemplo, recebe intensa cobertura dos meios de comunicação e mobiliza parte considerável do trabalho dos parlamentares. As decisões judiciais relativas ao tema também aparecem corriqueiramente nos órgãos de imprensa, o que revela o interesse popular sobre o tema.

Creio que podemos formalizar duas hipóteses para explicar essa situação. Em primeiro lugar, ao contrário do Brasil, a classe média nos EUA é, por enquanto, o segmento majoritário da população e se encontra matriculada na escola pública. Em segundo lugar, o fato de o principal órgão que administra as escolas, o distrito, ser governado por um conselho eleito, assim como eleito é o Superintendente de Instrução Pública do estado além dos procuradores, parece aumentar sobremaneira a capacidade de pressão popular na definição de políticas públicas para o setor.

Concluindo, o que a experiência da Califórnia parece mostrar é que, no país que vende o liberalismo como dogma para o resto do mundo, a educação e seu financiamento é sujeita a intensa e minuciosa regulação, visando exatamente reverter os efeitos deletérios das políticas liberais, em especial a progressiva piora na distribuição de renda. Embora administrada em nível local, a educação é obrigação do governo estadual a quem cabe atuar como agente redutor de desigualdades e garantidor de um padrão mínimo de qualidade do ensino. Independentemente dos limites dessa intervenção, ela mostra, mais do que nunca, a importância da presença estatal na educação e do controle popular sobre suas políticas.

Recebido em: dezembro 2004

Aprovado para publicação em: julho 2005

Este trabalho é uma síntese do relatório de estágio de pós-doutorado realizado na Universidade de Stanford, sob supervisão do professor Martin Carnoy, no segundo semestre de 2001, com apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo Fapesp. Foi aceito como trabalho excedente na 25ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação – ANPEd.

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  • EDSOURCE. Current policy readings: K-12 school reform in California. Palo Alto, 2001.
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  • U.S.A. Census Bureau. Compedium of governamental finances Washington, 1997.
  • 1
    O sistema de ensino obrigatório nos EUA tem duração de 13 anos englobando a
    elementary school, que corresponderia ao ensino fundamental no Brasil e no qual o aluno ingressa com cinco anos (no
    kindergarten) e fica até a 8ª série, e a
    high school, que corresponde ao ensino médio no Brasil, e engloba da 9ª à 12ª série.
  • 2
    O distrito escolar é a unidade básica de gestão das escolas e possui considerável autonomia financeira e administrativa perante os estados e municípios. No fim do século XIX existiam cerca de 100 mil distritos escolares nos EUA; hoje eles não passam de 14 mil.
  • 3
    Disponível em cde.ca.gov.; acessado em 2002.
  • 4
    Nas
    charter schools parte significativa dos recursos públicos são repassados diretamente às escolas e ficam sob controle e administração dos pais que assinam um contrato com o distrito escolar, assumindo uma série de compromissos, inclusive de trabalho voluntário, em troca da maior autonomia de gestão.
  • 5
    Diferentemente do sistema
    charter, no caso do
    voucher, o recurso é repassado diretamente aos pais que, de posse desse "vale-escola", matriculam seus filhos na escola que, em tese, lhes aprouver. A aplicação em massa desse modelo no Chile, no período Pinochet, provocou um grande aumento de disparidade nos padrões de oferta e na qualidade do ensino (Gil, 2000).
  • 6
    Somente agora os distritos estão começando a tornar públicos esses dados, com base em modelos definidos pelo Departamento Estadual de Educação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2005
    • Recebido
      Dez 2004
    Fundação Carlos Chagas Av. Prof. Francisco Morato, 1565, 05513-900 São Paulo SP Brasil, Tel.: +55 11 3723-3000 - São Paulo - SP - Brazil
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