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Trabalho social e intervenção social na França: o estado do conhecimento

Social work and social intervention in France: the state of the knowledge

Trabajo social e intervención social en Francia: el estado del conocimiento

Resumos

As escolas de trabalho social na França estão, finalmente, desenvolvendo investigação científica nos centros de pesquisa e de estudo para formação e ação social - Prefas - ou em parceria com as universidades. O caráter científico do trabalho social é questionado e contestado de acordo com as interações entre os atores sociais e as referências que estes mobilizam enquanto competem. Essas questões metodológicas cristalizam-se em torno da luta entre os campos das ciências sociais e do trabalho social, bem como dentro do próprio trabalho social como parte de uma reativação da dicotomia entre conhecimentos teórico prático situado e universal. Assim, o desenvolvimento de um paradigma científico de profissões como o trabalho social e também a questão dos modelos institucionais com epistemologias híbridas podem não se encaixar totalmente na lógica existente em razão da recusa histórica da academia em articular ciência e eficiência.

Trabalho Social; Saber Profissional; França.


Schools of social work in France are, finally, developing scientific research centers for training and social action - Prefas - or joint investigation with universities. The scientific character of social work is questioned and challenged according to the interactions among social actors and the references that they gather while competing. These methodological issues arise from the struggle between the fields of the social sciences and social work, as well as within the social work field as part of a revival of the dichotomy between theoretical knowledge, local and universal. Thus, the development of a scientific paradigm of professions such as social work and also the issue of institutional models with hybrid epistemologies may not fully fit within the existing logic due to some form of historical refusal of the Academy when articulating science and efficiency.

Social Work; Professional Knowledge; France.


Finalmente, las escuelas de trabajo social en Francia están desarrollando investigación científica en el ámbito de los centros de pesquisa y de estudio para la formación y acción social - Prefas - o por medio de parcerias con las universidades. El carácter científico del trabajo social se cuestiona y contesta de acuerdo a las interacciones entre los actores sociales y a las referencias que éstos movilizan mientras compiten. Dichas cuestiones metodológicas se cristalizan en torno a la lucha entre los campos de las ciencias sociales y del trabajo social, así como dentro del propio trabajo social como parte de una reactivación de la dicotomía entre los conocimientos teórico práctico situado y universal. De este modo, el desarrollo de un paradigma científico de profesiones como el trabajo social, así como la cuestión de los modelos institucionales con epistemologías híbridas, pueden no encajarse totalmente en la lógica existente en razón del rechazo histórico de la academia en articular ciencia y eficiencia.

Trabajo Social; Saber Profesional; Francia


Les écoles de travail social en France sont finalement en train de développer des recherches scientifiques au sein de pôles de recherche et d'étude pour la formation et l'action sociale - Prefas - ou en partenariat avec les universités. Le caractère scientifique du travail social est remis en question et contesté en fonction des interactions entre les divers acteurs sociaux et les références mobilisées par ceux-ci concernant leurs compétences. Ces questions méthodologiques se cristallisent autour de la lutte entre le domaine des sciences sociales et celui du travail social, ainsi qu'à l'intérieur du travail social lui-même en réactivant la dichotomie entre les connaissances théoriques pratiques et les connaissances universelles. Aussi, le développement d'un paradigme scientifique de professions comme celle du travail social, tout comme la question des modèles institutionnels à épistémologie hybride ne peuvent pas être totalement intégrés dans la logique existante à cause d'un éventuel refus historique, de la part du milieu académique, de faire l'articulation entre science et efficacité.

Travail Social; Savoir Professionnel; France


As escolas de serviço social na França começam finalmente a desenvolver uma pesquisa científica no âmbito de laboratórios internos, de Polos de Pesquisa e de Estudo para a Formação e a Ação Social (Pôles de Recherche et d'Étude pour la Formation et l'Action Sociale) - Prefas - regionais, ou ainda em parceria com universidades. Essa evolução sinaliza o início de um processo de reflexão coletiva que, pela primeira vez, discute as relações entre o serviço social e a pesquisa na França. Esse "ano zero" é marcado pela publicação dos resultados de uma Conferência de Consenso iniciada em 2012 (JAEGER, 2014JAEGER, M. (Dir.). Le travail social et la recherche. Conférence de consensus. Paris, Dunod, 2014.). Essa mobilização de atividades e de reflexões coloca de maneira inédita a questão da natureza do saber produzido, como também de seu vínculo epistemológico e institucional. Assim, a cientificidade do serviço social é questionada, contestada ou reivindicada segundo os interesses dos atores e as referências que são utilizadas, debatidas e confrontadas. Esses embates metodológicos cristalizam-se em torno de questões relacionadas a uma luta entre o campo das ciências sociais e o do serviço social, mas também a uma disputa no interior do serviço social, no contexto de uma reativação da dicotomia entre saber teórico universal e saber prático situado. É nesse contexto que o desenvolvimento de uma ciência do serviço social se decompõe em três modalidades de pesquisa: "sobre", "em" e "para" o serviço social. No limite, o desenvolvimento de um paradigma científico específico às profissões complexas, como o serviço social, coloca a questão dos modelos epistêmico-institucionais híbridos que não podem se inserir totalmente nas lógicas acadêmicas pré-existentes devido a uma certa recusa histórica de articular ciência e eficácia.

