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O rendimento da escola no Distrito Federal entre 1922 e 1935

The school performance in the Federal District between 1922 and 1935

El rendimiento escolar en el Distrito Federal entre 1922 y 1935

Resumos

Este artigo tem por objetivo analisar os quadros estatísticos de atendimento e rendimento das escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935, publicados pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal sobre a capacidade de atendimento das escolas e as taxas de repetência e evasão do sistema de ensino da cidade. A discussão central diz respeito à elaboração dos índices de matrícula, frequência e promoção das escolas cariocas durante as reformas dirigidas por Antônio de Arruda Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-1935). Assim, aborda-se a produção das estatísticas oficiais para compreender a expansão da capacidade de atendimento da escola pública e a contenção da evasão e da repetência.

Rendimento Escolar; Escola Pública; Estatística Educacional; Reformas de Ensino (1922-1935)


This article aims to analyze the statistical tables that show to whom public schools in the city of Rio de Janeiro cater and how they perform between 1922 and 1935. These tables were published by the Federal District General Board of Public Instruction and featured the schools' catering capacity and grade repetition and drop-out rates in the city's education system. The main discussion concerns the development of enrollment, attendance and promotion indexes of Rio's public schools during the reforms led by Antonio de Arruda Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) and Anísio Teixeira (1931-1935). The official statistics are examined in order to understand the expansion of the catering capacity of public schools and the control of drop-out and repetition.

Achievement; Public School; Educational Statistics; Educational Reform (1922-1935)


Este artículo tiene el objetivo de analizar los cuadros estadísticos de atención y rendimiento de las escuelas públicas de la ciudad de Rio de Janeiro entre 1922 y 1935, publicados por el Directorio General de Instrucción Pública del Distrito Federal sobre la capacidad de atención de las escuelas y las tasas de repetición y ausentismo del sistema de enseñanza de la ciudad. La discusión central dice respeto a la elaboración de los índices de matrícula, asistencia y promoción de las escuelas de Rio de Janeiro durante las reformas dirigidas por Antônio de Arruda Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) y Anísio Teixeira (1931-1935). De este modo, se enfoca la producción de las estadísticas oficiales para comprender la expansión de la capacidad de atención de la escuela pública y la contención del ausentismo y la repetición.

Rendimiento; Escuela Publica; Datos Estadísticos; Reforma Educativa (1922-1935)


OUTROS TEMAS

El rendimiento escolar en el Distrito Federal entre 1922 y 1935

André Luiz Paulilo

Professor no Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - FE/Unicamp (SP) E-mail: paulilo@unicamp.br

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar os quadros estatísticos de atendimento e rendimento das escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935, publicados pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal sobre a capacidade de atendimento das escolas e as taxas de repetência e evasão do sistema de ensino da cidade. A discussão central diz respeito à elaboração dos índices de matrícula, frequência e promoção das escolas cariocas durante as reformas dirigidas por Antônio de Arruda Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-1935). Assim, aborda-se a produção das estatísticas oficiais para compreender a expansão da capacidade de atendimento da escola pública e a contenção da evasão e da repetência.

Palavras-chave: Rendimento Escolar; Escola Pública; Estatística Educacional; Reformas de Ensino (1922-1935)

ABSTRACT

This article aims to analyze the statistical tables that show to whom public schools in the city of Rio de Janeiro cater and how they perform between 1922 and 1935. These tables were published by the Federal District General Board of Public Instruction and featured the schools' catering capacity and grade repetition and drop-out rates in the city's education system. The main discussion concerns the development of enrollment, attendance and promotion indexes of Rio's public schools during the reforms led by Antonio de Arruda Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) and Anísio Teixeira (1931-1935). The official statistics are examined in order to understand the expansion of the catering capacity of public schools and the control of drop-out and repetition.

Keywords: Achievement; Public School; Educational Statistics; Educational Reform (1922-1935)

RESUMEN

Este artículo tiene el objetivo de analizar los cuadros estadísticos de atención y rendimiento de las escuelas públicas de la ciudad de Rio de Janeiro entre 1922 y 1935, publicados por el Directorio General de Instrucción Pública del Distrito Federal sobre la capacidad de atención de las escuelas y las tasas de repetición y ausentismo del sistema de enseñanza de la ciudad. La discusión central dice respeto a la elaboración de los índices de matrícula, asistencia y promoción de las escuelas de Rio de Janeiro durante las reformas dirigidas por Antônio de Arruda Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) y Anísio Teixeira (1931-1935). De este modo, se enfoca la producción de las estadísticas oficiales para comprender la expansión de la capacidad de atención de la escuela pública y la contención del ausentismo y la repetición.

Palabras clave: Rendimiento; Escuela Publica; Datos Estadísticos; Reforma Educativa (1922-1935)

ESTE ESTUDO TRATA DAS ESTATÍSTICAS de atendimento e rendimento das escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935. Pretende-se com isso contribuir para o entendimento da especificidade da estatística como fonte para a história das reformas educativas no Brasil dos anos 1920 e 1930. A discussão central diz respeito à elaboração dos índices de matrícula, frequência e promoção das escolas cariocas durante as reformas dirigidas por Antônio Carneiro Leão, entre 1922 e 1926, Fernando de Azevedo, de 1927 a 1930, e Anísio Teixeira, de 1931 até 1935.

A pesquisa atém-se ao estudo da produção das estatísticas oficiais para compreender o modo como se quis mostrar a expansão da capacidade de atendimento da escola pública e a contenção da evasão e da repetência como resultado das reformas do ensino propostas. Assim, analisam-se os quadros estatísticos publicados pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal sobre a capacidade de atendimento das escolas e as taxas de repetência e evasão do sistema de ensino da cidade. As estatísticas educacionais são discutidas ainda como forma de conhecer e expressar uma certa realidade da escolarização. Nesse âmbito, problematiza-se o sentido que o advento reformista dos anos 1920 e 1930 constituiu para os fenômenos de repetência e evasão presentes no modelo de escolarização então construído e em vias de reelaboração.

