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Sociabilidade juvenil, cor, gênero e sexualidade no baile charme carioca

Resumos

O artigo analisa as dinâmicas interacionais de jovens frequentadores de bailes Charme no Rio de Janeiro, um ambiente de lazer noturno caracterizado pela valorização da estética negra. O objetivo foi compreender os diversos significados relativos à cor e ao gênero nas interações afetivo-sexuais de homens e mulheres, tendo por base a observação etnográfica dos bailes e entrevistas com jovens de cores diversificadas. Os achados indicam que no baile Charme prevalece um estilo de masculinidade viril, que contrasta com outros estilos comuns a espaços de lazer e sociabilidade juvenil, no Rio de Janeiro.

gênero; relações raciais; sexualidade


The article analyzes the dynamics of social interaction among young people who attend the Charm´s balls in Rio de Janeiro, an night leisure environment characterized by the positive view of the black aesthetic. Based on ethnographic observation and on interviews with youth of diverse colors, we aim to understand the means of color and gender in the sexual and affective interactions of men and women. The findings indicate that prevails in the Charm´s balls an style of virile masculinity, which contrasts with other styles indentified in leisure spaces of youth sociability in Rio de Janeiro.

genders relationship; racial relationship; sexuality


OUTROS TEMAS

Sociabilidade juvenil, cor, gênero e sexualidade no baile charme carioca

Fátima CecchettoI; Simone MonteiroII; Eliane VargasIII

IPesquisadora do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. face@ioc.fiocruz.br

IIPesquisadora do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. msimone@ioc.fiocruz.br

IIIPesquisadora do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. epvargas@ioc.fiocruz.br

RESUMO

O artigo analisa as dinâmicas interacionais de jovens frequentadores de bailes Charme no Rio de Janeiro, um ambiente de lazer noturno caracterizado pela valorização da estética negra. O objetivo foi compreender os diversos significados relativos à cor e ao gênero nas interações afetivo-sexuais de homens e mulheres, tendo por base a observação etnográfica dos bailes e entrevistas com jovens de cores diversificadas. Os achados indicam que no baile Charme prevalece um estilo de masculinidade viril, que contrasta com outros estilos comuns a espaços de lazer e sociabilidade juvenil, no Rio de Janeiro.

Palavras-chave: gênero; relações raciais; sexualidade

Estudos que focalizam as dinâmicas da sociabilidade e as culturas juvenis em contextos metropolitanos têm refletido sobre a importância da cor/raça nas interações sociais. Os dados demonstram que os espaços impessoais da rua, os estabelecimentos comerciais e os contatos com a polícia são áreas em que o preconceito e a discriminação racial mais se evidenciam, atingindo principalmente os jovens pretos, pardos e negros1 1 Diante da diversidade das categorias usadas na classificação da cor/raça, neste artigo os termos serão apresentados em itálico, ora referentes às obras citadas, ora às autoclassificações dos depoentes. , inclusive de forma violenta (ver ZALUAR, 1994; RAMOS, MUSUMECI, 2005; CECCHETTO, MONTEIRO, 2006). Esses achados, em geral, indicam a persistência da discriminação racial nas relações sociais brasileiras e apontam para as especificidades do racismo na realidade nacional2 2 As relações entre classe social, cor e mobilidade social têm sido discutidas a partir de análises sociológicas sobre indicadores de escolaridade e profissionalização da população brasileira, conforme indicam as reflexões de Ribeiro (2009). . De modo contrastivo, em alguns espaços no domínio do lazer, verifica-se a crescente valorização da estética negra e o consumo de estilos conectados à cultura musical norte-americana (ver SANSONE, 1993; GIACOMINI, 2006), que representam uma alternativa de sociabilidade pacífica, em particular, para os jovens das camadas populares de centros urbanos.

Visando a aprofundar essa discussão, este artigo3 3 O trabalho integra um projeto mais amplo, denominado Relations among "race", sexuality and gender in different local and national contexts, elaborado originalmente por Laura Moutinho, Omar Ribeiro Thomaz, Cathy Cohen, Simone Monteiro, Rafael Diaz e Elaine Salo. A pesquisa foi realizada em nove centros de pesquisa: USP (São Paulo), CLAM/IMS/UERJ (Rio de Janeiro), CEBRAP (São Paulo), IOC/FIOCRUZ (Rio de Janeiro), SFSU/CRGS (San Francisco), Center for the Study of Race, Politics and Culture (Chicago), AGI/UCT (Cape Town), WITS e OUT (Johannesburgo). O grupo de pesquisadores compreende Laura Moutinho (Coordenação geral), Simone Monteiro (coordenação Rio de Janeiro), Júlio Simões (coordenação São Paulo), Elaine Salo (coordenação Cidade do Cabo), Brigitte Bagnol (coordenação Johannesburgo), Cathy Cohen (coordenação Chicago) e Jessica Fields (coordenação São Francisco). A pesquisa é financiada pela Fundação Ford e conta com o apoio do CNPq. aborda as formas da sociabilidade entre frequentadores de bailes Charme do Rio de Janeiro, um tipo de lazer noturno, socialmente percebido como um espaço cultural de positivação da estética negra, que permite um reconhecimento social. Partimos do pressuposto de que há uma relação entre as dinâmicas de uso e apropriação desses espaços e os significados simbólicos e afetivos das interações de seus frequentadores. Nesse sentido, este trabalho objetiva analisar os sinais distintivos da cor e do gênero nas interações afetivo-sexuais de jovens presentes em bailes Charme cariocas. A reflexão proposta lança mão da observação etnográfica de dois espaços onde acontecem os bailes e de entrevistas em profundidade, complementadas por um questionário sem valor estatístico. O trabalho de campo foi desenvolvido ao longo do ano de 2006 e a análise dos dados resulta das informações advindas desses diferentes tipos de abordagens, tendo por base um enfoque sócio-antropológico.

A análise das interações nos bailes Charme apoia-se, dentre outros, no conceito de sociabilidade definido por George Simmel (2006), que corresponde a formas lúdicas e autônomas de interação que "ganham vida própria" e tornam-se livres de laços com os conteúdos da realidade concreta. A noção de circuito (MAGNANI, 2005) igualmente orienta a discussão sobre a concepção de sociabilidade ao enfatizar as conexões entre o indivíduo e os espaços físicos, sem se restringir a ele, incluindo os sentidos construídos coletivamente no processo de interação. Essa perspectiva analítica foi considerada uma vez que, no circuito em foco, os significados relativos à cor constituem uma das dimensões explicativas da sociabilidade ainda pouco explorada nos estudos clássicos sobre juventude. Nessa direção, acreditamos poder avançar na reflexão sobre a relação entre cor e gênero a partir da análise nesse circuito de sociabilidade e lazer na cidade do Rio de Janeiro.

