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Capital simbólico, representações sociais, grupos e o campo do reconhecimento

Symbolic capital, social representations, groups and the field of recognition

Capital symbolique, représentations sociales, groupes et champ de reconnaissance

Capital simbólico, representaciones sociales, grupos y el campo del reconocimiento

RESUMO:

O artigo propõe as “representações sociais” (Moscovici) como formações simbólicas condensadoras do “capital simbólico” (Bourdieu). Na primeira parte, são discutidos o “campo social” e o “campo do objeto de representação”, mostrando que, se no primeiro são privilegiadas as bases materiais, no segundo há ênfase nas interações grupais. Na segunda, “capital simbólico” e “representações sociais” são situados em um espaço social de lutas/conflito em que relações influência/poder vão definindo o “poder de fazer-se grupo”. A terceira propõe que o poder do grupo de “fazer valer sua visão de mundo” passa pelo reconhecimento do outro, processo relacionado à “atribuição de valor” e às experiências afetivas. Defendem-se as representações sociais como conceito que ampara uma análise interacionista e posicional do mundo social, tornando-se útil e aplicável ao campo do reconhecimento.

Palavras chave:
Representação Social; Capital Simbólico; Grupos; Interesse

ABSTRACT:

This article proposes “social representations” (Moscovici) as symbolic formations that concentrate “symbolic capital” (Bourdieu). The first part discusses the “social field” and the “field of the object of representation”. The former focuses on the material bases, whereas the latter emphasizes group interactions. In the second part, “symbolic capital” and “social representations” are situated in a social space of struggles/conflicts in which the relationships of influence/power define the “power of becoming a group”. The third proposes that the power of the group to “enforce its worldview” goes through the recognition of the other, a process related to the “attribution of value” and affective experiences. It defends social representations as a concept that supports an interactionist and positional analysis of the social world, becoming useful and applicable to the field of recognition.

Keywords:
Social Representations; Symbolic Capital; Groups; Interest

RÉSUMÉ:

Cet article envisage les «représentations sociales» (Moscovici) en tant que formations symboliques et condensatrices du «capital symbolique» (Bourdieu). La première partie discute les questions du «champ social» et du «champ de l’objet de représentation», en montrant que si, dans le premier, ce sont les bases matérielles qui sont privilégiées, dans le second, l’accent est mis sur les interactions groupales. Dans la deuxième partie, «capital symbolique» et «représentations sociales» se retrouvent dans un espace social de lutte/conflit où les relations d’influence/pouvoir définissent le «pouvoir de se constituer en groupe». La troisième partie avance que le pouvoir du groupe de «faire valoir sa vision du monde» passe par la reconnaissance de l’autre, et qu’il s’agit d’un processus lié à l’attribution de valeur et aux expériences affectives. Les représentations sociales sont comprises comme un concept soutenant une analyse interactionnelle et positionnelle du monde social, qui devient utile et applicable au champ de la reconnaissance.

Mots-clés:
Représentations Sociales; Capital Symbolique; Groupes; Intérêt

RESUMEN:

El artículo propone las “representaciones sociales” (Moscovici) como formaciones simbólicas condensadoras del “capital simbólico” (Bourdieu). En la primera parte, se discuten el “campo social” y el “campo del objeto de representación”, mostrando que, si en el primero se privilegian las bases materiales, en el segundo hay énfasis en las interacciones grupales. En la segunda, “capital simbólico” y “representaciones sociales” se sitúan en un espacio social de luchas / conflicto en que las relaciones de influencia / poder van definiendo el “poder de hacerse grupo”. La tercera propone que el poder del grupo de “hacer valer su visión del mundo” pasa por el reconocimiento del otro, proceso relacionado con la “atribución de valor” y con las experiencias afectivas. Se defienden las representaciones sociales como concepto que ampara un análisis interactivo y posicional del mundo social, haciéndose útil y aplicable al campo del reconocimiento.

Palabras clave:
Representaciones Sociales; Capital Simbólico; Grupos; Interés

Estabelecer relações teóricas entre a sociologia de Pierre Bourdieu e a Teoria das Representações Sociais - TRS -, de Serge Moscovici, poderia, a princípio, apresentar algum comprometimento, principalmente devido às diferentes inserções institucionais e epistemológicas desses dois autores franceses que foram contemporâneos, o primeiro na sociologia e o segundo na psicologia, particularmente na psicologia social. Uma questão poderia ser colocada diante desse cenário: como aproximar dois autores que parecem andar em linhas paralelas? Podemos desviar desse impasse quando reconhecemos um ponto comum, inegável entre os dois: ambos privilegiam a dimensão simbólica na construção do mundo social, propondo rupturas com dicotomias que consideram limitadoras para os estudos de fenômenos sociais, como subjetividade x objetividade, indivíduo x sociedade. Ambos são “construtivistas”1 1 Aqui empregamos a noção de “construtivismo” de modo mais amplo, como um paradigma que considera o mundo social como resultado de uma construção; de um lado, a inscrição de Bourdieu nesse paradigma é feita pelo próprio autor, como um “estruturalismo construtivista”; de outro, a inscrição de Moscovici nesse campo epistemológico tem duas entradas, uma no sentido piagetiano, em que as representações sociais são “estruturas” construídas na e pela história dos grupos, e, como segunda entrada, uma visão da sociedade como construção histórica e social (cf. European Journal of Social Psycholgy, v. 19, n. 5, 1989). que concebem o espaço social como espaço de lutas/mudanças e no qual a dimensão simbólica é produtora de realidades. Do mesmo modo, cada qual em sua especificidade reforça o papel das práticas sociais na construção dessa mesma realidade social. Em ambos, é possível perceber relações entre o mundo material e as formas simbólicas, embora Bourdieu enfatize mais os efeitos de dominação das instituições sociais (o “campo” e seus “capitais” são fundamentais para compreendê-los) e Moscovici, as interações grupais que, por meio da comunicação, permitem aos grupos (em consenso ou em conflito) atribuir significados a objetos que lhes afetam e, assim, dar sentido ao mundo que os cerca.

Na obra de Bourdieu, é possível perceber que o autor, com o tempo, foi se distanciando de alguns pressupostos do estruturalismo, privilegiando assim o caráter de construção da realidade social. Por exemplo, quando estudou casamentos típicos entre primos nas sociedades arabo-berbères, da Argélia, o autor baseou-se no estruturalismo de Lévi-Strauss, porém seus estudos empíricos demonstraram que os agentes não obedecem mecanicamente às regras culturais que eles mesmos defendem e transmitem, mas elaboram estratégias. Ele constatou que as trocas matrimoniais se relacionavam a um habitus (disposições adquiridas pela experiência, que apresentavam variações) que nenhuma regra poderia prever. Percebe-se aí um movimento de ruptura com certos pressupostos do estruturalismo e proximidade de um olhar construtivista (BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987.).

Moscovici (1976MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF , 1976.) já anuncia a TRS numa abordagem construtivista, propondo uma psicologia social “sociológica”, frequentemente considerada Psicologia Social do Conhecimento. O autor procura enfatizar as interações grupais que ocorrem em contextos sociais e culturais específicos, rompendo com oposições como sujeito x objeto, interior x exterior, estímulo x resposta, ao estudar fenômenos sociais. Ao enfatizar a função simbólica das representações sociais e seu poder de construção do real, Moscovici chama a atenção para o papel das interações entre indivíduos e grupos que vão constituindo uma rede de significações em torno do objeto representado, o qual passa a ser integrado aos valores e às práticas sociais dos grupos.

Essas reflexões de partida expõem o que pretendemos abordar no presente texto. Ao reconhecer a complementaridade entre “campo” e “grupo”, o artigo tem como objetivo mostrar que o “capital simbólico” (da ordem do conhecimento e do reconhecimento, dependente dos sistemas cognitivos de agentes que operam classificações no social) está condensado em “representações sociais” geradas nas interações grupais que ocorrem em campos sociais de lutas. Lançamos, assim, uma questão: seriam as representações sociais formações simbólicas que dão forma e/ou condensam efeitos do “capital simbólico” nos grupos, alguns com maior condição de influência do que outros na atribuição de significados ao objeto representado?

Com base nessa proposta, o texto divide-se em quatro partes:

a) habitus e representações sociais em um campo social de lutas e a dificuldade de equiparação entre os dois conceitos; b) o conceito de “grupo” em Moscovici e a insuficiência da noção de “campo do objeto de representação” que o autor não inseriu em um espaço social mais amplo. Nesse caso, a “teoria dos campos” de Bourdieu, com seus capitais, especialmente o simbólico, contribui para o estudo das lutas/conflitos que ocorrem no espaço social e que podem interferir nos significados atribuídos aos objetos pelos grupos; c) as interações grupais na relação entre “capital simbólico” e representações, destacando-se os grupos no espaço social, as relações de influência e de poder, chamando a atenção para grupos majoritários e minoritários que constituem identidades sociais com base em representações sociais compartilhadas; d) o poder do grupo de “fazer valer sua visão de mundo” passa pelo reconhecimento do outro, processo relacionado à “atribuição de valor” e a experiências afetivas. Nesse sentido, é proposto um debate com a perspectiva da “partilha social das emoções”.

O “CAMPO” E AS PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES ENTRE HABITUS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O movimento do pensamento bourdesiano em direção a um “viés” mais construtivista permitiu que, inicialmente, levantasse-se a hipótese de equiparação entre os conceitos de “representação social” e o de habitus (DOISE, 1986DOISE, Willem. Les représentations sociales: définitions d’ um concept. In. DOISE, Willem; PALMONARI, A. (Ed.). L’étude des représentations sociales. Lausanne: Delachaux & Niestle, 1986. p. 81-94., 1992). Porém, um exame mais acurado (CAMPOS; LIMA, 2017CAMPOS, Pedro Humberto Faria; LIMA, Rita de Cássia Pereira. Social positions and groups: new approximations between Pierre Bourdieu’s sociology and social representation theory. Culture & Psychology, New York, v. 23, n. 1, p. 38-51, 2017.; DOMINGOS-SOBRINHO, 2016DOMINGOS-SOBRINHO, Moisés. Representações sociais e praxiologia bourdieusiana: notas sobre a aplicação de um modelo a fenômenos do campo educacional. In: LIRA, André, A. D.; MIRANDA, Marly M.; BRITO, Suerde M. O. Revisitando o diálogo em representações sociais e educação. Campina Grande, PB: UFCG, 2016. p. 23-55.; WAGNER; HAYES; PALACIOS, 2011WAGNER, Wolfgang; HAYES, Nicky; PALACIOS, Fátima Flores. El discurso del cotidiano y el sentido común: la teoria de las representaciones sociales. Rubí (Barcelona): Antropos, 2011. Disponível em: http://www.crim.unam.mx/web/sites/default/files/Libro_11_02.pdf.
http://www.crim.unam.mx/web/sites/defaul...
) afastou essa linha de proposições. De sua parte, as representações sociais têm um conteúdo organizado e hierarquizado (que o habitus não tem), são produzidas com base em trocas comunicativas, vêm da partilha social consciente de significações, portanto, não excedem ao conhecimento potencialmente consciente. Enquanto o conceito bourdieusiano é inferido, as representações sociais são colhidas, identificadas, têm forma simbólica, como um “conjunto estruturado de crenças” (MOSCOVICI, 1984MOSCOVICI, Serge . Psychologie sociale. Paris: PUF , 1984.), ou seja, são “imagens mentais”, correlacionadas com as práticas sociais. Em situações comuns, as representações sociais prescrevem comportamentos e condutas que parecem funcionar “automaticamente” toda vez que a leitura da situação e o conteúdo da representação convergem. Contudo, processos de comunicação, avaliação e negociação de significados são ativados, como “reflexão”, sempre que elementos da situação divergem dos elementos da representação, especialmente nas situações de conflito social. Para sintetizar, as representações sociais supõem a intencionalidade coletiva baseada em crença partilhada, enquanto o habitus aparece como que “automático”, como illusio (BOURDIEU, 1994BOURDIEU, Pierre. Raisons pratiques. Sur la théorie de l`action. Paris: Seuil , 1994., 1997BOURDIEU, Pierre. Méditations pascaliennes. Paris: Seuil , 1997.).

