Acessibilidade / Reportar erro

Reuniões de pais na educação infantil: modos de gestão

Resumos

O artigo discute a relação entre escolas e famílias no contexto da educação infantil por meio da análise de reuniões de pais. Fundamenta-se em um estudo de caso qualitativo sobre 11 reuniões, realizadas em duas escolas municipais de educação infantil paulistanas. Foram analisados os diferentes modos de gestão pelo professor, segundo três aspectos: forma (pauta), conteúdo (temas), dinâmica (relações entre professor e pais). Os resultados indicaram modos de gestão que dificultam a participação dos pais e descaracterizam os objetivos das reuniões: forma desorganizada e rígida; conteúdo burocrático e comportamental; dinâmica fragmentada e centralizada. Ao mesmo tempo, identificaram-se indicadores que favorecem a construção de uma relação mais cooperativa durante as reuniões, correspondentes aos modos de gestão: forma compartilhada, conteúdo educacional e dinâmica coletiva. Os autores destacam a necessidade de registro e de avaliação coletiva das reuniões de pais, visando à articulação com o projeto pedagógico, o currículo e a dimensão didática

relações escola-família; educação infantil; gestão; cooperação


The article discusses the relation between schools and families in the context of early childhood education through the analysis of parent teacher meetings. Case study of eleven meetings held in two public pre-schools of São Paulo city. The different ways of meeting management were analyzed according to three aspects: form (agenda of meeting), content (subject) and dynamics (relationship between teachers and parents). The results indicated ways of management that hindrance parents participation and affect the objective of the meeting: disorganized and rigid forms; bureaucratic content; fragmented and centralized dynamics. There were also identified indicators that favor the construction of a more cooperative relationship during the meetings: shared management; educational content and group dynamics. The authors outline the necessity of record the meetings and assess its connection with the pedagogical project, the curriculum and the didactic dimension

student school relationship; early childhood education; management; cooperation


OUTROS TEMAS

Reuniões de pais na educação infantil: modos de gestão

Heloisa Helena Genovese de Oliveira GarciaI; Lino de MacedoII

IDoutoranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo hhgo@uol.com.br

IIProfessor titular de Psicologia do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. limacedo@uol.com.br

RESUMO

O artigo discute a relação entre escolas e famílias no contexto da educação infantil por meio da análise de reuniões de pais. Fundamenta-se em um estudo de caso qualitativo sobre 11 reuniões, realizadas em duas escolas municipais de educação infantil paulistanas. Foram analisados os diferentes modos de gestão pelo professor, segundo três aspectos: forma (pauta), conteúdo (temas), dinâmica (relações entre professor e pais). Os resultados indicaram modos de gestão que dificultam a participação dos pais e descaracterizam os objetivos das reuniões: forma desorganizada e rígida; conteúdo burocrático e comportamental; dinâmica fragmentada e centralizada. Ao mesmo tempo, identificaram-se indicadores que favorecem a construção de uma relação mais cooperativa durante as reuniões, correspondentes aos modos de gestão: forma compartilhada, conteúdo educacional e dinâmica coletiva. Os autores destacam a necessidade de registro e de avaliação coletiva das reuniões de pais, visando à articulação com o projeto pedagógico, o currículo e a dimensão didática.

Palavras-chave: relações escola-família, educação infantil, gestão, cooperação

A RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA e escola no contexto da sociedade brasileira tem sido alvo de reflexão e debate por vários autores (Carvalho, 1995; Gomes, 1995; Szymansky, 1997; Haddad, 2002; Polônia, Dessen, 2005, dentre outros). De fato, a construção de uma escola para todos, em uma perspectiva inclusiva e democrática, demanda reflexão sistemática não apenas sobre as relações entre professores e alunos, mas entre os representantes das duas instituições educativas envolvidas (Perrenoud, 2000; Macedo, 2005). Abordando essa temática, encontram-se pesquisas no âmbito do ensino fundamental (Pinto, Goldbach, 1990; Collares, 1994; Fraiman, 1998; Freller, 2000; Oliveira, 2000; Perez, 2000; Ribeiro, 2000) e no da Educação Infantil (Haddad, 1989; Monção, 1999; Geis, 1994; Garcia, 2005; Maranhão, Sarti, 2008). Estas últimas justificam-se de modo especial porque são os anos iniciais que lançarão os alicerces para a vida escolar futura: tanto os significados e hábitos de aluno, como os contornos da relação entre os universos escolar e familiar.

No contexto da discussão mais ampla sobre o currículo para a educação de crianças até 6 anos, a relação com as famílias tem sido contemplada (Kramer, 1993; Rossetti-Ferreira, 1998; Oliveira, 2002). Kramer (1993), por exemplo, enfatiza que uma educação de qualidade para crianças de 4 a 6 anos deve visar à educação para a cidadania e deve reconhecer que o trabalho conjunto com as famílias é um dos maiores desafios de um projeto pedagógico. Defende que é preciso haver um caminho de mão dupla entre escolas e famílias, propiciando conhecimento tanto da realidade familiar, cultural e social, como da realidade escolar: metas, atitudes e prioridades educacionais. Exemplifica, em sua proposta, quatro situações regulares de encontro entre escolas e famílias: entrevistas, reuniões, festividades e visitas dos pais à escola. A autora alerta - o que vem ao encontro do tema deste artigo - quanto ao cuidado na escolha dos assuntos e dos tipos de dinâmicas para as reuniões, evitando "tanto reuniões em que há cobranças dos pais e reclamações sobre as crianças, quanto reuniões didáticas ou normativas em que se pretende ensinar os pais como cuidar de seus filhos" (Kramer, 1993, p.102). As reuniões devem criar uma oportunidade para que a família conheça, aprecie e reflita sobre o que as crianças fazem e aprendem na escola, favorecendo a integração, o debate e o crescimento de todos os envolvidos.