O artigo está organizado em três eixos. O primeiro tece considerações metodológicas sobre a pesquisa, seguida de uma descrição do perfil socioeconômico do universo estudado. O segundo eixo analisa a constituição do estilo charmeiro a partir das percepções dos/das frequentadores. O terceiro discute a articulação entre cor e gênero nas interações afetivo-sexuais do grupo pesquisado.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE A PESQUISA

A região selecionada para a pesquisa foi Madureira, bairro do subúrbio carioca4 4 A denominação subúrbio é utilizada tanto como marcador da posição socioeconômica, como estilo de vida. O ethos suburbano corresponderia a uma valorização do contato face a face, das redes de vizinhança, do parentesco consanguíneo e afetivo e da celebração da proximidade (Heilborn, 1984). onde a música tem um papel central como entretenimento e expressão cultural. Nessa direção destaca-se o samba, pela importância histórica das várias Escolas de Samba ali existentes, o jongo (uma manifestação popular que une música, dança e religião) e os bailes que tocam os ritmos funk e charme. O acesso facilitado por linhas férreas e o abundante transporte alternativo atrai moradores de municípios periféricos e de diferentes regiões do estado, sobretudo pelo comércio de Madureira5 5 Sob o prisma dos indicadores de Desenvolvimento Social (IDS), Madureira apresenta um índice considerado baixo. O IDS utiliza a menor unidade geográfica, possibilitando a identificação e a comparação das diferenças intra-urbanas em termos de indicadores de renda, saneamento básico, escolaridade e qualidade habitacional. Os índices extremos - 0,854 e 0,277 (0 = menor valor; 1 = maior valor) - pertencem respectivamente aos bairros da Lagoa e do Grumari. A Zona Sul, incluindo a área da Barra da Tijuca, têm os melhores resultados de IDS da cidade: superiores a 0,640. A Região administrativa de Madureira ocupa o 17º lugar, com o índice de 0,579 (Instituto Pereira Passos, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2008). . Outra característica da região é a intensa utilização de locais como praças, ruas e calçadas como áreas de lazer noturno, fator decisivo para jovens de baixo poder aquisitivo que buscam divertimento barato em espaços públicos urbanos, já que as restrições financeiras limitam o acesso a certos estabelecimentos ou casas noturnas das regiões mais abastadas da cidade.

Na primeira etapa da pesquisa, foram realizadas observações etnográficas em dois locais em Madureira onde eram realizados os bailes do "Viaduto" e o da "Portelinha". O primeiro acontecia em um vão embaixo de um elevado, utilizado nos finais de semana como pista de dança. Ali eram colocadas imensas caixas de som, equipamentos eletrônicos variados e barraquinhas de bebida e comida, para atender mais de três mil pessoas a um custo de cinco reais a entrada. O espaço abrigava um público mais diversificado, em se tratando de idade e cor, englobando pessoas de várias partes da cidade.

O baile da "Portelinha" funcionava de modo mais precário, com uma pequena mesa de som instalada na calçada de uma lanchonete. Nesse espaço, que comportava cerca de 200 pessoas, a calçada de uma das estradas mais movimentadas do bairro era usada como pista de dança. O público desse baile pode ser definido como mais homogêneo que o do Viaduto em termos de idade e de estilo.

Na segunda etapa do estudo, foram selecionados 18 jovens, de ambos os sexos entre 18 e 26 anos, de cores diversificadas, para a realização de seis entrevistas em profundidade e aplicação de doze questionários, que exploraram o percurso biográfico dos indivíduos, focalizando dados sociodemográficos, trajetórias familiar, escolar e profissional, dinâmicas da sociabilidade, experiências sexuais e afetivas, vivências de discriminação social. O grupo foi selecionado a partir da rede de contatos estabelecida durante o trabalho de campo etnográfico. Neste artigo, abordaremos os dados referentes à cor, ao gênero, às dinâmicas da sociabilidade e às interações afetivo-sexuais nos bailes, sendo os nomes apresentados fictícios.

O grupo de participantes do estudo, em sua maioria, era formado por moradores da Zona Norte da cidade e da Baixada Fluminense que residiam com a família de origem, declarando possuir renda mensal entre 1 a 4 salários mínimos. Em termos do grau de escolaridade, predominou a conclusão do ensino médio, patamar mencionado como superior ao de seus pais. No universo pesquisado, verificou-se que os jovens que tinham cursado ou estavam cursando o ensino superior, na maioria em estabelecimentos particulares - apenas um em universidade pública e cotista -, conciliavam seus estudos com trabalho, em geral nos ramos administrativos e/ou operacionais (vendedores de loja, auxiliares administrativos, gerente de estabelecimentos comerciais etc.). Se, por um lado, o aumento da escolarização dos indivíduos sugere que a ampliação do acesso à educação pública no país tem favorecido as novas gerações, por outro, não pode ser visto como elemento que garante uma formação de qualidade, item fundamental para uma boa colocação no mercado de trabalho em termos de status ocupacional e rendimentos substanciais (VALLE SILVA, 2003; SPOSITO, 2005).

Em termos da orientação sexual, os participantes da pesquisa relataram experiências sexuais com pessoas do sexo oposto e se autodefiniram como heterossexuais. No que se refere à auto-classificação da cor/raça, a pesquisa registrou o uso das categorias preto/negro, pardo/parda, branco/branca, assim como expressões: escurinho, negão, branquinho, clarinho, "branca por fora, preta por dentro", índio, mulato, marrom, morena-clara e moreno, indicando o uso do gradiente de cores e a não adoção de um sistema fixo ou bipolar (branco versus negro) de classificação da cor pela população (MAGGIE, 1996).

A equipe de campo foi constituída por uma pesquisadora senior e estudantes de ciências sociais. As marcas do gênero feminino e a heterogeneidade da equipe em termos de cor produziram diferenças nas reações e respostas durante as interações no campo. As marcas de gênero, por exemplo, facilitaram o contato entre as pesquisadoras e os interlocutores de ambos os sexos, cercando o trabalho de campo de um clima mais informal. Em alguns casos, porém, ficava patente a atmosfera próxima à paquera que a interação ia assumindo quando os depoentes eram os homens. Tal aspecto contou como dado de pesquisa, na medida em que a observação participante, na maioria das vezes, se iniciava dessa forma. Cabe notar que quando duas das pesquisadoras se definiram como mestiças naquele espaço, algumas mulheres se surpreenderam. Isso ocorreu, particularmente, entre as pardas/mestiças, que inclusive posicionaram-se contra a perspectiva positivada de mestiçagem, lançando mão de uma classificação racial mais polarizada. A frase ouvida era: "a cor parda não existe, somos negras mesmo". Esse episódio ilustra um aspecto observado durante a etnografia relacionado ao prestígio que a mulher preta/negra adquire no contexto pesquisado.