Uma contribuição ao entendimento da especificidade da estatística como conhecimento e representação foi feita por Luciano Faria Filho, Leonardo Neves e Sandra Caldeira (2005) quando estudaram a história da constituição dos serviços de estatística escolar no Brasil. A ênfase que deram à inteligibilidade dos estados de grandeza estabelecidos com base em medidas de frequência e através de questionamentos estandardizados destacou a força produtiva e controladora dos artefatos produzidos para conhecer a realidade em lugar de traçar a sua evolução (FARIA FILHO; NEVES; CALDEIRA, 2005, p. 235). Assim, corroboraram o argumento de Tomaz Popkewitz e Sverker Lindblad (2001, p. 115) de que, mediante estatísticas, tanto as ambições educacionais como as análises de educação são constituídas de tabelas e comparações de números. Aos propósitos de Faria Filho, Neves e Caldeira, no entanto, importou o modo como esse fator técnico alcançou os processos de escolarização do país e o seu governo. Para eles, a realização das estatísticas educacionais desde a segunda metade dos anos 1800 significou tanto uma aposta em formas de conhecer e expressar a realidade da escolarização segundo um raciocínio probabilístico, quanto um meio de produzir essa realidade e de controlar os rumos que se quis dar à sua história no país.

Outros estudos se preocupam em desvendar os interesses que levaram as autoridades a elaborar censos e estatísticas. Idênticas em muitas pesquisas, essas preocupações dizem respeito fundamentalmente às operações de codificação prévias à constituição do que se chama de dado estatístico. Assim, de uma perspectiva historiográfica, já é firme a evidência de que a crítica das condições de produção das estatísticas, a percepção dos usos sociais que delas foram feitos e o reconhecimento dos seus limites enquanto fontes para a história constituem elementos relevantes para o tratamento desse tipo de informação1 1 Sobre estudos críticos acerca da organização e gênese das fontes estatísticas ver, especialmente, Thèvenot (1990), Guereña e Viñao Frago (1996) e Lugli (2005). . Uma ideia útil para designar aquilo que as práticas de quantificação educacional estimulam é a de "cálculo contábil da criança-aluno", termo empregado por Cynthia Pereira de Souza (2005, p. 196-197) para examinar o modo como na escola a criança começou a ser representada, pelo "pensamento demográfico" ou o "raciocínio populacional". Segundo a autora, na medida em que os serviços de estatística ganharam contornos definidos no Brasil, a administração pública passou a operar no sistema educacional por categorias de pessoas. Inscrições como aluno e aluna, analfabetos e alfabetizados, normais e anormais, matriculados, concludentes, evadidos e repetentes marcaram as intervenções políticas e sociais no ­processo de escolarização.

O levantamento dos dados sobre a instrução pública no Distrito Federal obedeceu a critérios e interesses diversos na década e meia que separou a posse de Antônio Carneiro Leão na Diretoria Geral de Instrução (1922) da exoneração de Anísio Teixeira da Secretaria de Educação e Cultura da cidade (1935). Com Carneiro Leão, dominaram as comparações de frequência por classes, as relações anuais entre frequência e matrícula e a determinação do número e lotação dos prédios escolares. Em 1927, o trabalho sobre os números da instrução pública concentrou o principal do seu esforço no recenseamento escolar e na apuração da população em idade escolar. Em 1934, o relatório administrativo de Anísio Teixeira registrou a expansão e crescimento escolar por meio de comparações percentuais e dos totais de matrícula e de frequência. Consta ainda do relatório a distribuição dos alunos por série e das idades por ano escolar. Os quadros do aproveitamento dos alunos nas escolas elementares também apontaram melhora e expansão da instrução pública. Invariavelmente, os resultados de cada um desses procedimentos de mensuração conformaram a densidade do funcionamento que se quis descrever. Portanto, não foram exteriores nem indiferentes à fórmula de sua construção. Angel Rama (1985, p. 50-52) sugere, ademais, que esse tipo de descrição serviu às autoridades públicas de toda América Latina para tecer uma espécie de inteligência capaz de decifrar signos e de obrigá-los a predominar sobre a realidade.

Não bastam, assim, os números da estatística para explicar a eclosão de perfis e tipologias nos momentos de reorganização dos serviços escolares. Interessam igualmente as maneiras de formular esses números. Daí a utilidade de mostrar as conveniências que enlaçaram instrumentos de análise, de ação política e de intervenção social sobre os quadros estatísticos, primeiro, da Diretoria Geral de Instrução Pública e, depois, do Departamento de Educação. Visto que há uma relação entre os resultados indicados e seus usos, as considerações acerca da maneira de propor a apuração podem ajudar a entender o modo como Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira acomodaram suas próprias séries de operações intelectuais diante dos acontecimentos.

A FABRICAÇÃO DE INDICADORES NA DIRETORIA GERAL DE INSTRUÇÃO PÚBLICA

O apelo de Carneiro Leão (1926, p. 10-12, 34) aos quadros estatísticos foi uma atitude astuciosa na perspectiva das acomodações. A preferência dada ao tratamento serial e quantitativo de dados sobre frequência e capacidade instalada da instrução pública pautou indicadores que fizeram frente à evasão escolar. Os índices de que o autor dispunha sobre a evasão escolar levaram-no a se perguntar "por que, quando no 1º ano se matriculam 31.180 crianças, no 2º, 15.799 e no 3º, 9.945, no 4º temos apenas 5.782, no 5º, 2.686, no 6º, 1.665 e no 7º, 955?". Sobretudo, o diretor da instrução reconheceu a diminuição de alunos matriculados no 1º ano durante sua administração em relação aos anos anteriores. Entretanto, encontrou no estudo das proporções entre frequência, matrícula e ocupação dos prédios escolares uma espécie de indulto à reforma dos serviços escolares que vinha conduzindo. Nesse sentido, Carneiro Leão (1926) distinguiu e sustentou dois tipos de comparação. Por um lado, comparações entre as frequências por série e as proporções anuais entre matrícula e frequência. Por outro lado, comparações entre a lotação oferecida e a verificada nas escolas públicas. Os resultados que Antônio Carneiro Leão conseguiu foram conclusivos.

