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Representações de formadores sobre a avaliação das aprendizagens em educação de adultos

Trainer representations about the assessment of learning in adult education

Representaciones de formadores sobre la evaluación de los aprendizajes en educación de adultos

Resumos

O artigo visa a apresentar uma análise sobre as representações de formadores do sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências - RVCC - acerca da avaliação das aprendizagens dos adultos que se encontram em formação. Para isso, foi realizada uma investigação qualitativa, concretizada pelo estudo documental e pela entrevista semiestruturada de quatro formadores desse sistema. Os resultados obtidos permitiram concluir que os formadores associaram uma maior objetividade à avaliação sumativa, apontando como foco de debilidade do sistema de RVCC a subjetividade na interpretação dos referenciais de competências-chave e a indução de competências por meio da análise de textos reflexivos de caráter autobiográfico, que devem fazer parte do portefólio reflexivo de aprendizagem. Eles defendem uma maior responsabilização do formador pelas validações efetuadas.

Educação de Adultos; Avaliação da Aprendizagem; Representações; Formadores.


This paper aims to provide an investigation of the representations of trainers system of recognition, validation and certification of competences - RVCC - on the assessment of learning of adults trained in this way. For this, we conducted a qualitative investigation, which is achieved through semi-structured interviews to four trainers in this system. The results allowed us to conclude that trainers associated greater objectivity to summative assessment, the focus of which pointed to the weakness of the system RVCC subjectivity in the interpretation of referential key competencies and inducing skills through reflective analysis of texts oriented autobiographical that should be part of the portfolio reflective learning. Advocate greater accountability trainer by validations performed.

Adults Education; Learning Assessment; Representations; Trainers


El artículo tiene el propósito de presentar un análisis sobre las representaciones de formadores del sistema de reconocimiento, validación y certificación de competencias -RVCC- acerca de la evaluación de los aprendizajes de los adultos que se encuentran en formación. Para ello se realizó una investigación cualitativa, que se llevó a cabo por medio del estudio documental y la entrevista semiestructurada de cuatro formadores de dicho sistema. Los resultados que se obtuvieron permitieron concluir que los formadores asociaron una mayor objetividad a la evaluación sumativa, señalando como foco de debilidad del sistema de RVCC la subjetividad en la interpretación de los referentes de competencias clave y la inducción de competencias por medio del análisis de textos reflexivos de carácter autobiográfico, que deben formar parte del portafolio reflexivo de aprendizaje. Ellos defienden una mayor responsabilización del formador por las validaciones efectuadas.

Educación de Adultos; Evaluación del Aprendizaje; Representaciones; Formadores


O sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências - RVCC -, criado em Portugal para adultos pouco qualificados, integra-se no paradigma da aprendizagem ao longo da vida, apresentado pela União Europeia como condição para a criação de uma Europa do conhecimento, capaz de competir internacionalmente em termos económicos, desenvolver-se socialmente e promover a qualidade de vida dos seus cidadãos. Desse modo, tal sistema de formação visa que os adultos, sob orientação de um formador, reflitam sobre as aprendizagens feitas na sua vida, a partir de um referencial delimitado formalmente por um conjunto de competências-chave, e a certificação das mesmas, caso se enquadrem nesse referencial.

Daí ter sido nossa intenção realizar uma investigação que permitisse aceder às representações de formadores de RVCC sobre a avaliação das aprendizagens dos adultos nesse sistema de formação. Para tanto, realizou-se uma investigação qualitativa, concretizada pela análise documental e pela inquirição por entrevista a quatro formadores desse sistema, cujos resultados são aqui apresentados e discutidos em função de um quadro teórico pertinente e adequado ao objeto de estudo.

Assim, o presente artigo inicia-se com a abordagem teórica e normativa do sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências dos adultos em Portugal, para, a seguir, e ainda numa perspetiva teórica, refletir sobre a avaliação dos adquiridos experienciais dos adultos. Para tanto, é feita referência a algumas ideias norteadoras da avaliação das aprendizagens e, em função delas, aborda-se a avaliação das aprendizagens no contexto do sistema de RVCC. Em seguida, apresenta-se a metodologia de investigação utilizada no estudo, começando por descrever o problema e os objetivos de investigação, caraterizam-se os participantes no estudo e, por fim, são descritos os procedimentos de recolha e de análise de dados. Na última parte do artigo, discutem-se os principais resultados obtidos com o estudo realizado.

O reconhecimento, validação e certificação de competências de adultos em Portugal

