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Alteridade, ação e educação em Hannah Arendt

Alterity, action and education in Hannah Arendt

Altérité, action et éducation chez Hannah Arendt

Alteridad, acción y educación en Hannah Arendt

RESUMO:

O tema da alteridade pode ser lido em Hannah Arendt em um duplo movimento. O primeiro, com base em Eichmann em Jerusalém, concerne à negação do outro como incapacidade de se colocar no seu lugar e como sua supressão mediante a anulação de sua singularidade. O segundo, tomando por referências principais A condição humana e O que é política?, explora as condições para a alteridade, e o faz focando nos pressupostos da ação - mundo e pluralidade - e nos seus poderes - initium, revelação e energeia. Tais condições remetem ao amor mundi e à responsabilidade vinculada a ele como condição educativa (formação) para o outro poder vir a ser efetivamente outro.

Palavras chave:
Alteridade; Ação; Educação; Arendt, Hannah

ABSTRACT:

The theme of alterity can be read in Hannah Arendt in a twofold manner. The first, grounded on Eichmann em Jerusalém, refers to denying the other as the incapacity to put oneself in the other’s place as well as to suppress the other through the nullification of their uniqueness. The second, drawing support mainly from The human condition and What is politics?, explores the conditions for alterity by focusing on the assumptions of action - world and plurality - and its powers - initium, revelation and energeia. Such conditions refer to amor mundi and to the responsibility attached to it as an educational condition (formation) so that the other can effectively become other.

Keywords:
Otherness; Action; Education; Arendt, Hannah

RÉSUMÉ:

Le thème de l’altérité chez Hannah Arendt peut être lu par um mouvement double. Le premier inspiré d´Eichmann em Jerusalém, concerne la négation de l’autre par la voie de l’incapacité de se mettre à sa place et de la suppression de l´autre à travers l’annulation de sa singularité. Le deuxième, ancré dans La condition humaine et Qu’est-ce que la politique?, explore les conditions nécessaires pour l’altérité en se concentrant sur les présupposés de l’action - le monde et la pluralité - ainsi que sur ses pouvoirs - initium, révélation et energeia. De telles conditions renvoient à l’amor mundi et à la responsabilité qui lui est associée en tant que condition éducative (formation) pour que l’autre puisse devenir effectivement autre.

Mots-Clés:
Altérité; Action; Éducation; Arendt, Hannah

RESUMEN:

El tema de la alteridad puede ser leído en Hannah Arendt en un doble movimiento. El primero, con base en Eichmann em Jerusalém, se refiere a la negación del otro como incapacidad de ponerse en su lugar y como su supresión mediante la anulación de su singularidad. El segundo, teniendo como referencias principales La condición humana y ¿Qué es política?, estudia las condiciones para la alteridad y lo hace abordando los presupuestos de la acción -mundo y pluralidad- y en sus poderes -initium, revelación y energeia. Estas condiciones remiten al amor mundi y a la responsabilidad vinculada a él como condición educativa (formación) para que el otro pueda ser efectivamente otro.

Palabras-clave:
Alteridad; Acción; Educación; Arendt, Hannah

O presente texto indaga sobre o lugar do outro na educação. Atualmente, assim como na teoria política, essa problemática tem recebido um lugar de destaque pelo paradoxo existente entre, de um lado, um avanço de consciência da alteridade e dignidade humana e, de outro, a coexistência dessa consciência com formas sofisticadas de sua negação ou mesmo aniquilação do outro. O diagnóstico de Arendt sobre o problema indica que a modernidade dá início a um longo e continuado processo de crise que se aprofunda na forma de uma ruptura entre passado e futuro. Tal crise configura-se na forte tendência de perda do senso comum, da capacidade de julgar e do mundo comum, bem como das categorias políticas associadas a tais fenômenos, resultando em isolamento dos indivíduos, alienação do mundo, superficialidade, sociedade de massas e totalitarismo.

A autora escrutinou as formas mais sofisticadas e novas de negação e eliminação do outro, a exemplo das praticadas no âmbito dos totalitarismos do século XX, como expressões de uma crise profunda e de grande longitude que caracteriza a época moderna. Nesse sentido, a reflexão de Arendt deve ser lida como sinal de algo que acompanha a experiência histórica moderna e que pode estar mais próximo de nós do que imaginamos. Uma das coisas mais chocantes mostradas pela autora, em Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal (2003), é que o personagem principal do livro não era diferente de qualquer pessoa. Antes, tratava-se de um sujeito “assustadoramente normal”, banal, mas capaz de praticar crimes monstruosos.

Mas há também, na ampla e profícua obra de Arendt, toda uma dimensão que possibilita pensar nas condições para o outro poder vir a ser outro. É nesse ponto que entendemos ser possível articular o tema da alteridade com a educação. Arendt não é propriamente uma pensadora da educação e não se ocupou de modo sistemático com ela. Todavia, em sua obra, especialmente no que tange à esfera da ação humana e da pluralidade que a caracteriza, pode-se encontrar a alteridade como uma de suas dimensões constitutivas. Ela está vinculada à condição da paradoxal pluralidade de seres singulares. Nesse sentido, negar o outro é negar nossa humana condição de seres plurais. Assim como o eu, o outro também tem uma existência plural, e somente por meio desta, possibilitada pela ação, singulariza-se. Essa humana condição posta pela pluralidade demanda uma atitude de abertura em relação a si e ao outro.

No presente texto, o tema da alteridade em Arendt é lido em um duplo movimento. O primeiro, com base em Eichmann em Jerusalém... (2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.), tematiza a negação do outro como incapacidade de se colocar no seu lugar e como sua supressão mediante a anulação de sua singularidade. O segundo, tomando por referências principais A condição humana (2016) e Qu’est-ce que la politique? (1995), explora as condições para a alteridade, e o faz focando nos pressupostos da ação - mundo e pluralidade - e nos seus poderes - initium, revelação e energeia. Tais condições remetem ao amor mundi e à responsabilidade vinculada a ele como condição educativa (formação) para o outro poder vir a ser efetivamente outro.

A negação do outro como incapacidade de se colocar no seu lugar

É no contexto de uma educação voltada para a alteridade e para o desenvolvimento de capacidades que habilitem o sujeito a pensar e a julgar com autonomia que se pretende trazer à tona alguns dos aspectos paradigmáticos evidenciados por Hannah Arendt em sua obra como negação do outro. Em Eichmann em Jerusalém... (2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.), Arendt descreve Adolf Eichmann como um sujeito incapaz de pensar e de julgar. Como refere a autora, “ele não era burro. Foi pura irreflexão - algo de maneira nenhuma idêntico a burrice - que o predispôs a se tornar um dos grandes criminosos dessa época” (2003, p. 311). Faltava-lhe, sem dúvida alguma, capacidade para deliberação e, consequentemente, conforme afirma Patrice Canivez, em Educar o cidadão? (1998CANIVEZ, P. Educar o cidadão? São Paulo: Papirus, 1998.), para discernir entre uma lei que impõe um comportamento admissível e aceitável por todos, e outra que ilegitimamente obriga todos a não respeitar ao outro como a si mesmo.