A difícil implementação de uma pesquisa no campo do serviço social

A reivindicação da pesquisa no campo do trabalho social na França é antiga. Prova disso é a criação do Diploma Superior em Serviço Social (Diplôme Supérieur en Travail Social) - DSTS - em 1978, da Missão da Pesquisa (Mission de la recherche) - MiRe - em 1982, dos Institutos Regionais do Serviço Social (Instituts Régionaux du Travail Social) - IRTS - com competência de pesquisa em 1986,1 1 Decreto de 22 de agosto de 1986 que trata da criação de Institutos Regionais de Serviço Social. ou ainda da cadeira de serviço social no Conservatório Nacional de Artes e Ofícios (Conservatoire National des Arts et Métiers) - CNAM - em 2000. É preciso mencionar também a mobilização da associação das superintendentes (Association des surintendantes) e do comitê de articulação (Comité de Liaison) dos centros de formações superiores que organizaram três colóquios com o objetivo de promover a pesquisa em trabalho social (LAOT, 2000LAOT, F. Doctorats en travail social. Quelques initiatives européennes. Renne: ENSP, 2000.). Contudo, a estruturação da pesquisa nesse campo ainda permanece embrionária. Foi nesse contexto que a Direção Geral da Coesão Social (Direction Générale de la Cohésion Sociale) - DGCS -, antiga Direção Geral da Ação Social (Direction Générale de l'Action Sociale), divulgou uma circular, em 6 de março de 2008, a fim de dar um novo impulso à pesquisa no campo do serviço social.2 2 Circular DGAS/PSTS/4A n. 2008-86 de 6 de março de 2008 relativa às ações de qualificação em serviço social financiadas a título de prioridades definidas elas orientações ministeriais para as formações sociais 2007-2009; e, especialmente, ao lançamento de uma convocatória a projetos para a criação, apoio e desenvolvimento de polos recursos "pesquisa-serviço social-intervenção social-ação social-formações". Esse texto lança uma convocatória a projetos para incentivar as iniciativas regionais a difundir, pôr em circulação os saberes, organizar o debate e apoiar ou elaborar projetos de pesquisa. Todo projeto aceito recebe uma subvenção anual de 50 mil a 60 mil euros por três anos, tempo necessário para conseguir um sistema de financiamento permanente. Vinte projetos foram aceitos e financiados. Atualmente, cada região tem o seu Prefas (SARAZIN, 2009SARAZIN, I. Les pôles ressources, promesses d'une structuration de la recherche? ASH, n. 2623, 2009. ). A maioria dos polos recursos fez parceria com a universidade. O movimento assim iniciado suscitou uma forte mobilização das escolas de formação do setor social em matéria de pesquisa. É provável que esse movimento seja, enfim, o início de uma estruturação duradoura da pesquisa no campo do serviço social. Mas, será que se trata de um limiar crítico sem possibilidade de retrocesso para o reconhecimento e o desenvolvimento de uma pesquisa em serviço social? É preciso assinalar que hoje já existem indicadores que apontam nessa direção, embora esse movimento ainda seja bastante frágil (RULLAC, 2009RULLAC, S. Recherche en travail social: la voie malaisée de la reconnaissance., Activités sociales hebdomadaires n. 2.625, p. 19-20, 2009.).

Muitos pioneiros se engajaram nessa luta pelo reconhecimento de uma teoria endógena. Hervé Drouard, por exemplo, criou, em 1993 a Associação Francesa de Formações Universitárias de 3º ciclo em Serviço Social (Association Française des Formations Universitaires de 3e cycle en Travail Social) - Affuts -, que há vários anos abre espaço para a promoção da pesquisa em serviço social. A criação do Diploma de Estado de Engenharia Social (Diplôme d'État d'Ingénierie Sociale) - DEIS3 3 Decreto n. 2006-770 de 30 de junho de 2006 relativo ao diploma de Estado de engenharia social. Circular DGAS/SD4A n. 2006-379 de 1º de setembro de 2006 relativo às modalidades da formação preparatória e obtenção do diploma de Estado de engenharia social. - favorece o desenvolvimento de uma produção de conhecimentos que fazem parte da pesquisa em serviço social, e de uma expertise endógena ao serviço social, voltada para o desenvolvimento. O referencial de competência do DEIS diferencia e qualifica essas duas dimensões na medida em que fornece indicadores úteis para distingui-las.4 4 Anexos do decreto de 2 de agosto de 2006 relativo ao diploma de Estado de engenharia social. Ver <http://www.irts-bretagne.fr/jsp/fiche_article.jsp?STNAV=&RUBNAV=&CODE=1157039295253&LANGUE=0&RH=> No entanto, essa inovação enfrenta dois obstáculos. O primeiro reside na dificuldade das escolas de formar para a pesquisa por falta de corpus metodológico e conceitual oriundo da pesquisa em serviço social. A falta de cargos e de financiamentos na matéria, não obstante o projeto inicial dos IRTS, compromete uma um incremento de credibilidade na matéria. Por isso, é grande a tentação de deixar essa responsabilidade unicamente para as universidades. O segundo reside na falta de cargos e de orçamentos correspondentes à função especializada de gerente de desenvolvimento nas associações e nas coletividades territoriais. Com isso, muitos desses novos diplomados vão para cargos de direção.