Surgidas na década de 1950, nos Estados Unidos da América, e estimuladas a partir dos anos 1970 com o movimento da "Educação Permanente" da Unesco, as práticas de reconhecimento, validação e certificação de competências de adultos disseminaram-se pelos países europeus, nomeadamente Portugal, na última década (CANÁRIO, 2006CANÁRIO, Rui. Formação e adquiridos experienciais: entre a pessoa e o indivíduo. In: FIGARI, Gérard; RODRIGUES, Pedro; ALVES, Maria Palmira VALOIS, Pierre (Org.). Avaliação de competências e aprendizagens experienciais: saberes, modelos e métodos. Lisboa: Educa, 2006. p. 35-46.; COSTA, 2005CORTESÃO, Luiza. Formas de ensinar, formas de avaliar: breve análise de práticas correntes de avaliação. In: ABRANTES, P.; ARAÚJO, F. (Coord.). Reorganização curricular do ensino básico. Avaliação das aprendizagens: das concepções às práticas. Lisboa: Ministério da Educação, 2002. p. 37-42.). O quadro conceptual que sustentou essas práticas inscreve-se no paradigma da aprendizagem ao longo da vida, que surgiu com a intensificação da intervenção da União Europeia na definição das políticas educativas para os seus Estados-membros, no sentido de promover a criação de uma Europa do conhecimento, capaz de competir internacionalmente em termos económicos e de proporcionar a qualidade de vida aos seus cidadãos (ALVES, 2010ALVES, Mariana Gaio. Aprendizagem ao longo da vida: entre a novidade e a reprodução de velhas desigualdades. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 23, n. 1, p. 7-28, 2010.). Entendendo que a aprendizagem ao longo da vida vai muito além daquelas formalmente realizadas em contexto escolar, Alves (2010ALVES, Mariana Gaio. Aprendizagem ao longo da vida: entre a novidade e a reprodução de velhas desigualdades. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 23, n. 1, p. 7-28, 2010., p. 11) concebe-a

[...] como um processo que acontece em diversas fases do ciclo de vida dos indivíduos e nos diferentes espaços da sua existência, significa, justamente, (re)alargar o âmbito dos conceitos de educação e aprendizagem, reconhecendo a relevância de espaços e tempos educativos que estão para além dos espaços e tempos escolares.

Ao serem valorizadas, as aprendizagens realizadas por cada indivíduo nos seus vários contextos de vida traduzem-se em saberes diversos, atitudes e maneiras diversificadas de estar, pensar e fazer, que se pretendem corresponder às necessidades do mercado de trabalho e da sociedade do conhecimento (PIERRO, 2008PACHECO, José Augusto. Discursos e lugares das competências em contexto de educação e formação. Porto: Porto, 2011.). É o que acontece com os adultos que recorrem ao sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas por meio das suas experiências de vida, isto é, dos adquiridos experienciais, de modo que se tornem visíveis, conscientes e que sejam certificados. Nesse contexto, Cavaco (2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213.) afirma que o reconhecimento, validação e certificação de competências assenta-se em dois pressupostos: o primeiro refere-se ao facto de o indivíduo aprender com as suas experiências de vida, delas resultando saberes por ele construídos; o segundo, na sequência do primeiro, corresponde à importância de reconhecer e validar aqueles saberes adquiridos pelos percursos de formação experiencial. Em Portugal, a ação neste domínio, que incide sobre adultos pouco escolarizados (CAVACO, 2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213.), ganhou forma em 1999, com a criação da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos - Anefa - e, dois anos mais tarde, com a constituição formal de uma rede nacional de Centros de RVCC (CANÁRIO, 2006CANÁRIO, Rui. Formação e adquiridos experienciais: entre a pessoa e o indivíduo. In: FIGARI, Gérard; RODRIGUES, Pedro; ALVES, Maria Palmira VALOIS, Pierre (Org.). Avaliação de competências e aprendizagens experienciais: saberes, modelos e métodos. Lisboa: Educa, 2006. p. 35-46.). É por meio desse sistema e dos centros de RVCC que os formadores orientam os adultos para a reflexão e explicitação das suas experiências de vida. Cada uma delas "designa, no sentido lato, em simultâneo, um processo que resulta da ação e que diz respeito ao percurso de aquisição de conhecimentos, e um produto, o qual é referente ao resultado" (CAVACO, 2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213., p. 190), traduzido em saberes, modos de pensar e de agir do adulto. Uma vez que as experiências de vida e os saberes nelas adquiridos resultam da interação do sujeito com o meio em que está inserido, é por meio da explicitação e da reflexão distanciada das suas experiências de vida que se torna possível a cada adulto tomar consciência e verbalizar os diversos saberes que adquiriu nessas experiências, sendo neles que incide a avaliação e a certificação (CAVACO, 2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213.).

