TEMA EM DESTAQUE
POLÍTICA E GESTÃO DA EDUCAÇÃO NO ÂMBITO MUNICIPAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Apresentação
Caro leitor, cara leitora,
O arcabouço legal vigente no Brasil, no que se refere ao ensino fundamental, reserva aos municípios a responsabilidade pela oferta e gestão da educação. Entretanto, iniciativas do governo federal tendem a pautar políticas implementadas na esfera municipal por meio do estabelecimento de diretrizes e parâmetros nacionais e/ou de incentivos para que desenvolvam projetos de melhoria da qualidade do ensino ofertado e merecem, por isso, um olhar mais atento sobre seus desdobramentos.
Na literatura da área predomina a tendência a discutir o processo de descentralização no Brasil, assinalando que os municípios assumiram maior autonomia e se tornaram entes federativos responsáveis pela cobertura de bens e serviços públicos.
De modo geral, nesse campo ainda prevalecem polaridades. De uma parte, há os que defendem o fortalecimento do poder local como mecanismo democrático exercido em pequena escala. De outra parte, estudos apontam problemas estruturais na capacidade política e institucional de municípios no que tange: às questões financeiras; às dificuldades de organização e estrutura do aparato burocrático; à ausência de quadros administrativos bem preparados e qualificados para enfrentar os desafios de atendimento no setor social; à prevalência de práticas clientelísticas.
Assim, a relevância do tema em destaque se justifica tendo em vista a centralidade que a esfera municipal conquistou desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando se estabeleceram princípios descentralizadores e municipalistas. O texto constitucional preconizou a transferência de recursos fiscais para estados e municípios, definiu a competência dos municípios nas áreas de educação infantil e fundamental e saúde (cooperação técnica e financeira do Estado e da União), conferiu centralidade às câmaras municipais em processos decisórios e configurou estratégias indutoras de criação dos conselhos locais.
Este volume de Cadernos de Pesquisa traz artigos que examinam relações intergovernamentais e suas repercussões na gestão da educação básica em municípios brasileiros.
Nalú Farenzena e Patrícia Souza Marchand analisam o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e seu principal instrumento o Plano de Ações Articuladas no contexto do regime de colaboração vigente. O Plano de Metas, instaurado pelo governo federal com o Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007, apresenta 28 diretrizes a serem implementadas em parceria com redes e sistemas estaduais e municipais de ensino, por meio do PAR, com vistas a melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica Ideb.
Tomando por referência a concepção de regulação na/da ação pública, as autoras elaboram instigante caracterização da política educacional no cenário contemporâneo, enfatizando, na sequência, a discussão sobre os princípios e fundamentos da agenda do governo brasileiro para a área. Por fim, examinam os dados referentes à implementação do PAR em municípios do Rio Grande do Sul, salientando problemas e tensões na relação contratual entre a União e a esfera municipal.
No artigo intitulado "Condições do trabalho escolar: desafios para os sistemas municipais de ensino", Andréia Ferreira da Silva e Antônio Lisboa Leitão de Souza examinam as condições de realização do trabalho docente na educação básica, contexto de desafios para o exercício do magistério. Inicialmente, discutem as diretrizes de reformas educacionais implementadas no país a partir da segunda metade da década de 1990, com ênfase na análise dos mecanismos de controle e de avaliação do trabalho docente, por meio da instituição de um sistema nacional de avaliação dos diferentes níveis de ensino que vem priorizando testes estandardizados.
Na sequência, os autores apresentam e discutem os resultados de pesquisa nacional sobre Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil realizada entre 2009 e 2010 e coordenada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho docente da Universidade Federal de Minas Gerais com ênfase nos dados de questionário aplicado aos docentes do Rio Grande do Norte.
O artigo "A Capacidade institucional de municípios paulistas na gestão da educação básica", de autoria de Angela Maria Martins, Cláudia Pimenta Oliveira, Fabiana Fernandes, Gláucia Novaes e Valéria Lopes, analisa parte dos dados de pesquisa realizada em municípios localizados em três regiões metropolitanas do Estado de São Paulo. As autoras assinalam que o estudo foi implementado nessas localidades por constituírem um universo expressivo no cenário paulista, e também, pela peculiaridade de terem se inserido de maneira mais incisiva no processo de municipalização do ensino, que se iniciou na capital São Paulo e se expandiu para áreas de maior crescimento no interior, como Campinas e Santos. O artigo examina, inicialmente, diferentes concepções sobre o termo "capacidade institucional", com base em levantamento de literatura e de documentos oficiais brasileiros e estrangeiros. Na sequência, as autoras analisam a estrutura e funcionamento de sistemas/redes de ensino; a gestão de pessoas; e a gestão pedagógica. A pesquisa confirma parte das preocupações registradas em outros estudos e documentos oficiais que apontam problemas em políticas públicas implementadas por municípios brasileiros, dentre as quais destacam-se dificuldades técnicas somadas às opções/decisões políticas locais para elaborar de forma mais consequente etapas de planejamento, gestão, monitoramento e avaliação.
Por fim, Andréa Barbosa Gouveia e Ângelo Ricardo de Souza em artigo intitulado "Efetividade da Política para o ensino fundamental em municípios brasileiros" , discutem resultados de pesquisa que se propõe a articular financiamento, condições de qualidade e resultados escolares. Os autores assinalam que o Índice de Condições de Qualidade ICQ constitui uma síntese de dados sobre condições de infraestrutura escolar, condições de trabalho do professor e condições de gestão da escola.
O texto apresenta, inicialmente, parte da literatura que debate as questões de avaliações de larga escala e, na sequência, discute os usos dos instrumentos de larga escala, chamando a atenção para a relevância de leituras contextuais sobre as condições nas quais o processo de aprendizagem se constrói. O artigo mostra que, aparentemente, as condições gerais de qualidade educacional no país têm sido incrementadas e os municípios que apresentam melhores resultados são aqueles que atendem até 1.000 estudantes nas redes municipais ou, no outro extremo, os que atendem mais de 10 mil estudantes.
Ressalte-se que o trabalho constitui contribuição fundamental para qualificar o debate em torno da efetividade das políticas educacionais tomando por referência a quantidade de oferta de matrículas por municípios brasileiros em face da qualidade do ensino.
ANGELA MARIA MARTINS
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
14 Mar 2014 -
Data do Fascículo
Dez 2013