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Educação Comparada: Rotas de Além-Mar

RESENHAS

Educação Comparada: Rotas de Além-Mar

Ecleide Cunico Furlanetto I

IDoutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com pós-doutorado pela Universidade de Barcelona. Coordenadora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo e membro do comitê científico da Editora Paulus ecleide@terra.com.br

DONALDO BELLO DE SOUZA, SILVIA ALICIA MARTÍNEZ (ORG.) XAMÃ, SÃO PAULO, 2010, 513 p.

Por ocasião de seu estágio pós-doutoral na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, os professores Donaldo Bello de Souza, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Silvia Alicia Martínez, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, percebendo a importância que os estudos de Educação Comparada vêm ganhando na pesquisa educacional, julgaram oportuno organizar um livro que discutisse aspectos teórico-metodológicos e apresentasse pesquisas nessa perspectiva, abrangendo o Brasil e Portugal. Assim, chega em boa hora esta obra no contexto educacional brasileiro. Como diz o professor João Barroso da Universidade de Lisboa, no seu prefácio:

Nunca, como hoje, utilizou-se tanto a comparação em educação, em diferentes contextos e com diferentes propósitos, e nunca, como hoje, a educação comparada, enquanto disciplina e campo de estudo, interrogou-se tanto sobre sua identidade e seu futuro.

O livro está organizado em quatro partes, que possibilitam ao leitor transitar por rotas construídas pelos 27 autores que dele participam. Os cinco textos que compõem a primeira parte - Educação comparada: possibilidades e limites - traçam um panorama da Educação Comparada, fornecem referências teóricas e metodológicas para se compreender a forma pela qual esse campo vem se delineando e introduzem o leitor na temática estudada, fornecendo recursos para a leitura dos textos que integram as outras partes. Antônio Nóvoa agrega valor à obra, ao mapear o campo da Educação Comparada e analisar suas possíveis configurações. Entre outras considerações, salienta a importância de uma reconfiguração do campo para que se leve em conta novos problemas, modelos e abordagens. Jurgen Schriewer problematiza o desenvolvimento de uma metodologia comparativa e a complexidade que envolve esse processo. Ana Isabel Madeira busca situar a Educação Comparada no cenário das Ciências da Educação e discute as tensões entre concepções divergentes de abordar a comparação. Antonio Gomes Ferreira procura explorar o sentido da Educação Comparada e discorre sobre sua evolução, marcada pela pluralidade e pela multiplicidade, afastando-se das semelhanças e diferenças. Finalizando essa parte, Donaldo Bello de Souza e Silvia Alicia Martínez realizam um estado do conhecimento a respeito da Educação Comparada Brasil-Portugal, trazendo contribuição importante sobre o campo.

A segunda parte - História da Educação em perspectiva comparada Brasil-Portugal - reúne pesquisas desenvolvidas no campo da História da Educação. Ana Lúcia Cunha Fernandes analisa a gênese e a produção de um discurso especializado sobre educação, veiculado por revistas pedagógicas portuguesas e brasileiras no último cartel do século XIX e nos anos 20 e 30 do século XX. A análise evidencia que o conhecimento pedagógico, na maioria das vezes afirmado como inovador e libertador, possui, na realidade, um caráter homogeneizador e autoritário, que não pretende regular somente as práticas educativas, mas também as práticas sociais. Silvia Alicia Martínez tem como ponto de partida a análise de manuais pedagógicos e sua contribuição para se compreender os discursos da área em diferentes épocas. A autora analisa um manual elaborado em Portugal e editado pela última vez em 1890, o qual é indicado como material de estudo na Escola Normal Campos, na antiga província do Rio de Janeiro. Maria Celi Chaves Vasconcelos se debruça sobre a educação doméstica, prática das elites portuguesas e brasileiras do século XIX, e recupera suas diferentes formas e funções, as quais permitiram que essa modalidade de educação se mantivesse durante todo o século XIX, convivendo com colégios particulares e com a escola pública emergente. Vivian Batista da Silva contribui com a análise de manuais pedagógicos brasileiros e portugueses escritos para as alunas das escolas normais, apontando para o modo pelo qual diferentes práticas discursivas se relacionaram, delineando maneiras de pensar e de agir. Glaúcia Maria Costa Trinchão recupera a trajetória e identifica as raízes históricas da inserção da disciplina Desenho na escolas imperiais luso-brasileiras a partir da institucionalização do ensino-público no século XIX. Vera Lúcia Gaspar escreve um texto de título instigante, "Estar aqui, estar lá", no qual explora os sentidos da profissão docente no Brasil e em Portugal.