O sistema de RVCC fundamenta-se em dois conceitos nucleares - o de competência e o de competência-chave. Apesar de existirem vários entendimentos sobre o conceito de competência, podemos defini-lo como o conjunto diversificado de saberes "que o sujeito mobiliza e gere em ordem do cumprimento das suas metas face às necessidades permanentes de recontextualização do mundo do trabalho" (PACHECO, 2011GOMES, Maria do Carmo. Referencial de competências-chave para a educação e formação de adultos - nível secundário. Lisboa: Direcção-Geral de Formação Vocacional, 2006a., p. 51). Estando associada a uma ação concreta do indivíduo num contexto específico, "a competência se demonstra na ação e resulta de uma combinação de conhecimentos, capacidades, aptidões e atitudes, que o indivíduo mobiliza, num contexto preciso, para resolver uma determinada situação ou problema" (CAVACO, 2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213., p. 205). Assim, só é possível verificar uma competência por meio das ações realizadas pelos indivíduos diante de uma dada tarefa, problema ou situação com que se depara (BROWN; PICKFORD, 2013BROWN, Sally; PICKFORD, Ruth. Evaluación de habilidades y competencias en educación superior. Madrid: Narcea, 2013.). Uma vez que o sistema de RVCC se encontra estruturado por competências-chave, a partir das quais os adquiridos experienciais são validados e certificados, Gomes (2006a), com base no documento Key competences for lifelong learning. A European reference framework (COMISSÃO EUROPEIA, 2004, p. 14), apresenta a noção de competência-chave como "um conjunto articulado, transferível e multifuncional, de conhecimentos, capacidades e atitudes". Estas competências-chave podem ser adquiridas "tanto em percursos formais de escolarização obrigatória, como podem constituir-se como fundamentos para novas aprendizagens e processos de aquisição de competências" (GOMES, 2006a, p. 14). Os referenciais de competências-chave constituem o pilar fundamental do sistema de reconhecimento e de validação de competências, pelo seu caráter estruturante e orientador da ação dos intervenientes nos processos de RVCC. No que respeita à estrutura e ao funcionamento do sistema de RVCC em Portugal, a Portaria n. 1.082-A/2001, de 5 de setembro, no seu artigo 5º, define três eixos de intervenção dos centros de RVCC. O primeiro corresponde ao reconhecimento de competências (artigo 6º). O segundo eixo, de validação de competências (artigo 7º), refere-se ao "conjunto de atividades que visam apoiar o adulto no processo de avaliação das competências adquiridas ao longo da vida" em face das áreas de competências-chave previstas no referencial e dos níveis de certificação escolar, do qual resulta a construção de um portefólio reflexivo do adulto, que é alvo de apresentação pública por parte do adulto e sujeito à apreciação de um júri de validação. O terceiro eixo, de certificação de competências (artigo 8º), apresenta-se como "o processo que confirma as competências adquiridas em contextos formais, não formais e informais e que constitui o ato oficial de registo das competências adquiridas" em diferentes contextos de vida.

A avaliação das aprendizagens adquiridas pela experiência de vida dos adultos

No contexto português, a avaliação de adquiridos experienciais, ou das competências dos adultos, encontra-se regulamentada pela Portaria n. 370/2008, de 21 de maio, que prevê que o reconhecimento de competências assenta-se na metodologia de balanço de competências, que é realizado, nomeadamente, pela abordagem do percurso biográfico do adulto em formação (ALVES, 2012ALVES, Maria Palmira. Processos e métodos para a validação das aprendizagens adquiridas pela experiência. In: ALVES, Maria Palmira MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 215-235.).

Avaliar competências é um processo complexo que exige procedimentos que vão além da avaliação sumativa realizada por testes no final de determinado período de ensino e de aprendizagem (PACHECO, 2011GOMES, Maria do Carmo. Referencial de competências-chave para a educação e formação de adultos - nível secundário. Lisboa: Direcção-Geral de Formação Vocacional, 2006a.). A competência é o saber em ação, ou seja, a mobilização, de forma integrada, de recursos cognitivos, procedimentais e atitudinais na resolução de tarefas, problemas ou situações (PERRENOUD, 2001GOMES, Maria do Carmo; SIMÕES, Maria Francisca. A sessão de júri de certificação: momentos, actores, instrumentos - roteiro metodológico. Lisboa: Agência Nacional para a Qualificação, 2009.). Por isso, a competência não é diretamente observável, mas sim induzida pela observação das ações dos indivíduos nas tarefas, problemas ou situações em que se envolvem, passíveis de serem verificadas pela prática da avaliação formativa e formadora (BROWN; PICKFORD, 2013BROWN, Sally; PICKFORD, Ruth. Evaluación de habilidades y competencias en educación superior. Madrid: Narcea, 2013.). No caso do sistema de RVCC, as competências dos adultos resultam das suas ações nas suas experiências de vida, pelo que se tem que aceder e refletir sobre essas experiências para inferir sobre as competências adquiridas por meio delas pelos adultos (ALVES, 2012ALVES, Maria Palmira. Processos e métodos para a validação das aprendizagens adquiridas pela experiência. In: ALVES, Maria Palmira MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 215-235.; CAVACO, 2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213.; PACHECO, 2011GOMES, Maria do Carmo. Referencial de competências-chave para a educação e formação de adultos - nível secundário. Lisboa: Direcção-Geral de Formação Vocacional, 2006a.). Daí ser necessário delinear um dispositivo avaliativo que possibilite avaliar "adquiridos resultantes da experiência de cada pessoa, por comparação ao referencial de competências-chave" (CAVACO, 2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213., p. 196) instituído formalmente no contexto português e que serve de comparação com as competências evidenciadas nos adultos. Esse dispositivo avaliativo deve assentar-se em duas dimensões, segundo Cavaco (2012______. Complexidade da avaliação de adquiridos experienciais. In: ALVES, Maria Palmira; MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 185-213., p. 197):

[...] uma pessoal, caraterizada pela autoavaliação e outra social, caraterizada pela heterovaliação. A dimensão de autoavaliação ocorre quando o adulto analisa os seus adquiridos experienciais; a dimensão heteroavaliação dá-se quando os elementos da equipa dos Centros analisam os adquiridos experienciais do adulto

.