Em anos recentes, foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (Brasil, 1998), tendo como objetivo servir como "um guia de reflexão de cunho educacional dos objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam com crianças de 0 a 6 anos" (Brasil, 1998, p.5). Em seu primeiro volume, são abordadas as diretrizes para a parceria com as famílias: a importância do respeito e acolhimento das diferenças culturais, da inclusão do conhecimento familiar no trabalho educativo e do estabelecimento de canais de comunicação. Elas se apoiam na compreensão de que o contato com a diversidade, além de ampliar os horizontes das crianças e do professor, fundamenta uma postura ética e democrática nas relações humanas. Baseado nisso, o documento aponta para a importância de a escola possibilitar diferentes momentos de contato com as famílias, como reuniões periódicas com os pais de um mesmo grupo de alunos. De modo geral, indica que a postura da escola deve ser de abertura, sintetizada na afirmação: "as instituições de educação infantil, por intermédio de seus profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as famílias" (Brasil, 1998, p.77).

Partindo de experiências em outros países, Perrenoud defende um caminho semelhante, ao identificar como uma das dez competências essenciais ao educador atual justamente "informar e envolver os pais" (Perrenoud, 2000). O eixo central desta competência situa-se na capacidade de analisar e discriminar diferenças e nuanças tanto dentro do grupo de pais, como entre a posição destes e a sua, de professor: "os pais ocupam outra posição, têm outras preocupações, outra visão da escola, outra formação, outra experiência de vida. [...] A competência dos professores consiste em aceitar os pais COMO ELES SÃO em sua diversidade!" (Perrenoud, 2000, p.117). Ao professor compete, portanto, um papel fundamental para o estabelecimento da parceria com as famílias:

A parceria é uma

construção permanente

, que se operará melhor se os professores aceitarem tomar essa iniciativa, sem monopolizar a discussão, dando provas de serenidade coletiva, encarnando-a em alguns espaços permanentes, admitindo uma dose de incerteza e de conflito e aceitando a necessidade de instâncias de regulação. (Perrenoud, 2000, P.124, grifo do autor)

Entre esses espaços permanentes o autor inclui reuniões de informação e debate, que se assemelham às reuniões de pais focalizadas neste texto. No estudo, o papel do professor é analisado precisamente nessa perspectiva: como um profissional ativo, comprometido com uma tarefa complexa de gestão (Meirieu, 2005), que envolve, por um lado, conteúdos, estratégias e procedimentos de ensino e o enfrentamento de eventuais dificuldades de aprendizagem dos alunos. Por outro, um amplo universo de relações humanas: dos alunos entre si e deles consigo; suas relações com a instituição escolar e com as famílias dos seus alunos, em variadas ocasiões (de entrevistas formais, a encontros casuais no portão da escola). Dentre estas, os autores optaram pelas reuniões de pais por defenderem que são espaços privilegiados para o conhecimento sobre o trabalho escolar e sobre quem são as famílias, favorecendo a valorização recíproca e a interação sistemática entre essas duas instâncias educativas. Essa posição coincide com o que indicam os RCNEI (Brasil, 1998) e com os textos comentados (Kramer, 1993 e Perrenoud, 2000). Além disso, tal escolha foi reforçada pelas seguintes constatações: a. são atividades regulares previstas no calendário de todas as escolas públicas1 1 Nas particulares, a ocorrência desse tipo de reunião também é grande, embora haja aquelas que promovem apenas encontros individuais com as famílias. : no caso da administração paulistana, os editais definem apenas a quantidade anual de reuniões de pais (quatro) não havendo referência a aspectos como objetivos ou estratégias para sua condução; b. como não há um padrão definido formalmente, cada escola determina a estrutura das reuniões e cada professor, o modo de conduzi-la; e c. muito embora sejam mencionadas em vários textos didáticos, a literatura específica sobre essas reuniões é, ainda, bastante escassa (Althon, Essle, Strober, 1998; Galuzzi, 2004).

Diante da tarefa de gerir reuniões de pais, o professor, de um modo ou de outro, enfrenta as seguintes questões, que constituem a base deste estudo: 1. Que assuntos tratar ("o que dizer aos pais"?); 2. De que forma apresentá-los ("como estruturar a pauta"?); 3. Que estratégias utilizar ("como se relacionar com os pais"?).

OBJETIVO E MÉTODO

O artigo apresenta um estudo de caso sobre reuniões de pais no contexto da educação infantil paulistana. Tem como objetivo a análise de diferentes modos de gestão dessas reuniões pelo professor. Esses modos são analisados segundo as dimensões: forma (aspectos gerais, organização e manejo da pauta), conteúdo (temas abordados) e dinâmica (relações estabelecidas entre os professores e pais/responsáveis).

SUJEITOS E REUNIÕES DE PAIS OBSERVADAS

Foram observadas 11 reuniões de pais de seis professoras2 2 Nas duas escolas, todos os docentes eram mulheres. , pertencentes a duas escolas municipais de educação infantil - Emeis - da cidade de São Paulo, sendo três de cada escola. Elas eram regentes de classes de alunos de 4, 5 e 6 anos. As idades das docentes variaram entre 36 e 49 anos, com uma média de 44 anos e o tempo de magistério variou de 8 a 25 anos, correspondendo a 16,5 anos em média.

LOCAIS

Uma das escolas localiza-se na região central da cidade e atende a alunos de classe média e média baixa. A outra escola, na região oeste, recebe alunos principalmente de classe baixa. Ambas as instituições funcionam em regime regular de três turnos: 7h às 11 horas; 11h às 15 horas; 15 às 19horas.

PROCEDIMENTOS

O estudo foi feito ao longo de um semestre, nos dois momentos em que ocorreram as reuniões bimestrais: abril e junho. Nas duas escolas, o modo de definição das datas era o mesmo: agendava-se um dia diferente para a realização de reuniões de cada turno, preferencialmente numa mesma semana (por exemplo, o primeiro turno na terça-feira, o intermediário na quarta-feira e o terceiro turno na quinta-feira). Selecionou-se uma professora de cada turno e foram observadas as duas reuniões que ela conduziu, totalizando três docentes de cada instituição. Os cuidados éticos foram resguardados e esclarecidos mediante a apresentação e assinatura do "Termo de consentimento esclarecido para participação em pesquisa acadêmica", sendo que uma cópia foi entregue a cada uma das seis professoras. O material empírico final consistiu dos registros de 11 reuniões observadas (uma das reuniões previstas teve a data alterada sem tempo possível para reorganização do cronograma da pesquisa).