Como se pretende mostrar na sequência - e tomaremos Adolf Eichmann como modelo -, a negação do outro revela ignorância, não no sentido de falta de conhecimento científico, mas de modo mais radical, a saber, no sentido da não compreensão do próprio funcionamento do sistema democrático. A ignorância de quem nega o outro manifesta-se na ausência da empatia e, por sua vez, na incapacidade de compreender as demandas formuladas pelo outro, impedindo-o de argumentar e mesmo de avaliar a validade do argumento alheio, bem como de compreender o outro enquanto portador de direitos e deveres.

O contato com as palavras e as atitudes de Adolf Eichmann em 1961, quando assistiu ao seu processo de julgamento, levou Arendt a considerar a urgência de se ocupar sistematicamente das perguntas sobre o pensar, o querer e o julgar. Seu texto sobre o julgamento de Eichmann, inicialmente publicado em forma de reportagem em The New Yorker e, posteriormente, em forma de livro, desencadeou uma enorme polêmica. A polêmica, especula ela no pós-escrito do livro, pode estar associada ao fato de ter mencionado a banalidade do mal1 1 Em Eichmann em Jerusalém... (2003), H. Arendt menciona pela primeira vez o termo banalidade do mal, e o faz para designar a evidente falta de profundidade do réu. Para ela, o mal inegável e extremo, presente nas ações organizadas por Adolf Eichmann, não podia ser atribuído a convicções ideológicas e, muito menos, a motivações malignas. Outrossim, recusava-se a reconhecer a existência do caráter radical do mal. Por isso, acredita na falta de profundidade e na ausência de enraizamento das razões e das intenções de Eichmann. A verdade é que, para H. Arendt, existe uma relação profunda entre ausência de pensamento e fazer o mal. Por isso, defende que o mal nunca é radical, mas apenas extremo, sem profundidade e sem dimensão demoníaca. Logo, falar em banalidade do mal é falar não de um mal essencial, de um mal absoluto, mas de um mal que desafia o pensamento, e que se destaca pela superficialidade apenas no nível objetivo, limitando-se a apresentá-la como uma mera constatação que se manifestou, no curso do julgamento, de forma quase que evidente (ARENDT, 2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.).

Antes de seguir com a análise, retomaremos rapidamente alguns dos elementos que envolvem o julgamento e, consequentemente, a posição de Arendt em relação à personalidade e ao comportamento de Eichmann. O tenente-coronel das tropas SS foi acusado pelo Estado de Israel de ter organizado a deportação em massa para os campos de extermínio, cometendo crimes de guerra, crimes contra o povo judeu e crimes contra a humanidade. O presente texto não tem o propósito de analisar o mérito do julgamento, mas é importante mencionar que o julgamento desses crimes ocorreu em Jerusalém, com base na lei israelense de 1950. Nada de mais, não fosse o fato de as leis israelenses de 1950 (n. 5710), que tratavam da punição dos nazistas e seus colaboradores, serem posteriores aos atos de Eichmann. Além disso, lembra Arendt, há o despreparo da Corte em Jerusalém diante da necessidade de julgar um crime “novo”, o de genocídio, problema que os juristas resolveram tratando genocídio como homicídio em larga escala. Tudo certo, se genocídio e homicídio não fossem crimes distintos. O genocídio, defende Arendt, é um crime contra a humanidade, contra o status humano e a condição humana da pluralidade, atacando a diversidade humana e destituindo a humanidade de significado.

Para Celso Lafer, ao analisar a contribuição de Arendt à tipificação do delito, o genocídio “é [de fato] um crime contra a humanidade e a ordem internacional porque visa eliminar a diversidade e a pluralidade que caracterizam o gênero humano” (1988, p. 183). Arendt não se furta a apontar para algumas das lacunas jurídicas que permearam o julgamento de Eichmann (ARENDT, 2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 310). Para ela, o crime de genocídio, por exemplo, por ser um crime contra a humanidade e contra a ordem internacional, não pode ficar restrito a um tribunal nacional e, consequentemente, às leis de um único país, como ocorreu no caso Eichmann, sob pena de atenuar a monstruosidade do próprio crime. Nesse sentido, diz ela, errou o tribunal de Jerusalém: primeiro, por tratar um crime de genocídio como se fosse sinônimo de homicídio e, segundo, por fazê-lo em âmbito nacional, restrito, portanto, às leis israelenses.

A verdade é que esse posicionamento, diferentemente do que entenderam seus críticos, não impediu Arendt de concordar com a pena imposta a Eichmann pelo Tribunal de Jerusalém. Afinal, diz ela, “a punição é necessária para defender a honra ou a autoridade daquele que foi afetado pelo crime, de forma a impedir que a falta de punição possa causar sua desonra” (ARENDT, 2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 310). Todavia, é importante mencionar que, ao concordar com a punição, Arendt tem em mente a natureza do genocídio como um crime contra a condição humana da diversidade e da pluralidade, e não apenas a simples proporcionalidade entre a pena de morte imposta a Eichmann e os crimes por ele cometidos. Não resta dúvida, portanto, que Eichmann, embora tenha sido um instrumento da organização burocrática do extermínio, praticou crime contra a humanidade, não querendo dividir a face da terra com o povo judeu e com outros povos. Para Arendt, ao se arvorar o direito de determinar quem deveria e quem não deveria habitar o mundo, Eichmann não pode esperar que algum membro da raça humana queira compartilhar o mundo com ele.

Para Arendt, a Promotoria, ao personificar em Eichmann o ódio histórico a um povo determinado, fundamentando sua acusação no que os judeus sofreram, e não no que Eichmann, de fato, fizera, perdera a oportunidade de esclarecer para o mundo o que foi o genocídio perpetrado pelos nazistas, ou seja, perdeu a oportunidade de mostrar a todos que o nazismo, através de um “massacre administrativo”, cometeu um crime contra a humanidade, perpetrado no corpo do povo judeu. Para Arendt, Eichmann precisa ser responsabilizado pela decisão de obedecer ou apoiar o regime nazista, embora busque se defender dizendo que apenas cumpria com seu dever, não apenas obedecendo ordens, mas também obedecendo à lei. A questão é: o que teria levado Eichmann a cumprir as ordens do Führer, mesmo quando a obediência significava o extermínio do outro?