A dimensão contextual da classificação de cor pode ser também observada nas conversas com os frequentadores sobre a cor de seus parceiros/as e demais partícipes, ocasião em que eram empregados os termos preto/preta. Apesar de ser considerado um termo ofensivo no convívio cotidiano, como já foi descrito em vários estudos raciais brasileiros (HASENBALG, 1979; FAZZI, 2006), no espaço em questão, esse uso era feito entre os habitués de modo elogioso e positivado6 6 A variabilidade da classificação de cor foi notada em um outro circuito de sociabilidade na mesma região frequentado tipicamente por jovens auto-definidos como homossexuais, onde as categorias preto/negro eram repudiadas por eles. . As variações dos usos e apropriações das categorias de cor/raça segunda os contextos situacionais apontam para a relevância de se explicitar, na metodologia do estudo, de que modo tais classificações são colhidas e interpretadas.

O BAILE CHARME: RITMO, ESTILO E SOCIABILIDADE PACÍFICA

Desde os anos de 1980, o circuito de Bailes Charme na Zona Norte do Rio de Janeiro reúne, em quadras de escola de samba, ruas e embaixo de viadutos, um grande número de pessoas em torno de um tipo de música norte-americana, que alguns definem como black music7 7 Existem controvérsias a respeito da black music como estilo musical. Como notou Baldelli (2000), em estudo que faz sobre as festas hip hop no Rio de Janeiro, não existiria uma forma de classificar um tipo de música por etnia, embora o termo seja válido como termo êmico. . A invenção do Charme como gênero musical é atribuída a um discotecário que reservava os últimos minutos dos bailes para o público dançar num ritmo mais lento e compassado, produzindo a atmosfera propícia para o encontro entre os casais nos clubes da cidade.

Em termos estéticos e musicais, o baile Charme aproxima-se do baile Soul8 8 O soul é o resultado de um longo processo na história musical norte-americana que se inicia nas décadas de 1930 e 1940, quando ocorreu uma onda migratória da população negra do sul para os grandes centros urbanos do norte. A música rural, o blues cantado nos campos de trabalho, foi trazida para as cidades, "eletrificando-se" e dando origem ao rhythm and blues. A fusão do rhythm and blues com a música negra protestante, o gospel, deu origem ao soul, o ritmo mais bem-sucedido dessas "misturas", difundindo-se mundialmente, como trilha sonora da luta pelos direitos civis americanos. Após passar por um processo de comercialização, a soul music deixou de expressar propriamente ideais revolucionários (ver Vianna, 1988). , tido como um movimento que transformou valores e comportamentos de uma geração de jovens negros cariocas (MONTEIRO, 1991). Nos anos de 1970, o Soul apresentava-se para os jovens como um projeto político e cultural de afirmação da negritude. Naquele momento, havia o anseio de incorporar o lema black is beautiful, lançado pelo movimento negro norte-americano, produzindo um registro contra-hegemônico sobre a cor negra (GIACOMINI, 2006). Nas paredes dos clubes cariocas onde aconteciam os bailes, eram projetadas frases e fotos dos próprios participantes, de atores e líderes políticos negros nacionais e internacionais, vistos como ícones em termos de um novo modelo de posicionamento racial a ser seguido pelos jovens. O ápice dos bailes Soul eram as "noites Shaft"9 9 Shaft era um personagem televisivo que encarnava um policial negro, considerado uma espécie de herói viril (Giacomini, 2006). , onde os participantes eram convidados a sentir e celebrar a magia proporcionada pela coesão entre pares.

O estilo dos Charmeiros, contudo, não corresponde exatamente à exaltação de alguns símbolos diacríticos que em outros momentos caracterizavam a essência do visual Soul, cuja indumentária (calças e camisas justas e sapato social) e penteado dos homens (fios ouriçados designado como black power) procuravam estabelecer uma conexão com os negros estadunidenses. Esse formato do Soul compunha uma apresentação de si típica das vanguardas militantes do movimento negro da época que exaltava um sentimento de pertencimento a uma comunidade negra mais ampla. Artistas como Steve Wonder, Barry White, Ray Charles, James Brown, traduziam o sentimento de uma alma negra (ver GIACOMINI, 2006, p. 203).

Os bailes atuais do Charme apresentam, portanto, uma dinâmica, em alguns aspectos, diferente dos padrões que caracterizavam o Soul. Os homens seguem uma moda mais esportiva, incluindo o look "cabeça raspada" e os trajes femininos de agora estão longe de serem formais, com roupas justas e pernas à mostra. Os cabelos apresentam tipos variados incluindo tanto o tipo liso resultante de tratamentos químicos, quanto os sofisticados penteados afro. Pode ser dito que há uma positivação da estética negra ou da negritude no Charme, embora a maior parte dos frequentadores desvincule o lazer do componente político da militância, presente no caso do movimento Soul.

Mais recentemente, a subcultura jovem hip hop, cujas composições exploram a vertente da crítica social, se faz presente no circuito Charme. As canções dos rappers cariocas MV Bill, Marcelo D2 e do grupo paulista Racionais M.C. são vistas como os ícones na cena hip hop contemporânea. A chegada do hip hop veio dar um novo impulso à dinâmica interacional dos bailes, introduzindo um ritmo mais rápido e coreografias individualizadas. Como foi visto na etnografia, o hip hop abrange um público cada vez mais jovem, vindo de várias partes da cidade, inclusive brancos, que são acolhidos no local, ainda que seja uma categoria diminuta naquele território.

O compartilhamento e a mistura desses ritmos e estilos foram notados no caso do baile do Viaduto, enquanto na Portelinha as músicas melodiosas e as coreografias coletivas ainda são hegemônicas, compondo aquilo que alguns gostam de chamar de o "verdadeiro" Charme (OLIVEIRA, 2007). Acrescenta-se que a visão da autenticidade no Charme também se vincula à presença de charmeiros da antiga, que, em geral, se fazem notar nesses bailes considerados tradicionais. Nessas ocasiões forma-se uma roda, onde os dançarinos se colocam no centro e são estimulados pelo público a executar os rodopios e piruetas emblemáticas da coreografia Soul/Charme. A performance de veteranos dos bailes empresta ao Charme a capacidade de reforçar laços de parentesco, simbolizando o encontro de gerações: pais e tios são mencionados afetivamente por filhos e sobrinhos como referências a serem seguidas em termos de lazer e sociabilidade. Nesse processo, misturam-se o velho e o novo, ou seja, os formatos tradicionais e os valores próprios da sociedade globalizada em termos de estilos e identidades.