Segundo informações fornecidas pelas escolas, tais reuniões tinham como objetivo principal a apresentação do trabalho pedagógico desenvolvido com os alunos e eram conduzidas pelas professoras para o grupo de pais correspondente à sua turma. Realizavam-se nas próprias salas de aula e o tempo de duração era flexível, cabendo à professora o seu manejo dentro das quatro horas disponíveis. Nos contatos anteriores às observações, foram frequentes os comentários sobre a necessidade de não serem feitas reuniões "muito demoradas" devido ao "pouco tempo disponível e à pressa dos pais", em razão de seus afazeres domésticos ou atividades profissionais.

Os dados foram registrados por escrito à luz de um "roteiro de observação" constituído por três partes: 1. aspectos relativos à forma (pauta): local; data; duração; número de pais presentes e faltosos; materiais utilizados; estrutura da pauta ou sequência de atividades; por quem era definida a pauta e como era o seu manejo durante a reunião; ocorrência de interrupções e de improvisos; 2. aspectos relativos ao conteúdo (temas): objetivos da reunião; temas trabalhados e os tipos de atividades propostos para sua abordagem; relação estabelecida com outras atividades escolares; 3. aspectos relativos à dinâmica (relações): quem coordenava a reunião e como exercia essa função; qual a postura da professora perante os pais; qual a postura dos pais; qual o clima afetivo predominante; ocorrência de momentos críticos. A subdivisão visou favorecer a discriminação dos elementos durante as etapas de coleta e análise dos dados.

A metodologia que norteou o estudo de caso inspirou-se em uma perspectiva construtivista de pesquisa (García, 2002). Segundo essa concepção, pesquisar significa produzir observáveis (Piaget, 1976) relativos a certo tema ou questão. Tais observáveis expressam evidências sobre aquilo que pôde ser registrado por um pesquisador, em uma dupla condição. Por um lado, possuem uma base perceptiva, isto é, referem-se a algo que foi visto, ouvido ou compartilhado no contexto de certa experiência. Por outro lado, os observáveis são uma leitura do pesquisador. São influenciados pelas perguntas orientadoras da pesquisa, por sua experiência pessoal, por fatores de contexto e, sobretudo, pelo marco epistêmico que lhe permite interpretar ou decidir sobre o que vale a pena ser registrado em vista dos objetivos e da metodologia da pesquisa. Com isso se busca "construir um sistema", o que "significa escolher os elementos abstraídos do material e identificar (ou seja, inferir) certo número de relações entre esse conjunto de elementos" (García, 2002, p.57). Em síntese, a análise identificou e abstraiu elementos do corpus empírico, estabelecendo recortes representativos do sistema estudado: as relações estabelecidas entre as escolas (por meio das suas professoras) e as famílias (responsáveis) durante as reuniões de pais.

RESULTADOS

Os registros produzidos sobre 11 reuniões bimestrais foram analisados nas dimensões referidas: forma, conteúdo e dinâmica. Cada um desses três conjuntos de dados deu origem a categorias temáticas - abstraídas das reuniões observadas - que representam os diferentes modos de gestão de reuniões de pais construídos na pesquisa. Os resultados relativos a cada categoria serão apresentados de duas formas. A primeira delas consiste de descrições acompanhadas de trechos ilustrativos retirados dos registros da pesquisadora, cujas siglas P1 a P6 se referem a cada uma das professoras observadas. Entre parênteses, indica-se sua incidência em relação ao total de reuniões pesquisadas. A segunda forma, complementar à anterior, corresponde a três quadros com os indicadores para cada um dos modos de gestão. Neles estão destacados aqueles que favorecem uma relação mais efetiva e colaborativa entre as professoras e os pais. Esses quadros visam facilitar a generalização analítica (Yin, 2005) dos modos de gestão propostos a situações do cotidiano de outras escolas, fornecendo elementos para a problematização das relações entre escolas/professores e famílias no contexto de reuniões de pais.

MODOS DE GESTÃO QUANTO À FORMA

Desorganizada (5/11)

Neste modo de gestão, há falta de articulação entre as partes da reunião, o que pode indicar um problema de planejamento por parte da escola/coordenação ou pouco envolvimento do professor com a realização da tarefa. Apesar de a pauta ser previamente definida, há improvisação de atividades no sentido negativo, denotando falta de preparação, porque gera confusão e dispersão dos pais.

2ª Reunião de pais P4

Antes da reunião, havia um clima bem tumultuado na escola, confuso e desorganizado: decide-se na hora a sala onde cada professora fará a reunião. Como não haviam colocado bilhetes indicativos nas portas, os pais ficaram igualmente confusos e perdidos, sem saber para onde ir e chegando atrasados às reuniões. A P4 procurou o livro que usaria minutos antes da reunião e não o achou na biblioteca, reclamando: "isso aqui anda uma bagunça! Não era assim". [...] Esta professora estava perdida e ninguém sabia informar se haveria um momento inicial coletivo com diretora (o que não ocorreu). Houve atraso de quase meia hora. [...] Foram dadas muitas informações, nem sempre bem compreendidas. Pareceram confusas as informações sobre o passeio - seria no Parque da Mônica ou Sítio? -, devido à indefinição entre os próprios professores. Também não ficaram claras as datas do recesso escolar: o último dia de aula qual seria? Foram tantos os avisos dados e com informações incompletas que os pais se dispersaram progressivamente.

