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Apresentação

TEMA EM DESTAQUE

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Apresentação

A discussão sobre qualidade da educação traz muitos desafios para a realidade brasileira. A desigualdade social e econômica e a diversidade cultural existentes no país tornam ainda mais complexa a polêmica que costuma envolver as questões sobre a avaliação da qualidade educacional. Em se tratando de Educação Infantil, esse cenário se acentua ainda mais, pois há muita relutância por parte dos profissionais da área em integrar conceitos de qualidade e de avaliação, com o receio de que essa abordagem enfraqueça preceitos que defendem uma pedagogia baseada no protagonismo da criança. Também não são bem vistos os usos de resultados de avaliação que estimulam classificações e comparações em detrimento de ações que contribuam para a melhoria da qualidade da educação infantil, tanto no plano das políticas, como no que toca a prática pedagógica desenvolvida nas unidades.

Esses dois grandes temas, qualidade e avaliação, são objetos das políticas evidenciadas pelos documentos oficiais, tais como os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCNEI, 1998), os Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (2006), os Critérios para o Atendimento em Creches que Respeitem os Direitos Fundamentais da criança (1995/2009), as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (17 dez. 2009; 2010/MEC), os Indicadores de Qualidade na Educação Infantil e outras publicações e orientações atuais, produzidas pelo MEC ao longo dos últimos dezoito anos. Em todas essas publicações, ambos os temas são, de maneira direta ou não, tratados com a intenção de auxiliar a expansão com qualidade da cobertura do atendimento de creche e pré-escola no Brasil, chamando a atenção para os princípios e conceitos que subsidiam o trabalho pedagógico com crianças pequenas em ambientes coletivos.

Todos esses documentos, produzidos em constante diálogo com as mais diversas iniciativas que se mobilizam para a melhoria do atendimento educativo de crianças pequenas, refletem a concepção atual da Educação Infantil, que claramente se foca na garantia dos direitos das crianças, com vistas no trabalho que as valorize e com a intenção de conferir ênfase nas possibilidades de avanço que cada uma delas apresenta. Os pesquisadores da área têm influenciado essa discussão e, em diálogo com o campo, os movimentos sociais e os profissionais de educação infantil, vão elegendo princípios e caminhos para a expansão da educação infantil. Historicamente, as pesquisas nessa área, têm sido essencialmente qualitativas, ilustrando alguns avanços e algumas das limitações da tarefa de educar crianças em instituições sob a responsabilidade das secretarias municipais de educação ou por ela subsidiadas.

Em 2009, a Fundação Carlos Chagas, em parceria com o MEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID –, –desenvolveu pesquisa intitulada Educação Infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa, cujos objetivos principais eram 1) avaliar a qualidade do trabalho de unidades de Educação Infantil em seis capitais brasileiras para averiguar o andamento da implantação das políticas acima mencionadas e, ainda, 2) indicar a relação entre a frequência de crianças a pré-escolas e seu desempenho no Ensino Fundamental, em específico, avaliado pela Provinha Brasil. Essa pesquisa, utilizando métodos qualitativos e quantitativos, suscitou novas discussões sobre o estudo da qualidade da Educação Infantil e a sua avaliação, além de revelar um cenário da Educação Infantil nas capitais envolvidas. O impacto desse estudo tem sido grande, pois, além de revelar o nível de qualidade das instituições de Educação Infantil e seu impacto nos resultados da Provinha Brasil, desencadeou também a discussão sobre a possível avaliação nacional das unidades de Educação Infantil.

Dando continuidade a essa discussão, o MEC propôs a –elaboração de um documento, juntamente com um grupo de trabalho composto por representantes de órgãos públicos, associações e movimentos sociais, que apresentasse uma perspectiva de avaliação da Educação Infantil. Nesse documento, publicado sob o título "Educação Infantil: subsídios para a construção de uma sistemática de avaliação", defende-se a avaliação dos ambientes da Educação Infantil em oposição à avaliação individual de crianças como base para a aferição da qualidade da Educação Infantil (MEC, 2012).

Em sintonia com esse posicionamento, a Fundação Carlos Chagas organizou um seminário Avaliação da Educação Infantil: tendências e perspectivas, em novembro de 2012. Essa reunião técnica, realizada em parceria com o MEC, foi a terceira que ocorreu durante o ano de 2012 para fomentar o debate sobre a avaliação da Educação Infantil no Brasil. Em específico, o seminário organizado pela FCC teve como objetivos: apresentar pesquisas internacionais e nacionais que envolvem a avaliação da Educação Infantil e contribuir para o processo de elaboração de proposta para um sistema nacional de avaliação da Educação Infantil. Nesse seminário, além dos palestrantes nacionais, os pesquisadores americanos Thelma Harms e Richard Clifford (Universidade da Carolina do Norte – Estados Unidos da América), dois dos autores dos instrumentos utilizados na pesquisa FCC/MEC/BID, apresentaram respectivamente a lógica e os usos dos instrumentos em situações diversas de avaliação e pesquisas realizadas –utilizando-os como uma das medidas quando o interesse é verificar o impacto da qualidade dos ambientes. O pesquisador britânico Edward Melhuish (Universidade de Londres) apresentou pesquisas que compõem o cenário internacional de discussão sobre avaliações da Educação Infantil e de suas influências nas políticas, ressaltando a importância de pesquisas de avaliação nas tomadas de decisão no âmbito das políticas. Vale ressaltar a importância de pesquisas nessa área, bem como de suas metodologias, conforme mencionadas pelos palestrantes, para orientar a realização de estudos de maior cobertura no Brasil e que possam contribuir para a evolução das políticas e para a qualidade das práticas.