Nos boletins mensais escolares, as médias de frequência registradas em cada ano letivo tornaram relativa a diminuição de matrícula no 1º ano do ensino elementar entre 1922 e 1926. O cômputo dos boletins deixava evidente um aumento da frequência geral. De acordo com o entendimento de Carneiro Leão (1926, p. 10-11), esses boletins mostravam uma distribuição mais proporcional de alunos entre as duas séries iniciais e uma maior afluência às classes mais adiantadas. O modo como a Diretoria Geral de Instrução organizou a apresentação dos dados explicitou essas tendências em 1926:

Carneiro Leão fez uso da comparação das frequên­cias por classes de forma bastante eficiente como meio de provar o aumento do tempo de permanência na escola de uma parcela maior da população. De acordo com suas palavras:

A diminuição de alunos frequentes no 1o ano, com um aumento sensível de frequência geral prova, de um lado, que as crianças se vão mantendo por mais tempo na escola e, de outro, que o número de promoções naquele ano tem sido maior. Se nos anos anteriores à minha administração contavam-se cerca de 6 mil crianças no 1o ano, atualmente, encontram-se 12126 mais nas outras classes do curso.

Basta confrontar entre 1922 e 1926, o 2o e o 3o ano. Em 1922 essas duas classes tinham 14.895 alunos, diariamente, nos bancos escolares, hoje contam 20.663, ou uma diferença para maior de 5.768. Assim se somássemos esses 5.768 aos 22.818 do 1o ano, atual­mente teríamos 28.586 bem próximos dos 29.010 de 1922.

Podemos, pois concluir que, mesmo não levando em conta a diferença acentuada na frequência dos anos mais adiantados, esses 5.768 alunos mais no 3o e no 2o correspondem a um número equivalente de promoções no 1o ano. E não creio alguém prefira 29 mil alunos a 23 mil se aqueles 29 devem ser mantidos com o sacrifício de 6 mil promoções.

Confrontando, porém, as classes mais adiantadas naqueles dois anos veremos que 1926 apresenta, para mais, no 4o ano, 2.589 alunos; no 5o ano, 1.492 e no 6o e no 7o - que então não existiam - respectivamente, 1.517 e 917.

Isso prova, evidentemente, estar a administração conseguindo que o filho do povo se vá mantendo por um tempo mais longo na escola, para elevar a média geral da cultura da massa popular. (CARNEIRO LEÃO, 1926, p. 11-12)

A sugestão de que à diminuição dos alunos frequentes no 1º ano a partir de 1922 sucedeu um aumento anual de 6 mil promoções evidenciava as responsabilidades da administração do ensino com a educação popular, no argumento de seu diretor-geral. Nas escalas de frequência por série, Carneiro Leão encontrou bons índices para uma amostragem favorável do rendimento escolar.

Sob medida para a Diretoria Geral da Instrução Pública foi a apuração do número e lotação dos prédios escolares. O exame da situação em cada um dos distritos escolares constituiu outra prova do rendimento da educação pública obtido entre 1922 e 1926. Desta vez, o artifício explicitou os limites da expansão escolar na cidade do Rio de Janeiro. Ao comparar a lotação oferecida pelos prédios escolares com a lotação verificada nos índices de matrícula e frequência, Carneiro Leão (1926, p. 35) dimensionou a capacidade de atendimento do sistema público de ensino.

A apresentação dos dados de frequência e matrícula e da quantificação do espaço nas escolas públicas num quadro comparativo revelou um rendimento máximo, a saturação mesmo, da estrutura do ensino elementar. A construção foi engenhosa: em vez de caracterizar a abrangência do ensino público, Carneiro Leão justificou-a. O quadro salientou a falta de edifícios escolares, deixando em segundo plano as dificuldades de atendimento. Ou seja, sua utilidade dependeu do destaque que se deu para alguns elementos da realidade.

Examinando a situação de distrito por distrito, verificamos que, em três apenas - 2º, 3º e 7º - a lotação não foi atingida (mas trata-se justamente de zonas melhor servidas de escolas e onde há até duas e três quase ao lado uma da outra). Em todos os demais a escassez de espaço para o número de crianças nas classes é manifesta, sendo que em alguns deles de maneira francamente condenável e, até, prejudicial, se o hábito diário dos jogos ginásticos e exercícios físicos, ao ar livre, não atenuasse o mal.

Acredito, pois, que fomos longe demais, não se podendo de modo algum, sem um acréscimo de área, admitir mais o aumento da matrícula nem da frequência nas nossas escolas primárias. (CARNEIRO LEÃO, 1926, p. 35)

Carneiro Leão concentrou a atenção nas proporções entre dados específicos, ignorando o contexto social do qual resultaram. Por isso, configurou não apenas índices de prosperidade ou de saturação, mas também equivalências superficiais entre padrões induzidos de rendimento e expansão escolar. Em todo caso, essas relações foram úteis para acomodar explicações sobre as mudanças na organização e no funcionamento da instrução pública.