A existência de uma cadeira de serviço social e de intervenção social no CNAM5 5 A nomeação de Marcel Jaeger, no final de 2009, foi precedida, por iniciativa do CNAM, da mudança do nome da cadeira, que a direciona mais para a operacionalidade. prefigura um passo em direção ao desenvolvimento de uma ciência aplicada, na falta de uma disciplina acadêmica, na medida em que o CNAM não é uma universidade, mas um grande estabelecimento público. O fato de a cadeira de serviço social ainda restringir sua oferta de formação em trabalho social ao Mestrado 2 (Master 2) mostra a que ponto a França resiste à cientificidade do serviço social, enquanto onze países europeus já ofereciam um doutorado em 1999. Ressalve-se, porém, que o CNAM votou recentemente, em 2 de outubro de 2012, a futura criação de um item "serviço social" no quadro de seu doutorado, na sequência de uma declaração de intenção datada de 2010 (JAEGER, 2012JAEGER, M. Une conférence de consensus sur la recherche en/dans/sur le travail social. In: GUEGUEN, J.-Y. (Dir.) L'année de l'action sociale 2012. Bilan des politiques sociales, perspectives de l'action sociale. Paris: Dunod, 2012. p. 205-216., p. 205-216). No mesmo processo, Marcel Jaeger iniciou no CNAM a organização de uma Conferência de Consenso, que ocorreu entre 2012 e 2014 (JAEGER; MISPELBLOM BEYER, 2011JAEGER, M.; MISPELBLOM, B. F. Pour une conférence de consensus sur la recherche en travail social., Activités sociales hebdomadaires n. 2.709, p. 30-31, 2001. ). A questão do doutorado soma-se à dos European Credit Transfer and Accumulation System - ECTS - e do Licence-Master-Doctorat - LMD. Embora os estados e as faculdades sejam convocados a estabelecer uma equiparação das formações, os diplomas regulares do serviço social, particularmente o Diploma de Estado de Educador Especializado (Diplôme d'État d'Éducateur Spécialisé) - DEES -, nem sempre se integram plenamente nessas lógicas europeias (SUSINI, 2012SUSINI, D. Le débat sur une science du travail social est inapproprié au regard du cadre européen., ASH n. 2763, 2012.). A título de exemplo, no dia 25 de agosto de 2012, a França atribuiu 180 ECTS ao DEES, sem, no entanto, reconhecer a essa formação o grau de Licenciatura.6 6 Vale citar, por exemplo, o decreto de 25 de agosto de 2011, que altera o decreto de 24 de junho de 2004 relativo ao Diploma de Estado de Assistente de Serviço Social. Essa evolução tímida mostra a ambivalência francesa para inserir plenamente o serviço social em um quadro compatível com a universidade e o conjunto do ensino superior. Acrescenta-se a isso que a maioria das escolas de serviço social ainda tem dificuldade para organizar sua oferta de formação em ECTS. Apesar de tudo, a perspectiva de equiparação europeia leva as escolas de serviço social a se mobilizar por meio da União Nacional das Associações de Formação e de Pesquisa em Intervenção Social (Union Nationale des Associations de Formation et de Recherche en Intervention Social) - Unaforis7 7 Essa estrutura totalmente nova é a resultante da aproximação das duas principais federações, em dezembro de 2008. Ela agrupa as estruturas de formação em serviço social: a Aforts (Associação Francesa de Organismos de Formação e de Pesquisa em Serviço Social) e o GNI (Grupo Nacional de Institutos Regionais de Serviço Social). Esse grupo se inscreve particularmente na perspectiva de modificações dos estatutos das escolas de serviço social, na vontade de se expressar de forma unânime perante os poderes públicos. -, para que seu estatuto e sua organização evoluam para uma "universitarização", que consiste em integrar o LMD, os ECTS, a pesquisa e a publicação científicas, etc. Que modelo será escolhido? A Universidade, assim como na Alemanha ou no Quebec, ou as Hautes Écoles, como na Suíça ou na Bélgica? O risco dessa mudança é perder a especificidade profissional do serviço social em lógicas universitárias de ordem acadêmica e disciplinar. A Unaforis defende o modelo das Escolas profissionais de altos estudos para a ação social, Hautes Écoles (Hautes Écoles Professionnelles pour l'Action Sociale et la Santé) - Hepass -, que permitiria reconhecer a cientificidade do serviço social, evitando, ao mesmo tempo, o risco de uma absorção universitária que não corresponde à tradição do modelo histórico das escolas de serviço social de tipo IRTS.8 8 "Unaforis: um projeto para as formações sociais", projeto aprovado pelo Conselho de Administração de 6 de julho de 2010.