O Tema em Destaque deste número de Cadernos de Pesquisa apresenta artigos nacionais e internacionais elaborados a partir das palestras desse seminário, contribuindo para o debate sobre a qualidade e a avaliação da Educação Infantil, tanto do ponto de vista das políticas e das práticas como da perspectiva sobre as possíveis metodologias de pesquisa para o estudo desses temas.

No artigo de abertura, Maria Malta Campos discute a questão da qualidade da Educação Infantil, levando em consideração a evolução histórica desse debate e a necessidade de integrar a reflexão sobre qualidade da educação à análise das desigualdades econômicas e sociais presentes em nosso país. A autora ressalta que a trajetória da discussão sobre qualidade da Educação Infantil se fez de forma diferente dos demais níveis de ensino, não estando diretamente ligada à avaliação de alunos em larga escala. A avaliação da Educação Infantil se encontra relacionada mais à autoavaliação ou a avaliações externas das instituições, sendo que atrelar a avaliação da qualidade a resultados das crianças em testes padronizados é alternativa bastante rejeitada para muitos grupos de pesquisadores da área da Educação Infantil.

Fúlvia Rosemberg, em artigo intitulado "Políticas de Educação Infantil e avaliação", dá prosseguimento à discussão sobre a formulação de políticas para avaliação da Educação Infantil, mostrando a pouca produção nacional até o momento sobre o tema e as polarizações que a discussão do mesmo incita. Também são abordadas questões éticas a respeito da avaliação, principalmente no que diz respeito à aplicação de testes e outras medidas em bebês e crianças. A autora destaca a importância de se relacionar a avaliação da e na Educação Infantil à avaliação das políticas para Educação Infantil, levando em consideração indicadores sociais e dados referentes a creches e pré-escolas.

Examinando as experiências de outros países, no que diz respeito à avaliação da qualidade da Educação Infantil, os autores das escalas de avaliação de ambientes de Educação Infantil (ITERS-R e ECERS-R), Thelma Harms e Richard Clifford, apresentam artigos que discutem o uso desses instrumentos tanto em pesquisas como em intervenções que visam à melhoria das instituições de Educação Infantil.

Thelma Harms, no texto "O uso de escalas de avaliação de ambientes na Educação Infantil", apresenta um breve histórico do contexto em que as escalas foram criadas. A respeito de sua estrutura, as escalas avaliam três necessidades consideradas básicas para crianças de diferentes culturas: segurança e saúde, apoio e orientação socioemocional; e estimulação da linguagem e da cognição. A autora também se refere aos vários materiais de apoio e estratégias que foram elaborados para facilitar a capacitação de pesquisadores para o uso desses instrumentos. O artigo centra-se, então, na utilização das escalas como recurso para melhoria das unidades de Educação Infantil, apresentando e discutindo o programa Quality rating and improvement systems, que já foi implantado em 25 estados dos Estados Unidos da América.

Já Richard Clifford foca a discussão de seu artigo em três estudos de larga escala (The cost, quality and child outcomes in child care centers study; Head start: the families and child experiences survey; e Paired NCEDL study of state funded pre-kindergarten), realizados nos Estados Unidos da América, que utilizaram a escala de avaliação ECERS-R como meio de avaliação da qualidade de unidades de Educação Infantil. Essas pesquisas demonstraram que a escala ECERS-R pode ser utilizada em estudos de larga escala e pode ser considerada um importante instrumento de avaliação da qualidade, capaz de influenciar e subsidiar tanto políticas –públicas quanto a gestão das unidades na busca de melhorias para a –Educação Infantil. Dessa forma, chama a atenção para o fato de que o uso desse importante instrumento deve ser criteriosamente feito, para que os resultados sejam utilizados de forma prudente e possibilitem um monitoramento pertinente das práticas.

Fechando os artigos do Tema em Destaque, Edward Melhuish ressalta a importância de se avaliar a qualidade dos ambientes de Educação Infantil, uma vez que há várias evidências dos efeitos positivos, a longo prazo, no desenvolvimento e aprendizagem de crianças que frequentam instituições de Educação Infantil de boa qualidade. O autor apresenta resultados de pesquisas, principalmente realizadas no Reino Unido, que mostram que o aprimoramento da Educação Infantil pode trazer benefícios em termos sociais, cognitivos e educacionais para as crianças individualmente, mas também para toda a sociedade. Além disso, salienta que pesquisas dessa natureza podem influenciar políticas não só para a Educação Infantil, mas também aquelas que impactam a capacidade e a qualidade do atendimento, como por exemplo, (a extensão do) o período ideal para a licença maternidade, o planejamento e a execução de projetos e programas para a infância, orientações gerais para as unidades de creche e pré-escola, entre outros.

Tanto as pesquisas nacionais como as internacionais mostram que a Educação Infantil traz benefícios para as crianças e suas famílias, para além da importância da educação em si, contribuindo sobremaneira para a inserção social dos envolvidos. Os estudos demonstram ainda que a Educação Infantil de qualidade parece ter efeitos mais profundos do que a simples frequência à mesma. Dessa maneira, parece importante continuar e aprofundar o estudo sobre as práticas das unidades de Educação Infantil e as ações do poder público em relação à implantação das políticas, atingindo mais extensivamente a cobertura nacional. Nesse cenário, se sobressai a urgência de estudos que analisem a situação da Educação Infantil nas diferentes regiões do país, que ampliem as discussões sobre o impacto da qualidade no cotidiano das unidades de Educação Infantil e que auxiliem a permanência e/ou alteração das políticas até aqui elaboradas. Esperamos que o Tema em Destaque deste número contribua para tais reflexões e convide os pesquisadores a desenvolverem mais estudos dentro dos temas aqui apresentados assim como daqueles intimamente relacionados a eles.

Eliana Bhering

ebhering@fcc.org.br

Beatriz Abuchaim

babuchaim@fcc.org.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
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