De outro gênero foi a acomodação que o recenseamento escolar possibilitou em 1927. Fernando de Azevedo, então diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal, fez organizar dados censitários para o conhecimento da população em idade escolar na cidade do Rio de Janeiro. Suas intenções eram conhecidas desde o discurso de posse no cargo:

Se antes de um contato mais íntimo com o vosso aparelho pedagógico de institutos ainda em formação, justapostos e quase sempre estranhos uns aos outros, me é lícito traçar um programa de ideias, nas suas linhas gerais, parece-me que este deverá começar pelo recenseamento escolar indispensável ao conhecimento exato da situação. Não se pode abordar eficazmente o problema da organização do ensino primário e da localização das escolas, sem dados censitários que nos deem a consciência nítida do número de crianças em idade escolar, distribuídas por todos os recantos do distrito. (AZEVEDO, 1929, p. 13-14)

A premissa de localizar escolas e planejar soluções para os problemas do ensino primário a partir de um recenseamento da população em idade escolar mostrou-se particularmente atraente quando da publicação dos resultados. Em comunicado pela imprensa, a Diretoria Geral da Instrução Pública destacou que, ao contrário das expectativas, um reduzido acréscimo de professores bastaria para erradicar o analfabetismo do Distrito Federal (O RESULTADO..., 1927). Ao serem definidos no censo, os núcleos infantis indicaram um atendimento integral da população em idade escolar nos distritos da Candelária, Sacramento, São José, Santo Antônio, Santa Rita e Sant'Ana. Outros distritos, como Andaraí, Inhaúma, Espírito Santo, Lagoa, Guaratiba, Glória, Meyer e Engenho Velho, apresentaram taxas reduzidas de crescimento médio anual. Os resultados deixaram confortável a administração municipal que entendeu estar em condições para "encarar o problema fundamental da educação do povo com certo otimismo" (O RESULTADO..., 1927). No julgamento do gabinete da instrução pública, o censo escolar foi identificado como a base da reforma do ensino, patenteando o que ainda estaria por fazer.

Executado pelo magistério municipal por meio de pesquisa domiciliar distrito a distrito, o levantamento apurou o número de crianças de 6 até 12 anos em cada um deles, discriminando faixa etária e sexo. Também preocuparam as indicações sobre alfabetização e frequência escolar dessas crianças.

Quando os índices chegaram aos jornais, dividiram as opiniões. A Diretoria Geral de Estatística Federal e o jornal O Globo suspeitaram do trabalho de coleta dos dados, afirmando que muitas casas não tinham sido visitadas pelas recenseadoras. Também criticaram a época escolhida para a realização do censo, entendendo que durante o verão muitas famílias se retiravam para o interior do país em férias para fugir às altas temperaturas dos três primeiros meses do ano na cidade do Rio de Janeiro. Parte dessa discussão se devia ao fato de que os números do recenseamento escolar diferiam das estimativas da Diretoria Geral de Estatística. Segundo Bulhões de Carvalho, diretor-geral de estatística, em 1927, a população do Distrito Federal de 6 a 12 anos, calculada pelo crescimento médio anual no período de 1906-1920, atingiria o número de 202.661 de habitantes. Pela forma como se estimaram as correções do cálculo do movimento populacional e das taxas de natalidade esse número chegava a 234.591 habitantes. Perante uma diferença tão significativa para menos, O Globo lançou a suspeita de que os totais do recenseamento escolar cumpriam a tarefa de redimensionar a demanda, tornando mais plausível a resolução do problema da falta de vagas nos estabelecimento de ensino da capital.

...a deficiência dos resultados obtidos pela diretoria de instrução municipal se tornaria mais evidente se fosse possível examinar, em seus detalhes por distritos, os algarismos por ela apurados, o que é difícil realizar por não serem idênticas as circunscrições censitárias no inquérito escolar e no recenseamento de 1920. Em tais condições não seria tecnicamente justificável a comparação entre os dois censos - confronto, aliás feito ao serem divulgados por distritos os resultados do inquérito escolar. (A DIRECTORIA GERAL..., 1927)

Os argumentos da Diretoria Geral de Instrução naturalmente diferiram. A administração do ensino buscou no arrasamento do Morro do Castelo, na eliminação de favelas e na expansão da atividade comercial a explicação para a presença reduzida da população infantil nos distritos comerciais da cidade. Em matéria sobre os resultados do recenseamento escolar, A Patria apoiou a Diretoria de Instrução. Não só confirmou a explicação para os números apurados nos distritos comerciais como atribuiu à prostituição no mangue a fuga da população infantil do distrito de Espírito Santo, que também perdeu duas partes importantes: um trecho de Santa Tereza e outro da Tijuca.

A tabulação dos dados não só ofereceu elementos sobre a localização dos núcleos infantis por distrito, como indicou a distribuição por faixa etária e sexo da parcela da população entre 6 e 12 anos, caracterizando, inclusive, as taxas de alfabetização e frequência escolar.

O acesso às informações sobre a população em idade escolar não atendida pela instrução pública foi o excepcional da iniciativa. O recensea­mento escolar apurou que 51.163 das crianças com idade escolar sequer frequentavam a escola, e reconheceu 68.512 analfabetos na faixa da população entre 6 e 12 anos. Na tentativa de quantificar uma possível afluência popular na escola, a Diretoria de Instrução encontrou índices para medir o alcance dos serviços escolares. O exame das estatísticas que resultaram do censo escolar de 1927 tornou o problema da obrigatoriedade de matrícula e da frequência escolar uma evidência quantitativa. Não por acaso os números do otimismo da administração foram os proporcionais, que acusaram frequentar a escola 63,7% da população entre 6 e 12 anos.

Depois que uma 4º seção foi organizada na Diretoria Geral de Instrução para cuidar da estatística, outra vez se procurou determinar o rendimento escolar do sistema de ensino. Do mesmo modo que em 1926, o alvo foi o índice de promoções. Contudo, em vez da distribuição por série dos alunos frequentes, foi publicado o mapa do movimento escolar de um ano letivo. O professor Pedro Mattos dirigiu os trabalhos, organizando o registro dos resultados de modo a demonstrar a quantidade de matrículas, o número de alunos promovidos ao ano imediato e dos que terminaram o curso primário durante o ano de 1928.

O levantamento dos dados da estatística do aproveitamento escolar foi uma estratégia para mostrar a eficiência da organização obtida com a reforma do ensino de 1928 que pareceu não funcionar. A apuração dos índices de aproveitamento do ensino não confirmou a expectativa de superioridade em relação aos anos anteriores. Afinal, um índice de promoções abaixo da metade da população escolar ainda uma vez sustentou altas taxas de evasão e reprovação. Tanto que não há nos impressos oficiais da Prefeitura ou da Diretoria Geral de Instrução qualquer menção a esses índices.