Na visão de Arendt, a adesão de Eichmann a um sistema político/ administrativo, ancorado na negação do outro, revela uma incapacidade de pensar e de julgar. E, no caso da Corte de Jerusalém, a decisão de conduzir o julgamento sem enfrentar a especificidade de um crime sem precedentes (massacre administrativo) revela incapacidade de julgar sem subsumir o caso a regras pré-estabelecidas.

Não temos aqui o objetivo de esgotar a reflexão sobre esses dois aspectos, manifestos em torno da incapacidade de pensar e de julgar. No entanto, pretende-se fazer um pequeno exercício mostrando, por exemplo, como a incapacidade de pensar e de julgar fizeram de Adolf Eichmann uma peça fundamental no regime de Hitler. Nesse sentido, faz-se necessário recuperar duas passagens, registradas por Arendt em Eichmann em Jerusalém... (2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.), que ajudam a entender um pouco melhor a pessoa de Eichmann e sua adesão à maquinaria nazista.

A primeira delas é uma referência ao dia 8 de maio de 1945, data oficial da derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Trata-se de uma data significativa para Eichmann. Com o fim da guerra, ele se dá conta, como adesista que é, que terá de viver sem ser membro de uma coisa ou de outra. Arendt registra o sentimento de Eichmann:

[...] senti que teria de viver uma vida individual difícil e sem liderança, não receberia diretivas de ninguém, nenhuma ordem, nem comando me seriam mais dados, não haveria mais nenhum regulamento pertinente para consultar - em resumo, havia diante de mim uma vida desconhecida. (2003, p. 43)

A segunda passagem pode ser encontrada no pós-escrito do livro. O tenente-coronel, durante meses, diz Arendt, sentou-se diante do policial judeu que conduzia seu interrogatório no inquérito policial e abriu “seu coração, explicando insistentemente como ele conseguira chegar só à patente de tenente-coronel da SS e que não fora falha sua não ter sido promovido” (2003, p. 310).

Essas duas passagens são emblemáticas e revelam não só o caráter do réu, mas também uma dupla incapacidade, ou seja, a de conduzir-se de forma autônoma e a de colocar-se no lugar do outro. Ao lamentar, na primeira delas, o fato de o fim da guerra lhe obrigar a ter de viver sem regras estabelecidas e, consequentemente, sem a exigência de obediência a essas regras, Eichmann mostra o quanto se sentia perdido diante da necessidade de ter de decidir por si mesmo e o quanto se sentia incapaz de exercer sua autonomia. Não se trata, sustenta Arendt, de um caso de insanidade; afinal, ao longo do julgamento, mostrou ser um homem comum e extremamente capaz de aplicar regras de conduta. Sua limitação repousava diante da necessidade de deliberação. Era mestre em subsumir o particular a uma regra geral (juízo determinante). Sua incapacidade era, como mostra a passagem acima, de exercitar o que Kant denomina de juízo reflexivo, ou seja, sua dificuldade consistia em pensar o particular sem a regra geral. Faltava-lhe capacidade de decisão e, por consequência, sentia-se incapaz de conduzir-se de forma autônoma.

O segundo trecho revela um Eichmann limitado pela ausência de empatia. Faltava-lhe o que Arendt chama de “mentalidade alargada”, isto é, Eichmann apresentava a personalidade de um sujeito autocentrado e incapaz de pensar do ponto de vista da outra pessoa. Ele sequer se dá conta de que está diante de um membro de um povo que esteve sob a ameaça de ser exterminado. Está preocupado em justificar que o fato de ter fracassado na obtenção da promoção, nunca passando do grau de Obersturmbannführer da SS, não tinha a ver com sua incompetência. Alimentava a expectativa de que o policial pudesse compreendê-lo e ficasse comovido com os percalços que enfrentara como integrante do regime opressor. Jamais lhe ocorrera pensar no impacto que suas palavras poderiam causar naquele policial judeu.

Apesar disso, Arendt observou que Eichmann não era um monstro moral, dotado de malignidade. Justamente por essa razão, sua fixação no cumprimento das ordens e sua incapacidade de pensar conduziram- -no não ao ódio incontrolado pelos judeus, mas à completa indiferença em relação ao outro. Eis o caminho para compreender o paradoxo que envolve a figura de Eichmann, ou para compreender a disparidade aparentemente existente entre o caráter ordinário e puramente comum do criminoso e a magnitude dos seus crimes. Para Arendt, a compreensão reside no fato de Eichmann ser incapaz de pensar, ser incapaz de se distanciar do espaço das manifestações mundanas, aderindo, consequentemente, a um imediatismo superficial e se deixando seduzir pelo “imperativo categórico do Terceiro Reich”, cuja formulação determina que cada sujeito “aja de tal modo que o Führer, se souber de sua atitude, a aprove” (ARENDT 2003ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 153). Por essa razão, afirma Arendt, “quanto mais se ouvia Eichmann, mais óbvio ficava que sua incapacidade de falar estava intimamente relacionada com sua incapacidade de pensar, ou seja, de pensar do ponto de vista de outra pessoa” e colocar-se no seu lugar (2003, p. 62).

AÇÃO, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO

AÇÃO, PLURALIDADE E ALTERIDADE

O tema da alteridade pode ser buscado em Arendt também a partir do âmbito da vida ativa, que engloba as atividades fundamentais do trabalho (labor), da obra (work) e da ação (action). Mais precisamente, pode ser inscrita no registro da pluralidade que marca a ação humana. Convém explicitar tais atividades brevemente. O trabalho (labor) concerne à manutenção da vida biológica, visando a assegurar os processos vitais e suas carências, bem como a sobrevivência do indivíduo e a vida da espécie. Dele resultam os bens de consumo que, por servirem apenas à conservação da vida orgânica (zoé), são tangíveis e possuem pouca durabilidade. Trata-se de uma atividade repetitiva, voltada para si mesma e que se faz de modo circular, a exemplo do ciclo da vida. A condição humana inscrita no trabalho é a vida.