A comparação entre habitus e representação social também deve levar em consideração que a “teoria do habitus” foi objeto de um “amadurecimento” da parte de Bourdieu (SETTON, 2002SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 20, maio/ago. 2002.), dando margem a diferentes visões (DOMINGOS-SOBRINHO, 2016DOMINGOS-SOBRINHO, Moisés. Representações sociais e praxiologia bourdieusiana: notas sobre a aplicação de um modelo a fenômenos do campo educacional. In: LIRA, André, A. D.; MIRANDA, Marly M.; BRITO, Suerde M. O. Revisitando o diálogo em representações sociais e educação. Campina Grande, PB: UFCG, 2016. p. 23-55.; DUBET, 1994DUBET, François. Sociologie de l’ expérience. Paris: Seuil , 1994.; LAHIRE, 1998LAHIRE, Bernard. L’ homme pluriel: les ressorts de l’ action. Paris: Nathan, 1998. ; WACQUANT, 2007WACQUANT, Loïc J. D. Notas para esclarecer a noção de habitus. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, v. 6, n. 16, p. 6-17, 2007.). King (2000KING, Anthony. Thinking with Bourdieu against Bourdieu: a “practical” critique of the habitus. Sociological Theory, New York, v. 18, n. 3, p. 417-433, 2000.) considera que as formulações sobre o conceito acabam por promover uma recaída de Bourdieu em um objetivismo tão absoluto, apesar de sofisticado, que acaba dividindo obra do sociólogo francês em duas partes inconciliáveis: uma “praxiologia”, dinâmica e interativa, amparada na prática social intersubjetiva e no papel ativo do agente (as formas do “agenciamento”), e a “teoria do habitus”, mecânica e reprodutivista.

Autores como Peters (2013PETERS, Gabriel. Habitus, reflexividade e neo-objetivismo na teoria prática de Pierre Bourdieu. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 28, n. 83, p. 47-71, 2013.) e Domingos-Sobrinho (2016DOMINGOS-SOBRINHO, Moisés. Representações sociais e praxiologia bourdieusiana: notas sobre a aplicação de um modelo a fenômenos do campo educacional. In: LIRA, André, A. D.; MIRANDA, Marly M.; BRITO, Suerde M. O. Revisitando o diálogo em representações sociais e educação. Campina Grande, PB: UFCG, 2016. p. 23-55.) afirmam que as críticas a Bourdieu, que o consideram realizando um “neo- -objetivismo sofisticado”, estão associadas a visões que não alcançaram a complexidade da sociologia de Bourdieu e devem ser problematizadas por uma leitura mais acurada da praxiologia.

Encontramos, também, autores que adotam visões mais interacionistas ou dialéticas. Wacquant (2002WACQUANT, Loïc J. D. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 19, p. 95-110, nov. 2002., 2007WACQUANT, Loïc J. D. Notas para esclarecer a noção de habitus. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, v. 6, n. 16, p. 6-17, 2007.) afirma a existência de duas perspectivas no pensamento bourdieusiano: uma mais “dura” e outra mais “flexível”, sem que isso constitua uma incompatibilidade. Para Setton (2002SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 20, maio/ago. 2002.), existe uma relação dialética, de “mão dupla”, entre o habitus e a estrutura de um campo, sendo que o habitus deve ser pensado em relação às transformações atuais das instâncias socializadoras. E segundo Lima e Campos (2015LIMA, Rita de Cássia Pereira; CAMPOS, Pedro Humberto Faria. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representações sociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.) e Campos e Lima (2017CAMPOS, Pedro Humberto Faria; LIMA, Rita de Cássia Pereira. Social positions and groups: new approximations between Pierre Bourdieu’s sociology and social representation theory. Culture & Psychology, New York, v. 23, n. 1, p. 38-51, 2017.), a interação campo-habitus-capital se modifica à medida que Bourdieu desenvolve o conceito de capital simbólico.

Para nós, Bourdieu vai apontando (BOURDIEU, 1980BOURDIEU, Pierre. Le sens pratique. Paris: Minuit, 1980., 1984bBOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Paris: Minuit , 1984b., 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987., 1989bBOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Deifel, 1989b.) a necessária discussão do habitus em sua relação com o capital simbólico e as noções de interesse e estratégia. Nossa posição não é a de considerar a existência de “dois Bourdieus”, mas de um conjunto de pequenas modificações, hesitações e de “mudança” em seu pensamento, primeiramente pela consolidação do conceito de campo, a partir dos anos 1980 (BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987., 1989aBOURDIEU, Pierre. La noblesse d’état: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Minuit , 1989a.; CHAMPAGNE, 2013CHAMPAGNE, Patrick. Pierre Bourdieu. Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. Introduction. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 200, n. 5, p. 4-11, 2013.). Nesse sentido, parece-nos legítimo falar da “sociologia de Bourdieu” por meio da tríade campo-habitus-capital (JESUINO, no prelo; SETTON, 2002SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 20, maio/ago. 2002.). Em seguida, devido à força que a dimensão simbólica vai ganhando em sua obra com a constituição “tardia” da noção de capital simbólico, pelas análises empíricas de campos estruturados também como “campo de lutas simbólicas” (BOURDIEU, 1992BOURDIEU, Pierre. Les règles de l’art: genèse et structure du champ littéraire. Paris: Seuil, 1992., 2013bBOURDIEU, Pierre. Manet, une révolution symbolique. Cours au collège de France (1998-1999). L´effet Manet. Paris: Seuil , 2013b.; BOURDIEU; DELSAUT, 1975BOURDIEU, Pierre; DELSAUT, Yvette. Le couturier et sa griffe: contributions à une théorie de la magie. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 1, n. 1, p. 7-36, 1975.).

Doise (2002DOISE, Willem. Da psicologia social à psicologia societal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, p. 27-35, jan./abr. 2002.) e Doise, Clemence e Lorenzi-Cioldi (1992DOISE, Willem; CLÉMENCE, Alain; LORENZI-CIOLDI, Fabio. Représentations sociales et analyses de données. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble, 1992.) estabeleceram as primeiras linhas de aproximação entre Bourdieu e a TRS, propondo a chamada “abordagem posicional2 2 Podemos sintetizar que a abordagem posicional, inspirada no princípio da “homologia estrutural” de Bourdieu, considera que: a) os membros de um grupo partilham um campo comum de conhecimentos acerca de um objeto social; b) podem, porém, variar em suas avaliações ou julgamentos (tomadas de posições) acerca desse objeto ou de seus aspectos; c) essas “variações” não são causadas por diferenças de personalidade, mas por um efeito de diferentes “posições” no espaço social. do estudo das representações sociais”, lançada na obra de 1992, cujo prefácio foi escrito pelo próprio Bourdieu, atestando diretamente sua concordância com o modelo proposto. Nela, as representações sociais são “princípios organizadores das tomadas de posição”. Ora, se os habitus são geradores (ora “eliciadores”!) das “tomadas de posição”, então, aparentemente, estaríamos “recaídos no objetivismo” para retomar a expressão de King (2000KING, Anthony. Thinking with Bourdieu against Bourdieu: a “practical” critique of the habitus. Sociological Theory, New York, v. 18, n. 3, p. 417-433, 2000.). Porém, com a delimitação do capital simbólico e da natureza “não simbólica” dos habitus e, paralelamente, com a natureza de “signo” das representações sociais, parece mais correto dizer que são dois construtos muito próximos por sua relação estreita com os princípios que estruturam o campo com seus capitais. “Habitus e representações sociais” encontram- se naquilo que o primeiro recebe de efeitos do capital simbólico (e manifesta-se como conjunto de esquemas de percepção, julgamento e ação) e naquilo que o segundo, por sua natureza fenomênica, exerce de efeitos simbólicos sobre o pensamento, as práticas e o campo.

Dada a complexidade do conceito de habitus e as “variações” de Bourdieu em sua descrição, é recomendado cuidado diante de leituras pontuais. Na sociologia das posições, o habitus não corresponde a um fenômeno que possa ser medido. É uma ferramenta conceitual3 3 Para Wacquant (2007, p. 14), embora o habitus possa ser objeto de observação metódica por meio da observação dos esquemas cognitivos e motivacionais, ele é “um modo estenográfico de designar uma postura de investigação, ao apontar um caminho para escavar categorias implícitas através das quais as pessoas montam continuamente o seu mundo vivido para dar conta da totalidade de um conjunto de esquemas de percepção, julgamento e disposição para a ação. Em repetidas vezes é apresentado como uma totalidade de disposições “inconscientes” (BOURDIEU, 1980BOURDIEU, Pierre. Le sens pratique. Paris: Minuit, 1980., 1994BOURDIEU, Pierre. Raisons pratiques. Sur la théorie de l`action. Paris: Seuil , 1994., 1997BOURDIEU, Pierre. Méditations pascaliennes. Paris: Seuil , 1997.), mas pode ser compreendido como um conceito “relacional”, no sentido de ser uma resultante de relações sociais, um “feixe de laços sociais” (WACQUANT, 2002WACQUANT, Loïc J. D. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 19, p. 95-110, nov. 2002.).

Nesse cenário que dificulta a equiparação entre habitus e representações sociais, adotamos aqui a posição de aproximar a sociologia de Bourdieu e a TRS pela via das discussões sobre capital simbólico e sobre grupos (CAMPOS; LIMA, 2015LIMA, Rita de Cássia Pereira; CAMPOS, Pedro Humberto Faria. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representações sociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.; LIMA; CAMPOS, 2015LIMA, Rita de Cássia Pereira; CAMPOS, Pedro Humberto Faria. Campo e grupo: aproximação conceitual entre Pierre Bourdieu e a teoria moscoviciana das representações sociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 63-77, jan./mar. 2015.).

Embora a noção de “grupo” em Bourdieu não esteja claramente definida, o autor faz referência a agentes e a grupos de agentes definidos por suas posições no campo social, descrito como espaço multidimensional de posições em que tais agentes/grupos diferenciam-se e distribuem- -se, de acordo com o volume de capital (“econômico”, “cultural”, “social” e “simbólico”) que possuem. Para Bourdieu, mesmo a teoria mais “objetivista” deve integrar a representação que os agentes fazem do mundo social e o trabalho de construção dessa representação, trabalho que visa também a impor essa última como visão de sua própria posição e identidade social. Essa percepção do mundo social tem um lado “objetivo”, é socialmente estruturada em função de propriedades dos agentes e das instituições, mas tem também um lado “subjetivo”, visto que é estruturada porque os esquemas de percepção mobilizados em determinado momento são produtos de lutas simbólicas anteriores, expressando relações de força simbólicas. Tais lutas, em diferentes campos, são lugares de representação do mundo social e de hierarquias de indivíduos/grupos em cada campo e entre os diferentes campos (BOURDIEU, 1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a.). Está assim evidenciada, nos dois autores, uma perspectiva construtivista em que o social é construção de agentes individuais e coletivos, nas dimensões subjetiva e objetiva, tomando corpo a compreensão do simbólico. Se Bourdieu interessa-se pelo mundo social de lutas entre o agente socializado e a cultura, Moscovici privilegia as interações de grupos que, em consenso ou conflito, produzem “teorias” reveladoras da cultura. Se em Bourdieu falta ênfase em estudos de interações grupais produtoras de lutas simbólicas, em Moscovici falta aprofundamento das bases materiais nas quais as representações sociais se produzem e se ancoram.