Nesse sentido, a metodologia de balanço de competências baseia-se num dispositivo epistemológico com funções de "diagnóstico e de avaliação das competências mobilizadas ou desenvolvidas com os adquiridos na vida de cada um" e "constitui uma démarche de auto e hetero-avaliação" dos adultos em processo de RVCC (FERNANDES, 2005COSTA, Joana Pereira Fernandes. Competências adquiridas ao longo da vida: processos, trajectos e efeitos. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Minho, Braga, 2005.; GOMES, 2006b, p. 33).

Encontramo-nos, assim, numa dimensão individual de autoavaliação e de autoanálise (SANTOS, 2002; SIMÃO, 2005PIRES, Ana Luisa O. Reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais. Uma problemática educativa. Sísifo: Revista de Ciências da Educação Lisboa, n. 2, p. 5-20, 2007.) do adulto sobre as aprendizagens realizadas a partir das suas experiências de vida, em que se pretende, com a orientação dos profissionais de RVCC, identificar as competências adquiridas e definir os domínios em que poderão ser desenvolvidas/aprofundadas outras competências (PIRES, 2007PERRENOUD, Philippe. L'évaluation des élèves. De la fabrication de l'excellence à la régulation des apprentissages. Entre deux logiques. Bruxelles: De Boeck Université, 1998.). Esse processo de reconhecimento, de dimensão pessoal e individual, "pode ser considerado como o ponto de partida para a validação formal e que diz respeito à dimensão social e institucional" (PIRES, 2007PERRENOUD, Philippe. L'évaluation des élèves. De la fabrication de l'excellence à la régulation des apprentissages. Entre deux logiques. Bruxelles: De Boeck Université, 1998., p. 12).

Relativamente à validação de competências, a Portaria n. 370/2008, de 21 de maio, prevê que esta etapa contemple a avaliação das competências adquiridas ao longo da vida e a verificação da sua correspondência com os referenciais de competências-chave, pelo que contempla a autoavaliação do adulto na construção do portefólio reflexivo de aprendizagem. Segundo Alves (2012ALVES, Maria Palmira. Processos e métodos para a validação das aprendizagens adquiridas pela experiência. In: ALVES, Maria Palmira MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 215-235.), o portefólio reflexivo é um instrumento adequado para o processo de reconhecimento das aprendizagens adquiridas por meio da experiência, pois integra "a narrativa autobiográfica numa etapa de 'recuo na história', em que a referência à pessoa e, portanto, à sua relação com o mundo, com os seus projetos e motivações se torna uma prioridade" (ALVES, 2012ALVES, Maria Palmira. Processos e métodos para a validação das aprendizagens adquiridas pela experiência. In: ALVES, Maria Palmira MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 215-235., p. 226). Dessa forma, a construção do portefólio reflexivo de aprendizagem pressupõe a autoavaliação do adulto, entendida como o "olhar crítico sobre o que se faz, enquanto se faz e/ou depois de se ter feito" (SIMÃO, 2005PIRES, Ana Luisa O. Reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais. Uma problemática educativa. Sísifo: Revista de Ciências da Educação Lisboa, n. 2, p. 5-20, 2007., p. 273). A partir desta autoavaliação, o adulto reflete sobre o seu trajeto profissional e sobre as aprendizagens adquiridas por meio das situações da sua vida, uma vez que nele serão incluídos registros dessas aprendizagens e suas reflexões (FERREIRA, 2007_____. Avaliação das aprendizagens em Portugal: investigação e teoria da actividade. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 9, p. 87-100, 2009.; BROWN; PICKFORD, 2013BROWN, Sally; PICKFORD, Ruth. Evaluación de habilidades y competencias en educación superior. Madrid: Narcea, 2013.). A autoavaliação é articulada com a heteroavaliação realizada pela equipa técnico-pedagógica que o acompanha em todo o processo. É desse modo que a validação de competências assenta-se numa lógica social de atribuição de um estatuto formal e oficial aos saberes detidos pela pessoa numa lógica sumativa (CORTESÃO, 2002______. Resumo da avaliação de impacto que acompanha o documento "Proposta de recomendação do conselho sobre a validação da aprendizagem não formal e informal". Bruxelas: Conselho da União Europeia, 2012b.), uma vez que as competências identificadas no processo de reconhecimento são comparadas com o referencial de competências-chave que conferem um valor legal a essas mesmas competências. Esse processo conduz "à obtenção de diplomas/certificados/qualificações, na sua totalidade ou em parte" (GOMES, 2006b, p. 13), em que são certificadas as competências contempladas naquele referencial externo e segundo os critérios de avaliação estabelecidos pelos documentos de competências-chave (GOMES; SIMÕES, 2009FERREIRA, Carlos Alberto. A avaliação no quotidiano da sala de aula. Porto: Porto, 2007.). A certificação dessas competências no adulto assume a função de legitimação social da certificação e do processo de RVCC (GOMES; SIMÕES, 2009FERREIRA, Carlos Alberto. A avaliação no quotidiano da sala de aula. Porto: Porto, 2007.; PERRENOUD, 1998______. Referencial de competências-chave para a educação e formação de adultos - nível secundário: guia de operacionalização. Lisboa: Direcção-Geral de Formação Vocacional, 2006b.).