A obra (work) se diferencia do trabalho pela maior permanência de seus produtos no mundo e pela função de uso deles. A obra (work) e seu produto, os artefatos humanos, conferem certa permanência e durabilidade à vida humana mortal e à efemeridade do tempo humano. É a atividade que corresponde ao artificialismo da vida humana por produzir um mundo artificial de coisas. O mundo distingue-se da terra, o habitat de todos os seres vivos, uma vez que é “o lar feito pelo homem, construído na terra e fabricado com o material que a natureza coloca à disposição de mãos humanas” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 166). A durabilidade confere ao artefato fabricado uma independência em relação a seus produtores quando do término de sua produção. Tais produtos, em função da permanência e durabilidade que os caracterizam, tornam possível o mundo, a morada dos homens. Se o trabalho (labor) implica uma noção de tempo cíclico e repetitivo, próprio da natureza e da reprodução da existência, a obra (work) vincula uma noção retilínea de tempo, especificamente humana. Na realidade permanente do mundo, possibilitada pela obra (work), a singularidade de cada homem pode ultrapassar sua condição efêmera e fazer parte da pluralidade e durabilidade que o caracterizam como mundo comum. Trata-se de uma realidade situada como espaço interposto (inter est) entre a fragilidade humana e a brevidade de cada vida individual, de um lado, e a força da natureza, de outro (LOBO, 2013LOBO, M. F. Hannah Arendt y la pregunta por la relación entre el pensamento y la acción. Buenos Aires: Biblos, 2013., p. 143). A condição humana presente na obra é a mundanidade (ARENDT, 2016, p. 9).

A ação (action) e o discurso (práxis e legis) permitem que os homens construam, nesse âmbito tangível e durável, uma realidade intangível e intersubjetiva. A ação, ao possibilitar a fundação e preservação de corpos políticos, cria a condição para a lembrança e para a história. Sem a história, a ação humana desapareceria no mesmo instante em que é realizada. A ação é a única atividade exercida diretamente entre os homens sem a mediação da matéria ou das coisas, razão pela qual corresponde à condição humana da pluralidade. Refere-se ao “fato de que os homens, e não o Homem, vivem na terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 9). A esfera da ação e do discurso corresponde à “teia de relações humanas” que intermedeia a relação entre os homens e possibilita, para além da necessidade e da utilidade, mas sem desconsiderá-las, que dialoguem e interajam uns com os outros expressando e efetivando a própria singularidade.

Essa teia é constituída pelo “domínio dos assuntos humanos” e se faz presente apenas quando os homens vivem juntos (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 228). Ela é condição para a revelação e o reconhecimento da identidade humana em sua singularidade própria e também para desenvolver a comunicação entre os homens, o sentido de realidade e o compartilhamento do mundo. A pluralidade é a base de nosso sentido de realidade e da realidade do próprio eu, pois é garantida pela presença dos outros. A ação (em grego, prattein, realizar ou completar algo) é interação e “jamais pode ser produzida no isolamento, uma vez que aquele que começa algo somente pode concluí-lo quando se une a outros que lhe ajudem” (ARENDT, 1995ARENDT, H. Qu’est-ce que la politique? Paris: Seuil, 1995., Fragmento 3b, p. 71). A ação supõe e requer necessariamente a presença dos semelhantes, pois é impossível de ser engendrada na solidão ou no isolamento.

Ação e discurso configuram a intersubjetividade em consonância com a pluralidade. Esta concerne ao fato de os homens serem ao mesmo tempo iguais, mas singulares em sua individualidade. A pluralidade é, como lembra Almeida, “composta por singularidades, e o fato de estarmos junto a outros singulares nos impele a comunicarmos uns com os outros” (2011ALMEIDA, V. S. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o amor ao mundo. São Paulo: Cortez, 2011., p. 96). Essa condição fundamental do humano leva Arendt a definir a pluralidade como a “paradoxal igualdade dos seres únicos”. A pluralidade, argumenta a autora, “é a condição da ação humana porque somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 10). Pluralidade implica, ao mesmo tempo, a conjunção entre igualdade e diferença, e é condição para existirem homens e mundo:

[...] somente podem existir homens no sentido próprio do termo onde existe mundo e só pode existir mundo no sentido próprio do termo onde a pluralidade do gênero humano não se reduz à simples multiplicação de exemplares de uma espécie. ( ARENDT, 1995 ARENDT, H. Qu’est-ce que la politique? Paris: Seuil, 1995. , Fragmento 3c, p. 130)

A presença constante dos outros homens é condição para confirmar a existência de cada um em sua singularidade. “Para confirmar a minha identidade, dependo inteiramente de outras pessoas”, destaca Arendt (2012ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras , 2012., p. 529). O diferenciar-se do outro possibilitado pela pluralidade não apenas singulariza cada um, mas constitui-se como um elemento da alteridade. Arendt, todavia, não identifica diferença e alteridade, pois “ser diferente” não equivale a “ser outro”. Mas a alteridade é um “aspecto importante da pluralidade, a razão pela qual todas as nossas definições são distinções, motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la de outra” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 218). A alteridade é vinculada por Arendt a tudo o que existe e se relaciona diretamente à singularidade e à pluralidade: “No homem, a alteridade, que ele partilha com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se unicidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres únicos” (2016, p. 218). Em suma, a alteridade somente pode ser manifestada e reconhecida mediante a individualização no convívio com os outros homens via ação e discurso.

OS PODERES DA AÇÃO COMO CONDIÇÃO DA ALTERIDADE: INITIUM, REVELAÇÃO E ENERGEIA

No sentido geral do termo, agir significa tomar iniciativa ou iniciar. Os homens são impelidos a agir por constituírem um initium, isto é, são iniciadores pelo próprio fato de terem nascido, e cada um é um iniciante por si mesmo. Cada nascimento é o começo de alguém único que chega dotado do poder de agir no mundo gerando novos começos. O caráter de imprevisibilidade da ação e a capacidade de agir própria dos homens indicam que se pode esperar deles o inesperado e o improvável. Sua história singular e o modo como afetarão o mundo comum são imprevisíveis. Isso é possível em razão do fato de que cada homem veio ao mundo como singularmente novo (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 220). É nesse poder de começar e no fato de se constituir num novo começo ao nascer que se sustenta o “milagre da liberdade”. O extraordinário significado político da liberdade alicerçada no poder de começar foi salientado por Arendt como contraposição aos totalitarismos na medida em que estes quiseram aniquilar não apenas a liberdade de expressão, mas sobretudo a “espontaneidade do homem em todos os domínios” (1995, Fragmento 3b, p. 71).