Ademais, qualquer que seja o contexto, para a maioria dos frequentadores de bailes Charme a dança é a primeira e mais importante atividade, com significados e regras específicas. Ela é uma forma lúdica de interação social e opera articulada a um esquema de classificação, servindo como mediação nos rituais da paquera. Desse modo, a habilidade de dançarino é um atributo bastante valorizado, sobretudo para os homens. Todavia, tal habilidade deve ser exercida em um domínio controlado das emoções, evitando exibições explicitamente erotizadas, classificadas como moralmente inapropriadas àquele ambiente.

Nesse ponto, observa-se que o público Charmeiro não compartilha seus domínios com os admiradores do funk. Em todos os depoimentos recolhidos para esta pesquisa, aparece uma crítica, aberta ou velada, ao funk. A começar pelo ritmo ligeiro, passando pela violência dos "bailes de briga" de outrora e, ainda, pelo forte apelo erótico contido nas atuais composições, também designadas como pornô-funk10 10 Segundo Cecchetto e Farias (2002), o aparecimento do estilo pornô- funk nos bailes intensificou a visão do funk como um ambiente moralmente decadente e desvalorizado. . O modo como o funk é utilizado como uma referência contrastiva ao circuito do Charme fica claro no depoimento de um rapaz universitário, morador de Caxias, região dominada violentamente por grupos milicianos. Na sua opinião, os espaços de lazer para pessoas que não gostam de funk, como ele, são raros. Ele indica sua preferência pelo Charme por conta do ritmo diferenciado e do tipo de sociabilidade:

Eu conheci um cara que falou, um cara assim com idade já 30 e poucos anos, e falou assim: "pô, quando eu era novo eu ia pra lá".Aí fui, conheci como era o baile Charme lá, gostei, assim, e vira e mexe tô lá. Quando dá, sempre eu vou. É um lugar tranquilo. Onde eu moro tem uma praça perto, fica cheinha, não toca música black, só toca funk, funk. (Solano, negro, 21 anos)

A palavra de ordem na definição do baile é "tranquilidade" e a violência é definida como um estado anômico, um evento estranho ao universo moral do espaço Charme. Conforme o discurso dominante, o baile é um espaço consagrado ao divertimento e longe da "confusão", característica atribuída ao funk. Essa visão se mescla à sensação de familiaridade compartilhada naquele território, percebido como um espaço lúdico, propício à amizade e à diversão, conforme enfatiza o depoimento abaixo:

No Charme tem aquela amizade, aquele laço, não tem aquela coisa de querer entrar na porrada, só porque alguém pisa no pé, entendeu? Tem aquele acordo, tem aquela rixazinha, mas nada muito grave, e lá é bom por causa disso, você se sente mais seguro naquele lugar. (Gil, branco, 18 anos)

Em vários depoimentos, o baile aparece como a extensão da casa, o lugar em que são reproduzidas algumas relações que presidem o espaço doméstico. Conforme registrou um pesquisado: "aqui todo mundo é primo, porque todo mundo se conhece". Além de enfatizarem a admiração pela familiaridade, os depoentes reconhecem que o Charme é um tipo de lazer barato, se comparado aos locais de entretenimento na Zona Sul carioca, inacessíveis financeiramente para a maioria dos jovens moradores dos subúrbios cariocas. Como argumentou outro rapaz sobre o clima da "Portelinha": "o Charme de Madureira é o melhor lugar. Aqui tem tudo que tem na Zona Sul. Ir pra outro lugar pra quê? Pra pagar mais caro e ficar longe de casa? As pessoas aqui são como eu: não são esnobes. Aqui todo mundo se conhece, fica à vontade". Nessa narrativa, o ethos da proximidade é evocado para caracterizar um tipo de interação cultivada naquele ambiente, concebida como específica da localidade11 11 Como indicado na nota 4, a percepção das diferenças entre os padrões de sociabilidade entre os grupos integra uma visão bastante generalizada no cotidiano carioca que enfatiza que a cultura tradicional brasileira de simpatia, hospitalidade e relações quentes ainda continua forte nos subúrbios, em oposição a uma postura individualista dos moradores da Zona Sul da cidade (ver Heilborn, 1984). . Esse aspecto, presente em vários relatos, marca a singularidade do baile Charme como uma experiência coletiva que une descontração e acolhimento entre pares relativamente desconhecidos, em um espaço público.

Existem, entretanto, regras e lógicas específicas a serem seguidas, como já citado. A observação das normas locais constitui o suporte necessário no processo de distinção social do charmeiro. Não existe uma interdição formal quanto à presença de outros grupos. Há, porém, um conjunto de normas tácitas e regras de etiqueta, reconhecidas e aceitas como adequadas ao espaço. Tal característica remete-nos para os argumentos de Bourdieu (1998) acerca da concepção do espaço físico enquanto locus de diferenciação social e contribui para pensar nas dimensões do espaço como uma referência sociocultural significativa para os indivíduos. O depoimento abaixo ilustra esse movimento de demarcação da identidade, tomando por base a distinção socioeducacional e o vestuário dos partícipes:

No Charme, o que eu gosto é que as pessoas são diferentes, diferentes no modo de se vestir, são pessoas que têm um diálogo melhor, são pessoas que têm mais conhecimento, estudam mais, uma classe social melhor. Acho que umas roupas mais... não vou dizer mais comportadas... roupas mais sociais que no pagode e no funk. As conversas [no Charme] são outras, são pessoas que têm um nível social melhor. Os charmeiros são mais pessoas que usam, assim, mais classe, no modo de falar, no modo de agir. (Lis, negra, 26 anos)

O uso da categoria classe como refinamento ajuda a refletir sobre as estratégias de diferenciação social acionadas pelos seguidores do Charme para assegurar seu capital simbólico. A distinção é produzida tanto em relação a grupos considerados socialmente distantes ("esnobes"), quanto em relação aos pares pertencentes ao mesmo grupo social, o que corrobora as afirmações de Machado (1996) sobre a construção da identidade charmeira carioca. Seu trabalho etnográfico indica que a afirmação da identidade do charmeiro era feita no sentido de demarcar um estilo adotado por negros que detinham um status como gente bonita, bem vestida e educada, dos subúrbios. Dentro desse quadro, pode-se ainda sugerir uma ênfase no apagamento das marcas vistas como estigmatizantes projetadas sobre os negros. Como notou o clássico estudo de Nogueira (1998), quando a cor da pele opera como estigma, como é o caso do preconceito de marca, a manipulação da aparência funciona como um mecanismo de compensação, que procura equilibrar ou desfocar os elementos negativos que são atribuídos ao fato de ter a pele preta12 12 Esse tipo de estratégia, como mostrou o já citado estudo de Sonia Giacomini (2006) era utilizado pelas famílias negras de classe média do Rio de Janeiro, na medida em que a posição econômica e educacional alcançada por elas não era suficiente na aceitação da posição hierárquica a que aspiravam, num contexto de sociabilidade e lazer. .