2ª Reunião de pais P2

Assim como na abertura da reunião, P2 encerrou-a de modo confuso. Ela se perdeu quando uma mãe insistiu que precisava sair antes, tumultuando o andamento da reunião. Aflita, a professora começou a dar-lhe as atividades antes, o que dispersou os outros pais, que começaram a querer sair também. P2 parecia insegura, talvez querendo agradar aos pais e acabou perdendo totalmente a condução dos assuntos da reunião, embora ela tivesse escrito a pauta detalhadamente na lousa, antes de começar a reunião.

Rígida (5/11)

A pauta é definida antecipadamente pela instituição escolar (diretora, coordenadora e professoras). A professora centraliza o controle do andamento da reunião, com pouca liberdade em relação ao estipulado previamente e a fatos imprevistos, prosseguindo de modo mais rígido. O tipo de atividades predominante é a leitura de textos com comentários orais. Há participação dos pais, com algum espaço para opiniões, mas a preocupação maior está em seguir exatamente a pauta.

2ª Reunião de pais P1

A professora estava segura e conduziu a reunião com firmeza e liderança, deixando a participação dos pais seguir suas colocações. Poucos pais falaram (quatro): ela ouviu suas opiniões, e, após, fazia os comentários. Em dois momentos, pareceu que ela não entendeu bem a colocação deles, mais mantém-se atenta para reforçar suas próprias opiniões e alguns aspectos do tema discutidos anteriormente com as outras professoras. Bastante fiel à pauta, não parecia haver espaço para improvisos ou mudanças.

1ª Reunião de pais P3

Após a fala inicial, P3 leu o texto para a sensibilização, composto de frases para serem lidas e debatidas com os pais. Pareceram um pouco difíceis (abstratas e longas). A professora levou a discussão para o lado da importância e do porquê dos limites e buscou exemplos concretos e próximos dos pais: criança pedindo brinquedo, criança que dorme tarde, vê filmes agitados, violentos e novelas e não rende bem na escola. Essa parte durou cerca de uma hora e vinte minutos. Na maior parte do tempo, foi ela quem falou e ateve-se à pauta. Depois passou para a entrega das atividades das crianças, explicando algumas delas (cerca de meia hora). Por último, avisos gerais (20 minutos). Encerrou agradecendo a presença e terminou tranquilamente, com segurança.

Compartilhada (1/11):

A professora orienta-se pela pauta da instituição, porém o faz com flexibilidade, autonomia e improvisação criativa. Inclui tanto os pais, como as crianças presentes e a professora substituta (valorizando-a e demonstrando consideração com os pais, que puderam conhecê-la) na realização de tarefas, como: organização e distribuição de materiais, controle de frequência, leitura de texto, jogos em pequenos grupos. O grupo de pais é estimulado a agir como colaborador real e ativo nas reuniões, promovendo-se uma relação mais interativa com eles.

2ª Reunião de pais P6

A estrutura dinâmica e compartilhada da sua reunião foi o item que mais se destacou diante das outras professoras. P6 evidenciou uma intenção consciente de incluir o maior número de elementos na realização da reunião: a professora auxiliar, pais em atividades diversas e as crianças presentes. Logo de início, consultou os pais quanto a deixarem para o final os assuntos gerais e começarem pelo trabalho que realizara com seus filhos no bimestre. Todos concordaram. [...] Consultou novamente os pais se preferiam seguir com os avisos e a ordem da pauta, ou se fariam primeiro a oficina que preparara para eles. Eles preferiram os avisos antes. Ela seguiu sucintamente a pauta entregue pela coordenadora (comenta baixo para a pesquisadora que não gosta muito dessa parte e até se incomoda de perder tempo com ela). Pediu que uma mãe a secretariasse, dando-lhe as listas para pais assinarem no final. Chamou a atenção o cuidado com que ela realmente preparara a reunião: os materiais que iria usar, os textos na lousa, as atividades que faria com os pais. Entregou os convites para a festa junina, que confeccionara na véspera (explica que normalmente faria com alunos, mas não houve tempo devido ao passeio). Quando abordou os projetos, a professora "se soltou" e expôs com clareza cada item (escritos previamente por ela na lousa). Havia um cartaz com fotos de alunos em diferentes atividades. P6 introduziu criativamente vários elementos que não faziam parte da pauta comum da escola, predefinida.

MODOS DE GESTÃO QUANTO AO CONTEÚDO

Burocrático (3/11)

Os temas predominantes são regras e normas de funcionamento das Emeis e avisos gerais. Neste tipo de conteúdo, valorizam-se as relações institucionais e administrativas, as partes representando um equipamento público e seus usuários, e se esvaziam as questões mediadas por conteúdos pedagógicos relativos aos alunos. Descaracteriza-se, portanto, o objetivo da reunião de pais que sustentaria a relação entre duas instituições formativas: escola/professores e família/pais de alunos.

1ª Reunião de pais P5

Na sala, a professora começou com duas afirmações que, a nosso ver, afastaram os pais e esvaziaram o sentido da reunião: "Hoje a reunião não é para falar do rendimento dos alunos, é mais para informações gerais e para assinar o recebimento do kit de material da prefeitura" e "a reunião vai ser rápida". Mais para frente ela mesma antecipou e validou a saída dos pais: "os pais que assinarem a lista do material e que precisarem sair, já podem" [...] Seguiu a pauta, resumindo-a e cortando alguns assuntos, visivelmente com pressa de acabar a reunião.

2ª Reunião de pais P5

Prevaleceram assuntos externos à sala de aula, chegando a excluir explicitamente o trabalho pedagógico. A professora introduziu a pauta dizendo: "Vai ser uma reunião rapidinha, só uns informes. A reunião é mais para a entrega do leite". Avisou em seguida que não entregaria as avaliações dos alunos, que ficarão para agosto. Justificou esse adiamento devido aos preparativos da festa junina e aos atritos entre a escola e a subprefeitura relacionados à organização da festa (esses argumentos não pareceram muito convincentes, pois a P6 da mesma escola trabalhou intensamente conteúdos pedagógicos na sua segunda reunião de pais).