Arendt vincula espontaneidade à liberdade de ação enquanto capacidade de novos começos. A liberdade de ação depende da presença dos outros e do confronto das próprias opiniões, e se distingue tanto da liberdade de expressão quanto do livre-arbítrio, a capacidade de escolher entre alternativas dadas ao agente. Nesse sentido, pode-se dizer que a liberdade é constitutivamente vinculada à alteridade. Sem o outro não há ação nem sujeito. Ela se constitui a partir da experiência com os outros e demanda a existência de um mundo comum como locus para a ação e o discurso. Como lembra Carvalho,

[...] ao recuperar essa dimensão fenomênica da liberdade, vivida como uma experiência compartilhada - e não como uma faculdade da vida interior de cada homem - é que Arendt irá tecer seu conceito de liberdade em contraposição à tradição metafísica, que a concebeu como um atributo do pensamento e da vontade, mas não da ação. ( 2015 CARVALHO, J. F. S. Educação: uma herança sem testamento. Universidade de São Paulo, 2015. Mimeografado. , p. 83)

Vale lembrar que, para Arendt, ser livre e agir se equivalem. Arendt associa ação a milagre, entendendo este não como fenômeno religioso que interrompe o curso dos acontecimentos humanos ou naturais por intermédio de um ente sobrenatural, mas no sentido de que a ação possibilita interromper cadeias causais que se apresentam como intransponíveis e desencadear em seu lugar processos novos e inesperados, de modo a tornar possível aquilo que parecia altamente improvável. Cada novo começo se constitui naturalmente como um milagre quando “considerado e experimentado do ponto de vista dos processos que necessariamente interrompe” e desencadeia (ARENDT, 1995ARENDT, H. Qu’est-ce que la politique? Paris: Seuil, 1995., Fragmento 3a, p. 53).

Se a ação como início concerne ao fato do nascimento, o discurso corresponde ao fato da distinção; enquanto a primeira efetiva a condição humana da natalidade, o segundo efetiva a condição humana da pluralidade - o viver como distinto e singular entre os iguais (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 221). Mesmo que os homens nasçam aparecendo no mundo independentemente de seu desejo e decisão, entram no mundo como sujeitos dotados da capacidade de ação e discurso, e dizer que agem significa considerar que eles são ativamente mundanos, pois se manifestam; que são únicos, pois se diferenciam, revelando sua singularidade; que são plurais, pois se apresentam e buscam o reconhecimento dos outros (LOBO, 2013LOBO, M. F. Hannah Arendt y la pregunta por la relación entre el pensamento y la acción. Buenos Aires: Biblos, 2013., p. 153).

Entre ação e discurso existe uma relação estreita, uma vez que a ação revela o início de um novo processo, e o discurso revela o seu autor. Por essa razão, o ato especificamente humano, levado adiante na ação e no discurso, reside na revelação da identidade do agente. Essa revelação é orientada pela pergunta a ser feita a todo recém-chegado, a saber: Quem és? (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 221). Arendt distancia-se assim de uma concepção metafísica ou substancialista de sujeito ao defini-lo como um quem, em vez de um o quê. O homem, afirma Arendt, na esteira de Heidegger, “não tem substância; o importante a seu respeito é isto que ele é; não se pode perguntar pelo Quê do homem como se pergunta pelo Quê de uma coisa, mas apenas pelo seu Quem” (1993a, p. 29, grifo da autora). A revelação de quem o sujeito é está implícita em seus atos e palavras. Sem a companhia do discurso, a ação perderia tanto seu caráter revelador quanto seu sujeito. A ação que o agente inicia é revelada mediante palavras. Por essa razão, Arendt destaca que a ação, dissociada de um quem, perde todo o sentido:

[...] sem o desvelamento do agente no ato, a ação perde seu caráter específico e torna-se um feito como outro qualquer. [...] passa a ser apenas um meio de atingir um fim, tal como a fabricação [obra] é um meio de produzir um objeto. ( 2016 ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. , p. 223)

É na ação e no discurso que os homens mostram quem são, na medida em que ativamente revelam suas identidades pessoais e singulares, de modo a apresentarem-se ao mundo humano. Trata-se da revelação de quem, e não de o que a pessoa é. Na revelação de quem ela é está implícito tudo o que faz ou diz, ao passo que a o que ela é estão vinculados suas qualidades e defeitos. Ocorre que a pessoa não dispõe desse quem do mesmo modo que pode dispor de suas qualidades. O quem, lembra Arendt, permanece invisível para a própria pessoa, e só se revela mediante o discurso e a ação, ou seja, quando as pessoas interagem entre si. Arendt observa que, mesmo que nenhum sujeito saiba que tipo de quem é revelado na ação e no discurso, cada um tem de estar disposto a correr o risco de se desvelar (2016, p. 223). O desvelamento de si mediante ações e palavras nunca encontra seu término enquanto o agente viver.

Além disso, o revelar-se aos semelhantes possui um teor reflexivo, pois tal processo se volta sobre o próprio sujeito, uma vez que o ator desconhece e não controla sua própria identidade antes de expor-se mediante a ação e o discurso: “alguém revela seu si mesmo sem jamais se conhecer ou ser capaz de calcular de antemão a quem revela” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 238). Essa revelação implica risco na medida em que o agente não dispõe de antemão do conteúdo a revelar e que expressa aos outros sua novidade irredutível. A revelação é autorrevelação, uma vez que o quem permanece invisível à própria pessoa, a exemplo do

[...] daimôn, na religião grega, que acompanha cada homem durante toda sua vida, sempre observando por detrás, por cima de seus ombros, de sorte que só era visível para aqueles que ele encontrava. ( ARENDT, 2016 ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. , p. 222)

Em resumo, como destaca Lobo, ao definir o sujeito humano como um quem, Arendt

[...] afirma a singularidade irredutível do quem, assim como sua constitutiva condição de principiante e, finalmente, indica esse principiante como o protagonista (agente e paciente) de uma história - a sua - que será narrada por outros. ( 2013 LOBO, M. F. Hannah Arendt y la pregunta por la relación entre el pensamento y la acción. Buenos Aires: Biblos, 2013. , p. 155)

A ação possui outra peculiaridade relacionada ao sujeito. Por não se constituir em um meio para a realização de um fim, nela o sujeito realiza a si mesmo. Ação e discurso não podem ser explicados em termos instrumentais de êxito ou fracasso ou das motivações momentâneas de seus atores, por não serem subordinados a um fim exterior a eles. Arendt recorre à noção aristotélica de energeia (efetividade) para definir a ação. A energeia referia-se a todas as atividades que não visavam a um fim e que não resultavam em um produto externo a elas, de modo a esgotar seu significado em sua própria realização. São atividades que têm seu fim em si mesmas e, desse modo, a obra está contida no próprio processo, de maneira que “o desempenho é a obra, é energeia” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A condição humana. 12. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., p. 255). A ação significa para o ator a revelação e autorrevelação de sua identidade singular da qual não dispõe previamente e não controla. Esse caráter autotélico faz com que, ao agir, o homem se realize de modo a ser destinatário e paciente de tal realização. É agente enquanto atua, revelando sua própria identidade aos outros e a si; é paciente na medida em que sua ação ocorre no mundo comum, afetando-o pelas reações que provoca nos outros por suas ações e palavras. A ação revela, assim, tanto o poder realizador do agente quanto sua fragilidade e contingência (LOBO, 2013LOBO, M. F. Hannah Arendt y la pregunta por la relación entre el pensamento y la acción. Buenos Aires: Biblos, 2013., p. 165).