Já a imprensa obteve e fez suas análises dos dados da estatística do aproveitamento escolar, sobretudo os avaliou.2 2 Ver particularmente "O movimento escolar..." (1929) e "Decadência do ensino" (1929). Suas conclusões questionaram ou relativizaram os resultados. Parte da imprensa constatou que o serviço verificou números inéditos da instrução pública e, apesar da suspeita de possíveis deficiências dos dados, muitos articulistas concordaram sobre o interesse dessa estatística. Mesmo tratado como imprescindível na busca de índices acerca do funcionamento do sistema de ensino da capital, pareceu estranho a alguns periodistas aquilo que demonstrou. O editorial da edição de 26 de fevereiro de 1929 do jornal O Imparcial, por exemplo, confessou isso quando dimensionou os números apurados em relação à população da cidade do Rio de Janeiro:

É estranhável, entretanto, que no ano de 1928, depois da reforma do ensino e sob direção do Sr. Fernando de Azevedo, terminassem o curso, numa cidade de 2 milhões de habitantes, apenas 2.303 alunos, dos quais 586 do sexo masculino! (O movimento escolar..., 1929, p. 1)

A Diretoria Geral de Instrução Pública não polemizou nem discutiu os números. O silêncio das autoridades do ensino estendeu-se ao Boletim de Educação Pública, que em 1930 não publicou mapas desse tipo uma vez sequer. No entanto, uma consequência possível da atenção aos números do rendimento escolar foi a publicação dos programas de ensino para as escolas primárias. Pouco mais de três meses depois de concluídas as estatísticas do movimento escolar de 1928, a administração central da instrução iniciou a distribuição dos programas de ensino primário. A proposta que esses programas continham era a de despertar e cativar a atenção das crianças pela variedade de processos e recursos educativos, reeditando os esforços de Carneiro Leão para aumentar o tempo de permanência na escola de uma parcela maior da população. Ainda que não explorada pela própria Diretoria de Instrução, a aproximação entre o demonstrativo das promoções escolares e os programas de ensino sugeria que um aumento do aproveitamento escolar dependia, sobretudo, da reor­ganização do ensino na sala de aula. Em editorial de O Paiz, essa espécie de insinuação ganhou clareza. Após entrevista com Fernando Azevedo sobre o trabalho da comissão encarregada da elaboração do programa, os redatores do jornal sustentaram a premissa da Diretoria Geral de Instrução Pública sobre as relações entre o método pelo qual os exercícios da classe se conduziam e o seu aproveitamento escolar:

A fórmula compreende um complexo plano educacional, que implica em animar o mecanismo geral do sistema escolar, dentro das finalidades pedagógicas e sociais, com a escola única, ponto de partida para todos, a escola do trabalho e a escola da comunidade.

Para atingir a esses objetivos, são necessários novos métodos, na própria frase do Dr. Fernando de Azevedo.

Os programas recém-organizados por uma comissão presidida pelo autor da reforma, traçam, com segurança, esses novos processos, de cuja eficiência não se pode duvidar, após atencioso exame do seu mecanismo. (O PAIZ, 1928, p. 1)

Entendia-se, portanto, que a Diretoria Geral de Instrução estava voltada para a qualificação do atendimento escolar. O problema era melhorar as taxas de permanência e promoção escolares. A resposta àquilo que se pensou ser uma questão de reciprocidade considerava a necessidade de satisfazer as crianças com experiências, iniciativas, exercícios e demonstrações capazes de manter sua atenção. De acordo com as instruções sobre a metodologia das matérias do curso primário publicadas nos programas escolares de 1929, importou o ensino de fenômenos, de noções e de práticas que mais de perto interessassem às crianças (DISTRITO FEDERAL, 1929). Na introdução que escreveu para os programas, Fernando de Azevedo fez generalizações com base em exemplos desse tipo, afirmando as vantagens da concentração dos estudos elementares em torno de centros de interesse (AZEVEDO, 1930, p. 17). A influente ideia de centros de interesse, apresentada por Ovídeo Decroly, em trabalhos de 1914 e 1921,3 3 Ver Decroly e Monchamp (1914); Decroly e Boon (1921). circunscreveu a proposta de ensino global ou concêntrico da reforma da instrução de então. E, portanto, a expressão refere-se não só a uma metodologia de ensino mas, especialmente, à elaboração do novo plano de estudos para as escolas primárias. Do relacionamento entre a metodologia do ensino e o interesse da criança a Diretoria de Instrução esperou, mais que um aumento da demanda escolar, um aproveitamento mais significativo do ensino público.

Desde o recenseamento até os demonstrativos do movimento escolar, os índices para dimensionar as demandas por educação pública ampararam uma reconstrução de ideias e da visão sobre os registros de matrícula, frequência e promoção nas escolas. A utilidade que a Diretoria Geral de Instrução viu neles indicou os critérios de um trabalho atento de verificação da situação de ensino no Distrito Federal. Muito porque, de acordo com possibilidades específicas de testemunho, esses índices tinham a ver com os modos como a administração central do ensino percebeu as suas próprias responsabilidades e as da comunidade e do magistério. Por outra parte, os critérios que apoiaram a elaboração de dados estatísticos sobre a demanda e os resultados da instrução pública procederam da compreensão calculadora e generalizadora acerca de um fenômeno coletivo como a escolarização. Tanto o censo quanto a elaboração estatística do aproveitamento do ensino em 1928 foram manifestações expressivas desse tipo de verificação. Sobretudo, contentaram a expectativa de descrições objetivas de um movimento escolar ainda muito incerto, eventual e ambíguo. Os parâmetros de percepção e julgamento com os quais a Diretoria de Instrução estimou a capacidade de atendimento do ensino público entre 1927 e 1929 cifraram uma avaliação do alcance do sistema de educação da capital em quadros estatísticos. Embora pouco precisos e não tão objetivos como quiseram supor os índices então apurados, eles definiram as evidências quantitativas daquilo que os responsáveis pela reforma da instrução reconheceram ainda ser necessário acomodar e melhorar.