Comportamental (5/11)

Este tipo de conteúdo focaliza o comportamento dos pais em dois âmbitos: a. na relação com a escola municipal de educação infantil - Emei (orientações sobre como se portar no espaço escolar - não andar sem camisa, respeito aos funcionários - e como corresponder às solicitações da escola -, ir às reuniões, ler os bilhetes e verificar o material dos filhos regularmente) e b. na relação com os próprios filhos (predomínio de orientações sobre educação familiar, como o estabelecimento de limites e a importância de manifestação de atenção e afeto). A professora pode assumir duas posturas: de educadora dos pais e de amiga dos pais. No primeiro caso, há um forte viés moralizador, julgando saber o modo certo de os pais agirem com os filhos. No segundo, a professora busca aproximar-se enfatizando suas experiências como mãe, suas próprias dúvidas e dificuldades. Mesmo ocorrendo alguma troca e participação dos pais, elas promovem um afastamento da dimensão pedagógica, ao serem priorizados conteúdos afetivos e morais, relacionados ao espaço doméstico.

1ª Reunião de pais P2

P2 parecia entender seu papel diante dos pais como de alguém que devia ensiná-los a educar melhor os filhos, cabendo transmitir-lhes aquilo que aprendera com seus estudos, acreditando que lhes faltariam conhecimentos e educação necessários para uma orientação adequada aos filhos. Talvez movida por essas intenções, monopolizou a fala por longos períodos. Na atividade inicial para que os pais comentassem pequenos textos sobre relação entre pais e filhos, sua fala se estendeu por cerca de 30 minutos gerando dispersão e pouco interesse nos pais. Inversamente, nos poucos momentos em que ela explicou conteúdos pedagógicos na lousa (por exemplo, ilustrando a evolução da escrita pelos alunos) os pais se mostraram envolvidos e atentos, embora ela não tenha explorado muito o tema.

2ª Reunião de pais P3

Havia certa intimidade entre os pais presentes, sendo que alguns relataram sentimentos e situações mais delicadas já vividas: levar filha a psicólogo, dificuldade de lidar com filha depressiva e agitada, culpas por trabalhar fora. P3 pareceu criar em clima afetivo acolhedor e propício a essa intimidade e confiança. Ela interveio, falando de sua experiência de trabalhar fora e da culpa que sentia muitas vezes, demonstrando solidariedade aos pais. Manteve o foco na importância do carinho, na carência de afeto e de abraço que as crianças vivem hoje em dia. Comentou as más influências da televisão.

Educacional (3/11)

Neste modo de gestão, há prevalência de temas relativos ao trabalho pedagógico desenvolvido com os alunos. Constata-se um maior detalhamento na explicação das atividades realizadas com os alunos e do relatório da professora e, para favorecer sua compreensão, são realizadas atividades semelhantes com os pais. Ele corresponde, portanto, à própria definição de "reunião bimestral" dada pelas escolas. O eixo se mantém na figura de aluno, e não de filho, como no conteúdo comportamental.

2ª Reunião de pais P6

A professora deu prioridade ao trabalho pedagógico desenvolvido com os alunos, deixando avisos e outros temas mais gerais e burocráticos para o final. Demonstrou, com isso, uma evidente valorização daquele, que ocupou quase toda a reunião. Explicava as atividades por meio de exemplos dos próprios alunos e conduziu uma atividade semelhante com os pais (jogo da memória com nomes, por exemplo), de modo que estes puderam acompanhar na prática o que ela explicava.

2ª Reunião de pais P1

P1 deu bastante atenção ao relatório sobre os alunos que estava entregando aos pais: um tipo de avaliação de desempenho cobrindo diversas áreas trabalhadas, especialmente ligadas à alfabetização, contagem e cálculos. Explicou cada item para que os pais pudessem compreender o material dos filhos. Circulou pelas mesas e esclareceu dúvidas individualmente. Não explorou trocas coletivas.

MODOS DE GESTÃO QUANTO À DINÂMICA

Fragmentada (2/11)

No grupo de pais há pouca interação, que tende à fragmentação e ao esvaziamento durante a reunião. Professora tenta centralizar a atenção do grupo, mas não estabelece uma liderança e na atitude dos pais predomina a passividade e a desatenção. A relação com a professora parece frágil, chegando a ocorrer reações mais ostensivas diante dela (por exemplo, pais levantam enquanto professora estava falando e saem antes de a reunião terminar oficialmente). Essa dinâmica é a que se encontra mais distante de uma relação de cooperação, pois prevalecem o tédio e o desinteresse por parte de ambos os lados, professora e pais.

2ª Reunião de pais P5

Configurou-se uma reunião sem uma "cara" própria, quase não se falou dos alunos. P5 manteve-se mais atrelada a assuntos administrativos que pedagógicos; a reclamações e desabafos sobre relação desgastada com a subprefeitura, do que sobre o trabalho que a própria escola (e ela, professora) vinha desenvolvendo internamente com seus alunos. Pais entraram e saíram ao longo da reunião, alguns deles sem muito respeito pela professora ou pelo grupo de pais.

Centralizada (7/11)

A formação do grupo de pais assemelha-se a um agrupamento de pessoas com pouca interação interna, pois a ligação com o professor é quase exclusiva. O papel do professor é de líder do grupo, que possui o saber legítimo e valorizado. Os pais mantêm-se mais passivos e submissos; suas escassas participações buscam esclarecer informações e quase não há sugestões ou questionamentos. As relações mantêm-se verticais entre a professora e pais, estes assumindo um papel claramente secundário.

2ª Reunião de pais P1

Professora cumprimentou os pais, apresentou novamente a pesquisadora e começou pela atividade de leitura e discussão de trechos sobre educação de filhos. Retomou a reunião anterior, em que conversaram sobre educar, dar limites, e propôs aos pais que dissessem o que era ouvir para eles. Após muita insistência da professora, ocorreram seis falas, que ela foi traduzindo ao seu modo na lousa. Ela comentou e reforçou as falas. Essa parte durou quase quarenta minutos. Pais atentos à professora, mas inibidos para falar. Alguns se esforçavam, mas muitos pareciam não entender muito bem o conteúdo do que a professora lera nos textos iniciais, pois houve poucos exemplos práticos.