Se a revista Forum foi a precursora (criada pelo Comitê de Articulação dos Centros de Formação Superior em Serviço Social em 1974), Le Sociographe festeja hoje seus dez anos, afirmando-se igualmente como uma revista de pesquisa em serviço social. Sua utilidade é colocar questões que poderiam parecer triviais para outros, sempre ancoradas em uma ótica de operacionalidade, como mostram alguns títulos: "À table!" (À Mesa!"), "L'homme, la bête et le social" ("O homem, o animal e o social"), "S'habiller" ("Vestir-se"), "Génération écrans" ("Geração telas"), etc. Esta última foi reconhecida em 2011 pelas autoridades da pesquisa e do ensino superior como revista na interface entre o campo da pesquisa e o campo das práticas profissionais. É preciso mencionar também a Vie Sociale et Traitement - VST -, a Empan e Les Cahiers de l'Actif. A criação da Associação Internacional para a Formação, a Pesquisa e a Intervenção Social (Association Internationale pour la Formation, la Recherche et l'Intervention Sociale) - Aifris -,9 9 A Associação já organizou quatro congressos internacionais: o primeiro em Namur em 2007, o segundo em Hammamet em 2009, o terceiro em Genebra em 2011 e o quarto em Lille em 2013. O quinto está previsto para 2015 no Porto. em 28 de junho de 2008, marca igualmente o advento do elo internacional indispensável a todo desenvolvimento científico. Essa entidade reúne a Associação dos Pesquisadores de Organismos da Formação e da Intervenção Sociais (Association des Chercheurs des Organismes de la Formation et de l'Intervention Sociales) - Acofis -, o Affuts e o Centro Europeu de Pesquisa em Serviço Social (Centre Européen de Recherche en Travail Social) - Certs. Algumas escolas são dotadas inclusive de laboratórios de pesquisa que dirigem diversas ações no âmbito de mercados públicos e privados. Vale citar, a título de exemplo, o LERS do IDS ou o Centro de Estudos e de Pesquisas Aplicadas (Centre d'Études et de Recherches Appliquées) - Cera10 10 Ver: <http://www.buc-ressources.org/recherche>. - do BUC Ressources. Finalmente, a Unaforis acaba de instalar a comissão nacional de pesquisa, encarregada de pensar os contornos dessa atividade no âmbito das escolas de formação.11 11 Lista de membros em 2013: Corinne Chaput, Thierry Chartrin, Manuel Boucher, Christophe Col, Mohammed Dardour, Béatrice Deries, Thierry Goguel D'allondans, Chantal Goyau, Philippe Hirlet, Marie Véronique Labasque, Catherine Lenzi, Philippe Lyet, Marjorie Micor, Gérard Moussu, Patrick Pelege, Jean-Luc Prades, Corinne Rougerie, Marc Rouzeau, Rullac Stéphane, Isabelle Sauvage-Clerc.

Este breve panorama indica que há uma evolução das condições institucionais da pesquisa no campo do serviço social. Contudo, a mobilização pelo reconhecimento de uma ciência do serviço social é enfraquecida por oposições internas e externas ao serviço social (COURTOIS, 2012COURTOIS, L. Une revendication ancienne aux effets imités. In: RULLAC, Stéphane (Dir.). La science du travail social: hypothèses et perspectives. [S.l.]: ESF, 2012. p. 19-31., p. 19-31).

Caracterização das oposições internas e externas

Em primeiro lugar, trata-se da rejeição da pesquisa em serviço social por grande parte dos pesquisadores que trabalham no âmbito de escolas de serviço social (ACOFIS et al., 2010ASSOCIATION DES CHERCHEURS DES ORGANISMES DE LA FORMATION ET DE L'INTERVENTION SOCIALES. Travail social: quelle recherche? Actualités sociales hebdomadaires, n. 2653, p. 27-31, 2010.).12 12 É impossível apresentar um quadro preciso do desenvolvimento dessa função ou dos laboratórios de pesquisa dentro das escolas. Essa falta de legibilidade marca a fraca estruturação da pesquisa no campo do serviço social. O LERS é um dos laboratórios mais ativos na França no campo do serviço social. Ele defende claramente uma pesquisa, de natureza sociológica, como afirma sua apresentação.13 13 Ver: <http://www.ids.fr>. Seu diretor, Manuel Boucher, não reconhece o trabalho social como uma ciência, mas lhe concede uma oportunidade de organização disciplinar (BOUCHER, 2007BOUCHER, M. La recherche permet de "reconflictualiser le champ social". Activités sociales hebdomadaires, n. 2521, 28, 2007.).

Essa resistência endógena pode ser explicada pela inexistência da disciplina serviço social. Os pesquisadores do serviço social, para ser reconhecidos como cientistas, são obrigados então a obter um doutorado consagrado pelas disciplinas acadêmicas, geralmente em sociologia. A criação de uma especialidade "serviço social" no CNAM, em 2013, não significou uma mudança efetiva na matéria, na medida em que se inscreve em disciplinas de acolhimento (sociologia, ciências da educação e ciências da administração). O assistente social que se tornou pesquisador no quadro institucional do serviço social incorpora então os pressupostos de seu novo campo de referência, que tem a tendência a contestar a legitimidade do saber situado. Além disso, a qualidade de sociólogo é mais prestigiosa que a de assistente social. Porém, os pesquisadores dos centros de formação de serviço social são remunerados pelo serviço social e participam institucionalmente de seu desenvolvimento. Nesse sentido, eles são assistentes sociais de um ponto de vista institucional. Portanto, ao mesmo tempo em que desenvolvem uma pesquisa institucional em serviço social, graças ao vínculo salarial, a maioria deles contesta a legitimidade epistemológica desse movimento. Esse conflito íntimo de profissionalização é particularmente violento, e mais ainda quando se soma àquele mais coletivo produzido pelas disciplinas acadêmicas: os próprios pesquisadores não acadêmicos do serviço social são geralmente desqualificados e rejeitados quando se apresentam na universidade para ocupar um cargo de professor. A especialização "serviço social" e, em menor grau, a eventualidade (muito pouco provável) da criação em breve de um doutorado disciplinar em serviço social terão enormes consequências nas representações da identidade profissional desse campo. Assim como em psicologia, por exemplo, um doutor em serviço social será então legitimamente um assistente social, mesmo que não disponha das competências profissionais para prestar assistência efetiva a usuários ou instituições. Essa possibilidade virá completar a mutação identitária em matéria de profissionalização iniciada pelo DEIS.