Uma investigação no sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências de adultos

Problema e objetivos da investigação

Dado que o reconhecimento, validação e certificação de competências é uma realidade recente em Portugal, considera-se pertinente compreender as representações dos profissionais sobre a avaliação das aprendizagens no referido sistema. Dessa forma, o problema orientador da investigação realizada traduziu-se nas seguintes questões: que importância é atribuída pelos formadores a modelos de avaliação descritiva/qualitativa ou formativa das aprendizagens? Que importância é atribuída pelos formadores ao modelo de avaliação de adquiridos experienciais preconizado pelo sistema de RVCC? Quais as respresentações dos formadores sobre o seu papel como avaliadores de competências no sistema de RVCC?

O objetivo geral da investigação consistiu em explorar as representações dos formadores do sistema de RVCC acerca da avaliação de adquiridos experienciais, considerando-se as seguintes dimensões: virtualidades e limitações do modelo de avaliação compreensiva/qualitativa ou formativa das aprendizagens e da avaliação de adquiridos experienciais preconizada pelo sistema de RVCC; fiabilidade de o modelo de validação de competências se assentar na avaliação do portefólio reflexivo de aprendizagem; e representações acerca do seu papel enquanto avaliadores de competências no sistema de RVCC.

Procedimentos de recolha e de análise de dados

Dado o problema e os objetivos de investigação, considerou-se adequada a realização de uma investigação qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. A investigação qualitativa em educação. Porto: Porto, 1994.) de natureza exploratória, concretizada pela análise da legislação sobre o sistema de RVCC e por entrevista semiestruturada a quatro formadores que participaram do estudo, sendo dois do sexo masculino e dois do feminino, pertencentes a um Centro de Novas Oportunidades do norte de Portugal. Eles tinham idades entre 32 e 39 anos e eram oriundos de diferentes grupos de recrutamento docente. Um deles possuía experiência docente de cinco anos e de apenas um ano no sistema de RVCC. Outro tinha experiência docente de dez anos e de um ano no sistema de RVCC. O terceiro formador tinha experiência docente de um ano no sistema regular de ensino e de oito anos no de RVCC. Por fim, o quarto formador tinha experiência docente de oito anos e de apenas um ano no sistema de RVCC.

  1. "utilização e valor atribuído à avaliação formativa", com as subcategorias "utilização da avaliação", "valor positivo", "valor negativo" e "valorização comparativa";

  2. "aplicação da metodologia de avaliação de adquiridos experienciais", com as subcategorias "adequação dos pressupostos metodológicos", "dificuldades de aplicação intrínsecas à metodologia", "dificuldades de aplicação extrínsecas à metodologia" e "estratégias de resolução de dificuldades";

  3. "papel do portefólio reflexivo de aprendizagem", com as subcategorias "conceito de portefólio reflexivo" e "função do portefólio reflexivo";

  4. "fiabilidade das validações", com as subcategorias "limitações percebidas" e "medidas de incremento de fiabilidade";

  5. "autoperceção do papel de formador na avaliação", com as subcategorias "papel percebido" e "alterações a introduzir no papel do formador".

Apresentação e discussão dos resultados da investigação

Os resultados obtidos na investigação são apresentados e discutidos teoricamente pelas categorias delimitadas na análise de conteúdo das entrevistas.

Utilização e valor atribuído à avaliação formativa

No que respeita às representações dos formadores sobre a avaliação descritiva/qualitativa ou formativa das aprendizagens (FERREIRA, 2007_____. Avaliação das aprendizagens em Portugal: investigação e teoria da actividade. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 9, p. 87-100, 2009.), observou-se que eles reconhecem sua pertinência quando aplicada a formandos que evidenciam dificuldades no processo de aprendizagem, sendo encarada como complementar à metodologia de avaliação quantitativa ou sumativa (FERNANDES, 2005COSTA, Joana Pereira Fernandes. Competências adquiridas ao longo da vida: processos, trajectos e efeitos. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Minho, Braga, 2005.):

Apresenta vantagens [a avaliação formativa], eu acho, principalmente para aquele público que já repetiu vários anos. Tentar motivar um bocadinho o público, para não estar à espera de uma nota final. (Formador 3)

Avalio através da quantitativa, testes e depois a qualitativa. Avaliamos a parte qualitativa também para valorizar. (Formador 4)

À avaliação sumativa é conferida primazia, por ser reconhecida como mais credível, clara e diferenciadora dos resultados, em contraponto à avaliação formativa, descritiva/qualitativa, considerada vulnerável à formulação de juízos subjectivos, tal como Fernandes (2009FERNANDES, Domingos. Avaliação das aprendizagens: desafios às teorias, práticas e políticas. Lisboa: Texto, 2005.) já verificou na análise de investigações no domínio da avaliação da aprendizagem em Portugal:

Eu tenho que quantificar para distinguir entre o bom e o bom menos, o bom e o suficiente mais. Se eu quantificar, vou ser muito mais justo, muito mais assertivo. (Formador 2)

Se nós tivermos um objetivo mínimo, nós queremos ultrapassá-lo. No qualitativo, não. Parece que fica um bocadinho aquém. Parece que não há um objetivo específico. (Formador 3)

Eu sou apologista de que deve ser dada mais importância à parte quantitativa, que o peso do qualitativo deve ser assim muito irrisório. (Formador 4)