Mais explicitamente a cor dos frequentadores apareceu como um marcador da diferença para um jovem que também evocou uma referência geracional:

No Charme, o que chama atenção ali é a qualidade das pessoas, ou seja, da minha cor, pessoas negras. Eu sou uma pessoa meio, vamos dizer assim, diferente, eu gosto muito de frequentar lugares que tenha pessoas negras, música que tenha raiz negra. Meu pai era charmeiro, tanto que ele que me levou pro Charme. (Elias, negro, 26 anos)

Poderia ser dito que o Charme é experimentado como uma área suave, conforme a expressão utilizada por Sansone (1993; 2004), para caracterizar domínios sociais onde a cor negra não representa um risco de discriminação para os indivíduos de pele escura. Embora no baile a maioria do público seja de pessoas pretas/negras, esse ambiente não é considerado pelos frequentadores como um espaço exclusivo de lazer negro ou para negros, nos moldes de um clube formado para grupos de uma determinada cor. Aliás, a maioria das falas assinala seu aspecto democrático, reforçando o acesso ou circulação livre de todos, o que condiz com o ethos inclusivo do local.

Observa-se, de modo geral, uma rejeição a qualquer ideia de segregação racial. Isso não significa dizer que a cor, no Charme, não tenha importância na conformação das subjetividades dos frequentadores, dado que nesse contexto há uma uniformidade em relação à cor preta/negra, dificilmente encontrada em outros espaços de lazer, como o funk e o samba. Tal característica sugere uma configuração que desafia a visão da ausência de espaços de lazer homogêneos em termos de cor/raça no cenário nacional.

A dimensão da cor relacionada à construção de identidades sociais foi observada no relato de um jovem, voluntário do Programa de Vestibular para Negros e Carentes:

Assim, hoje em dia, como raça, por causa de tudo que eu vivo, eu acabo me auto-afirmando como negro. Acho, assim, que, há alguns anos atrás, eu não me reconhecia, até pelas pessoas ficarem me chamando de moreno, não sei o que lá, índio... Mas, hoje em dia, eu me vejo como negro. Bom, a questão da cor, eu não me acho tão branco, esse lance de moreno, o cabelo... talvez até me servisse, esse lance de moreno, sei lá, acho difícil de falar de raça no Brasil. Negro eu não sou, mas, poxa, eu me identifico, até pela questão histórica, as mesmas coisas, pô, meus amigos, assim... A galera que é chamada de neguinho e negão, acho que eu sou... pô, eu sou um deles, eu sou negro, eu me vejo como negro... Não consigo explicar direito. (Solano, 21 anos)

Esse depoimento revela as mudanças na auto-classificação da cor que podem ocorrer ao longo de vida, em função de fatores conjunturais. Pode ser dito que um dos elementos que influenciam essas variações diz respeito à incorporação dos discursos de políticas de afirmação de identidades sociais. Quer dizer, o relato acima aponta para as possibilidades de apropriação dos discursos voltados para a afirmação de uma identidade racial, presente no movimento social negro e em políticas governamentais centradas em um recorte racial (MAIO, MONTEIRO, 2005). Tais discursos têm tido visibilidade no cenário nacional a partir da divulgação na mídia, dos casos de racismo entre diferentes setores da sociedade e do debate público em torno de políticas sociais de recorte racial, como as cotas para alunos negros, adotadas em algumas universidades brasileiras, nos últimos anos.

Embora as identidades sociais sejam fundadas em atributos que formam fronteiras, como a língua, a religião, a origem, a orientação sexual e as marcas étnico-culturais ou fenotípicas, como a cor da pele, o depoimento citado ilustra como os processos identitários são dinâmicos e contextuais. Quer dizer, os processos identitários resultam de uma construção social que agrega grupos em torno de determinadas características oriundas de certa âncora social ou de um projeto, mas podem sofrer mudanças ao longo das trajetórias dos indivíduos em função de fatores diversos (VELHO, 1994; BAUMAN, 2005).

Tendo em vista os objetivos do presente trabalho, cabe destacar que a demarcação de identidades sociais, por um lado, podem operar como elemento de coesão do grupo, mas, igualmente, podem contribuir para o reforço de estereótipos, legitimando padrões equivalentes à retórica que trata a identidade de modo fixo e naturalizado. Assim, por exemplo, a representação sobre o baile Charme como uma lócus da sociabilidade pacífica por meio da dança protagonizada por negros bonitos, refinados e sensuais, pode redundar na reiteração da associação entre negritude e sexualidade. Tal aspecto fica evidenciado nos depoimentos dos frequentadores do baile, de diferentes cores, sobre as interações afetivo-sexuais, como será discutido a seguir.

COR E INTERAÇÕES AFETIVO-SEXUAIS NOS BAILES

Se os depoentes compartilham de uma mesma percepção sobre o baile como uma ocasião para encontrar amigos, namorar e se divertir tranquilamente, eles apresentam diferenças quanto se trata de discorrer sobre vantagens e desvantagens da cor nos encontros afetivo-sexuais. A fala de um jovem negro aponta o baile como uma experiência coletiva, altamente positiva para a auto-imagem dos negros, expressa pela noção de orgulho negro:

No baile Charme, onde se concentra grande número de negros, o pessoal fica à vontade. Você vê o pessoal ali, ele tem orgulho de ser negro. [Como você percebe isso?] Pelo jeito de se vestir, o jeito de se olhar. Até o jeito de um reparar o outro, tal, 'aquele ali está bem arrumado, aquele ali', você percebe, por isso me sinto bem. Gosto do ritmo, gosto da música negra. Não tenho vergonha de ser negro, tenho o maior orgulho, gosto muito de ser negro. Sem preconceito, que eu não sou preconceituoso, mas gosto muito, me orgulho muito. A gente, brincando, a gente fala, conversando, normal: "O negão... Tem mulher que gosta muito de um preto". (Elias, negro, 26 anos)

Mais uma vez, a diferença é traduzida como uma postura de investimento no visual polido e esmerado do negro charmeiro. No caso do rapaz, esse sentimento aparece ainda associado a uma condição que, em sua visão, desperta o interesse erótico feminino: ser negão. Essa categoria é particularmente adequada para refletir sobre as representações em torno da masculinidade viril dos homens negros, recorrente tanto nas falas masculinas quanto nas femininas. O poder de tais representações foi discutido por Moutinho (2004, p. 353), em estudo sobre as narrativas veiculadas sobre relações afetivo-sexuais "inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. Na perspectiva apresentada pela autora, destaca-se a profusão de metáforas estéticas e viris sobre o homem negro, cujo desejo e desempenho sexual como parceiro é considerado muito superior ao do homem branco, quase sempre uma figura descrita em sua "opacidade" ou, por assim dizer, em sua falta de erotismo.