Coletiva (2/11)

Neste caso, os indivíduos formam um grupo orgânico, em torno de uma tarefa comum, interagindo entre si. O que fundamenta as relações entre todos os participantes são o intercâmbio e a implicação, formando um grupo articulado e dinâmico. A professora coordena (sem monopolizar) a reunião: valoriza o saber dos pais, não só no discurso, mas nas ações, demonstrando que necessita da participação deles e, inclusive, de colegas de equipe. Há horizontalidade entre pais e professora, com participação e reciprocidade mais efetivas, buscando a inclusão de todos. Isso se reflete, também, na movimentação dos corpos: os pais não permanecem sentados nas mesmas cadeiras, circulam com mais liberdade pela sala em diferentes momentos.

2ª Reunião de pais P6

O modo de P6 trabalhar os conteúdos pedagógicos levou em conta a vivência dos pais ao propor que jogassem como os filhos fazem em aula. Sem cair num mero ativismo, intercalou explicações sobre objetivos e significados dos jogos. Outra maneira com que estimulou maior atividade dos pais foram as alterações de posturas físicas durante a reunião: circular pela sala, ir até a lousa, sentar em pequenos grupos com outros pais, sentar individualmente, sair da sala para pegar material. Essa dinâmica mostrou-se eficaz em produzir e manter o envolvimento da maioria durante toda a reunião. [...] Pareceu preocupar-se em envolvê-los entre si e, junto com isso, inteirá-los de seu trabalho com as crianças. Ela os tratou como adultos, conhecendo muitos pelo nome (talvez todos) e não apenas como "mãe" ou "pai". Estabeleceu uma relação horizontal, sem perder as especificidades de cada um. Consultou-os sobre o seguimento da reunião e solicitou participação ativa de vários pais e do grupo como um todo. [...] Pais demonstraram respeito e não pareciam intimidados ou receosos de falar e serem eles mesmos. Na hora da oficina (com os jogos), riam muito, acusavam-se amistosamente, havia espírito de grupo, equipe. Pareciam divertir-se e aprender ao mesmo tempo.

DISCUSSÃO

Na análise dos diferentes modos de gestão de reuniões de pais por professores de educação infantil, observou-se, inicialmente, que tais espaços são formalmente associados à oportunidade de apresentação do trabalho pedagógico e de estreitamento de uma relação cooperativa com os pais, tanto pelos textos comentados, como pelo discurso das escolas pesquisadas. Os resultados evidenciaram que alguns modos de gestão caminharam nessa direção, enquanto outros valorizaram ângulos distintos da relação com as famílias.

Em relação ao conteúdo, o educacional é o que melhor corresponde aos objetivos apontados. Nele, o foco mantém-se na relação pedagógica com os alunos, de modo que os pais tenham conhecimento sobre como ela se desenvolve cotidianamente. O professor fala de sua prática, daquilo que define sua função naquele contexto específico, o educacional. Embora ele e os pais se complementem na tarefa educativa, posicionam-se a partir de pontos de vista diferentes (Perrenoud, 2000), os quais precisam ser mutuamente reconhecidos, respeitados e valorizados.

No modo de gestão de conteúdo comportamental o professor se distancia de sua competência docente e busca compartilhar a função educativa de pai/mãe dos seus alunos, o que "não é nem a especialidade nem a vocação docente" (Aquino, 2002). Fazer disso o centro de uma reunião de pais pode configurar ao menos dois problemas. Em primeiro lugar, torna-se uma armadilha para o próprio profissional. São conhecidas as queixas dos professores (especialmente desta faixa etária) quanto às múltiplas demandas que se colocam hoje em dia sobre seus ombros: agir como assistente social, psicólogo, médico, psicopedagogo, babá e tantas outras... Quando, numa reunião bimestral, a própria instituição escolhe aprofundar a discussão sobre temas relativos, por exemplo, à educação familiar, ela alimenta a sobrecarga de que se queixa o educador e favorece o enfraquecimento da função educacional da educação infantil, estabelecida como eixo da proposta curricular nacional para essa faixa etária (Brasil, 1998). Manifestar simpatia, solidariedade, compreensão pelos desafios e dificuldades que envolvem a educação familiar é, certamente, bem-vindo e favorece a proximidade com as famílias, desde que não se sobreponha ao contrato pedagógico que caracteriza a relação entre escolas (professores) e famílias.

Um segundo problema da ênfase em temas comportamentais é o desperdício de uma ocasião ímpar para informar os pais sobre as especificidades do universo escolar. Ainda mais se levarmos em conta que muitos desses pais não frequentaram a escola nessa idade, e que a escola, pública ou não, presta um serviço à comunidade e tem o dever de informá-la sobre ele. Nesse sentido, temas burocráticos e normativos não podem ser extraídos da relação entre famílias e escola, pois, numa perspectiva de educação para a cidadania (Brasil, 1998; Kramer, 1993), é fundamental que se cuide da dimensão política e institucional dessa relação: das normas e regras, do conhecimento e da participação no funcionamento da escola como um todo. O que se questiona é a ocupação de um espaço tão caro à divulgação do projeto pedagógico por essas outras questões, o que acontece no modo de gestão de conteúdo burocrático. Nele, a maior parte da reunião é gasta com assuntos ligados a programas sociais (como distribuição gratuita de material, uniforme, leite e transporte) e questões de funcionamento institucional (regras gerais e preparação de festas e passeios, por exemplo). Este artigo defende a criação de ocasiões específicas para o tratamento desses assuntos, e, se necessário, que ocupem espaços reduzidos e secundários nas reuniões de pais.