Desse modo, os entrevistados valorizam mais a dimensão sumativa da avaliação dos formandos (CORTESÃO, 2002______. Resumo da avaliação de impacto que acompanha o documento "Proposta de recomendação do conselho sobre a validação da aprendizagem não formal e informal". Bruxelas: Conselho da União Europeia, 2012b.) por considerarem mais credível e diferenciadora dos resultados. A avaliação formativa é mencionada como menos objetiva, mas complementar à sumativa, na medida em que é utilizada nos formandos que evidenciem dificuldades no percurso formativo. Tais representações corroboram as conclusões encontradas em várias investigações analisadas por Fernandes (2009FERNANDES, Domingos. Avaliação das aprendizagens: desafios às teorias, práticas e políticas. Lisboa: Texto, 2005.), que afirma existir uma fraca diversidade de instrumentos de avaliação usados pelos docentes. Estes, nas suas práticas de avaliação das aprendizagens, utilizam frequentemente os testes escritos como instrumento de avaliação sumativa, mas reconhecem a importância da prática da avaliação formativa, embora esta não se traduza nas suas práticas avaliativas, enquanto metodologia estruturada e sistemática de avaliação das aprendizagens.

Aplicação da metodologia de avaliação de adquiridos experienciais

Em relação à metodologia de avaliação de adquiridos experienciais, os formadores indicaram dúvidas quanto à sua adequação. Foram apontadas limitações decorrentes do facto de os seus pressupostos metodológicos abrirem espaço à ocorrência de situações indevidas de validação e de certificação de competências, isto é, a atribuição de certificações escolares a adultos que não evidenciaram, efetivamente, as competências necessárias para tal:

Não é adequada [a metodologia de avaliação], porque um adulto que seja extremamente fraco, que tenha copiado apenas todos os trabalhos da internet, tem precisamente a mesma avaliação que outro que fez tudo autonomamente. Isso é profundamente injusto. Da forma como está, não é justo, não é prático e é uma formalidade. (Formador 2)

Acho que não deveria ser válida para dar diplomas às pessoas. Só em casos extremos, só em casos mesmo particulares é que se poderia validar. Acho que só uma ínfima parte é que devia ser validada. A grande generalidade das pessoas que fazem RVCC acho que sai beneficiada com este tipo de avaliação. (Formador 4)

Porém o formador 3 reconheceu que a avaliação de competências resultantes dos adquiridos experienciais seja qualitativa, com caráter formativo (FERREIRA, 2007_____. Avaliação das aprendizagens em Portugal: investigação e teoria da actividade. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 9, p. 87-100, 2009.), porque, como disse, a avaliação deste objecto, com a sua idiossincrasia, não é o mesmo que avaliar conhecimentos:

Faz algum sentido [a avaliação] ser qualitativa e não quantitativa, porque nós estamos a avaliar as experiências, as competências que eles foram adquirindo ao longo da vida. Avaliar as competências não é avaliar os conhecimentos que vão adquirindo naquele espaço de tempo que estão connosco. (Formador 3)

Os formadores apontaram dificuldades na aplicação da metodologia de avaliação em RVCC resultantes de três fatores: a exigência de o formador individualizar a avaliação das competências a cada adulto; a difícil interpretação dos referenciais de competências-chave, em decorrência da pouca objetividade da linguagem utilizada; e o condicionalismo exercido pela imposição oficial de metas de certificação, considerando que estas colocam em causa a qualidade do trabalho produzido. Como estratégias para minorar ou ultrapassar as dificuldades de aplicação da avaliação utilizada, foi mencionada pelos entrevistados a formação dos formadores das equipas técnico-pedagógicas relativamente à metodologia de RVCC, assim como a troca de experiências entre profissionais, visando a partilha de práticas e o esclarecimento de dúvidas, partindo de casos e situações concretos:

Para dizer a verdade, é mesmo olhar para o referencial e olhar para o candidato. Se calhar temos que perceber um bocadinho do próprio candidato. Se calhar com o contacto com a equipa. Acho que aqui a equipa também é fundamental. (Formador 1)

Tive a sorte, e isso foi sorte, de antes de abrir [o Centro Novas Oportunidades] de haver uma formação. Inteirei-me logo da informação do processo. Acho que a formação é fundamental para podermos fazer a avaliação das competências dos adultos. (Formador 2)

Ainda fiz a formação, mas era tudo muito teórico. Não havia prática. Foi a prática que me foi ajudando mais do que a ajuda externa. Foi com a ajuda dos meus colegas que já lá estavam, a ajuda de colegas de outros centros, que íamos trocando experiências, íamos experimentando, avaliando o nosso trabalho e adequando-o sempre. (Formador 3)

Essas palavras demonstram que os entrevistados questionam a metodologia de avaliação usada, considerando que a mesma permite a atribuição de certificações escolares a adultos que não evidenciaram as competências requeridas. Daí a necessidade, segundo os formadores, de formação na metodologia de avaliação utilizada e da partilha de experiências de avaliação entre eles. Alertando para a complexidade do processo avaliativo no sistema de RVCC, Cavaco (2007CAVACO, Carmen. Reconhecimento, validação e certificação de competências: complexidade e novas actividades profissionais. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 2, p. 21-34, 2007.) indica a necessidade de os formadores reflectirem em conjunto para adequarem as técnicas e os instrumentos de RVCC às demandas dos adultos, tornando-os compreensíveis e significativos. Também Pires (2007PERRENOUD, Philippe. L'évaluation des élèves. De la fabrication de l'excellence à la régulation des apprentissages. Entre deux logiques. Bruxelles: De Boeck Université, 1998.) menciona a necessidade de formação dos formadores de RVCC na metodologia de avaliação das aprendizagens dos formandos, considerando-a uma condição imprescindível para a qualidade dos processos avaliativos.