Uma informante branca ressaltou o gosto por homens negros, acrescentando sua atração pelo clima sensual do baile do Viaduto. A depoente, entretanto, insistiu na diferença entre sensualidade e erotismo no Charme:

O Viaduto é tudo de bom. A música é ótima, as pessoas. Tem cada negro lindo. Eu amo negro, acho lindo, acho a cor a coisa mais linda. Desde pequena sou apaixonada, só namorei morenos; acho lindo. Meu último namorado foi negão, negão, negão. Não tem apelo ao sexo ali, a pessoa dançando, a dança é sensual, não é erótica, é sensual. (Caren, 24 anos)

Essa mesma jovem, na sequência, utilizou a expressão amarela-genética (uma variação da categoria branco pouco referida na literatura), para reforçar sua predileção pelo que denomina como cultura negra, embora nesse processo minimize o peso da cor:

Sou amarela geneticamente, porque, por dentro, acho que sou negra, gosto de tudo que tem a ver com a cultura negra, com a cultura afro, gosto de cabelo trançado, gosto de namorar negão, gosto de hip hop, gosto do estilo das roupas das meninas que usam, acho lindo. [...] Eu falo que sou branquinha só na genética mesmo; que, por dentro, eu sou moreninha. As pessoas falam, "poxa, você gosta de negão"... Às vezes, eu olho o cara na rua, ele não olha. Talvez, não é porque ele não me achou bonita, talvez ele fale: "não é possível, está olhando para mim". Acho que eles mesmos se sentem assim, entendeu? Eu acho que cor de pele é um mero detalhe, mero detalhe...

O uso da genética, pela depoente, para justificar uma suposta contradição entre as características fenotípicas ("sou branquinha") e o gosto por uma "cultura negra" pode ser atribuído, em parte, à visibilidade dos estudos no campo da genética, como analisado por Santos et al. (2009). Vale ressaltar que a estratégia de reclassificação racial, utilizada pela depoente para a apresentação de si, pode ser compreendida como uma forma de a jovem lidar com os limites da configuração mulher-branca no espaço do Charme, no que concerne à constituição de parcerias amorosas. Chama atenção, ainda, que, ao justificar a evitação dos homens negros em relação a ela, essa depoente nos remete para o tema da internalização do preconceito entre os negros, já discutida na literatura sobre o preconceito racial no Brasil (FRY, 2005; TELLES, 2003).

Um outro ponto de vista em face ao predomínio de pessoas negras no Charme foi o de uma mulher parda, que expressou um certo desconforto com a configuração desse espaço.

No Viaduto, o pessoal lá, você vai ver que a maioria é tudo de cor, da cor, sabe, branco não tem, tipo assim como se você for numa praia. Lá (no Charme) frequentam as pessoas escuras, mas, eu acho, não deveriam fazer assim, aquele lugar é só pra gente que é da cor, eu acho que não deveria ser assim. Mas, assim, a grande maioria é da cor, tipo praia, você vai lá, não tem só negro na praia, também tem bastante gente branca, assim, a praia não é só dos brancos, mas fica visível lá. (Fergie, parda, 21 anos)

Essa jovem reconhece a posição diferenciada ocupada pelos negros no Charme: "Ali eles mandam, são reis", e revela seu envolvimento atual com "pessoa escura". Todavia, ao contrastar a praia ao baile, lamenta a homogeneidade do Charme, vocalizando o discurso usual da praia como um lazer democrático13 13 Para uma interessante discussão sobre cor e classificação social na cidade do Rio de Janeiro, tendo como cenário as relações raciais nas praias cariocas, ver Farias (2006). e, portanto, propenso à "mistura" de pessoas de cores diferentes, sem distinção de um grupo.

Cabe indicar que esteve presente, nas narrativas de todos os depoentes, a percepção de que os sinais negativos, frequentemente associados à cor negra, estão invertidos no espaço do Charme. É como se os/as informantes registrassem que, em outros contextos, a cor preta opera como um fator de discriminação, porém, no Charme, ela emerge como atributo valorizado. Essa foi a percepção de uma mulher negra, microempresária. Ao descrever sua preferência por homens negros, acabou mencionando o preconceito como um fator desestimulante nas interações com homens brancos:

Eu, particularmente, gosto de negros; acho que o negro, o jeito dele tocar, a maneira de ele se relacionar, o jeitinho de ele de cativar uma mulher, é diferente do homem branco. [Você já namorou homens brancos?] Já. Apesar de ser um homem branco e uma mulher negra, não sei se só comigo foi assim, era muito amoroso, mas não rolou aquela química, com o negro já [...] Também em relação à família, acho que devido ter muito preconceito ainda, quando você começa a namorar um pessoa branca, quando ele te apresenta à família, nossa, você está namorando uma negra! A mãe dele me odiava por eu ser negra. Eu podia ser empregada, mas não a mulher dele. (Lis, negra, 26 anos)

O desconforto da depoente revela como o casal inter-racial pode apresentar um status negativo, no ambiente privado das relações familiares e conjugais. As variações no papel da cor nas interações ficam evidentes nos relatos dos jovens brancos, de ambos os sexos. Eles circulam pelo Charme com desenvoltura e sentem-se acolhidos pelos pares da mesma faixa etária e estilo juvenil, mas reconhecem o peso da cor nas interações afetivo-sexuais, conforme ilustra o relato de um jovem branco frequentador do Viaduto. Segundo sua visão, as mulheres tem uma preferência por homens negros em função de sua performance sexual. Sua afirmação reproduz as convenções e expectativas de virilidade associadas ao homem negro: "todas as mulheres, elas falam que preferem os negros pelo tamanho de seu órgão sexual".