“CAMPO SOCIAL”, “GRUPOS”, “CAMPO DO OBJETO DE REPRESENTAÇÃO”

Em um primeiro momento, é possível pensar em compatibilidades entre as noções de “campo”, de Bourdieu, e de “grupo”, na TRS de Moscovici. Entretanto, não é necessário muito aprofundamento em leituras de ambos os autores para perceber que tais noções não são equiparáveis, embora possam ser complementares. Por um lado, explicar o “campo” em termos de lutas simbólicas, tão enfatizadas por Bourdieu, demandaria uma abordagem conceitual com espessura psicológica e social que privilegie as lutas internas entre grupos e/ou frações de grupos, o que poderia ser sustentado pela noção de “representação social”. Por outro lado, a TRS não apresenta muitas pistas para ancorar a representação social em seu contexto sócio-histórico, deixando fluido o conceito de “grupo” e não esclarecendo a dimensão e os agentes a serem considerados no “campo do objeto de representação social”. Devido a essa lacuna, retomar o “campo” bourdieusiano contribuiria para (re)pensar o campo do objeto de representação.

A obra de Bourdieu, em seu conjunto, mostra sua intenção de construir uma teoria do “social”, ou do “espaço social”. Champagne (2013CHAMPAGNE, Patrick. Pierre Bourdieu. Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. Introduction. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 200, n. 5, p. 4-11, 2013.), ao comentar transcrições de seminários de Bourdieu que aconteceram entre 1972 e 1975,44 4 Transcrições de seminários de Bourdieu oferecidos ao seu grupo de pesquisa nos anos 1970, descobertas no fundo de um armário do Centro de Sociologia da Educação e da Cultura, na Maison des Sciences de l`Homme. afirma que essas mostram uma construção progressiva da teoria do mundo social do autor, elaborada durante pesquisas e exposições feitas por ele. Entre os aspectos principais dessa teoria estão os efeitos de dominação, material e simbólica que ocorrem nas relações sociais. Essa dominação inscreve-se na objetividade (divisões objetivas) e na subjetividade (esquemas cognitivos). A proposta de quatro tipos de capital (econômico, cultural, social e simbólico), circulando e distribuindo-se em um campo social de lutas, reflete essa relação entre divisões objetivas e esquemas cognitivos.

Uma vez que a “realidade é relacional” (BOURDIEU, 1994BOURDIEU, Pierre. Raisons pratiques. Sur la théorie de l`action. Paris: Seuil , 1994.), faz- -se necessária uma perspectiva que permita identificar os “atores sociais” envolvidos e as bases dessas relações. Segundo Wacquant (2002WACQUANT, Loïc J. D. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 19, p. 95-110, nov. 2002.), Bourdieu iniciou seus trabalhos de pesquisa de campo empregando a noção genérica de “situação”, abandonando-a gradativamente. Ao mesmo tempo, de acordo com Champagne (2013CHAMPAGNE, Patrick. Pierre Bourdieu. Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. Introduction. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 200, n. 5, p. 4-11, 2013.), o conceito de “campo” foi se constituindo5 5 Pode-se dizer que a obra que marca uma “virada” em direção à elaboração e consolidação da noção de campo é Esquisse d´une théorie de la pratique précéde de Trois études d’ethnologie kabyle. Geneva: Droz, 1972. e consolidando-se, ainda que de forma não linear (BOURDIEU, 1980BOURDIEU, Pierre. Le sens pratique. Paris: Minuit, 1980., 2013aBOURDIEU, Pierre. Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. Actes de la Recherche em Sciences Sociales, Paris, v. 200, n. 5, p. 12-37, 2013a. 6 6 Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. ).

A noção de “campo” desenha-se inicialmente de modo simples: um conjunto de relações objetivas produzindo as posições dos agentes, as quais correspondem à distribuição das formas do capital encontradas em cada posição. Assim posto, o “campo”, como conjunto articulado de posições (objetivas) gerando habitus que sustentam as práticas de cada agente, legitima o princípio da homologia (posições, habitus e crenças) que beira a um mecanicismo contra o qual Bourdieu sempre alertou. O desenvolvimento da noção de “campo” faz-se sob uma dupla exigência do próprio Bourdieu: de um lado, escapar ao interacionismo, uma vez que as posições objetivas existem independentemente de qualquer intenção ou interação entre os agentes; de outro lado, escapar ao “risco essencialista”, risco de tomar as propriedades inerentes ao “campo”, propriedades que vinculam um agente à sua posição (posse de parcelas de cada forma específica do capital, estruturas de percepção e de julgamento, e as práticas) como “espécies de coisas substanciais que estariam dentro das classes e que seriam aquilo a partir do que se explicariam as classes”7 7 No original: “espèces de choses substantielles qui seraient dans la classe et qui seraient ce à partir de quoi s’expliqueraient les pratiques des classes”. (BOURDIEU, 2013aBOURDIEU, Pierre. Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. Actes de la Recherche em Sciences Sociales, Paris, v. 200, n. 5, p. 12-37, 2013a., p. 32). Tomados de forma essencialista, os princípios explicativos que permitem recortar um “campo” levariam a tratar as práticas de cada grupo como produto “substancial” das posições. Também não parece essa a posição assumida por Bourdieu ao longo do tempo.

Para Champagne (2013CHAMPAGNE, Patrick. Pierre Bourdieu. Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975. Introduction. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 200, n. 5, p. 4-11, 2013.), até os seminários de 1972-1975, a divisão do mundo social em classes vinha sendo analisada por Bourdieu em termos dos conceitos de habitus e de “capital”, levando as pesquisas empíricas a identificar (ou nomear) as classes e frações de classes em função do volume global do capital e da distribuição das espécies de capital (econômico, cultural e simbólico). Essas análises começam a se transformar sob a égide da noção, ainda pouco estruturada naquele momento, de “campo”, pois uma visão sustentada somente nos conceitos de habitus e de “capital” flerta com uma visão do mundo social que pode ser rotulada de “essencialista”, “mecanicista” ou, até, “economicista”. A reintrodução do tema “poder” no pensamento bourdesiano corresponde, no nosso entender, ao seu esforço em restituir a dinamicidade das formas de luta que desemboca em uma visão mais coerente do mundo social. Para o autor, para que exista “campo” é necessária a existência de um “sentido do jogo” comum (enjeux) que pode ser uma “percepção das regras do jogo”. Nesse cenário, destaca-se a afirmação que todo poder (todo exercício do poder) contém uma “demanda de reconhecimento”:

O poder comporta uma demanda de reconhecimento... ele clama por um agente autônomo, dito de outro modo, que seja capaz de fazer sua a regra de conduta que lhe foi prescrita, obedecendo-a. A ordem somente se torna operante, eficiente, através da intermediação daquele que a executa, com a colaboração objetiva de sua consciência, de suas disposições previamente instaladas para serem reconhecidas na prática em um ato de obediência, ou seja, de crença. 8 8 No original: “Le pouvoir enferme une demande de reconnaissance [...] ; il en appelle à un agent autonome, c’est-àdire quelqu’un qui soit capable de faire sienne, en lui obéissant, la règle de conduite qui lui a été prescrite. L’ordre ne devient opérant, efficient, que par l’intermédiaire de celui qui l’exécute, avec la collaborationobjective de sa conscience, de ses dispositions préalablement montrées à le reconnaître pratiquement, dans un acte d’obéissance, c’està- dire de croyance”. ( BOURDIEU, 2011a BOURDIEU, Pierre. Champ du pouvoir et division du travail de domination. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 190, n. 5, p. 126-139, 2011a. Texte manuscrit inédit ayant servi de support de cours au Collège de France, 1985-1986. , p. 132, grifo do autor)

O ato de “reconhecimento” que sustenta a submissão é tanto mais legítimo quanto mais seja reconhecido (percebido e julgado) como ato de independência; então, ato legítimo e legitimador. Assim, Bourdieu instaura outra ordem de questões sobre o “campo”, à medida que a dominação simbólica constitui-se em (também) uma força motriz no próprio “campo”, com o mesmo peso das forças “objetivas” (econômicas, militares, institucionais). A consequência de uma “autonomia aparente”, resultante do fato de o agente “reconhecer” o ato como seu, ou consequência de o agente desconhecer a submissão que o ato institui, é o risco de, percebendo-se (ainda que ilusoriamente) como autônomo, o agente possa infiltrar, em seu campo de ação, interesses que lhe são seus, por dentro do poder “delegado e legitimado” de agir no “campo”. Nessa direção, o campo das relações objetivas (distribuição das espécies do capital e habitus) sofre impacto de grupos (no interior das frações de classes) e de frações de classes, visando a ocupar posições e, para tal, lutando em busca de legitimação de suas visões de mundo.

Para Bourdieu (1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a., 1987), as classes, como Marx as concebia, eram resultado de uma ação política ou, mais exatamente, efeito de uma teoria. Nesse sentido, as classes sociais estão por fazer, não são dadas na realidade social. Ou seja, para que um aglomerado ou conjunto de indivíduos partilhando as mesmas condições de vida atuem como classe, é necessário, antes, o trabalho de se tornar coletivo, agindo política e voluntariamente de modo coletivo; para tal, um grupo desenvolve uma autopercepção (representação) como grupo ou classe e produz a vontade política que se nutre e põe-em-marcha a representação de um “grupo unificado”.

Burawoy (2011BURAWOY, M. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas: Editora Unicamp, 2011.) reforça que Bourdieu considerava perigosamente ilusória a tradição marxista que confundia a “classe no papel” com uma classe real, unificada, mobilizada, que só poderia existir como resultado de uma construção. Burawoy (2011BURAWOY, M. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas: Editora Unicamp, 2011.) concorda com a crítica feita no sentido de que o marxismo não compreendeu adequadamente sua grande influência como “efeito teórico”, ou seja, à medida que alguns representantes da classe trabalhadora incorporaram a visão (representação) que Marx criou da classe e realizaram uma coligação imaginária entre a “classe no papel” e a “classe mobilizada”. Podemos, então, reter a visão de que uma classe pode ser um “dado no papel”, uma classificação artificial feita por sociólogo ou agente de políticas públicas para efeitos de “leitura do corpo social”. Em Choses dites (BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987.), as classes sociais, no sentido exato, são claramente distintas dos princípios de classificação. Por vezes, o esforço do sociólogo em “criar grupos” (aqui no sentido de agregar indivíduos segundo condições de vida comuns ou de distribuição dos tipos de capital) pode ocultar as posições sociais ocupadas (por exemplo, profissão, sexo, idade).

O que nos interessa, particularmente, é a vinculação explícita que Bourdieu (1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987.) faz do termo “grupo” ao “poder simbólico” e ao “capital simbólico”, afirmando que o “poder de fazer grupos” (p. 164) é a forma mais elaborada, por excelência, do “poder simbólico” que, por sua vez, está baseado em duas condições. A primeira delas é que o poder simbólico é fundado na posse de um capital simbólico. O “capital simbólico” é, na verdade, um efeito da distribuição das outras formas de capital em termos de reconhecimento ou de valor social, é “poder atribuído àqueles que obtiveram reconhecimento suficiente para ter condição de impor o reconhecimento” (BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987., p. 164). A segunda condição é que a eficácia simbólica depende do tanto que uma visão defendida (um crédito, um reconhecimento, um valor) está, de fato, amparada na realidade; o “capital simbólico” é tanto mais eficaz quanto mais esteja alicerçado na realidade objetiva.