Em segundo lugar, trata-se de uma rejeição maciça do campo a uma abordagem científica aplicada à intervenção social. Essa rejeição se expressou de forma particularmente contundente entre os formadores e os assistentes sociais a propósito da reforma do diploma de Estado de educador especializado, que introduz uma forte lógica metodológica. O principal argumento é que o rigor científico ameaçaria a natureza relacional da função socioeducativa (QRIBI; TOP; FILHOL, 2009QRIBI, A.; TOP, D.; FILHOL, O. DEES: le mémoire professionnel instrumentalisé?, Activités sociales hebdomadaires n. 2.634, p. 29-30, 2009.). Para apoiar essas reflexões, evocou-se a inadequação de métodos em procedimentos oriundos das ciências exatas, mas também de abordagens sociológicas fundamentais. Não se considerou então a possibilidade de recorrer a um corpus metodológico em processo mais adequado ao objeto do serviço social, e tampouco a responsabilidade profissional de desenvolvê-lo.

Essas resistências internas ajudam a afastar a evocação simplista de uma dominação externa do serviço social pela pesquisa acadêmica. A relação com o saber teórico articula igualmente as relações de força do campo do serviço social. As ciências sociais e o serviço social se opõem a propósito da questão da supremacia da teoria sobre a prática, porque essa representação estrutura similarmente os dois campos. Enquanto os pesquisadores acadêmicos negam um saber operante aos pesquisadores que atuam nas escolas de serviço social, essa mesma negação é observada nos formadores em face dos assistentes sociais que, por sua vez, a reproduzem em relação aos seus usuários. Inversamente, a acusação de existir apenas na teoria, sem nenhum conhecimento da realidade de campo, escala em sentido inverso essa cadeia de ilegitimidade. Essas desqualificações "descendentes" (reivindicação de um saber teórico) e "ascendentes" (reivindicação de um saber prático) permitem que cada um preserve um espaço de controle máximo, protegido do olhar do outro. Esse processo de clivagem traz em si o risco da onipotência.

O desenvolvimento de uma pesquisa em serviço social é refreado então de duas maneiras: por uma reivindicação de sua inexistência, no exterior, mas também pela rejeição de qualquer procedimento rigoroso de objetivação, no interior. Esse desenvolvimento se apoia menos em um debate não performativo, relacionado à legitimidade desse procedimento - por que fazer - do que sobre aquele relacionado à metodologia - como fazer (RULLAC, 2010). É necessário, portanto, nessa matéria, definir a ciência do serviço social, sua finalidade e seus diversos modos de pesquisa.

A difícil articulação entre ciência fundamental e aplicada

A pesquisa é o meio de fazer ciência. Ela visa à produção, à transmissão e à aplicação de saberes novos. A questão é saber o que se entende por saberes; trata-se de saberes teóricos e/ou práticos? Existem três posturas relacionadas à pesquisa no campo do serviço social:

a recusa de reconhecer uma pesquisa aplicada à intervenção social: o serviço social é visto como um terreno profissional utilizado como um terreno de pesquisa, instruindo a questão social. É à expertise que compete estudar as questões de eficácia;

o reconhecimento de uma linha divisória política que delimita terrenos de competência entre a teoria e a prática: as ciências sociais foram legitimadas para compreender a sociedade e o serviço social para modificá-la. Esses dois campos não são diferentes por natureza, de um ponto de vista epistemológico, mas foram separados em consequência de uma construção social e histórica. Qualquer veleidade de mudança pode romper esse acordo tácito;

a reivindicação de uma pesquisa aplicada ao serviço social: neste caso o serviço social é visto como um campo que, desenvolvendo seu próprio objeto, deve ser estudado cientificamente em si mesmo, como um terreno instruindo a questão do serviço social. Esse conhecimento operante nutre a expertise incumbida de estudar as questões de eficácia.

A reivindicação das ciências sociais de autossuficiência constitui uma dominação de fato. A sociologia tem um quase monopólio no que se refere ao pensamento do serviço social (publicações, colóquios, referências conceituais, etc.). Ao reconhecer uma pesquisa em serviço social, a sociologia perderia o acesso privilegiado a um terreno e sua capacidade de produzir o único discurso científico. Além de um debate epistemológico mais recente - a Escola de Chicago e ainda a pesquisa ação mostraram há muito tempo a legitimidade de uma produção concomitante de saberes teóricos e práticos -, trata-se de uma questão de concorrência que se inscreve na teoria dos campos da abordagem de Bourdieu. A luta entre o campo das ciências sociais e o do serviço social ganha corpo no quadro de uma teoria francesa do conhecimento. Trata-se da tradicional oposição entre abordagem empírica e positivista (BOURDIEU, 1979BOURDIEU, P. Le paradoxe du sociologue. Sociologie et sociétés, v. 11, n. 1, p. 85-94, 1979.). Essa abordagem ajuda a situar os desafios de um reconhecimento de uma ciência do serviço social, não apenas no quadro epistemológico, mas também no de uma dominação entre campos relativa ao saber.