Vale considerar um pouco mais a fala desse rapaz, pela relativa excepcionalidade que ela apresenta. Gil é filho adotivo de um casal negro. O entrevistado informou utilizar a expressão "nasci de manhã", sempre que se vê interpelado por questionamentos preconceituosos sobre a cor dos pais, evento recorrente em sua infância. Fez questão de frisar que têm amigos negros desde aquela época. Sua fala, contudo, não menciona a vivência da discriminação por ser branco no Charme. Gil comenta sobre seu acolhimento no espaço:

E lá, no Viaduto, você sente algum tipo de discriminação, por você ser branco?] Não, não, lá não tem nenhum tipo de discriminação. [E os negros já te trataram diferente, por você ser branco?] Não, lá é... diferente do que eu vejo na rua, entendeu? Por exemplo, o primeiro dia que eu fui, eu não conhecia ninguém, todo mundo falou comigo. Eu cheguei lá, eu não conhecia ninguém, fui com umas cinco pessoas, eu e uns quatro amigos, do nada, assim, aparecerem uns três rapazes negros, e começaram a falar com a gente, trocar ideia, desenvolvendo aquele papo, aquela amizade. Achei legal, legal, os caras daqui não são iguais aos de outros lugares! Aqui é legal, lá é melhor lugar pra se fazer amizade.

Nesse depoimento, a amizade masculina destaca-se como um diferencial do Charme. O que se evidencia, nessa narrativa, é que homens, de diferentes cores, convivem sem maiores conflitos, quando se trata de cumprir os rituais da (homo) sociabilidade masculina, porém as hierarquizações comparecem em se tratando do protagonismo no baile. Isto é, os homens negros, em maior número, destacam-se na cena charme pela habilidade na dança. Nessa direção, a performance corporal adquire importância nas interações afetivo-sexuais, ou seja, o exímio dançarino seria um modelo de masculinidade buscado nessa configuração como signo de distinção e prestígio14 14 Com relação às representações sociais acerca do universo feminino, as observações etnográficas apontam que, no contexto do baile Charme, os padrões de gênero relativos ao valor do recato e da sensualidade feminina, em contraposição à erotização característica do funk, são atualizados. .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados analisados indicam que o baile Charme é um momento de sociabilidade por excelência para os/as jovens, pelos efeitos positivos da proximidade entre pares, pelo clima lúdico e pela convivência pacífica, sendo constante as referências ao lugar diferenciado da festa, na vida coletiva e na subjetividade desses indivíduos. Nesse particular, percebe-se que a adesão ao estilo charmeiro/charmeira, por diferentes gerações, e de diversas cores, surge como alternativa concreta de interação juvenil na cidade, ocasião para encontrar amigos e formar parcerias afetivas e sexuais. Em vários depoimentos, foi possível perceber essa necessidade de afastamento dos estereótipos associados aos adeptos de estilos considerados desvalorizados do ponto de vista moral, comportamental e estilístico, principalmente o funk.

O baile Charme contrasta ainda com outros domínios, como os espaços impessoais da rua, estabelecimentos comerciais em que a cor ainda é obstáculo para a circulação, principalmente para os homens jovens, que se deparam com olhares preconceituosos de evitação e até com a abordagem violenta de seguranças particulares e policiais, como já descrito em trabalho anterior (CECCHETTO, MONTEIRO, 2006). O baile também parece funcionar como um ambiente de aproximação de mulheres e homens de cores diferentes, representando uma contraposição às barreiras ainda presentes na conformação da conjugalidade, tida como uma área "dura" para os chamados relacionamentos inter-raciais.

Pode-se inferir, entretanto, que o estilo charmeiro mantém uma relação direta com valores da sociedade abrangente, dialogando com a moda juvenil globalizada, sobretudo a dos negros norte-americanos, tomando-a como uma referência da qual procura se aproximar. Ao mesmo tempo, aciona elementos que primam pela originalidade do baile Charme carioca: um contexto de interação centrado no aspecto lúdico da dança e da paquera.

Seria um reducionismo falar do Charme somente como um espaço lúdico, livre de conteúdos materiais, como preconiza a definição de sociabilidade apresentada por Simmel. Pode-se dizer que a pura fruição do encontro, que constitui a essência da vida simbólica, aparece, no caso do grupo estudado, entrelaçada com a afirmação da estética negra. Ainda que o baile não apresente uma proposta de prática política de forma direta e explícita, seus frequentadores elaboram e exibem sinais que permitem um reconhecimento e estabelecem marcas de distinção por outros caminhos. O baile Charme configura-se, portanto, como um espaço denso de significados na demarcação de identidades sociais, possibilitando um outro tipo de posicionamento no jogo das relações raciais vigentes.

A análise das interações dos frequentadores do Charme revela a maneira como são atualizadas as diferenças e as hierarquias sociais, em pelo menos duas direções. De um lado, tem muito a dizer sobre a importância dos símbolos da chamada cultura negra, em especial a norte-americana, como indica Sansone (1998; 2004), que analisou as transformações na relação entre cor e juventude, em algumas cidades brasileiras e europeias, nos últimos vinte anos. O autor considera o consumo de estilos globalizados de moda e de música como uma oportunidade para os jovens negros ressignificarem localmente a diferença. De modo análogo, Gilroy (2001), pesquisador da juventude negra britânica, argumentou sobre as referências transnacionais que se desenvolveram, na modernidade, como fatores centrais para se compreender os contornos que a denominada negritude assumiu em termos de projeto cultural e político. Para esses autores, essas configurações globais respondem pela crescente mudança no sinal de valor da cor/raça entre as novas gerações de negros de vários países.

Do outro lado, verificou-se uma hierarquização das diferenças de gênero e cor relacionadas à sexualidade. É possível dizer que alguns padrões estereotipados em relação à potência sexual dos homens negros foram atualizados, tanto nas narrativas femininas, quanto nas masculinas. Todavia, é preciso indicar que as dinâmicas interacionais no baile Charme estão intimamente ligadas a uma expressão particular da masculinidade. O homem, no ambiente do Charme, normalmente é reconhecido e valorizado como o criador de um estilo prestigioso de masculinidade, longe da agressividade e do comportamento sexual de seguidores de outros estilos juvenis, como os frequentadores de bailes funk e pagodeiros, por exemplo. Sem dúvida, uma peculiar construção da masculinidade interligada à cor e à performance corporal é dinamizada no contexto dos encontros nesse circuito. Tais imagens aportam, por certo, uma visão reducionista sobre a hiperssexualidade dos homens negros, tomando por base concepções que fixam o desejo e a sexualidade em um domínio de atributos naturalizados, perpetuando hierarquias e formas de dominação, inclusive violentas. Ponto fundamental, entretanto, é que os homens negros não são passivos em face a esse tipo de padronização de sua masculinidade. Eles elaboram discursos alternativos, por meio dos quais manipulam e invertem os estereótipos que, em outras circunstâncias, rejeitariam completamente. Não à toa, os estilos juvenis negros cada vez mais são buscados e imitados por jovens de outras cores de vários países, inclusive do Brasil.