Para Saint Martin (2017SAINT MARTIN, Monique de. Capital simbólico (verbete). In: CATANI, Afrânio M. et al. (Org.). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2017. p. 109-112.), o conceito de capital simbólico foi forjado progressivamente por Bourdieu, ao longo de sua obra, e sua natureza “diferente” das outras formas de capital vai se constituindo, de um lado, como forma cognitiva, de outro, como vinculado a um “sistema de categorias sociais”, o qual aponta o que é valorizado e o que não é valorizado em um campo específico. Embora possa parecer efeito automático dos outros capitais, não autônomo, sua manutenção ou busca pode entrar em contradição com a gestão do capital econômico ou social (SAINT MARTIN, 2017SAINT MARTIN, Monique de. Capital simbólico (verbete). In: CATANI, Afrânio M. et al. (Org.). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2017. p. 109-112.). Quando articulado à noção de grupo, permite analisar a estruturação de campos específicos pela sua distribuição; permite, assim, uma análise do campo como campo de lutas simbólicas pelo reconhecimento.

Bourdieu afirma que o capital simbólico pode circular em universos sociais que refletem “campo de lutas”, também simbólicas, particularmente no campo das artes, incluindo moda, literatura e pintura.9 9 Elementos comuns podem ser observados nesses três campos. Na moda (BOURDIEU; DELSAUT, 1975), há dois tipos de empresas ocupando posições polares no campo: as maisons tradicionais, dominantes em certa época, e as mais recentes, que entram na competição com lógica diferente da considerada pertinente ao campo. Na literatura (BOURDIEU, 1992), o campo de forças age nos que chegam em função de posições ocupadas, por exemplo, autor de peças de sucesso ou poeta de vanguarda, cujas lutas tendem a conservar ou transformar o campo de forças. Na pintura (BOURDIEU, 2013b), o autor afirma que a revolução estética operada por Manet é também uma revolução política. O sucesso das ações de Manet é associado à cumplicidade dos que foram persuadidos a se revoltar contra a ordem estabelecida Bourdieu e Delsaut (1975BOURDIEU, Pierre; DELSAUT, Yvette. Le couturier et sa griffe: contributions à une théorie de la magie. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 1, n. 1, p. 7-36, 1975.) fazem um estudo sobre a estrutura do campo da alta costura em Paris, que apresenta distribuição desigual de uma espécie particular de capital entre as diferentes maisons, engendrando a concorrência no campo e as condições para a entrada de novos agentes nessa competição. Os autores referem-se a detentores de um capital de autoridade que conduzem o campo a produzir capital simbólico que, por sua vez, é produtor de crenças. Por exemplo, semanários e revistas especializadas dedicavam páginas a diferentes costureiros, indicando não somente sua posição na distribuição de capital específico, mas representando parte do lucro simbólico e material que eles podiam obter na produção do campo, sendo o efeito de grife do costureiro um ato de magia.

Em relação à literatura, Bourdieu (1992BOURDIEU, Pierre. Les règles de l’art: genèse et structure du champ littéraire. Paris: Seuil, 1992.) afirma que, no campo de produção cultural enquanto campo de forças que se exercem nos corpos, há um processo de institucionalização para a constituição de um grupo literário que acumula e concentra capital simbólico por meio, por exemplo, da adoção de nomes, da elaboração de manifestos, na instauração de ritos de agregação.

Na pintura, os textos mais significativos estão na compilação das aulas ministradas no Collège de France, entre 1998 e 1999 (BOURDIEU, 2013bBOURDIEU, Pierre. Manet, une révolution symbolique. Cours au collège de France (1998-1999). L´effet Manet. Paris: Seuil , 2013b.), em que o autor mostra os efeitos de ruptura causados por Manet nesse campo, no século XIX. Bourdieu mostra que o capital simbólico que garantia valor a pintores e pinturas passou a não mais funcionar devido a alterações na rede de crenças, ao surgirem pintores que contestavam veredictos dos Salões de Artes, como Manet, que se opôs ao academismo da época.

Se tirarmos do conjunto dessas afirmações todas as suas implicações, chegaremos, sem dúvida, ao fato que os grupos não somente são importantes porque dão gênese a agentes que atuam com vontade política “consciente”, ou ao menos voluntária, mas também porque dão gênese ao próprio “capital simbólico”, visto que o reconhecimento somente se obtém na interação entre indivíduos e grupos sociais, com amparo no resultado de suas ações para a transformação da realidade objetiva. O valor social do reconhecimento é inerente aos grupos sociais.

Na sociologia das posições, o termo “grupo” aparece quase que em permanência associado a uma “unidade simbólica”. Embora não teorize isso de maneira explícita, a ideia de que os “grupos estão por fazer”, que não são substâncias a priori da organização social, indica que a construção de uma unidade simbólica (partilha de crenças comuns) é dinâmica: manter, sustentar, expandir os grupos já estabelecidos; formar novos grupos que sustentem uma nova visão.

Porém, na luta pela imposição da visão legítima do mundo social, os detentores de uma autoridade burocrática nunca obtêm um monopólio absoluto […] De fato, sempre existem, numa sociedade, conflitos entre poderes simbólicos que visam impor a visão das divisões legítimas, isto é, construir grupos. O poder simbólico, nesse sentido, é um poder de worldmaking. ( BOURDIEU, 2011b BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2011b. , p. 163)

Caberia, aqui, considerar as relações entre o “campo social de lutas”, espaço de poder simbólico, de posições sociais em que circulam diversos tipos de capital (econômico, cultural, social e simbólico), e o “campo do objeto de representação”, o qual supõe um conteúdo estruturado de significações construídas nas comunicações entre grupos, com base em seus conhecimentos, e inseridas em uma dinâmica de influências envolvendo tomadas de posição que refletem imagens ou modelos sociais. A posição social do grupo pode também revelar seu “capital simbólico” em relação a outros grupos.

Quando Moscovici (1976MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF , 1976.) refere-se ao “campo do objeto de representação”, há a ideia de um conjunto ordenado e estruturado, com uma imagem expressando hierarquização dos elementos do objeto representado. Esse campo reflete um modelo social, com opiniões e asserções sobre o objeto representado, e também posições dos grupos que o representam. Podemos supor que nesse campo há diversos grupos (e frações de grupo) representando o mesmo objeto, atribuindo a ele significados que se formam no consenso e no conflito. Porém, esse “campo do objeto” traduz mais um esquema explicativo da organização psíquica de um ou mais grupos em relação ao objeto, com seus sistemas de valores, de normas, do que uma contextualização sócio-histórica dos grupos e do próprio objeto. As interações grupais que delineiam a elaboração de significados sobre o objeto é uma construção social. No entanto, as bases materiais, objetivas, são pouco explicadas nesse processo e, também, o modo como emergem representações em luta nesse campo.

Para Moscovici (1976MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF , 1976.), as representações sociais, como modalidade de conhecimento social, exercem mediação entre o sujeito/grupo que representa e o objeto (fenômeno social) representado, reforçando o modelo triádico proposto pelo autor (MOSCOVICI, 1972MOSCOVICI, Serge. Society and theory in social psychology. In: ISRAEL, J.; TAJFEL, H. (Ed.). The context of social psychology. London, UK/New York, NY: Academic Press, 1972. p. 17-68 ): ego-alter-objeto. O “campo do objeto” supõe essa triangularidade em que os significados do objeto vão sendo construídos pelos sujeitos nas interações intra e intergrupos. Porém, os fundamentos para se compreender as relações materiais e a historicidade ligadas aos grupos e aos objetos representados não foram suficientemente explicitados por Moscovici.

A abordagem posicional de Doise (2002DOISE, Willem. Da psicologia social à psicologia societal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, p. 27-35, jan./abr. 2002.) anuncia um enfoque mais social dos grupos ao priorizar suas posições sociais no estudo de representações, sendo que essas podem variar em função dos diferentes contextos comunicacionais em que os grupos se inserem. Nesse sentido, os membros de um grupo partilham um campo comum de conhecimentos a respeito de um objeto e podem variar em suas avaliações sobre ele, variações essas causadas por diferentes posições dos grupos no espaço social. Ou seja, conforme varia o contexto, um aspecto da identidade, antes “oculto”, torna-se saliente e “promove” a emergência de diferentes opiniões que, em outros contextos, não apareceriam. Essas colocações permitem pensar em um desenho com a configuração de um campo do objeto de representação: o fenômeno social (ou objeto) é representado por vários grupos em interação que, em consenso ou conflito, vão elaborando significados sobre ele. Trata-se de um processo dinâmico em que indivíduos pertencentes a diferentes grupos, com vínculos identitários diferentes, aos serem provocados pelo contexto do objeto, expressam variações nos julgamentos sobre ele, que podem não ser homogêneos em um grupo social.

Segundo Flament e Rouquette (2003FLAMENT, Claude; ROUQUETTE, Michel-Louis. Anatomie des idées ordinaires. Comment étudier les representations sociales. Paris: Armand Colin, 2003.), a representação social de um objeto social é uma marca da posição social do grupo. Mas isso só é válido se, ao conhecermos essa representação, pudermos antever (ou conhecer) a relação que esse grupo mantém com outros grupos que se relacionam com esse mesmo objeto no campo social estudado. Na perspectiva de Moscovici (1976MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF , 1976.), no “campo do objeto de representação social”, o fenômeno (objeto) aglutina em torno de si um conjunto de interesses derivados dos valores e das normas dos grupos que lhe atribuem significados.

Na sociologia de Bourdieu, a sociedade é recortada em “campos” de lutas, com agentes dotados de habitus situados nesse espaço social de lutas. O autor privilegia mais as bases institucionais do que os processos sociocognitivos dos grupos. Na TRS de Moscovici, há um campo do objeto de representação que mobiliza grupos que atribuem significados a esse fenômeno. No consenso ou no conflito, a ênfase está nos processos de influência que ocorrem nas interações grupais, ficando em segundo plano a materialidade das instituições. Nos dois autores, as questões de ordem simbólica são evidentes.

As ideias de ambos permitem pensar que as lutas se dão organizadas ou engendradas “em torno” de disputas envolvendo as diferentes visões que grupos (ou frações de classes) têm acerca de um mesmo objeto social (fenômeno, evento), como a economia, a guerra, o trabalho, a tecnologia, as “raças”, a miséria, a exclusão. A dominação no mundo social, seja pela força, seja da ordem simbólica, não se realiza abstratamente em um vácuo social, mas enraizada (melhor dizer, encravada ou ancorada) em fenômenos que despertam o interesse dos grupos, como no caso do colonialismo, ou a percepção de certos grupos como inferiores para a exploração da sua força de trabalho.