O principal argumento de refutação das ciências sociais, sobretudo da sociologia, é que o campo do serviço social não é um campo. A sociologia da profissionalização afirma que o serviço social é dominado demais para constituir um campo social homogêneo, suscetível de ser estudado de maneira endógena. Para delimitar melhor os desafios desse espaço social, bastaria ficar de fora e examinar as leis, as políticas sociais que determinam essencialmente sua estrutura (BOUCHER, 2008BOUCHER M. (Dir.). La recherche dans les organismes de la formation et de l'intervention sociale. Paris: L'Harmattan, 2008. ). Ao se recusarem a reconhecer essa pesquisa, as ciências sociais realizam sua própria predição, privando o serviço social da capacidade de se pensar, de se emancipar, de fazê-lo saber e de se fazer reconhecer. Se existe heteronomia, o desenvolvimento de uma pesquisa em serviço social é uma ferramenta política a serviço da autonomização desse campo. Em outras palavras, o serviço social não é uma ciência social porque não é reconhecida enquanto tal. Embora possa parecer, isso não é uma tautologia. O estatuto de uma ciência é fruto de uma relação de forças, construído socialmente, que diz o que deve ou não deve ser. A dificuldade para o serviço social está em se fazer reconhecer pelas ciências sociais preexistentes, que avaliam essa legitimidade com seus próprios critérios (objeto, teorias e métodos).

Um último argumento consiste em denunciar a má qualidade da produção de conhecimento científico em serviço social por assistentes sociais, sobretudo formadores, que pretenderiam desenvolver uma nova disciplina a fim de mascarar seu fracasso em se fazer reconhecer nas disciplinas consagradas (FOUCART, 2008FOUCART, J. Travail social et construction scientifique. Pensée plurielle, v. 3, n. 19, p. 95-103, 2008.). Na maioria das vezes, o pesquisador em serviço social deve fazer suas pesquisas durante seu tempo livre, depois de realizadas suas obrigações profissionais prioritárias (formadores, quadros dirigentes, assistentes sociais, etc.). É justamente para profissionalizar a pesquisa em serviço social que a ciência do serviço social deve ser reconhecida.

O serviço social tem seu próprio objeto teórico, que é essencialmente prático, dada a operacionalidade de sua função. Uma ciência não se define em função de seu objeto, mas sim da maneira de tratá-lo. Uma ciência se torna ciência praticando a pesquisa. Para que a ciência do trabalho exista, é preciso organizar institucionalmente a capacidade desse campo de produzir conhecimento, segundo suas modalidades científicas. Só então será possível superar as falsas dicotomias entre ciências fundamentais e aplicadas, entre teoria e prática, entre saber e competência: "o debate não é, na realidade, entre teoria e prática, mas entre diferentes maneiras de teorizar a prática profissional" (DARTIGUENAVE; GARNIER, 2009DARTIGUENAVE, J. Y.; GARNIER J-F. Pour un renouvellement du savoir en travail social. EMPAN: Prendre la Mesure de l'Humain, v. 3, n. 75, p. 30-34, sept. 2009. Le dossier: Quelles théories pour quelles théories en travail social., p. 30-34). É preciso evocar também a emergência de uma nova abordagem que dissocia teoria e pesquisa fundamental. Apenas uma pesquisa voltada para a complexidade da realidade social, sobretudo por meio de situações profissionais, permite à ciência compreender o essencial, isto é, "como o novo pode se produzir, muitas vezes apesar de tudo," (CLOT, 2008CLOT, Y. La recherche fondamentale de terrain: une troisième voie. Éducation Permanente, n. 177, p. 67-78, 2008.). Essa é também a opinião de Jean-Marie Barbier que denuncia a falsa dicotomia entre pesquisa fundamental e aplicada, na medida em que todo trabalho empírico integra o conhecimento. Ele propõe então considerar essa forma de conhecimento oriunda da prática como um "saber situado" (BARBIER, 2008BARBIER, J-M.; CLERC, F. Formation et recherche: ambiguïtés sémantiques et formes d'action spécifiques. Recherche et formation, n. 59, p. 133-140, 2008. ). Contudo, não se deve confundir esse tipo de saber científico oriundo da pesquisa sobre as práticas, particularmente profissionais, com a praxiologia, que pode ser definida como o saber produzido pelo praticante quando confrontado com situações novas, e deve então buscar maneiras novas de intervir e de agir (MIALARET, 2009MIALARET, G. Les origines et l'évolution des sciences de l'éducation en pays francophones. In: VERGNIOUX , Alain (Dir.). 40 ans de sciences de l'éducation. L'âge de la maturité? Questions vives. Caen, Presses Universitaires de Caen, 2009. p. 9-24.).