Papel do portefólio reflexivo de aprendizagem

Quanto à avaliação realizada por meio do portefólio reflexivo da aprendizagem (ALVES, 2012ALVES, Maria Palmira. Processos e métodos para a validação das aprendizagens adquiridas pela experiência. In: ALVES, Maria Palmira MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 215-235.), constatámos que os formadores reconheceram-na como um instrumento compilador de documentos demonstrativos e representativos da aprendizagem adquirida pelo adulto, cuja funcionalidade é a de prova, de evidência da avaliação efetuada, como se pode observar, por exemplo, nos discursos dos formadores 3 e 4:

[O portefólio reflexivo de aprendizagem é] Um álbum de saberes, de aprendizagens, mas um álbum escrito. É o tesouro de memórias, é a arca de memórias, das recordações. Um produto final de todas as sessões. O juntar de tudo, de todas aquelas experiências. (Formador 3)

Uma reflexão sobre as competências que adquiriram ao longo da sua vida, a experiência de vida dos formandos. Experiências vividas, obstáculos ultrapassados, soluções encontradas para os obstáculos com que as pessoas se depararam na sua vida, que vão explicar um bocadinho como elas chegaram ao que são hoje. (Formador 4)

A partir desses relatos, observa-se que os formadores entrevistados associam o portefólio reflexivo a um instrumento compilador de documentos que evidenciam a aprendizagem do adulto, tendo por finalidade servir de prova e de evidência da avaliação realizada. Tal representação dos formadores contraria a finalidade da elaboração do portefólio, já que, segundo Alves (2012ALVES, Maria Palmira. Processos e métodos para a validação das aprendizagens adquiridas pela experiência. In: ALVES, Maria Palmira MORGADO, José C. (Org.). Avaliação em educação: políticas, processos e práticas. Santo Tirso: De Facto, 2012. p. 215-235.), este instrumento é criado para promover a reflexão do adulto sobre as suas experiências de vida, de modo a inferir-se sobre as competências por ele adquiridas.

Fiabilidade das validações

No que respeita à fiabilidade das validações dos adquiridos experienciais que resultam do processo avaliativo realizado, foram apontadas limitações pelos entrevistados pelo facto de as validações assentarem-se em reflexões pessoais escritas e de a atuação da equipa técnico-pedagógica estar sujeita à subjetividade na sua atuação, como pode ser visto, por exemplo, nos discursos dos formadores 1 e 3:

Se calhar até há outras competências que tu reconheces pelo facto de trabalhares com ele, mas que muitas vezes é difícil passar para o papel. Ter um portefólio, às vezes, muito bem elaborado, não reflete determinadas competências, principalmente ao nível científico. Nem sempre é o espelho do que o adulto sabe. Pode ser para melhor ou para pior. (Formador 1)

Se um portefólio for construído segundo a orientação do técnico, se for construído com a ajuda dos formadores das diferentes áreas, penso que terá uma avaliação fidedigna. O que pode desvirtuar, sim, são as metas que temos. A quantidade de portefólios que nós temos que construir com os nossos adultos para depois fazer uma avaliação mais fidedigna. (Formador 3)

Apesar de os procedimentos metodológicos definidos serem normalizados de acordo com a regulamentação do sistema, sua atuação varia em função da interpretação que é feita pelos elementos da equipa e cuja análise é condicionada pela imposição de metas de certificação. Desse modo, foram apontadas, pelos formadores, cinco medidas para incrementar a fiabilidade das validações: o reforço da supervisão externa para garantir a igualdade de procedimentos em todas as equipas técnico-pedagógicas; a introdução de alterações na gestão interna destas equipas, de modo a incluir formadores com perfil adequado para trabalhar com adultos; a introdução de alterações na metodologia e na finalidade do processo de RVCC, advogando a circunscrição desse processo a uma dimensão profissional, na qual a certificação de competências propicie a valorização e a progressão profissional e não a progressão académica; o reforço da componente formativa, visando a empregabilidade dos candidatos; e a evidência prática das competências, ou seja, a demonstração efetiva de competências, em vez de o processo assentar-se essencialmente em narrativa reflexiva escrita. Assim, o sistema de RVCC ficaria mais contextualizado no mundo do trabalho, permitindo, como refere a Comissão Europeia (2012a), promover a empregabilidade, a competitividade e a prosperidade económica.