As diferenças encontradas nos modos de gestão relativos à forma levam a uma importante reflexão sobre a definição e o manejo da pauta. Uma pauta para a reunião de pais deve ser vista como muito mais do que elaborar uma lista de tarefas ou assuntos para tratar com os pais. Ponderar sobre a ordem dos assuntos, o tempo estimado para cada um, as atividades envolvidas e o modo de conduzi-las são questões essenciais. Dois modos de gestão analisados - forma desorganizada e forma rígida - indicam pouca atenção a esses elementos. No primeiro caso, o que ocorre é uma situação de justaposição e confusão das partes da pauta. Talvez por um preparo inadequado, ou pouco envolvimento do docente, essa situação é a mais perigosa, pois facilmente leva ao desinteresse (tanto dos pais como do próprio professor) e ao esvaziamento da reunião. No segundo caso, ao contrário, ocorre um apego excessivo à pauta, prejudicando tanto as manifestações dos pais, como a autonomia do professor. Em ambos os casos, atribui-se aos pais uma posição passiva de ouvintes e expectadores perante o representante da instituição escolar, o que não condiz com uma relação participativa, democrática e inclusiva (Brasil, 1998; Macedo, 2005). A organização e a coordenação das reuniões de pais cabem, certamente, à escola. O que se questiona, nesses modos de gestão, é que a pauta não interage com as relações de fato estabelecidas durante os encontros. Desconsidera-se, por exemplo, que o tipo de atividade pode reforçar as diferenças de posição social e cultural entre professores e pais, inibindo os últimos. Por exemplo, a leitura de textos para reflexão e debate (recurso utilizado em 9 das 11 reuniões) pode ser mais um empecilho do que um facilitador da participação, como alertam Pinto e Goldbach (1990, p.113): "falar para um grande público é hábito dos profissionais de escola, e não de um grupo leigo. É preciso certa desinibição, fluência verbal e uso de certas características discursivas".

No modo de gestão relativo à forma compartilhada, diferente dos modos anteriores, a professora assume uma posição mais livre e criativa perante a pauta previamente elaborada, incluindo-a no debate com os pais, que são consultados e podem opinar sobre a ordem dos temas previstos. Nesse caso, a pauta está a serviço da professora durante o encontro (e não o contrário, como no caso da forma rígida) e leva em conta quem são os pais, de modo que ambos compartilham seu andamento. Ela serve como referência flexível, aceitando mudanças na ordem ou em alguma atividade conforme cada situação em particular. Um exemplo são os diferentes agrupamentos de pais, a sua movimentação pela sala e a escolha de atividades mais práticas (como jogos) e menos vinculadas à escuta e debate de textos, o que remete ao terceiro aspecto analisado.

Em relação à dinâmica, o que está em jogo é a realização da reunião em si mesma, especialmente mediante o tipo de relação que se estabelece entre todos. Portanto, ela está intimamente ligada aos dois aspectos já comentados (a escolha dos temas, a ordem e as atividades propostas). O modo de gestão de dinâmica coletiva é aquele em que se expressa uma participação efetiva dos pais por atividades interativas e lúdicas, ilustrativas de tarefas realizadas com e pelos alunos. Além do envolvimento dos pais elas favorecem a compreensão dos conteúdos trabalhados em sala de aula e uma aproximação em relação à professora. Estimula-se o entrosamento entre os próprios pais e com outros colaboradores educacionais, como a professora substituta, incluída na reunião. A reunião é entendida como resultante não apenas da condução da professora, mas também do envolvimento dos pais como grupo, dos alunos e outros profissionais da instituição: como um processo construído coletivamente.

Os dois outros modos de gestão quanto à dinâmica expressam situações que não contribuem para o envolvimento, a participação e a interação dos pais. Num deles (dinâmica fragmentada), não ocorre a formação de um grupo: as pessoas (inclusive o docente) parecem reunidas apenas para cumprir uma obrigação pela presença física, não interagindo entre si. No outro (dinâmica centralizada), acentua-se um modelo de escola tradicional, em que a intensa atividade do professor (que, inclusive, pode sentir-se sobrecarregado) contrasta com a passividade das famílias (e dos alunos). A atenção e a interação dos pais se concentram na figura do docente, que controla os assuntos, as manifestações e o andamento da reunião. Como no aspecto da forma, não se trata de negar o papel de liderança do professor, mas de chamar a atenção para modos de gestão em que o desinteresse ou o controle excessivo prejudicam a construção de uma relação recíproca, isto é, de parceria entre escola e famílias.

Concluindo, constatou-se que em cada uma das três dimensões dos modos de gestão analisados é possível identificar claramente indicadores que favorecem maior participação dos familiares nas reuniões e um exercício da função docente com mais liberdade e autonomia. Eles corresponderam aos modos de gestão de conteúdo educacional, forma compartilhada e dinâmica coletiva. Presentes em menor número diante de outros modos analisados, torna-se essencial trabalhar em favor da socialização, da valorização e da multiplicação destas (e de outras possíveis) experiências bem-sucedidas. Para isso, é fundamental que sejam feitos registros das reuniões e que se garantam espaços permanentes - dentro dos horários de planejamento regular - para discussão e análise dos diferentes modos de gestão dos professores. Especialmente porque, como discutiu Garcia (2005), é preocupante a falta de abordagem do tema da relação entre escolas e famílias (e, mais ainda, das reuniões de pais), tanto no projeto pedagógico das escolas, como durante a formação do professor. Apegar-se às justificativas de que a pressa dos pais seria um fator determinante para definir o tipo de reunião impede a percepção dos vários elementos aqui estudados, paralisando a reflexão. Deixando-as de lado, será possível analisar mais a fundo a responsabilidade de cada escola e de cada professor - o real gestor dessas reuniões -, restaurando a ambos o poder que efetivamente possuem de torná-las um espaço mais construtivo e mutuamente enriquecedor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posicionar o estudo das reuniões de pais como uma questão de gestão do professor, sem esquecer o respaldo imprescindível da instituição, significa reconhecê-las como um desafio constante de coordenação dos eixos analisados: conteúdo, forma e dinâmica. No primeiro caso, determinar seu conteúdo implica integrá-las ao projeto pedagógico, por meio da discussão dos temas que devem tratar e de sua relação com o cotidiano da sala de aula e da vida escolar. Em segundo lugar, refletir sobre sua forma significa aproximá-las do âmbito da didática, definindo recursos e estratégias para a abordagem dos temas. O terceiro eixo, finalmente, enfatiza sua inserção em uma dimensão relacional, viva, de abertura ao desconhecido, que se transforma e só se realiza no momento do encontro com o outro.