O desenvolvimento de uma pesquisa em trabalho social deveria aproveitar a definição dessa terceira via que reconhece e legitima um saber situado, rompendo com a dicotomia estéril entre conhecimento científico e intervenção profissional (RULLAC, 2012RULLAC, S. (Dir.). La science du travail social: hypothèses et perspectives. Paris: ESF, 2012. ).

Diferenciação das ciências relativas ao serviço social

O objeto de uma ciência do serviço social é criar conhecimentos capazes de sustentar a intervenção dos atores desse campo profissional (epistemologia, ética, metodologia), no quadro da profissionalização do campo. Na medida em que o serviço social se encontra no cruzamento de questões de regulação social entre normas (dimensão coletiva) e desvios (dimensão individual), o conjunto do saber produzido por essa ciência visa a objetivar as questões em jogo e as modalidades de intervenção profissional, na perspectiva de reduzir o peso das prescrições internas e externas e de sustentar a eficácia dos profissionais. Essa autonomização ajuda a livrar as práticas dos determinismos sociais que impedem os assistentes sociais de estabelecer o justo compromisso mais próximo das necessidades de emancipação dos usuários e de conformação da sociedade. Os debates atuais se cristalizaram em torno da pesquisa "sobre" e "no" serviço social. Contudo, as possibilidades de institucionalização das ciências relativas ao serviço social indicam três modos de desenvolvimento (RULLAC, 2011a_______. Le travail social et la science. Essai de problématisation. Vie sociale et traitements, v. 1, n. 109, p. 89-95, 2011a., 2011b_______. De la scientificité du travail social. Quelles recherches pour quels savoirs?. Pensée plurielle, n. 26, p. 111-128, 2011. ).

O primeiro visa a desenvolver uma pesquisa no âmbito das ciências sociais acadêmicas: a pesquisa sobre o serviço social. Esse saber teórico objetiva o funcionamento social, utilizando o serviço social como um terreno propício a captar a questão social. Nesse contexto, o serviço social não é então nem uma ciência nem uma disciplina acadêmica. Essa pesquisa permite aos assistentes sociais compreender melhor o funcionamento social que cabe a eles modificar, mas não permite desenvolver um saber profissional ativo. Trata-se, de uma pesquisa que participa perifericamente do desenvolvimento da ciência do serviço social. Embora esse saber não aborde de frente a profissionalização, ele pode alimentar e nutrir a expertisedo serviço social, no contexto de uma utilização posterior e aplicada.

O segundo visa a desenvolver uma pesquisa no âmbito de um saber endógeno: a pesquisa em serviço social ou a ciência do serviço social. Esse saber teórico e prático sustenta a intervenção dos atores desse campo profissional no quadro de uma ciência aplicada, seja ela reconhecida academicamente (universidade) ou não (estabelecimento de ensino superior profissional). O reconhecimento desse saber é função de seu contexto. Quando ele se desenvolve em uma universidade, trata-se do reconhecimento de uma disciplina aplicada. Esse tipo de desenvolvimento permite legitimar esse saber com o reconhecimento universitário, ainda que ele possa limitar a lógica aplicada da dominação do saber teórico. Quando se desenvolve em estabelecimentos não universitários, a questão do estatuto desse saber permanece: como considerar um saber científico não acadêmico? Esse tipo de desenvolvimento permite escapar dos rígidos modelos acadêmicos, mas pode também fragilizar o reconhecimento de uma ciência do serviço social, sem a caução acadêmica. Em sentido estrito, o corpusdesenvolvido pela pesquisa em serviço social constitui uma disciplina Porém, seu reconhecimento institucional não é evidente, na medida em que, na França, o saber disciplinar é sinônimo de um saber universitário acadêmico Existem hoje 77 disciplinas. O reconhecimento da ciência do serviço social implicaria a criação de uma 78ª seção no âmbito de "Letras e Ciências Humanas". Em outras palavras, trata-se de uma pesquisa "por" e "para" os assistentes sociais. Mas chamamos a atenção para uma abordagem alternativa proposta por Joël Cadière, que considera que a pesquisa em serviço social corresponde apenas à postura do prático pesquisador (CADIÈRE; DROUARD, 1999CADIERE, J.; DROUARD, H. Praxéologie et recherche en travail social. [S.l.] Organisation Nationale des Formations au Travail Social, 1999.). Nessa abordagem, é preciso, portanto, ser assistente social para fazer a pesquisa em serviço social. Qualquer outro procedimento científico que se aplique ao objeto profissional do serviço social é considerado atinente à pesquisa no serviço social - que se afirma assim como um quarto tipo de pesquisa aplicada ao serviço social.

O terceiro visa a desenvolver uma pesquisa no âmbito de um acolhimento temporário oferecido por uma disciplina acadêmica preexistente: a pesquisa para o serviço social. Esse saber teórico e prático sustenta a profissionalização do serviço social, mas no quadro de seu objeto disciplinar de filiação. O risco é diluir o objeto do serviço social em um outro objeto e limitar as grades de interpretação em função de questões próprias à disciplina de acolhimento. Trata-se essencialmente de uma fase transitória para o reconhecimento de uma disciplina do serviço social de pleno direito. A recente criação de menção "serviço social" no CNAM inscreve-se diretamente nessa lógica.