Nos textos que compõem a terceira parte - Educação superior de jovens e adultos, inclusiva e formação de professores em perspectiva comparada Brasil-Portugal - o estudo de Ana Maria Gonçalves de Souza discute, sob a perspectiva comparada, programas de financiamento do ensino superior, e afirma que, tanto no Brasil como em Portugal, eles vem assumindo importância política, financeira e social. Se a concessão de bolsas nos dois países atende, por um lado, uma parte da sociedade preocupada mais com a certificação do que com a qualidade, por outro, compactua com grupos empresariais que visam aumentar seus lucros. A autora lança a questão: até que ponto o financiamento do ensino superior luso-brasileiro atende às necessidades sociais ou está a serviço da lógica capitalista? Rui Canário e Sonia Maria Rummert discutem as políticas voltadas para a Educação de jovens e adultos trabalhadores no Brasil e em Portugal. A análise de programas como Novas oportunidades, em Portugal, e Projovem e Proeja, no Brasil, permite afirmar que esse tipo de programa não possibilita que a classe trabalhadora altere sua condição social. A educação se transforma no grande fetiche da atualidade e passa a ser oferecida como solução para questões como o desemprego ou a precarização do trabalho, que necessitam de outra ordem de enfretamento. Fabiany de Cássia Tavares Silva aborda a criação e o funcionamento de salas de recursos no Brasil e de apoio em Portugal. Analisa a evolução histórica desses serviços procurando compreender de que maneira a oferta desses recursos para a Educação Especial pode contribuir para enfrentar os desafios da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas comuns. Maria Luísa Furlan Costa retoma aspectos históricos e legais do processo de criação e consolidação da Universidade Aberta de Portugal e do Sistema Universidade Aberta do Brasil e conclui que a modalidade de ensino a distância, em que pese a necessidade de uma avaliação contínua, tem contribuído para a democratização do ensino superior nos dois países, especificamente no que se refere à capacitação de professores. Finaliza essa parte o texto de Olinda Evangelista. Apoiando-se na análise de anais das reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - Anped -, no Brasil, e de atas da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação - SPCE - em Portugal, discute a noção de profissionalização e as implicações políticas de suas diferentes abordagens. Segundo a autora, grande parte dos trabalhos que abordam a profissionalização apresenta um professor obsoleto e oculta as condições objetivas que constituem esse professor.

A quarta parte - Gestão e avaliação da educação em perspectiva comparada Brasil-Portugal - engloba quatro pesquisas. Candido Alberto Gomes e Marta Luz Sisson de Castro discutem a descentralização da educação. Para isso, analisam o caso do Brasil e de Portugal. Angela Maria Martins tece considerações sobre a gestão e autonomia escolar nos dois países, com base na análise do conjunto normativo da literatura que explora o tema e em entrevistas realizadas com gestores. Observa, entre outras questões, que a agenda política implementada em ambos os países a partir dos meados dos anos 1980 é pauta no discurso da modernização e da autonomia escolar, mas não provoca rupturas importantes na cultura político-administrativa tradicional, acabando por gerar tensões entre as redes escolares e os órgãos centrais. Flávia Obino Corrêa Werle e Daianny Madalena Costa direcionam sua reflexão para as políticas participativas em escolas públicas de educação básica brasileiras e portuguesas. Analisam a Assembléia de Escola nas escolas públicas portuguesas e os Conselhos Escolares na educação básica de alguns estados brasileiros. O estudo aponta para semelhanças entre as duas modalidades de participação, ambas comprometidas com uma tendência de autonomia das instituições escolares, presente nos dois países. Alícia Bonamino e Fátima Alves realizam um estudo comparativo cujo objetivo é identificar características escolares promotoras de eficácia escolar no Brasil e em Portugal com base no desempenho de leitura dos estudantes.

Por fim, é importante destacar a ousadia e a competência dos organizadores que, ao agregar pesquisadores que percorreram rotas de além-mar realizando doutorados e estágios pós-doutorais em Portugal, garantiram organicidade e fluidez à obra. Cada texto individualmente e o livro como um todo acrescentam elementos importantes ao campo da Educação Comparada, o livro constitui referência para pesquisadores que pretendem se atualizar sobre o enfoque comparado e contribuir para o adensamento da discussão a respeito da Educação Comparada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2011
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