A RAZÃO DAS ESTATÍSTICAS NO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

Anísio Teixeira teve a sua parte nas acomodações dos resultados estatísticos. Mais uma vez, discutiu a expansão escolar por meio dos dados de matrícula e frequência, pela apuração do número e lotação dos prédios escolares e pela determinação do movimento escolar. Entretanto, contribuiu para a mensuração do crescimento do sistema escolar com estratégias inéditas quando apresentou demonstrativos anuais do número de matrículas por idade, da quantidade de turnos de ensino e do ajustamento de idade dos anos escolares. Em consequência, dentre as tantas tentativas que até 1935 se fizeram para quantificar a capacidade de atendimento da educação pública na capital federal, a de Anísio Teixeira foi a mais completa. Entre 1932 e 1935 o Departamento de Educação verificou os números relativos à população escolar e à sua distribuição pelo ensino público de um modo sistemático. A organização da Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística favoreceu essa situação naquilo que propiciou de informações relacionadas ao alcance e ao tipo de atendimento das escolas da capital federal. A variedade dos recursos que então visaram o controle de matrícula e frequência garantiu o registro dos dados provenientes do movimento escolar e da identificação das crianças. O esquadrinhamento que se seguiu, então, somando estatística e recenseamento, diversificou os métodos de quantificação do movimento escolar.

Sob a chefia de Pedro Mattos, a Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística providenciou fichas, listas, guias e mapas de coleta de informações usadas para a estatística do ensino.4 4 Para mais detalhes sobre os órgãos de controle de frequência e matrícula do sistema escolar desenvolvidos pelo Departamento de Educação entre 1932 e 1935, ver Mattos (1934, p. 17-106). As fichas mantinham os dados da educação pública atualizados. Em fichários verticais, as fichas do registro individual dos alunos acusavam o censo da população matriculada e as fichas de constituição das turmas e de matrícula, distribuídas por circunscrição e escola, davam a classificação de cada aluno, o sexo, a idade, o número de vezes de repetição do ano e as causas de atraso ou adiantamento. Em fichários horizontais, os registros de informação geral da escola, das estatísticas da escola, das turmas organizadas e das turmas distribuídas pelos professores referenciaram localização, direção, circunscrição, tipo de classes e respectivos professores, número de professores, turmas, turnos e salas de aula. Em conjugação com o controle das escolas, funcionou o controle de distribuição de professores. Por meio das fichas de indicações gerais sobre o professor e de indicação sobre licenças e transferência de professores o Departamento de Educação podiam ser verificadas as indicações úteis para designação ou transferência dos docentes, como eram o local de exercício, residência e obras publicadas. As listas de retirados da matrícula e de incluídos na matrícula retificavam os dados de frequência a partir do controle das transferências, remanejamentos e desistências de alunos. Os guias de saída da escola e de matrícula na escola serviram para dar registro aos motivos das transferências dos alunos, visando a evitar mudanças constantes e injustificadas de escola por parte das crianças. Os mapas de movimento da escola, de movimento das classes, da matrícula por idade e condição social e de matrícula por nacionalidade e eliminados alimentaram os resumos publicados pelo Departamento de Educação. Assim, viabilizaram a apuração dos índices de matrícula por série e sexo, de frequência média por série e sexo, de frequência diária de aula e de condição social e idade por série escolar, de nacionalidade e idade e de movimento de incluídos e retirados da matrícula.

Anísio Teixeira deu ciência dos resultados do serviço da Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística no relatório administrativo que publicou em 1934. Com base nas informações então coligidas, discutiu os índices de expansão escolar em relativo grau de detalhe. O estudo com o qual o diretor do Departamento de Educação iniciou suas considerações foi sobre os números de matrícula e frequência das escolas primárias diurnas, noturnas e jardins de infância. Em quadro comparativo dos demonstrativos de matrícula e frequência dessas escolas no período entre 1907 e 1934, ele evidenciou o quanto vinha aumentando o sistema escolar a partir de um exame de números globais.

Em números absolutos, a curva de crescimento ascendente ficou nítida e justificou-se o modo como o sistema escolar ampliou sua capacidade de atendimento da população infantil nos dois últimos quadriênios. Em percentuais, a estatística foi tratada como indício da necessidade que a população já sentia de fixar a criança à escola. O acentuado acréscimo verificado na percentagem da frequência em relação à matrícula animou Anísio Teixeira nesse sentido:

A percentagem de frequência, que é a realidade da matrícula, revela que a população carioca já sente a necessidade de fazer com que, na idade escolar, a criança tenha como principal objetivo a frequência à escola.

Os números que as estatísticas nos fornece, não são de molde a deixar o administrador tranquilo, sem necessidade de adotar providências que tornem mais eficaz a obrigatoriedade de frequên­cia escolar, mas são já bastante compensadores. (1935, p. 124)

As proporções entre matrícula e frequência mereceram destaque na organização dos quadros estatísticos do Departamento de Educação, sendo publicadas em separado:

Mais positivos ainda foram os números do quadro em que o Departamento de Educação apresentou as proporções do aumento de matrícula de cada ano em relação ao ano letivo anterior desde 1927:

Os acentuados valores do aumento de matrícula entre 1927 e 1934 foram considerados naturais por Anísio Teixeira (1935, p. 119), que então viu nas taxas de crescimento populacional do Distrito Federal a motivação principal. Entretanto, a capacidade do sistema escolar atender esse aumento não deixou de ser apontada como conquista administrativa. Nesse aspecto, o desdobramento dos turnos de aula e as estratégias de homogeneização das classes de alunos e correção dos desajustamentos das idades dos anos escolares apareceram relacionados aos índices de crescimento da educação pública carioca na descrição que Anísio Teixeira fez em relatório. Assim, a escala ascendente da matrícula e das percentagens de frequência escolar, se não procedeu de arranjos organizacionais bem definidos, adquiriu essa conotação na forma como foi apresentada.