Uma ciência da complexidade e da eficácia

A principal questão quanto ao modo de institucionalização da ciência do serviço social está ligada à natureza complexa e heterogênea do serviço social. Situado na confluência contraditória entre a cultura e a natureza do ser humano, que se articulam laboriosamente no desafio de "fazer sociedade", esse campo profissional precisa recorrer a múltiplas grades de leitura, tanto práticas quanto teóricas. É comum então reivindicar uma postura interdisciplinar. Porém esse é um conceito minado, pois se refere aos saberes legitimados pela universidade, que são principalmente de natureza teórica, e que recortam as grades de análise. Nesse contexto, reivindicar uma abordagem interdisciplinar para o serviço social significa limitar as referências a conceitos teóricos, limitar as grades de análise e ignorar o objeto próprio a esse campo profissional, na medida em que ele não é legitimado enquanto disciplina. Assim, a referência à multirreferencialidade de Jacques parece mais pertinente (ARDOINO, 1993ARDOINO, J. L'approche multiréférentielle (plurielle) des situations éducatives et formatives. Pratiques de formation: Analyses, n. 25-26, p. 15-34, 1993.).

Qual é o modo de institucionalização da pesquisa mais propício para defender os interesses profissionais do serviço social? Essa profissionalização deve ser sustentada por uma pesquisa aplicada ao seu objeto, às suas questões epistemológicas e metodológicas. Se o desenvolvimento de uma pesquisa para o serviço social é uma passagem às vezes necessária para vencer as resistências históricas ao seu reconhecimento, o desenvolvimento de uma pesquisa em serviço social aparece como uma finalidade. Esse desenvolvimento parece mais fácil no âmbito de um estabelecimento não acadêmico, que permitiria não apenas contornar o difícil reconhecimento de disciplinas aplicadas, mas também escapar da regulação universitária, que tende a se opor à multirreferencialidade. Essas são duas dificuldades enfrentadas sobretudo pelas ciências da educação. Por isso, contornar a resistência universitária se abstendo de reivindicar a criação de uma disciplina própria do serviço social assegura uma certa liberdade, mas também condena a forjar um saber sem brilho em relação ao saber oficialmente científico. Além disso, a criação de uma disciplina do serviço social abriria caminho à Universidade para também contribuir com sua elaboração, em uma concorrência objetiva com a Hepass. Por fim, as Hepass poderiam reivindicar a validação de sua cientificidade por uma instituição particular, fora dos critérios da Agência de Avaliação da Pesquisa e do Ensino Superior (Agence d'évaluation de la recherche et de l'enseignement supérieur) - Aeres. É o que propõe o projeto da Unaforis. Nesse caso, que legitimidade científica poderia obter esse saber profissional?

O debate acerca da cientificidade do serviço social estrutura-se em torno de dicotomias que são fruto de uma lógica de distinção, estabelecendo uma hierarquia de legitimidade: o conhecimento teórico e prático, a pesquisa e a expertise, a ciência e a técnica, a disciplina universitária e a competência profissional. O serviço social, que se situa por natureza do lado da operacionalidade, é sistematicamente desqualificado e dominado em relação à sabedoria acadêmica, em razão da abordagem francesa sobre o saber situado, geralmente confundido com uma mera praticidade, sem consistência teórica. Esse campo surpreende na medida em que sua teorização deve ser ativa e multirreferencial. Mas é importante propor a esses profissionais uma pesquisa totalmente aplicada ao seu objeto. O desenvolvimento de uma pesquisa em serviço social é indispensável, porque esse modo de conhecimento é a principal fonte de eficácia profissional. É preciso também assinalar que o debate francês permanece particularmente centrado em si mesmo, alheio a trocas e referências internacionais. Acreditamos que a Aifris e a Conferência de Consenso nos darão contribuições valiosas sobre esse tema.

Para além do serviço social, diversas profissões complexas dirigidas ao outro (particularmente a formação de adultos) vêm desenvolvendo, nos últimos anos, uma atividade de pesquisa integral segundo três características: os objetivos das pesquisas estão menos voltados ao conhecimento do mundo a transformar do que ao conhecimento dos processos de transformação do mundo; elas têm como objeto os atores e, em complemento, seus métodos; os saberes que produzem referem-se a ações "situadas" e "úteis" na ação por aqueles que os produzem (BARBIER, 2013BARBIER, J-M. Un nouvel enjeu pour la recherche en formation: entrer par l'activité. Savoirs, n. 33, p. 9-22, 2013.). Esses campos de práticas científicas compõem um novo paradigma científico que não encontra lugar facilmente em uma abordagem disciplinar universitária "pura", mas, em compensação, constituem um meio científico híbrido articulado aos campos de pesquisa e de prática. Para acolhê-los, a França é obrigada a estender a institucionalização dos saberes científicos para além da universidade que, no limite, deve integrar plenamente a legitimidade científica das Hautes Écoles profissionais. Assim, ainda é preciso construir inteiramente esse modelo científico profissional, e é esse o desafio epistemo-institucional para que se consiga, enfim, integrar as profissões complexas na cientificidade adequada, suscetível de acompanhar seu valor heurístico e sua eficácia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Ago 2014
  • Aceito
    Out 2014
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