ALTERIDADE E EDUCAÇÃO: ALGUMAS CONDIÇÕES PARA O OUTRO PODER VIR A SER OUTRO

Após termos exposto o duplo movimento para situar o outro na obra de Arendt, vamos retomar aspectos da alteridade associados à educação. Nós o faremos sem pretensão de exaustão do tema e sob um prisma ético-educativo, buscando o que poderia ser entendido como algumas condições para o outro poder vir a ser outro.

A CAPACIDADE DE SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO - EICHMANN COMO CONTRAPONTO

Para Arendt, como destacamos, o que caracterizava Eichmann era a falta de imaginação e a completa irreflexão, e, por essa razão, não conseguia dimensionar as consequências de suas próprias ações. A incapacidade para o pensar - o confrontar-se e colocar-se de acordo consigo mediante autoexame e que demanda o desenvolvimento da capacidade de evitar a autocontradição - é o que o impossibilita discernir o certo e o errado e colocar-se no lugar do outro. Nesse sentido, a capacidade de confrontar-se e examinar-se a si mesmo e de colocar-se em acordo consigo mesmo é uma das condições mais fundamentais e exigentes da alteridade. Nesse particular, a alteridade constitui-se como parâmetro normativo e contraponto a todo tipo de educação que, de algum modo, vise à formação de pessoas bem ajustadas a instituições, sistemas ou ambientes propícios à negação institucionalizada do outro. É por essa razão que Adorno afirma que “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação” (1995, p. 119), e o único poder efetivo contra o princípio representado por tal barbárie é a autonomia exercitada como “o poder para a reflexão, a autodeterminação, a não- -participação” (p. 125).

O RISCO DA ELIMINAÇÃO DO OUTRO - O TOTALITARISMO

O totalitarismo representa a possibilidade da eliminação da singularidade do outro no sentido mais extremo do termo. Ao eliminar a capacidade de ação e de discurso, ele impede radicalmente a possibilidade de novos começos. Os campos de concentração não apenas exterminavam pessoas e degradavam seres humanos, mas serviam à experiência da eliminação da espontaneidade como expressão da conduta humana e à transformação da personalidade humana numa simples coisa. A eliminação não se restringia à vida, mas à existência do outro, e era um processo que implicava três passos, a saber: 1) a aniquilação da pessoa jurídica do outro, destruindo seus direitos; 2) a morte da pessoa moral, tornando a morte anônima ao tirar dela o significado de desfecho de uma vida realizada; 3) a destruição da individualidade e, com ela, da espontaneidade enquanto capacidade de iniciar algo novo (ARENDT, 2012ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras , 2012., p. 498-517).

O totalitarismo não apenas elimina a alteridade, tornando todos os homens igualmente supérfluos, mas visa a fazê-lo em sentido mais radical, a saber, transformar a própria natureza humana. Dele resultam tanto a destruição da capacidade de agir - expressa na impotência, no isolamento e na consequente perda de vista do agir em conjunto para a realização do interesse em comum - quanto a solidão, a experiência de não pertencer ao mundo, de modo a destruir também a esfera da vida privada (ARENDT, 2012ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras , 2012., p. 527). Nesse sentido, resulta na mais completa destruição do outro enquanto outro.

É por essa razão que Bárcena e Mèlich (2000BÁRCENA, F.; MÈLICH, J.-C. La lección de Auschwitz. Isegoria, n. 23, p. 225-236, 2000.) consideram Auschwitz como “situação educativa radical”, tornando problemática tanto a identidade quanto a memória, na medida em que educar passa a exigir mais do que a cultura do logos ou da palavra. O campo de concentração impossibilitava às suas vítimas dizer completamente os crimes testemunhados por falta de palavras que pudessem exprimi-los. Depois de Auschwitz, educar, muito mais que transmitir algo, implica abrir-se ao outro. Na ótica dos dois autores, educar converte-se no oposto ao totalitarismo justamente porque significa “buscar e desejar que surja a palavra no outro; que o outro encontre seu próprio modo de expressão sem determinar a priori a palavra que deva pronunciar” (BÁRCENA; MÈLICH, 2000BÁRCENA, F.; MÈLICH, J.-C. La lección de Auschwitz. Isegoria, n. 23, p. 225-236, 2000., p. 234).

A NÃO CONTROLABILIDADE DE SI E DO OUTRO - A NATUREZA DA AÇÃO HUMANA

O agir individual insere-se numa trama intrincada que não é controlável pelo seu autor. O agente não tem o controle sobre si nem sobre o que faz, uma vez que, mesmo que seja o iniciador de um novo evento, não possui o domínio sobre o curso da ação. O motivo pelo qual não é possível prever com segurança o resultado e o fim de qualquer ação é o fato de sua durabilidade ser ilimitada. Além disso, o agente tem responsabilidade, mas não soberania sobre seu ato. Ele é incapaz de antecipar com precisão o que se explicitará aos outros na ação, como ela os afetará e que reações lhes provocará. Se não há como controlar a própria ação, e se o controle sobre o modo que o agente se revela aos outros é muito limitado, como pode o sujeito querer ter controle sobre o outro? Vale lembrar com Almeida que, em última instância, o que o totalitarismo não podia admitir era a espontaneidade própria à ação dos sujeitos em razão da imprevisibilidade que a caracteriza (2011, p. 107).

O controle é uma das formas mais sofisticadas de negação do outro. Esse é um aspecto a que deveria ser dado muita atenção nos processos educativos. Podemos orientar, mas jamais pretendermos ter o controle sobre o outro. O desafio, nesse sentido, pode ser balizado a partir das palavras de Hermann:

[...] a ação pedagógica, no horizonte em que situa suas expectativas, gera situações paradoxais entre a intencionalidade da ação pedagógica conduzida pelo professor e a exigência de uma ação livre e responsável por parte do educando. ( 2014 HERMANN, N. Ética & educação: outra sensibilidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. , p. 21)

De modo semelhante, Almeida observa que “a educação é uma aposta cujo fim não está sob nosso controle e, no entanto, é de nossa responsabilidade fazer o melhor” (2011ALMEIDA, V. S. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o amor ao mundo. São Paulo: Cortez, 2011., p. 116). Em vez do controle, a intencionalidade da ação pedagógica tem de ser mediada dialogicamente com a ação livre e responsável do outro-educando.