“INTERAÇÕES GRUPAIS”, “INFLUÊNCIA”, “REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CAPITAL SIMBÓLICO”

As relações sociais entre grupos que interagem em um campo social de lutas podem ser explicadas em termos de “influência” (Moscovici) e de “poder” (Bourdieu). Não seria exatamente “luta pelo reconhecimento” ou “luta pela posse de parcelas de capital estruturante dominante”, mas “influências” que “fazem valer a visão do grupo como consenso”, exercendo-se dominação simbólica coerente com a ação dos agentes. O “capital simbólico” no “campo” seria assim explicado em termos de lutas simbólicas, no qual se fortalece o papel das “representações sociais” elaboradas nas interações grupais, em consenso e/ou conflito. Para além da definição de “campo” como conjunto articulado resultante de uma distribuição (observando homologia entre posições, habitus e tomadas de posição), parece-nos pertinente afirmar que, ao longo da obra de Bourdieu, um aspecto fundamental vai ganhando a frente das reflexões: a visão do “campo” como “campo de lutas”. Nesse sentido, consideramos ainda que, corolariamente, a concepção de “capital simbólico” (que é de outra ordem, não a mesma das outras formas do capital, visto que ele é da ordem do “reconhecimento”) também vai ganhando peso em seu sistema explicativo.

Se o campo é “campo de lutas” entre agentes inscritos em um “jogo comum”, cada agente busca instalar e instituir seus próprios interesses, visando a fundar sua visão de mundo como consenso, visando a legitimar suas práticas e sistemas de crenças. Pode-se, então, falar de um “campo de lutas” também simbólicas, cujo protótipo são as relações de influência social. Conforme apresentado anteriormente, ao analisar os campos da moda, da literatura e da pintura, dentre outros, o que Bourdieu e colaboradores colocam em evidência são interações que se inscrevem naquilo que é chamado, em psicologia social, de “campo da influência social”. As diferenças entre o “novo” e o “velho”, o “tradicional” e o “moderno”, são objeto de luta, de conflito, no qual cada grupo vai buscar “fazer valer sua visão”, buscar reconhecimento para sua visão.

Bourdieu (2013bBOURDIEU, Pierre. Manet, une révolution symbolique. Cours au collège de France (1998-1999). L´effet Manet. Paris: Seuil , 2013b., p. 284) estabelece relações entre os campos. Para o autor, uma das qualidades da noção de campo é que, quando se apreende a lógica de um campo, pode-se utilizá-la na compreensão de outro campo. Ele afirma: homologia entre os campos “não quer dizer identidade, mas identidade na diferença”. Outro aspecto ressaltado pelo autor é que, nos campos, há autonomia de microcosmos, porém em relação ao macrocosmo que os engloba. Todos os aspectos comentados nos três campos (moda, literatura e pintura) mostram relações de influência social, particularmente em situações que envolvem disputas no campo, as quais supõem interações grupais. As normas internalizadas, as disposições dos sujeitos são construídas nas interações com outros, seja no consenso ou no dissenso. Nesse caso, os estudos de Bourdieu seriam mais bem operacionalizados se tivessem os grupos como variáveis bem definidas objetivamente, visando a compreensão de processos de construção e de negociação de significados sociais que ocorrem por meio de interações.

Para Moscovici (1979MOSCOVICI, Serge. Psychologie des minorités actives. Paris: PUF , 1979.), em um dado grupo, todo membro é, ao mesmo tempo, emissor e receptor de influência. Não se poderia escapar à analogia: no “campo”, todo grupo é, no interior de uma fração de classe, ao mesmo tempo, emissor e receptor de influência. Moscovici destaca a relação entre uma maioria que deseja impor suas normas e seus pontos de vista e uma minoria que se recusa a submeter-se a tais normas. De acordo com o autor, a influência não é unilateral, tendo a minoria capacidade de influenciar a maioria e de produzir mudanças. Ou seja, para Moscovici, nem todos os grupos concordam com a tendência dominante, podendo haver indivíduos ou subgrupos desviantes que lutam contra discriminações e instituições estabelecidas. O conflito (ou a luta?) seria um meio de influenciar e mudar os outros, implicando novas atitudes ou mudança de atitudes e juízos.

Na perspectiva bourdieusiana, as trocas estão fundadas nas relações objetivas (na posse de parcelas das diferentes espécies do capital), o que, para o autor, não é obstáculo ou impedimento para que um poder de “reconhecimento” atribuído a um indivíduo ou grupo dominado não possa se tornar um “capital simbólico” acumulado em outros cenários ou tempos da luta; no “campo”, a “legitimação de um poder se mensura pelo reconhecimento que lhe é atribuído” (BOURDIEU, 2011bBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2011b., p. 129).

A distribuição das espécies do capital funda a organização das posições que, por sua vez, marcam proximidades entre os agentes, permitem ou promovem possibilidades, convergências, “compatibilidades” entre eles. Para compreender a ação de cada agente, isolado artificialmente, não basta analisar as condições objetivas (em termos de proximidades ou compatibilidades) incorporadas e constituídas como habitus: Falta ainda considerar o “senso prático” (que não examinaremos aqui) e uma “história” de experiências e habitus na forma de “trajetórias”.10 10 Bourdieu (1994) afirma que as trajetórias descrevem posições ocupadas sucessivamente pelos agentes em estados sucessivos do campo social. Para explicar tais trajetórias, é necessário considerar a relação estabelecida entre agentes singulares (com interesses e disposições constitutivas de um habitus) e a força do campo (com distribuição de diferentes tipos de capital em jogo). Em uma perspectiva relacional, a estrutura do campo define o sentido de posições sucessivas ocupadas por um agente daquela ligada à sua origem social em direção a possibilidades diversas. Segundo o autor, para compreender uma trajetória é preciso, previamente, construir os estados sucessivos do campo em que ela se desenrola, abordando o conjunto de relações objetivas que une o agente ao conjunto de outros agentes situados no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço de possibilidades. Também em relação a trajetórias, poder-se-ia perguntar: as “compatibilidades” entre elas (sob efeito das “compatibilidades” das condições objetivas do campo) não seriam suficientes para constituir o “agente coletivo”, o grupo ou a fração mobilizada para sair da “classe no papel” para a classe no real? Sobretudo em Champ du pouvoir et division du travail de domination (BOURDIEU, 2011aBOURDIEU, Pierre. Champ du pouvoir et division du travail de domination. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 190, n. 5, p. 126-139, 2011a. Texte manuscrit inédit ayant servi de support de cours au Collège de France, 1985-1986.) e em Espace social et genèse des classes (1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a.), o autor apresenta de forma mais contundente uma visão na qual o poder simbólico, as trocas simbólicas e o interesse (de grupos e frações de classe) tornam o campo de lutas “imprevisível”.

Nesses textos, mais tardios na obra do autor (BOURDIEU, 1984bBOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Paris: Minuit , 1984b., 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987., 1997BOURDIEU, Pierre. Méditations pascaliennes. Paris: Seuil , 1997., 2011aBOURDIEU, Pierre. Champ du pouvoir et division du travail de domination. Actes de la Recherche en Sciences Sociales , Paris, v. 190, n. 5, p. 126-139, 2011a. Texte manuscrit inédit ayant servi de support de cours au Collège de France, 1985-1986.), a luta pelo “capital simbólico” é uma luta pelo reconhecimento; transformar o mundo é fazer valer a visão de mundo de um grupo como consenso, “impor sua visão”, exercer um poder de influência social. Para tal, falta, ao sistema teórico de Bourdieu, uma “teoria” dessa visão, função que o habitus não é suficiente para preencher. Isso porque afirmar que os campos simbólicos se autonomizam significa dizer, obrigatoriamente, que uma forma simbólica estruturante e complexa se autonomiza (pode-se também falar nas “visões de mundo” dos grupos que se autonomizam, na ocorrência, as representações sociais) e passa a organizar as tomadas de posição.

Isso posto, se a posição social cria e limita as compatibilidades entre os agentes, entre indivíduos de um grupo ou entre grupos de uma fração de classe, é o reconhecimento da existência de um “interesse”11 11 Ao longo de toda sua obra, Bourdieu insiste em uma concepção de “interesse” como radicalmente oposta a qualquer visão idealista ou voluntarista da noção; para ele, trata-se de interesse socialmente constituído, em profunda relação com um campo, com um espaço social específico. Assim, nos escritos a partir de 1990, o termo “interesse” será substituído, de modo mais regular, por illusio, marcando uma ampliação do interesse em um campo como ajustamento entre as estruturas mentais do indivíduo (habitus; disposições) e as estruturas objetivas (distribuição das formas de capital, as regras e condições do jogo, conflitos); a illusio aparece sempre associada à noção de investimento (não no sentido econômico restrito) e de “libido”, originalmente freudiana, ou seja, biológica, que se transforma em libido social, vinculada a objetos socialmente valorizados no campo que faz agir, mobilizar, o conjunto desses agentes. E isso não pode operar fazendo a economia de uma estrutura mental. O reconhecimento de interesses comuns entre grupos ou frações de classes tem por base uma “percepção”, na verdade algo mais intuitivo ou pré-perceptivo, um “senso de posição” chamado por Bourdieu de “sentido de posição”:

A construção de uma teoria do espaço social como espaço multidimensional de posições supõe uma ruptura com a tendência que leva a privilegiar a identificação realista dos grupos, em detrimento das relações e a qual se inclina a confundir a classe teórica, como região deste espaço, com uma classe real e realmente mobilizada. Mas [...] a percepção do mundo social implica um ato de construção que se opera o mais frequentemente de modo prático, para aquém da representação explicita, sobre a base de um sentido de posição. 12 12 No original: “La construction d’une théorie de l’espace social comme espace multidimensionnel de positions suppose une rupture avec la tendance qui porte à privilégier la saisie réaliste des groupes au détriment des relations et avec celle qui incline à confondre la classe théorique comme région de cet espace avec une classe réelle, et réellement mobilisée. Mais [...] la perception du monde social implique un acte de construction qui s’opère le plus souvent de façon pratique, en deçà de la représentation explicite, sur la base d’un sens de la position ( BOURDIEU, 1984a BOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a. , p. 3, grifo nosso)

Falar de um “senso de posição” comum em um dado “campo” remete a falar de compatibilidades construídas simbolicamente (incluindo o “mentalmente”) e reconhecidas grupalmente como tal, ou seja, crenças comuns acerca de um fenômeno ou objeto sensível que dá autonomia ao próprio “campo”. Nesse quadro, pode-se propor que as representações sociais, tais quais a TRS as definem, em sua natureza de conhecimento comum dinâmico, marcado tanto pela objetividade das instituições quanto dinâmica das relações de influência na vida dos grupos e entre grupos, constituem um recurso conceitual para sustentar o “senso de posição” proposto por Bourdieu.

Quanto mais vai se constituindo o conceito de “campo”, mais o capital simbólico ganha o centro da cena. Os estudos empíricos conduzidos com base na concepção de “campo” (WACQUANT, 2007WACQUANT, Loïc J. D. Notas para esclarecer a noção de habitus. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, v. 6, n. 16, p. 6-17, 2007.) vão permitindo observar que a relação entre práticas e julgamentos (tomadas de posição) sobre os fenômenos sociais não mantém relação mecânica com as posições. Isso parece entrar em contradição com a afirmação segundo a qual relações objetivas de força não são redutíveis às intenções dos agentes ou às interações entre eles.