O artigo apresentou elementos constitutivos de diferentes modos de gestão das reuniões, possibilitando a conclusão de que tais variações não são inócuas, podendo favorecer ou impedir a consolidação de uma relação cooperativa entre escolas e famílias. Aqui, como em qualquer outro processo construtivo, distinguir o que se deve conservar e o que carece ser modificado é fundamental. Neste sentido, destacaram-se os indicadores que favorecem essa qualidade de relação. Mediante a análise dos modos de gestão apresentados, buscou-se, acima de tudo, valorizar e contribuir com a prática diária dos professores: os maiores empenhados na desafiadora tarefa de construir e consolidar os laços de uma efetiva parceria entre as escolas e as famílias. Foi com este intuito que este artigo discutiu as reuniões de pais: como espaços potencialmente transformadores do que tem sido e do que pode vir a ser a relação entre as duas instituições.

Recebido em: OUTUBRO 2009

Aprovado para publicação em: FEVEREIRO 2011

Este artigo constitui parte de pesquisa de mestrado (Garcia, 2005), com bolsa da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes -, sob a orientação de Lino de Macedo.

  • ALTHON, B. G.; ESSLE, C. H.; STROBER, I. S. Reunião de pais: sofrimento ou prazer? São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
  • AQUINO, J. G. Diálogos com educadores: o cotidiano escolar interrogado. São Paulo: Moderna, 2002.
  • BRASIL Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília, 1998.
  • CARVALHO, M. C. B. (Org.) A Família contemporânea em debate. São Paulo: Educ, 1995.
  • COLLARES, C. A. L. O Cotidiano escolar patologizado: espaços de preconceitos e práticas cristalizadas. 1994. Tese (Livre-Docência) - Faculdade de Educação da Unicamp, Campinas.
  • FRAIMAN, L. P. A Importância da participação dos pais na educação escolar. 1998. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • FRELLER, C. C. Histórias de indisciplina escolar e a atuação do psicólogo. 2000. Tese (Doutorado) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • GALLUZZI, C. P. Propostas para reuniões de pais. São Paulo: Edicon, 2004.
  • GARCIA, H. H. G. O. Família e escola na educação infantil: um estudo sobre reuniões de pais. 2005. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • GARCÍA, R. O Conhecimento em construção: das formulações de Jean Piaget à teoria de sistemas complexos. Porto Alegre: Artmed, 2002.
  • GEIS, R. M. Criar ou educar crianças: estudo das representações de mães e educadoras sobre o papel da creche. 1994. Tese (Doutorado) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • GOMES, J. V. Relações família e escola: continuidade e descontinuidade no processo educativo. Revista Ideias, São Paulo, n. 16. p. 1995.
  • HADDAD, L. A Creche em busca de sua identidade: perspectivas e conflitos na construção de um projeto educativo. 1989. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • ______. Substituir ou compartilhar? O papel das instituições de educação infantil no contexto da sociedade contemporânea. In: MACHADO, M. L. de A. (Org.). Encontros e desencontros em educação infantil. São Paulo, Cortez, 2002. p. 91-86
  • KRAMER, S. (Org.). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1993.
  • MACEDO, L. Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos? Porto Alegre: Artmed, 2005.
  • MARANHÃO, D. G.; SARTI, C. A. Creche e família: uma parceria necessária. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 38, n.133, p. 171-194, jan./abr. 2008.
  • MEIRIEU, P. O Cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o compreender. Porto Alegre: Artmed, 2005.
  • MONÇÃO, M. A. G. Subalternidade ou parceria? Um estudo das representações sociais sobre a participação das famílias nas creches. 1999. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
  • OLIVEIRA, L. C. F. A Escola e a família sob o olhar de seus agentes: um estudo das representações de pais e professores em uma escola cooperativa. 2000. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • OLIVEIRA, Z. R. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
  • PEREZ, M. C. A. Família e escola na educação da criança: análise das representações presentes em relatos de alunos, pais e professores de uma escola pública de ensino fundamental. 2000. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, Ribeirão Preto.
  • PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
  • PIAGET, J. A Equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
  • PINTO, A. N. L.; GOLDBACH, A. Escola: família: iniciando um diálogo. In: AMORIM, M. Psicologia escolar: artigos e estudos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1990.
  • POLONIA, A. C.; DESSEN, M. A. Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola. Psicologia Escolar e Educacional. v.9, n.2, p. 203-213, 2005.
  • RIBEIRO, M. N. Análise das relações entre família e escola na cidade de Porto Velho-RO. 2000. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • ROSSETTI-FERREIRA, M. C. (Org.). Os Fazeres da educação infantil. São Paulo: Cortez, 1998.
  • SZYMANSKY, H. Encontros e desencontros na relação família-escola. In: TOZZI, D.A.; ONESTI, L.F. (Coord.). Os Desafios enfrentados no cotidiano escolar. São Paulo, FDE, 1997. p. 213-225. (Série Ideias, 28)
  • YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
  • 1
    Nas particulares, a ocorrência desse tipo de reunião também é grande, embora haja aquelas que promovem apenas encontros individuais com as famílias.
  • 2
    Nas duas escolas, todos os docentes eram mulheres.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      Out 2009
    • Aceito
      Fev 2011
    Fundação Carlos Chagas Av. Prof. Francisco Morato, 1565, 05513-900 São Paulo SP Brasil, Tel.: +55 11 3723-3000 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: cadpesq@fcc.org.br