O SENTIDO DE REALIDADE HUMANA PASSA PELOS OUTROS - O SENTIDO COMUM

Vimos acima que a pluralidade é a base de nosso sentido de realidade e da realidade do próprio eu, uma vez que esta é garantida pela presença dos outros. Para Arendt, sem o espaço da aparência e sem a confiança na ação e no discurso como forma de convivência, é impossível estabelecer a realidade e a identidade do próprio eu e a realidade do mundo circundante ao sujeito. Assim, o único atributo do mundo que possibilita avaliar sua realidade reside no fato de ele ser comum a todos os homens. O sentido de realidade depende daquilo que os indivíduos percebem e sentem em comum, a aparência. Os cinco sentidos e seus dados sensoriais, que são pessoais e subjetivos, nos ajustam a um mundo objetivo que possuímos em comum e compartilhamos com os outros. Se a experiência do mundo depende de nosso contato com os outros homens - mediante o sensus communis, que regula e controla todos os outros sentidos -, sem ele cada indivíduo permaneceria fechado em sua própria particularidade de dados sensoriais (ARENDT, 2012ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras , 2012., p. 528). Na perspectiva de Arendt, a ação possui uma dimensão individual somente quando ocorre no âmbito da pluralidade humana. Nesse sentido, ela tem de pressupor necessariamente a presença dos outros. O indivíduo somente pode ver-se e conhecer-se na mediação com o outro. Uma educação que leve devidamente em conta a alteridade tem, de um lado, de evitar o egocentrismo, que reduz o diferente, o outro ou o que nos é “estranho ao próprio”; de outro, tem de levar em conta que o estranho ou o outro é intrínseco ao próprio eu, de modo que o outro sempre possui um caráter intrassubjetivo e intracultural (HERMANN, 2014HERMANN, N. Ética & educação: outra sensibilidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 37).

O EXISTIR É EXISTIR COM OS OUTROS

O enfraquecimento do sentir em comum operado pela modernidade é designado pela autora como alienação do mundo. A alienação faz com que o homem, por estar a sós consigo, perca a capacidade de orientar- se e agir no mundo. Com isso, perde a capacidade de vincular-se às experiências comuns a todos e, por não ter certeza sobre a própria realidade sentida e vivida, torna-se incapaz de viver em um mundo comum (SCHIO, 2012SCHIO, S. Hannah Arendt: história e liberdade: da ação à reflexão. 2. ed. Porto Alegre: Clarinete, 2012, p. 177). Esse sentido comum, ou sensus communis, mostra que o sentido de realidade do eu e do meio, assim como a capacidade de orientação do eu no mundo, que é sempre mundo comum, implica, em maior ou menor grau, necessariamente os outros. A pluralidade e a abertura do homem a um mundo comum mostra o próprio existir como algo possível somente com os outros. É a presença dos outros homens o que confirma a existência de cada indivíduo singular e o que possibilita sua definição como identidade. Como vimos acima, Arendt considera a alteridade como um aspecto importante da pluralidade. A alteridade e a distinção convertem-se em singularidade. Ao diferenciar-se do outro, o ser humano define-se como agente, o que mostra o papel fundamental da alteridade para a definição da própria identidade. Nesse sentido, os processos educativos, para levar em conta a alteridade, poderiam ser orientados para a dimensão do mundo que temos em comum o qual depende da comunicação entre os indivíduos. Cabe à educação criar condições para que os novos se familiarizem e se apropriem dele de modo a conhecê-lo, conservá-lo e renová-lo.

O EU E O OUTRO COMO UM QUEM E NÃO COMO UM O QUE

Vimos que o tema do sujeito que se revela no discurso e na ação orienta-se pela pergunta Quem és?, e não por O que és?. Desse modo, Arendt distancia-se de uma concepção metafísica de sujeito calcada em uma essência ou natureza humana. A revelação de quem o sujeito é - e poderíamos afirmar, também, quem o outro é - está implícita em seus atos e palavras de modo que sem a companhia do discurso a ação perderia tanto seu caráter revelador quanto seu sujeito.

É na ação e no discurso que os homens mostram quem são na medida em que ativamente revelam suas identidades pessoais e singulares, de modo a apresentarem-se ao mundo humano. Por conseguinte, como destaca Brayner, “‘tornar-se alguém’ é, também, um vir-a-ser visível para o outro, estabelecer uma presença fenomenal no mundo, um ‘estar-aí’ único, e não um ‘estar-entre-outros’, indiferente e anônimo” (2008, p. 31). Há aí uma singularidade irredutível do quem. A singularidade própria de cada sujeito se revela em suas ações e palavras na medida em que interage com os outros.

Todavia, se ao quem que se revela na ação e no discurso está associada a liberdade, esta não se identifica com soberania. A soberania, associada ao ideal de autossuficiência e autodomínio, contradiz a condição humana da pluralidade, o fato de a terra ser habitada por homens. O ideal onipotente do domínio de si traz consigo a pretensão de dominar os outros, reduzindo, com isso, o vínculo com os outros a uma relação vertical, de eliminação das diferenças e de não abertura ao outro. Para Arendt, se liberdade e soberania se equivalessem, o resultado seria não tanto o domínio do homem sobre si mesmo, mas o domínio arbitrário de todos os outros (2016, p. 290). O resultado disso seria o fim da pluralidade e também da alteridade. O dispor de nós mesmos se dá de forma contingente e relativa a. No caso, aos outros.

A singularidade se constitui como pluralidade, e a alteridade faz parte de toda singularidade (QUINTANA, 2016QUINTANA, L. “Unos-con-otros y unos-de-otros”: comunidad y alteridad en el pensamiento de Hannah Arendt. In: CEPEDA, M. R. A. (Comp.). Amistad y alteridad. Homenaje a Carlos B. Gutiérrez. Bogotá: Universidad de los Andes, 2016. p. 201-212. Disponível em: <Disponível em: https://publicacionesfaciso.uniandes.edu.co/sip/data/pdf/amistades%20y%20alteridades.pdf > Acesso em: 2 fev 2016.
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). Diferença e alteridade se dão no próprio eu, são condições de sua existência (ARENDT, 1993bARENDT, H. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará , 1993b., p. 140). O sujeito da educação, nessa perspectiva arendtiana, distingue- -se profundamente do sujeito substancialista da metafísica clássica ou do sujeito autárquico, separado do mundo, da metafísica cartesiana.