Então, “posições semelhantes” engendram automaticamente “interesses semelhantes”? A resposta que buscamos está na análise que Bourdieu faz da luta de classes:

Com base no conhecimento do espaço das posições, pode-se recortar classes no sentido lógico do termo, isto significa que, conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes, que estão inseridos em condições semelhantes e encontram-se submetidos a condicionamentos semelhantes tem todas as chances de ter disposições e interesses semelhantes; então, todas as chances de produzir práticas e tomadas de posição semelhantes. Esta classe no papel tem a existência teórica que é própria das teorias, como produto de uma classificação explicativa [...]. Isto não ‘é realmente uma classe, uma classe atual, no sentido de grupo e de grupo mobilizado por uma luta; poder se ia dizer que é uma classe provável... 13 13 No original : “Sur la base de la connaissance de l’espace des positions, on peut découper des classes au sens logique du mot, c’est-à-dire des ensembles d’agents occupant des positions semblables qui, placés dans des conditions semblables et soumis à des conditionnements semblables, ont toutes les chances d’avoir des dispositions et des intérêts semblables, donc de produire des pratiques et des prises de position semblables. Cette classe sur le papier a l’existence théorique qui est celle des théories en tant que produit d’une classification explicative, [...] Ce n’est pas réellement une classe, une classe actuelle, au sens de groupe et de groupe mobilisé pour la lutte ; on pourrait dire à la rigueur que c’est une classe probable.” ( BOURDIEU, 1984a BOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a. , p. 4, grifo nosso)

A passagem dessa “classe teórica” para uma “classe efetiva” ou “classe mobilizada” não requereria um olhar das representações sociais? Para Bourdieu (1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a.), a probabilidade de se reunir um coletivo de agentes, de associação real ou nominal, em uma “classe” é tanto maior quanto mais esses agentes estiverem próximos (posição) no espaço social e pertencerem a uma classe mais homogênea (conforme os critérios teóricos delimitados por um observador). Contudo, a proximidade ou a homogeneidade teórica de uma categoria não é uma condição necessária, uma vez que pode haver concorrência entre agentes próximos. Ou, ainda, ele afirma que a mobilização conjunta de agentes os mais distantes no espaço não é impossível, como no caso de lutas nacionalistas ou étnicas, que podem reunir conjuntos de pessoas de diferentes classes econômicas, patrões e empregados contra uma crise econômica internacional, ricos e pobres de uma mesma etnia dominada.

Desse modo, com base na TRS, podemos propor que a passagem da “classe no papel” para a “classe no real” cria uma ação coletiva, de ordem simbólica, que é função da relação entre um “conjunto de regras de condições do jogo” e um interesse comum. Não se trata do contexto objetivo, mas de uma construção social, a representação social do contexto (ABRIC, 1996ABRIC, Jean-Claude. Exclusion sociale, insertion et prevention. Saint-Agnes: Erès, 1996.; CODOL, 1974CODOL, Jean-Paul. On the system of representations in a group situation. European Journal of Social Psychology, New Jersey, v. 4, n. 3, p. 343-365, 1974.). Essa afirmação encontra compatibilidades com o pensamento de Bourdieu (1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a., 1987).

Ainda na direção contrária aos mecanicismos, deve-se reconhecer que os objetos do mundo social sempre comportam uma parte de indeterminação e fluidez; são objetos polimorfos e polissêmicos (MOLINER, 2000MOLINER, Pascal. Formation et stabilization des representations sociales. In: Moliner, P. (Ed.). La dynamique des representations sociales. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble , 2000. p. 15-41 ). Para Bourdieu (1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a.), são objetos históricos, sujeitos a variações no tempo e, assim, seu significado encontra-se sempre “em suspenso” em relação ao futuro, como que colocado em espera, sob sourcis, ou seja, relativamente indeterminado. Segundo Moscovici (1988MOSCOVICI, Serge. Notes towards a description of social representations. European Journal of Social Psychology , New Jersey, v. 3, n. 18, p. 211-250, 1988.), para cada indivíduo em particular, essa construção social do significado dos objetos do mundo social é alimentada e confrontada pelos membros de seu grupo, membros unidos pela identificação simbólica enquanto “pertencentes ao mesmo grupo”, em suas trocas comunicativas cotidianas.

A construção social dos objetos do mundo social em um grupo é balizada pelo fato de que, em um grupo, cada membro é receptor e emissor de influência de tal modo que as variações individuais das trajetórias semelhantes ou convergentes, mas nunca idênticas, entram também no jogo de construção simbólica da realidade social (tornam-se “regras e condições do jogo”). E isso realiza-se sob o pano de fundo de um esforço de todos para controlar o real e chegar ou aproximar-se da realização de seus objetivos, de seus interesses comuns. Isso, mais uma vez, supõe mais que a simples coordenação de interesses individuais; inclui também a formação (simbólica) reconhecida de um interesse comum. Essa proposição supõe relações entre representações sociais e o “campo do reconhecimento” pela via do “capital simbólico”.

“REPRESENTAÇÕES SOCIAIS”, “CAMPO DO RECONHECIMENTO” E “INTERESSE DOS GRUPOS”

Com o desenvolvimento do conceito de “capital simbólico” e a perspectiva de tratar o campo de lutas também como “campo de trocas simbólicas”, Bourdieu inscreve, em parte, sua sociologia no grande paradigma do construtivismo social e aproxima-se, ainda que preservando a determinação objetiva dos condicionantes do campo (distribuição das espécies do capital), de visões da realidade social interacionistas. Nesse sentido, podemos dizer que a sociologia das posições e a TRS, juntamente com os estudos de “influência social” de Moscovici, encontram partes de convergência.

Voltemos, então, à proposição do “capital simbólico” como efeito de um reconhecimento. De fato, os eventos do mundo social (por exemplo, um objeto, como um carro ou um aparelho celular, um recurso financeiro ou ações na bolsa de valores, um ato, um cargo ou posição em uma instituição, o pertencimento a um grupo social, a cor da pele, um sinal religioso) são objetos - alvo, cenário, suporte - de uma “atribuição de valor” por diversos grupos; não se inscrevem somente em uma economia dos bens materiais, não têm apenas “valor de uso”; são objeto de uma atribuição de valor.

Em si mesmos, desde os objetos mais simples, como uma aliança, uma cruz, um turbante ou burca, por exemplo, recebem um valor; mas tanto maior será esse valor tanto mais eles, objetos simples e tomados isoladamente, estejam inscritos em um sistema simbólico maior, em um sistema de crenças, como uma religião, compondo partes de um sistema “cultural”. Uma aliança de casamento pode ter seu valor estético ou seu peso em gramas de ouro como valores, mas tanto mais o reconhecimento de valor será maior quanto mais o indivíduo que a porta a reconheça como sinal significativo de uma relação - essa, por sua vez, dotada de valor em si mesma -, como o casamento, por exemplo, ou ainda sinal de uma relação com a religião. Esse processo de reconhecimento e de atribuição de valor não seria possível sem as trocas que ocorrem nas interações grupais.

Assim, quando um evento (que pode ser o ato de um indivíduo) recebe essa atribuição de valor, que Bourdieu chama de “reconhecimento”, o evento deixa de ser pura existência material ou objetiva e passa a ser uma formação simbólica ou pertencer, conforme o grau de complexidade e sua inserção em sistemas simbólicos pré-existentes, uma “formação simbólica da cultura” (THOMPSON, 1999THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.). Como toda formação, sua emergência e manutenção no campo de trocas simbólicas, ou simplesmente no espaço social, dependem de trocas comunicativas e “reconhecimento”.

Retomando, todo evento ocorrido no espaço social (por exemplo, objetos, atos, diplomas, sinais religiosos) é objeto de reconhecimento e dotado de um valor. Note-se que o valor atribuído, a ser reconhecido pelos diferentes atores sociais ou grupos, pode ser negativo, positivo ou mesmo ambivalente. Um “homem-político”, por exemplo, nas atuais sociedades ocidentais, suscita um valor negativo tal o espectro da corrupção ou da incapacidade do Estado moderno em suprir as necessidades e expectativas de uma população. Contudo, também se reconhece que todo político tem poder de influência e de decisão na sociedade. O que se exemplifica, aqui, é que o reconhecimento não é puro, não é um ato abstrato ou genérico, mas dependente do contexto, ou seja, do campo social que se recorta e daquilo que dá unidade a esse campo, as regras e condições, o jogo de interesses, o “objeto”, que delimita o campo de lutas.

Uma vez objeto de atribuição e de reconhecimento, todo evento no espaço social toma valor de formação simbólica e inscreve-se em um campo que permeia o campo das determinações objetivas marcadas pela distribuição parcial das espécies do capital, à “exceção” do “capital simbólico”, que é de outra ordem que não a da objetividade. Cada evento inscreve-se no interior de um campo específico, em uma economia de trocas simbólicas, que par default são também trocas linguísticas (ou comunicativas). Aqui convergem em uma visão do espaço social que é interacionista as sociologias de Goffman, Cicourel, Lévy-Bruhl, Bourdieu e a psicologia social de Serge Moscovici (tanto em sua TRS quanto em sua teoria da influência social, também conhecida como “psicologia das minorias ativas”).

Ainda assim, nesse ponto, duas possibilidades lógicas se apresentam: ou bem cada evento, tomando valor de formação simbólica na cultura, encontra-se como unidade isolada, que vai, por contingências - ou dos agentes/grupos ou do capital -, associando-se “livremente”, abrindo infinitas possibilidades, mais ou menos aleatórias de associações com outras formações, no princípio de um associacionismo elementar, ou bem cada evento é inscrito ou reinscrito em formações mais complexas, pré-existentes, mais estáveis, dando conta de uma quantidade maior de efeitos simbólicos, incluindo a orientação e a justificativa de práticas sociais comuns dentro de um grupo ou sociedade. Moscovici (2003MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópois: Vozes, 2003.) já havia examinado essa questão, chegando à conclusão de que a explicação pela via das representações sociais é mais coerente com a riqueza e a variabilidade da vida social.

Nesse ponto propomos, então, uma convergência mais restrita entre o pensamento de Bourdieu e a TRS, a saber, que a perspectiva do campo de lutas como também espaço de lutas simbólicas solicita duas explicações complementares sobre como se opera essa “luta simbólica” e sobre a forma (psicológica e social) desse capital ancorado no reconhecimento, ou seja, a forma do capital simbólico. Quanto à primeira, sem dúvida, para Bourdieu, mesmo sem mencionar os modelos do conformismo e da inovação (MOSCOVICI, 1979MOSCOVICI, Serge. Psychologie des minorités actives. Paris: PUF , 1979.), as lutas simbólicas operam pelo que podemos chamar, sem margem de equívoco, de “influência social” ou “poder de formar grupos…”, o poder de fazer valer sua visão do mundo (em um campo específico, sobre interesses e objetos específicos), ganhar reconhecimento, poder de tornar sua visão consensual em um grupo; não se trata, em absoluto, de impor sua visão pelo uso da força.

Mas quanto à segunda explicação, encontra-se em Bourdieu um vazio, um silêncio sobre o tema, tendo claro que, para ele, o conceito de ideologia por si só não daria suporte à visão do campo social como campo de lutas simbólicas. Bourdieu não entra no debate nem com as representações coletivas de Émile Durkheim, nem com as representações sociais de Moscovici.