Na evolução do número de escolas que funcionaram entre 1929 e 1934, os efeitos da decisão administrativa sobre a capacidade do sistema de educação pública de atender a uma parcela maior da população infantil da capital foi notável. Com um progresso numérico de 12 escolas diurnas, 6 jardins de infância e 1 sessão noturna, a Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística do Departamento de Educação registrou 34.000 alunos a mais em 1934 do que em 1929.

A aparente desproporção entre o número de escolas e o implemento de matrícula obtido mereceu explicação minuciosa de Anísio Teixeira:

Em 1929 as escolas funcionavam em um e dois turnos. De 1933 em diante, nas zonas mais populosas, as escolas passaram ao regime de três turnos, verificando-se maior aproveitamento do prédio escolar. Temos, então que, na realidade, em 1934 funcionaram 506 escolas diurnas. (1935, p. 125-126)

Há também a considerar que não era norma essencial, em 1929, dar a cada professor uma classe de 40 alunos. Essa norma administrativa já foi mais observada em 1933 e 1934. Daí termos em julho desse último ano 2.862 classes de ensino elementar diurno com a matrícula de 110.068.

A descrição das práticas de otimização do atendimento escolar também encontrou expressão num quadro comparativo. A respeito dos números de classes, de turnos e de escolas os dados foram os seguintes:

O principal aspecto da comparação entre o número de classes, de turnos e de escolas em funcionamento nos anos de 1931 a 1934 foi o tipo de aproveitamento que evidenciou. O regime de três turnos nas escolas das zonas mais populosas da cidade e a atribuição de classes com 40 alunos respondeu ao aumento da demanda escolar formalizando novas condições para o trabalho educativo. Às custas de um terceiro horário escolar e de classes mais numerosas, o Departamento de Educação permitiu que o sistema de educação pública crescesse a ponto de fazer da elaboração estatística uma abordagem necessária dos resultados escolares.

O cálculo das correlações entre a organização, os processos e a oferta de ensino também apareceu nos quadros de distribuição dos alunos por série e da matrícula por idade. Os dois demonstrativos basearam-se em registros anuais de matrícula e promoção escolares para medir a espécie de performance que foi o aumento do tempo de permanência das crianças na escola. Ambos os quadros acuraram índices de importância para mensurar o que se entendia como regularidade de matrícula: a proporção de alunos em cada série de ensino e o ajustamento de idade dos anos escolares. A apuração desses dados serviu para apontar que tanto a criança ia se fixando mais à escola quanto o fluxo etário sofria lenta e difícil correção em relação às séries escolares.

O quadro de distribuição dos alunos pelas séries escolares acusou, no cálculo dos percentuais de alunos por série em relação ao total de matrícula, uma melhora nos índices de aproveitamento geral. O resumo comparativo de 1930 e 1934 evidenciou o aproveitamento em relação à matrícula de cada série escolar e o engrossamento do número total de alunos principalmente nas 2ª e 3ª séries.

A verificação do modo como se distribuíram as idades pelos anos escolares entre 1932 e 1934 mostrou que a maioria da 1ª série estava distribuída pelas idades de 7, 8 e 9 anos; da 2ª série, de 9, 10 e 11 anos; da 3ª série, de 10, 11 e 12 anos, da 4ª, de 11, 12 e 13 anos; e da 5ª, de 12, 13 e 14 anos.

Levando em conta a idade legal de 7 a 12 anos, Anísio Teixeira percebeu os progressos. Na distribuição das idades pelos anos escolares, a marcha de aproveitamento foi de um terço para a série inicial da escola primária entre 1932 e 1934. Das 12.863 crianças matriculadas com 7 anos no 1º ano em 1932, 4.276 delas se matricularam na segunda série no ano seguinte. Da 2ª série para 3ª série, o mesmo período registrou um índice de aproveitamento de cerca de 50%: das 2.887 matrículas de crianças com 8 anos na 2ª série em 1932, 1.957 matricularam-se no 3º ano em 1933. Nas séries finais os índices de aproveitamento foram ainda melhores para o biênio seguinte. Em 1934, a 5ª série recebeu 974 crianças das 1290 que em 1933 cursaram o 4º ano com 10 anos, ou seja, aproximadamente três quartos delas. A interpretação que Anísio Teixeira deu aos números desse aproveitamento salientou os limites da correção de fluxo etário em relação às séries escolares:

Não nos era permitido acelerar a marcha de aproveitamento dos que viviam presos a determinadas séries com idades já muito avançadas, origem do deslocamento do nível de aplicação e aproveitamento. O trabalho que podia ser acelerado era o da primeira série escolar, cujos alunos entram normalmente no sistema e podem fazê-lo dentro da regularidade da idade cronológica, tendo-se em vista, sempre, a velocidade de aproveitamento. (1935, p. 134)

Índice central para a definição do movimento escolar, a percentagem de aproveitamento dos alunos em face à matrícula conheceu uma curva ascendente importante. Ainda que insuficiente para gerar um ajustamento melhor das idades nos anos escolares, os índices de aproveitamento escolar, ao menos, ultrapassaram qualquer outro registro do mesmo tipo. Os quadros que o Departamento de Educação organizou para indicar o número de promoções nas escolas elementares diurnas entre 1929 e 1934 evidenciaram esse fato minuciosamente.

As sessões noturnas das escolas elementares, no entanto, não lograram um aproveitamento semelhante.