A RESPONSABILIDADE PELO MUNDO E PARA COM OS OUTROS NA FORMA DOS QUE CHEGAM A ELE

O tema da alteridade pode ser situado também sob o prisma da responsabilidade para com o mundo, o amor mundi. A essa responsabilidade vincula-se o “fato da natalidade”, que consiste em os humanos virem ao mundo ao nascerem, e de o mundo ser constantemente renovado por meio do nascimento. A esse fato vinculam-se dois aspectos de fundamental importância para pensar o lugar de destaque que assume a alteridade na educação. O primeiro é que a educação é o

[...] ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens;

o segundo é que a educação se constitui também no âmbito

[...] onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando- -as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 2015, p. 247)

O educador possui uma dupla responsabilidade, pois tem de mediar sua responsabilidade tanto com o mundo quanto com as crianças, preparando-as para renovar o mundo. A tarefa dele, assim como dos que já estão no mundo, é ajudar a conservar o mundo e a renová-lo com a inserção dos novos - o fato da natalidade. A educação, nesse sentido, assume uma feição ética, a de preparar os recém-chegados, capazes de novos começos, para inserirem-se e renovarem o mundo comum.

A educação compartilha com a política justamente o compromisso adulto com o mundo comum. Ela, como argumenta Almeida, “além de se encontrar num lugar estratégico entre o velho e o novo, é um ponto de articulação entre o singular e o comum, entre a pessoa e o mundo compartilhado” (2011, p. 111). Todavia, como lembra Brayner, esse modo de conceber a educação não deixa de implicar um imenso paradoxo, que reside em

[...] tratar como um plural recém-chegado ao mundo e assegurar que esta introdução a um universo desconhecido e eventualmente destrutivo se faça com alguma segurança, renovando a promessa de que, mais tarde, o espaço público da ação e da palavra preserve sua condição de forjador da “inovação”. ( 2008 BRAYNER, F. Educação e republicanismo: experimentos arendtianos para uma educação melhor. Brasília: Liber Libro, 2008. , p. 20-21)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No percurso que fizemos, procuramos ler o tema da alteridade em Arendt em um duplo movimento. O primeiro, explicitando o problema da negação do outro como incapacidade de se colocar no seu lugar e mediante a anulação de sua singularidade. O segundo, com foco nos pressupostos da ação e em seus poderes, explorando algumas condições necessárias para assegurar a alteridade. Tais condições remetem, em última instância, ao amor mundi e à responsabilidade vinculada a ele como condição educativa (formação) para o outro poder vir a ser efetivamente outro. O aspecto marcante do tema da alteridade em Arendt, embora ela não o tenha tratado explicitamente, reside no fato de a pluralidade mostrar que o eu se constitui a partir de e com o outro. Para Arendt, o homem não apenas está no mundo, mas também é do mundo. Trata-se de um ser situado em um horizonte de sentidos e condicionamentos que o perpassam e o ultrapassam em termos de capacidade de domínio, mesmo que não o determinem. Trata-se de um ser intramundano que se constitui em um mundo compartilhado com os outros e num contexto permeado por interações. Sem a pluralidade, ou seja, sem os outros, tal ser nada seria. Isso significa que, na obra de Arendt, o eu se define por referência aos outros. Sua singularidade pressupõe a abertura a um mundo comum, e será tanto mais rica quanto melhor souber tomar parte de tal mundo. O eu, em sua singularidade, não se define em contraposição aos outros, mas a partir deles e com eles. O eu tem uma existência plural, somente por meio dela se singulariza. Isso demanda uma atitude de abertura em relação a si e ao outro. É essa existência compartilhada que assegura o nosso próprio sentido de realidade. A eliminação da pluralidade humana e a alteridade a ela intrínseca teriam como consequência a produção de seres completamente desvinculados, sem existência no mundo. O fato de a existência do eu ser sempre aberta e plural, que o excede em muito e por essa razão não possui controle sobre si, suas ações e as consequências delas, torna arbitrário qualquer anseio de controle sobre o outro. A educação, tanto em sentido específico - escolar - quanto em sentido amplo, tem uma tarefa indispensável em relação à alteridade Ela tem um papel fundamental no que concerne a criar as condições para que o outro - na forma dos recém-chegados ao mundo - possa vir a ser outro, único em sua singularidade, e exercer o extraordinário poder humano de efetivar novos começos. Isso só é possível se o educador tomar para si a responsabilidade para com o mundo, ajudando ao mesmo tempo a conservá-lo e a renová-lo com a inserção dos novos. Essa responsabilidade na acolhida dos recém-chegados implica alteridade enquanto respeito, levando em conta o outro na sua singularidade, assim como a abertura ao mundo comum, o existir compartilhado com todos os outros. Afinal de contas, o sujeito só se constitui como tal em sua abertura ao outro e a um mundo comum, pois sua singularidade é constituída pela pluralidade. Trata-se de postular uma educação que não perca de vista a pluralidade e a alteridade como intrínsecas à condição humana.

REFERÊNCIAS

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  • CARVALHO, J. F. S. Educação: uma herança sem testamento. Universidade de São Paulo, 2015. Mimeografado.
  • HERMANN, N. Ética & educação: outra sensibilidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
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    » https://publicacionesfaciso.uniandes.edu.co/sip/data/pdf/amistades%20y%20alteridades.pdf
  • SCHIO, S. Hannah Arendt: história e liberdade: da ação à reflexão. 2. ed. Porto Alegre: Clarinete, 2012
  • 1
    Em Eichmann em Jerusalém... (2003), H. Arendt menciona pela primeira vez o termo banalidade do mal, e o faz para designar a evidente falta de profundidade do réu. Para ela, o mal inegável e extremo, presente nas ações organizadas por Adolf Eichmann, não podia ser atribuído a convicções ideológicas e, muito menos, a motivações malignas. Outrossim, recusava-se a reconhecer a existência do caráter radical do mal. Por isso, acredita na falta de profundidade e na ausência de enraizamento das razões e das intenções de Eichmann. A verdade é que, para H. Arendt, existe uma relação profunda entre ausência de pensamento e fazer o mal. Por isso, defende que o mal nunca é radical, mas apenas extremo, sem profundidade e sem dimensão demoníaca. Logo, falar em banalidade do mal é falar não de um mal essencial, de um mal absoluto, mas de um mal que desafia o pensamento, e que se destaca pela superficialidade

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2017
  • Aceito
    18 Set 2017
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