Resta examinar outra vertente dessa discussão, que descreve como a questão do “reconhecimento” não é estranha ao campo da TRS, embora pouco desenvolvida nas obras iniciais desse campo. De fato, encontramos o que Doise, Clemence e Lorenzi-Cioldi (1992DOISE, Willem; CLÉMENCE, Alain; LORENZI-CIOLDI, Fabio. Représentations sociales et analyses de données. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble, 1992.) designam como “polo expressivo” das representações sociais, a “dimensão avaliativa” (MOLINER, 1995MOLINER, Pascal. A two-dimensional model of social representations. European Journal of Social Psychology , New Jersey, v. 5, n. 1, p. 27-40, 1995.) ou, ainda, a “dimensão atributiva” das representações sociais (FLAMENT; ROUQUETTE, 2003FLAMENT, Claude; ROUQUETTE, Michel-Louis. Anatomie des idées ordinaires. Comment étudier les representations sociales. Paris: Armand Colin, 2003.), essas dimensões ou funções, confirmando o postulado de que as formas de conhecimento social são dotadas também de um caráter avaliativo ligado a valores e afetividade (BEAUVOIS; DESCHAMPS, 1990BEAUVOIS, Jean-Léon; DESCHAMPS, Jean Claude. Vers la cognition sociale. In: GHIGLIONE, Rodolphe; BONNET, Christian; RICHARD, Jean-François (Ed.). Traité de la psychologie cognitive. Paris: Dunod, 1990. p. 1-110. v. 3.; CAMPOS; ROUQUETTE, 2003CAMPOS, Pedro Humberto F.; ROUQUETTE, Michel-Louis. Abordagem estrutural e componente afetivo das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 16 n. 3, p. 435-445, 2003.). Desde o início, encontra-se consolidada a visão de que as representações sociais estão ancoradas em ou são atravessadas por sistemas de valores sociais (ABRIC, 1994ABRIC, Jean-Claude. Pratiques sociales et representations. Paris: PUF, 1994.). Em parte, essa dimensão aparece amalgamada ou recobrindo os estudos sobre afetividade e cargas afetivas das representações.

A perspectiva de conceber o campo de lutas como resultante, ao mesmo tempo, dos condicionamentos objetivos e das trocas interativas, ou seja, da “luta” no jogo entre interesses consensuais (grupais) e ações de influência, requer um conceito que designe uma modalidade de pensamento que responda simultaneamente à perspectiva da dominação simbólica (pela via do consenso) e às visões inovadoras (ou resistentes). Um conceito que tem essa alçada é o de “representações sociais”:

É a existência deste duplo sistema que permite compreender uma das características básicas das representações sociais, que pode parecer contraditória: elas são, simultaneamente, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis. Estáveis e rígidas posto que determinadas por um núcleo central profundamente ancorado no sistema de valores partilhado pelos membros do grupo; móveis e flexíveis, posto que, alimentando-se das experiências individuais, elas integram a evolução das relações e das práticas sociais nas quais se inserem os indivíduos ou os grupos. Além disto, as representações são, ao mesmo tempo, consensuais e marcadas por fortes diferenças individuais. ( ABRIC, 1998 ABRIC, Jean Claude. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, Antônia S. P.; OLIVEIRA, Denize Cristina (Org.). Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB, 1998. p. 27-46. , p. 34, grifo nosso)

Insistimos, mais uma vez, sobre três pontos de base: a) a ênfase crescente, por parte de Bourdieu, na dimensão simbólica do campo e na variabilidade das formas de luta, inscrevendo o capital simbólico na ordem do “reconhecimento”. Por tal falamos, até aqui, sob uma metonímia, em “campo do reconhecimento”; b) a percepção dos processos de influência social como processos constituintes das trocas linguísticas (e, por derivação, trocas simbólicas) no campo de lutas e no poder simbólico, o poder de worldmaking (BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987.; MOSCOVICI, 1988MOSCOVICI, Serge. Notes towards a description of social representations. European Journal of Social Psychology , New Jersey, v. 3, n. 18, p. 211-250, 1988.); e c) na necessidade de um conceito que dê conta de uma modalidade de representação capaz de dar suporte a uma economia das trocas materiais e simbólicas ou das “lutas” em busca de influência, modalidade de representação que seja homogênea às dinâmicas do mundo social, dando suporte à análise da estabilidade e da mudança.

O que se busca qualificar, nesse ponto do nosso texto, é que toda ação dos agentes, grupos ou não, é direcionada e aparece em ambos os autores de referência da nossa discussão em uma noção pouco desenvolvida por eles: a noção de interesse. Assim, para que as representações como conceito possam pleitear o estatuto de conceito que ampara uma análise interacionista e posicional do mundo social, devemos nos dedicar a examinar o interesse e a atribuição de valores na TRS para tornar esse conceito útil e aplicável ao “campo do reconhecimento”. Para tal, propomo-nos a debater com a perspectiva da “partilha social das emoções”, de Rimé (2005RIMÉ, Bernard. Le partage social des émotions. Paris: PUF , 2005.).

Esse autor (RIMÉ, 2005RIMÉ, Bernard. Le partage social des émotions. Paris: PUF , 2005.) realiza uma revisão sobre as teorias psicológicas das emoções e aponta que, inicialmente, as emoções foram concebidas como reações fisiológicas associadas a eventos que produzem uma ruptura ou interrupção do curso normal das ações, interrupção do curso normal da interação indivíduo/meio, com a finalidade da satisfação das necessidades. Isso se deu sob a forte influência do evolucionismo de Darwin. Porém, a partir de W. James, parece ficar estabelecido que, se as reações fisiológicas caracterizam as experiências emocionais, sozinhas não seriam suficientes para constituir a percepção desses estados emocionais, nem a percepção, nem a direção. Nessa linha, após o aparecimento das noções de “curso da atividade” e de “ativação”, Schachter (1964SCHACHTER, Stanley. The interaction of cognitive and physiological determinants of emotional state. Advances in Experimental Social Psychology, Amsterdam, v. 1, p. 49-80, 1964.) promove uma grande virada nas teorias psicológicas da emoção, com sua teoria cognitivo-fisiológica, na qual as reações fisiológicas constituem a condição necessária, porém insuficiente, para criar o estado emocional: os sujeitos, ao serem objeto, alvo ou “continente” de reações fisiológicas, procedem a uma varredura cognitiva dos contextos externo e interno, buscando uma atribuição, um aspecto ou um elemento de sua experiência atualizada ao qual possam ser atribuídas, de modo plausível, as reações fisiológicas. O que Schachter (1964) descreve é um processo de busca ativa (que ele chama de “cognitiva”) de produção de sentido para as reações corporais sentidas.

Segundo Rimé (2005RIMÉ, Bernard. Le partage social des émotions. Paris: PUF , 2005.), essa abordagem cognitivo-fisiológica será transformada pelos trabalhos de Arnold (196014 14 ARNOLD, M. B. Emotion and personality. New York: Columbia University Press, 1960 apud RIMÉ, 2005RIMÉ, Bernard. Le partage social des émotions. Paris: PUF , 2005.), que marcaram a psicologia da percepção ao demonstrar que uma atividade cortical própria pré-existe às estimulações sensoriais, ou seja, a percepção (dos estados emocionais também incluída) será sempre lugar de encontro entre um conjunto de sensações (produzidas por estímulos externos) e as expectativas do sujeito; a percepção nunca é neutra. Desse modo, a ativação de estados emocionais não depende somente dos estímulos atuais, mas é o encontro de duas ativações: uma externa e outra interna, resultante das experiências anteriores. No campo do estudo das emoções isso é também chamado de “teoria da ativação” (FRIJDA, 1986FRIJDA, Nico H. The emotions. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.; SCHERER, 1984SCHERER, Klaus R. Emotion as a multicomponent process: a model and some cross-cultural data. Review of Personality and Social Psychology, New York, v. 5, p. 37-63, 1984.). De acordo com Rimé (2005RIMÉ, Bernard. Le partage social des émotions. Paris: PUF , 2005., p. 30),

As diferentes emoções constituem definitivamente diferentes tipos de relação sujeito-objeto. O processo não se interrompe neste nível elementar. Ele desemboca sobre uma segunda fase da emoção que é uma fase de avaliação secundária ou ‘reapreciação’. Esta resulta de uma tomada de consciência das modificações fisiológicas e da tendência à ação, que são então avaliadas como sendo desejáveis ou indesejáveis. 15 15 No original : “Les différentes émotions constituent donc en définitive diférents types de relation sujetobjet. Le processus ne s`arrête pas à ce niveau élémentaire. Il débouche sur une seconde phase de l` émotion qui est une phase d` évaluation secondaire ou ‘réappréciation’. Celleci résulte d` une prise de conscience des cangements physiologiques et de la tendance à l` action, qui sont alors évalués comme souhaitables ou comme indésirables.”

É a partir desse ponto que o trabalho de Rimé sobre a “partilha social das emoções” mais nos aproxima de nossos argumentos: os estudos vinculados inicialmente à abordagem cognitivo-fisiológica estimularam um grande número de pesquisadores a se voltarem para o estudo da “busca de objetivos e da obtenção relativa dos objetivos perseguidos”. No campo das teorias psicológicas das emoções, quando um sujeito percebe que está afastando-se bruscamente dos seus objetivos, ele realiza uma “varredura cognitiva” nos contextos externo e interno, em um processo de busca de atribuição de sentido. A direção (drive) é dada pelas expectativas anteriores, formadas na história das experiências dos indivíduos e que se constituem na forma de objetivos. Estamos aqui plenamente assentados na dimensão dos valores e, portanto, dos processos de atribuição.

Para sintetizar e avançar para a relação valores-representações sociais podemos destacar que as emoções serão então concebidas pelos modelos de estudos desenvolvidos após a primeira metade do século XX, como rupturas na continuidade da interação indivíduo-meio que produziriam estados fisiológicos diferentes e a intensificação dos processos de avaliação (appraisal), de regulação cognitiva, produzindo, assim, importantes modificações no plano cognitivo, em busca de um novo estado da interação indivíduo-meio. A intensificação dos recursos intencionais e dos processos de tratamento de informações busca a formação de uma avaliação completa do contexto e é guiada pela percepção de realização ou afastamento em relação aos objetivos importantes (valores) para os sujeitos, ao que Rimé (2005RIMÉ, Bernard. Le partage social des émotions. Paris: PUF , 2005.) acrescenta “um objetivo é exatamente uma representação cognitiva”16 16 No original : “Un but n’est pas autre chose qu’une représentation cognitive”. (p. 61).

EM GUISA DE CONCLUSÃO: DO CAMPO “RELACIONAL” PARA O CAMPO “INTERACIONAL”

Na busca de uma síntese, ainda provisória, parece-nos sustentável a tese de um deslocamento, conquanto que incompleto ou hesitante, no pensamento de Bourdieu, de uma visão do espaço social como “relacional”, em direção a uma nuance “interacional”. Isso completa o sentido que atribuímos ao propor as representações sociais como condensadores do capital simbólico.

Em Espaço social e gênese das classes (BOURDIEU, 1984aBOURDIEU, Pierre. Espace social et genèse des “classes”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 52, n. 1, p. 3-14, 1984a., p. 3), o sociólogo francês assume postura categórica em oposição a uma visão interacionista. Porém essa rejeição categórica da participação das interações e das intenções (ou dos interesses) na construção do espaço social confronta-se com a perspectiva presente em Champs du pouvoir et division du travail de domination (BOURDIEU, 2011a) ou em Raisons pratiques (BOURDIEU, 1994) e, ainda, em La misère du monde (BOURDIEU, 1992), quando valoriza as trajetórias. De modo geral, a elaboração da noção de “dominação simbólica” marca um afastamento mais acentuado de Bourdieu diante do conceito de “dominação” em Marx ou de “hegemonia” em Gramsci. Ao colocar o “trabalho de formação dos grupos” no centro da existência das classes e frações de classes (WACQUANT, 2013WACQUANT, Loïc J. D. Poder simbólico e fabricação de grupos: como Bourdieu reformula a questão das classes. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 96, p. 87-103, jul. 2013.), a perspectiva da inculcação dos esquemas de percepção, julgamento e ação nos corpos (a formação dos habitus) não é suficiente para dar conta dos processos de transformação. Para dar conta da “luta” como epicentro do espaço social e afastar a reprodução desse lugar, foi necessário dar ênfase ao capital simbólico e a seus efeitos de reconhecimento, mediados pelos interesses dos grupos.