Mas nem mesmo o reduzido aproveitamento escolar dos alunos matriculados em seções noturnas das escolas elementares prejudicou a ascensão dos índices de aproveitamento conseguidos entre 1932 e 1934 nas escolas elementares diurnas. Do resumo de aproveitamento geral do sistema escolar da capital entre 1929 e 1934 constaram os resultados seguintes:

Até onde esses números foram pertinentes, Anísio Teixeira demonstrou ser capaz de adaptá-los aos próprios propósitos e de encontrar maneiras de sublinhar sua validade para o desenvolvimento e melhoramento da instrução pública. A trama que Anísio Teixeira então conseguiu produzir entre os empreendimentos administrativos e seus efeitos e resultados justificou os arranjos organizacionais promovidos pelo Departamento de Educação. Assim, o desdobramento dos turnos de aula, as estratégias de homogeneização das classes e a atenção aos desajustamentos das idades dos anos escolares mereceram ter sua eficácia demonstrada em números, por meio de índices e proporções. Com a manobra, obteve-se senão exatamente um recurso de racionalização técnica, certamente, um instrumento de persuasão digno de um processo de escolarização massificante.

DA FABRICAÇÃO E DA RAZÃO DOS QUADROS ESTATÍSTICOS NA EDUCAÇÃO DO PERÍODO

Os quadros estatísticos que as sucessivas reformas da instrução pública produziram entre 1922 e 1935 abrem bons veios de trabalho sobre a história das políticas educativas do período. Primeiro, porque as categorias então criadas para quantificar a capacidade de atendimento do sistema escolar ou perceber seu rendimento fazem aparecer a regularidade dos serviços, seus resultados e alcance. Depois, há a criação de seções específicas para a elaboração dos dados. Assim, por um lado, a necessidade de redefinir os serviços de secretaria e a organização do trabalho geral na administração central apontada por Carneiro Leão (1926, p. 198--199), ainda em 1926, conheceria importantes desdobramentos com a criação de uma 4ª seção na subdiretoria administrativa da Diretoria de Instrução Pública em 1928 para, entre outras atribuições, apurar a estatística geral do ensino. Mas foi sobretudo a organização, em 1932, de uma seção de estatística escolar na Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística do Instituto de Pesquisas Educacionais que melhor expressou a necessidade das apurações quantitativas relativas ao ensino da capital federal. Por outro lado, a quantificação do rendimento escolar, das inspeções médicos-escolares ou da expansão da matrícula e frequência não só serviu de instrumento da administração das reformas do ensino, também foi um meio de fabricar índices oportunos. Nesse sentido, é significativo acompanhar a divulgação dos dados apurados na Diretoria Geral de Instrução nos relatórios, na imprensa e no seu impresso oficial, o Boletim de Educação Pública. Logo se percebem as manobras.

No final de 1925, Carneiro Leão tinha apurado a frequência e o rendimento escolar desde 1922 e o alcance de atendimento das escolas em relação à sua capacidade instalada para mostrar o máximo aproveitamento que obteve da rede escolar da capital. Entre 1927 e 1930, o foco seria outro. Sem um resultado expressivo na ampliação das matrículas e o fracasso da reforma das escolas e institutos profissionais conforme notícia publicada no jornal O Imparcial sobre as estatísticas organizadas na Diretoria de Instrução no ano anterior, o Boletim de Educação Pública não divulga esses índices. Nesse período, parece ter interessado mais dar visibilidade aos números referentes às atividades de inspeção médico-escolar. A partir de 1928, os números apurados no serviço médico da Diretoria foram regularmente publicados em diversos diários da capital, sendo que, em 1930, ganharam até balanço anual no Boletim de Educação Pública. No quadriênio que se seguiu, Anísio Teixeira ostentou números em muito superiores na matrícula, no ensino profissional, nos serviços médicos e na relação entre o atendimento do ensino público e a capacidade escolar instalada. Entre 1932 e 1935, o Boletim de Educação Pública e os relatórios administrativos de Anísio exploraram os resultados obtidos, entre outras iniciativas, com o desdobramento dos turnos escolares, a criação do ensino técnico secundário e a nova política de construção de prédios escolares. Tudo apareceu publicado então, por vezes como prova da expansão e crescimento conseguidos, ora enquanto indicativo para a organização das escolas (TEIXEIRA, 1935, p. 69).

De fato, a série de quadros estatísticos produzida entre as décadas de 1920 e 1930 pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal mostra que quantificar a capacidade de atendimento da educação pública foi uma conduta que ultrapassou o simples cômputo do número de matrículas e a percentagem da frequência nas escolas públicas. A sondagem dos índices da expansão quantitativa da escola encontrou na determinação dos resultados de rendimento do sistema de ensino, da lotação dos prédios e da população escolar outros instrumentos de mensuração do alcance da educação pública na época. Principalmente, a administração central valeu-se das quantificações para responder aos impasses, embaraços e impossibilidades das transformações do funcionamento escolar de então. Na qualidade de estatística, tais quantificações serviram para aqueles que projetaram e prescreveram as reformas do ensino. Não sem as premissas de um certo cálculo político, a estatística foi uma representação em relação ao que as ideias realizavam.

Recebido em: ABRIL 2013

Aprovado para publicação em: MAIO 2013

O artigo discute parte dos resultados de pesquisa do meu doutoramento, defendido na Universidade de São Paulo, sob o título A estratégia como invenção: as políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935, e incorpora discussões realizadas no âmbito do projeto de pesquisa Repetência e evasão na escola brasileira (1889-1930).

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  • O rendimento da escola no Distrito Federal entre 1922 e 1935

    The school performance in the Federal District between 1922 and 1935
  • 1
    Sobre estudos críticos acerca da organização e gênese das fontes estatísticas ver, especialmente, Thèvenot (1990), Guereña e Viñao Frago (1996) e Lugli (2005).
  • 2
    Ver particularmente "O movimento escolar..." (1929) e "Decadência do ensino" (1929).
  • 3
    Ver Decroly e Monchamp (1914); Decroly e Boon (1921).
  • 4
    Para mais detalhes sobre os órgãos de controle de frequência e matrícula do sistema escolar desenvolvidos pelo Departamento de Educação entre 1932 e 1935, ver Mattos (1934, p. 17-106).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2013
    • Aceito
      Maio 2013
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