A construção do estilo do homem charmeiro pode ser compreendida como uma maneira de lidar com estereótipos raciais e de gênero, com base na distinção educacional, na elegância e no refinamento, atributos que, em outros contextos, seriam considerados feminilizantes. Em suma, no baile Charme carioca, prevalece uma noção diferente de masculinidade viril, contrastando com formas competitivas e agressivas encontradas em outros espaços de lazer e de sociabilidade juvenil do Rio de Janeiro.

Recebido em: DEZEMBRO 2010

Aprovado para publicação em: JANEIRO 2012

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  • ZALUAR, A. Condomínio do diabo Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
  • 1
    Diante da diversidade das categorias usadas na classificação da cor/raça, neste artigo os termos serão apresentados em itálico, ora referentes às obras citadas, ora às autoclassificações dos depoentes.
  • 2
    As relações entre classe social, cor e mobilidade social têm sido discutidas a partir de análises sociológicas sobre indicadores de escolaridade e profissionalização da população brasileira, conforme indicam as reflexões de Ribeiro (2009).
  • 3
    O trabalho integra um projeto mais amplo, denominado Relations among "race", sexuality and gender in different local and national contexts, elaborado originalmente por Laura Moutinho, Omar Ribeiro Thomaz, Cathy Cohen, Simone Monteiro, Rafael Diaz e Elaine Salo. A pesquisa foi realizada em nove centros de pesquisa: USP (São Paulo), CLAM/IMS/UERJ (Rio de Janeiro), CEBRAP (São Paulo), IOC/FIOCRUZ (Rio de Janeiro), SFSU/CRGS (San Francisco), Center for the Study of Race, Politics and Culture (Chicago), AGI/UCT (Cape Town), WITS e OUT (Johannesburgo). O grupo de pesquisadores compreende Laura Moutinho (Coordenação geral), Simone Monteiro (coordenação Rio de Janeiro), Júlio Simões (coordenação São Paulo), Elaine Salo (coordenação Cidade do Cabo), Brigitte Bagnol (coordenação Johannesburgo), Cathy Cohen (coordenação Chicago) e Jessica Fields (coordenação São Francisco). A pesquisa é financiada pela Fundação Ford e conta com o apoio do CNPq.
  • 4
    A denominação subúrbio é utilizada tanto como marcador da posição socioeconômica, como estilo de vida. O
    ethos suburbano corresponderia a uma valorização do contato face a face, das redes de vizinhança, do parentesco consanguíneo e afetivo e da celebração da proximidade (Heilborn, 1984).
  • 5
    Sob o prisma dos indicadores de Desenvolvimento Social (IDS), Madureira apresenta um índice considerado baixo. O IDS utiliza a menor unidade geográfica, possibilitando a identificação e a comparação das diferenças intra-urbanas em termos de indicadores de renda, saneamento básico, escolaridade e qualidade habitacional. Os índices extremos - 0,854 e 0,277 (0 = menor valor; 1 = maior valor) - pertencem respectivamente aos bairros da Lagoa e do Grumari. A Zona Sul, incluindo a área da Barra da Tijuca, têm os melhores resultados de IDS da cidade: superiores a 0,640. A Região administrativa de Madureira ocupa o 17º lugar, com o índice de 0,579 (Instituto Pereira Passos, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2008).
  • 6
    A variabilidade da classificação de cor foi notada em um outro circuito de sociabilidade na mesma região frequentado tipicamente por jovens auto-definidos como homossexuais, onde as categorias
    preto/negro eram repudiadas por eles.
  • 7
    Existem controvérsias a respeito da
    black music como estilo musical. Como notou Baldelli (2000), em estudo que faz sobre as festas hip hop no Rio de Janeiro, não existiria uma forma de classificar um tipo de música por etnia, embora o termo seja válido como termo êmico.
  • 8
    O
    soul é o resultado de um longo processo na história musical norte-americana que se inicia nas décadas de 1930 e 1940, quando ocorreu uma onda migratória da população negra do sul para os grandes centros urbanos do norte. A música rural, o
    blues cantado nos campos de trabalho, foi trazida para as cidades, "eletrificando-se" e dando origem ao
    rhythm and blues. A fusão do
    rhythm and blues com a música negra protestante, o gospel, deu origem ao
    soul, o ritmo mais bem-sucedido dessas "misturas", difundindo-se mundialmente, como trilha sonora da luta pelos direitos civis americanos. Após passar por um processo de comercialização, a
    soul music deixou de expressar propriamente ideais revolucionários (ver Vianna, 1988).
  • 9
    Shaft era um personagem televisivo que encarnava um policial negro, considerado uma espécie de herói viril (Giacomini, 2006).
  • 10
    Segundo Cecchetto e Farias (2002), o aparecimento do estilo pornô-
    funk nos bailes intensificou a visão do
    funk como um ambiente moralmente decadente e desvalorizado.
  • 11
    Como indicado na nota 4, a percepção das diferenças entre os padrões de sociabilidade entre os grupos integra uma visão bastante generalizada no cotidiano carioca que enfatiza que a cultura tradicional brasileira de simpatia, hospitalidade e relações
    quentes ainda continua forte nos subúrbios, em oposição a uma postura individualista dos moradores da Zona Sul da cidade (ver Heilborn, 1984).
  • 12
    Esse tipo de estratégia, como mostrou o já citado estudo de Sonia Giacomini (2006) era utilizado pelas famílias negras de classe média do Rio de Janeiro, na medida em que a posição econômica e educacional alcançada por elas não era suficiente na aceitação da posição hierárquica a que aspiravam, num contexto de sociabilidade e lazer.
  • 13
    Para uma interessante discussão sobre cor e classificação social na cidade do Rio de Janeiro, tendo como cenário as relações raciais nas praias cariocas, ver Farias (2006).
  • 14
    Com relação às representações sociais acerca do universo feminino, as observações etnográficas apontam que, no contexto do baile Charme, os padrões de gênero relativos ao valor do recato e da sensualidade feminina, em contraposição à erotização característica do
    funk, são atualizados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      Dez 2010
    • Aceito
      Jan 2012
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