Como vimos anteriormente, os objetivos ou interesses estão estruturalmente vinculados à dimensão afetiva e aos valores sociais que se organizam em formas cognitivas e sociais, dentre as quais aqui destacamos as representações sociais. Se um objetivo é uma representação cognitiva, então os “objetivos” ou interesses de um grupo também não poderiam ser outra coisa que não uma representação cognitiva partilhada, de tal forma que o interesse de um grupo é uma representação sociocognitiva. A continuidade da interação grupo-meio é objeto de constante ruptura advinda da ação dos outros grupos em busca de realização de interesses que são diferentes, ora convergentes, ora apostos, ora alheios.

Também um grupo elabora uma representação cognitiva que constitui seus objetivos, seus interesses. E assim, também, a execução de suas ações é avaliada, monitorada, regulada pela perspectiva de suas ações, aproximando-se ou distanciando-se de seus objetivos. O que guia essa regulação são crenças específicas, pois marcadas pela afetividade do tipo definido por Jean Piaget (1954/2014) que podemos chamar, sem hesitação, de valores. Nesse caso, valores sociais em duplo sentido, como próprios ao grupo específico, mas também como “em relação” com os valores dos sistemas culturais nos quais o grupo está inserido.

Saliente-se que o interesse de um grupo é uma representação sócio-afetivo-cognitiva, uma vez que: a) o grupo tem representações dos objetivos dos outros grupos no cenário e as toma em consideração durante todo o processo de avaliação e regulação cognitiva de seu próprio interesse; b) essa representação está sob influência dos membros internos do grupo - no qual cada um é, ao mesmo tempo, receptor e emissor de influência -, podendo ser objeto de influência de outros grupos; c) todo processamento cognitivo, no sentido restrito dos processos cognitivos individuais, opera-se em um ambiente de trocas comunicativas. Então não se trata somente de regulações internas, estímulos-cognições- -processamento, mas de constante interação entre o sistema cognitivo intraindividual e as trocas interindivíduos. Trata-se, pois, com alguma liberdade de expressão, de uma “economia da trocas simbólicas” em termos de indivíduo-grupo-meio.

Nessa direção, podemos encontrar um Bourdieu que vai assentando seu pensamento sobre o espaço social “também” na integração das representações coletivas e na autonomia das formas culturais, realinhando, em parte, seu pensamento em algumas origens comuns à TRS, a Durkheim e a Max Weber. Podemos encontrar uma “vertente” bordieusiana em direção ao interacionismo, modulando o que o próprio autor chamou de “estruturalismo genético” ou “estruturalismo construtivista” (BOURDIEU, 1987BOURDIEU, Pierre. Choses dites. Paris: Minuit , 1987.).

As posições ocupadas podem então ser vistas por outro ângulo, não como determinismos irrevogáveis ou irredutíveis às intenções e interações (BOURDIEU, 1984bBOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Paris: Minuit , 1984b.), mas como “constrangimentos” ou “jogar o jogo”, como limites/possibilidades ou condicionantes das possibilidades, não como barreiras mecânicas e intransponíveis (DOMINGOS-SOBRINHO, 2016DOMINGOS-SOBRINHO, Moisés. Representações sociais e praxiologia bourdieusiana: notas sobre a aplicação de um modelo a fenômenos do campo educacional. In: LIRA, André, A. D.; MIRANDA, Marly M.; BRITO, Suerde M. O. Revisitando o diálogo em representações sociais e educação. Campina Grande, PB: UFCG, 2016. p. 23-55.; SETTON, 2002SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 20, maio/ago. 2002.).

Enfim, a articulação entre a TRS (colocando em cena uma visão comum do interesse coletivo ou uma visão grupal acerca de objetos sociais bem definidos) e o paradigma da “influência social” (colocando em cena o mecanismo interativo de “fazer prevalecer sua visão”, seja por acomodação ou pela inovação) parece um caminho frutífero para dar conta da dinamicidade das lutas específicas nos campos. Dito de outro modo, frutífero para explicar a transformação de “frações de classes no papel” em “frações de classe no real”, mobilizadas em busca de seus objetivos; transformar grupos sociais como categorias de análise, “no papel”, em grupos como agentes ativos.

O espaço social pode ser então concebido como uma equação bem mais complexa e dinâmica, resultante da dialética entre o papel ativo de sujeitos constituídos como grupos e o campo das posições, marcado pela distribuição das espécies do capital, com destaque para o simbólico. Esse conjunto de argumentos ora examinados, ainda que brevemente, reforçam a proposição que nos parece bastante frutífera, de tomar as representações sociais como formações simbólicas condensadoras do capital simbólico.

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    » http://www.crim.unam.mx/web/sites/default/files/Libro_11_02.pdf
  • 1
    Aqui empregamos a noção de “construtivismo” de modo mais amplo, como um paradigma que considera o mundo social como resultado de uma construção; de um lado, a inscrição de Bourdieu nesse paradigma é feita pelo próprio autor, como um “estruturalismo construtivista”; de outro, a inscrição de Moscovici nesse campo epistemológico tem duas entradas, uma no sentido piagetiano, em que as representações sociais são “estruturas” construídas na e pela história dos grupos, e, como segunda entrada, uma visão da sociedade como construção histórica e social (cf. European Journal of Social Psycholgy, v. 19, n. 5, 1989).
  • 2
    Podemos sintetizar que a abordagem posicional, inspirada no princípio da “homologia estrutural” de Bourdieu, considera que: a) os membros de um grupo partilham um campo comum de conhecimentos acerca de um objeto social; b) podem, porém, variar em suas avaliações ou julgamentos (tomadas de posições) acerca desse objeto ou de seus aspectos; c) essas “variações” não são causadas por diferenças de personalidade, mas por um efeito de diferentes “posições” no espaço social.
  • 3
    Para Wacquant (2007, p. 14), embora o habitus possa ser objeto de observação metódica por meio da observação dos esquemas cognitivos e motivacionais, ele é “um modo estenográfico de designar uma postura de investigação, ao apontar um caminho para escavar categorias implícitas através das quais as pessoas montam continuamente o seu mundo vivido
  • 4
    Transcrições de seminários de Bourdieu oferecidos ao seu grupo de pesquisa nos anos 1970, descobertas no fundo de um armário do Centro de Sociologia da Educação e da Cultura, na Maison des Sciences de l`Homme.
  • 5
    Pode-se dizer que a obra que marca uma “virada” em direção à elaboração e consolidação da noção de campo é Esquisse d´une théorie de la pratique précéde de Trois études d’ethnologie kabyle. Geneva: Droz, 1972.
  • 6
    Séminaires sur le concept de champ, 1972-1975.
  • 7
    No original: “espèces de choses substantielles qui seraient dans la classe et qui seraient ce à partir de quoi s’expliqueraient les pratiques des classes”.
  • 8
    No original: “Le pouvoir enferme une demande de reconnaissance [...] ; il en appelle à un agent autonome, c’est-àdire quelqu’un qui soit capable de faire sienne, en lui obéissant, la règle de conduite qui lui a été prescrite. L’ordre ne devient opérant, efficient, que par l’intermédiaire de celui qui l’exécute, avec la collaborationobjective de sa conscience, de ses dispositions préalablement montrées à le reconnaître pratiquement, dans un acte d’obéissance, c’està- dire de croyance”.
  • 9
    Elementos comuns podem ser observados nesses três campos. Na moda (BOURDIEU; DELSAUT, 1975), há dois tipos de empresas ocupando posições polares no campo: as maisons tradicionais, dominantes em certa época, e as mais recentes, que entram na competição com lógica diferente da considerada pertinente ao campo. Na literatura (BOURDIEU, 1992), o campo de forças age nos que chegam em função de posições ocupadas, por exemplo, autor de peças de sucesso ou poeta de vanguarda, cujas lutas tendem a conservar ou transformar o campo de forças. Na pintura (BOURDIEU, 2013b), o autor afirma que a revolução estética operada por Manet é também uma revolução política. O sucesso das ações de Manet é associado à cumplicidade dos que foram persuadidos a se revoltar contra a ordem estabelecida
  • 10
    Bourdieu (1994) afirma que as trajetórias descrevem posições ocupadas sucessivamente pelos agentes em estados sucessivos do campo social. Para explicar tais trajetórias, é necessário considerar a relação estabelecida entre agentes singulares (com interesses e disposições constitutivas de um habitus) e a força do campo (com distribuição de diferentes tipos de capital em jogo). Em uma perspectiva relacional, a estrutura do campo define o sentido de posições sucessivas ocupadas por um agente daquela ligada à sua origem social em direção a possibilidades diversas. Segundo o autor, para compreender uma trajetória é preciso, previamente, construir os estados sucessivos do campo em que ela se desenrola, abordando o conjunto de relações objetivas que une o agente ao conjunto de outros agentes situados no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço de possibilidades.
  • 11
    Ao longo de toda sua obra, Bourdieu insiste em uma concepção de “interesse” como radicalmente oposta a qualquer visão idealista ou voluntarista da noção; para ele, trata-se de interesse socialmente constituído, em profunda relação com um campo, com um espaço social específico. Assim, nos escritos a partir de 1990, o termo “interesse” será substituído, de modo mais regular, por illusio, marcando uma ampliação do interesse em um campo como ajustamento entre as estruturas mentais do indivíduo (habitus; disposições) e as estruturas objetivas (distribuição das formas de capital, as regras e condições do jogo, conflitos); a illusio aparece sempre associada à noção de investimento (não no sentido econômico restrito) e de “libido”, originalmente freudiana, ou seja, biológica, que se transforma em libido social, vinculada a objetos socialmente valorizados no campo
  • 12
    No original: “La construction d’une théorie de l’espace social comme espace multidimensionnel de positions suppose une rupture avec la tendance qui porte à privilégier la saisie réaliste des groupes au détriment des relations et avec celle qui incline à confondre la classe théorique comme région de cet espace avec une classe réelle, et réellement mobilisée. Mais [...] la perception du monde social implique un acte de construction qui s’opère le plus souvent de façon pratique, en deçà de la représentation explicite, sur la base d’un sens de la position
  • 13
    No original : “Sur la base de la connaissance de l’espace des positions, on peut découper des classes au sens logique du mot, c’est-à-dire des ensembles d’agents occupant des positions semblables qui, placés dans des conditions semblables et soumis à des conditionnements semblables, ont toutes les chances d’avoir des dispositions et des intérêts semblables, donc de produire des pratiques et des prises de position semblables. Cette classe sur le papier a l’existence théorique qui est celle des théories en tant que produit d’une classification explicative, [...] Ce n’est pas réellement une classe, une classe actuelle, au sens de groupe et de groupe mobilisé pour la lutte ; on pourrait dire à la rigueur que c’est une classe probable.”
  • 14
    ARNOLD, M. B. Emotion and personality. New York: Columbia University Press, 1960
  • 15
    No original : “Les différentes émotions constituent donc en définitive diférents types de relation sujetobjet. Le processus ne s`arrête pas à ce niveau élémentaire. Il débouche sur une seconde phase de l` émotion qui est une phase d` évaluation secondaire ou ‘réappréciation’. Celleci résulte d` une prise de conscience des cangements physiologiques et de la tendance à l` action, qui sont alors évalués comme souhaitables ou comme indésirables.”
  • 16
    No original : “Un but n’est pas autre chose qu’une représentation cognitive”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2016
  • Aceito
    05 Out 2017
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