Autoperceção do papel do formador na avaliação

Quanto às representações dos formadores sobre seu papel na avaliação em RVCC, constatámos que os entrevistados mantêm como referência de atuação avaliativa o paradigma quantitativo de avaliação, ou seja, a avaliação como medida de resultados de aprendizagem (FERREIRA, 2007_____. Avaliação das aprendizagens em Portugal: investigação e teoria da actividade. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 9, p. 87-100, 2009.; FERNANDES, 2005COSTA, Joana Pereira Fernandes. Competências adquiridas ao longo da vida: processos, trajectos e efeitos. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Minho, Braga, 2005.), baseada na verificação do grau de cumprimento das competências-chave por parte de cada adulto, entendidas como objetivos a cumprir pelos formandos:

Guio-me pelo referencial e, no fundo, o referencial são os objetivos das escolas. Chamamos-lhes nomes diferentes, mas no fundo é igual. Portanto, todos os anos eles têm o programa e, no fundo, o referencial de competências-chave é o nosso programa. (Formador 3)

[No ensino regular] Nós damos aulas a crianças. Portanto, estamos, de certa forma, a educar crianças, dar um modelo e ali são adultos. Nós não estamos, não somos nenhum modelo, nós não estamos a educar ninguém. Nós estamos apenas a transmitir, a direcionar as pessoas para um objectivo. (Formador 4)

Os formadores atribuíram à subjetividade de interpretação de referenciais de competências-chave e da indução de competências por meio da análise de textos reflexivos de caráter autobiográfico um foco de debilidade do sistema de RVCC, pois consideram que só a execução de tarefas ou de funções de natureza prática é que possibilitaria reconhecer e validar as competências dos adultos, como se pode ver, por exemplo, nas seguintes palavras do formador 4:

Era validar competências que a pessoa realmente demonstrasse ter. Não apenas por via oral, por via escrita. Em termos práticos, no dia a dia, realmente. Nem que o formador tivesse que se deslocar até à empresa onde essa pessoa trabalha para ver, realmente no trabalho, como é que a pessoa demonstra, desenvolve aquelas competências. (Formador 4)

Os entrevistados contestaram a correspondência de níveis de certificação de competências ao quadro nacional de qualificações, com a respetiva equivalência de nível escolar, advogando uma restrição da validação de competências a uma progressão ou valorização profissional, como é demonstrado, por exemplo, no discurso do formador 3:

Eu acho que o processo RVCC deveria ser apenas e só para a progressão na carreira, nunca para a progressão de estudos. (Formador 3)

Eles consideraram que a figura do formador de RVCC é secundarizada, uma vez que a sua ação se dilui no trabalho de uma equipa técnico-pedagógica, propondo uma maior responsabilização destes profissionais pelas validações efetuadas e o incremento do papel de formador como transmissor de conteúdos por meio do reforço da formação complementar no âmbito dos processos de RVCC, como se pode ver, por exemplo, no discurso do formador 3:

Se nós, se calhar, tentássemos aproveitar mais a formação, podermos dar mais formação, seria uma mais valia para todo o processo. Sermos nós, formadores deles, a darmos essas modulares, porque já os conhecemos e eles já têm outra abertura connosco, já conseguimos chegar-lhes melhor, do que ser outro formador externo. Quando corre tudo bem no processo, foi um bom trabalho técnico, mas quando alguma coisa corre mal, é sempre um mau trabalho do formador. O técnico acompanha-os do início ao fim e nós não. Nós estamos num grupo, acabamos de dar a formação nesse grupo, passamos para outro grupo e acho que isso nos desvaloriza o papel. (Formador 3)

Dos relatos, denota-se a tensão, identificada por Cavaco (2007CAVACO, Carmen. Reconhecimento, validação e certificação de competências: complexidade e novas actividades profissionais. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 2, p. 21-34, 2007., p. 31), entre as lógicas "avaliação humanista/avaliação instrumental", para a qual a formação dos formadores de RVCC é apontada pelos entrevistados como um mitigador desta conflitualidade. Se considerarmos a propostas de Recomendação do Conselho Europeu sobre a validação das aprendizagens não formal e informal, verificamos que é feita uma referência particular aos que assumem tarefas de validação, atribuindo-lhe um papel central na garantia do funcionamento eficaz do sistema, pelo que a sua preparação e formação contínua se revestem de uma importância decisiva (COMISSÃO EUROPEIA, 2012b).

Considerações finais

A avaliação de adquiridos experienciais, ou seja, das competências adquiridas pelos adultos na sua experiência de vida constitui um processo complexo e idiossincrático, que requer uma mudança de conceções e de práticas de avaliação por parte dos formadores. É necessário implementar uma avaliação formativa e formadora dos adultos, que lhes possibilite a tomada de consciência das aprendizagens feitas e a sua verbalização. Porém, os resultados obtidos na investigação realizada mostram que os formadores entrevistados, talvez devido à sua maior experiência profissional no sistema de ensino regular, evidenciaram conceções avaliativas de maior credibilidade e rigor da avaliação sumativa. Daí terem demonstrado falta de confiança na metodologia de avaliação formalmente adotada no sistema de RVCC e terem apontado limitações à mesma. Limitações estas que, segundo eles, seriam diminuídas com o trabalho em equipa, com a maior precisão do referencial de competências-chave e com uma maior e melhor formação dos formadores em avaliação no referido sistema de formação. Apesar de a investigação feita ser de natureza exploratória e, por isso, delimitar pistas para a continuação do estudo das práticas de avaliação em RVCC, os resultados obtidos poderão constituir elementos para uma reflexão sobre esta temática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    Mar 2015
  • Recebido
    Jun 2015
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