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ESTUDANTE DE PRIMEIRA GERAÇÃO (P-GER) NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

Resumo

O texto discute, com fundamento em pesquisa bibliográfica internacional e nacional, o conceito de estudante de 1ª geração (P-Ger), suas características e como ele é aplicado no contexto brasileiro. Paralelamente, leva em consideração resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) (2015, 2016, 2017) sobre o perfil do estudante, fornecendo alguns indicadores quanto à diversidade no acesso à educação superior ao examinar estudantes P-Ger em relação a estudantes de geração contínua (C-Ger). Conclui sobre a complexidade do conceito em definir o que é ser de 1ª geração, enquanto sugere formas de como o conceito pode ser empregado para a avaliação e suas relações com a expansão da educação superior.

ESTUDANTE DE PRIMEIRA GERAÇÃO; EDUCAÇÃO SUPERIOR; ENADE; BRASIL

Abstract

The paper addresses, based on international and national bibliographic research, the concept of first-generation student (F-Gen) and his/her characteristics as it applies to the Brazilian context. It takes into account the results of Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) (2015, 2016, 2017) on the profile of the student, providing some indicators about diversity in Higher Education access by examining degree completion of first-generation college student (F-Gen) while contrasting it with that of continuing college students (C-Gen). The paper concludes discussing the complexity of the concept of being first generation, while suggesting ways how it can be used in assessing college participation in higher education.

FIRST-GENERATION STUDENT; HIGHER EDUCATION; ENADE; BRAZIL

Résumé

La notion d’étudiant de première génération (P-Gen), ses caractéristiques et son application dans le contexte brésilien sont abordés s´appuyant sur une bibliographie nationale et internationale. Cette étude prend en compte, en même temps, les résultats du Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) (2015, 2016, 2017) concernant le profil de ces étudiants, ce rapport fournit quelques indicateurs relatifs à la question de la diversité dans l’accès à l’enseignement supérieur et compare les étudiants diplômésde P-Gen à ceux de Génération continue (C-Gen). La conclusion souligne la complexité du concept de première génération et suggère des manières d’utiliser cette notion dans l’évaluation et son rapport avec l’expansion de l’Enseignement Supérieur.

ÉTUDIANT DE PREMIÈRE GÉNÉRATION; ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR; ENADE; BRÉSIL

Resumen

El texto discute, con base en investigación bibliográfica internacional y nacional, el concepto de estudiante de primera generación (P-Gen), sus características y como él puede ser aplicado en el contexto brasileño. En paralelo, toma en consideración los resultados del Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) (2015, 2016, 2017) sobre el perfil del estudiante, forneciendo algunos identificadores de la diversidad en el acceso a la educación terciaria por estudiantes de P-Gen en relación a estudiantes de Generación continua (C-Gen), en graduandos en la educación superior. Concluye sobre la complejidad del concepto de ser de primera generación, en cuanto sugiere maneras de cómo puede ser usado para la evaluación y relaciones con la expansión en la Educación Superior.

ESTUDIANTE DE PRIMERA GENERACIÓN; P-GEN; EDUCACIÓN SUPERIOR; ENADE; BRASIL

Dentre os vários aspectos tidos como emergentes que permeiam a educação superior, tem-se o novo perfil estudantil, que é, em outras palavras, representado por estudantes que vêm de grupos tidos como em “desvantagens iniciais”, o que, segundo Felicetti e Morosini (2009FELICETTI, Vera L.; MOROSINI, Marilia C. Equidade e iniquidade no ensino superior: uma reflexão. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 17, n. 62, p. 9-24, jan./mar, 2009. , p. 12), são características “que existem independentes do querer de cada um, tais como raça, sexo, idade, deficiências, família ou situação socioeconômica”. Nesse ínterim há os estudantes considerados de 1ª geração (P-Ger). Essa terminologia é recente mesmo nos países do norte global, especificamente nos Estados Unidos, onde há a maior produção científica sobre P-Ger. Davis (2010DAVIS, Jeff. The first-generation student experience: implications for campus practice and strategies for improving persistence and success. Sterking, Virginia: Stylus/ ACPA, 2010. ) aponta Hsiao (1992HSIAO, Karin P. First-generation college students. ERIC Digest. ERIC Clearinghouse for Junior Colleges Los Angeles CA. 1992. ) como um dos primeiros a usar o termo, mas ressalta que ainda é muito difícil identificar os estudantes de P-Ger. “A falta, do que podem parecer ser os dados demográficos básicos, não é o resultado de um registro lento ou mesmo de indiferença, mas mais uma função das dificuldades inerentes à documentação” (DAVIS, 2010DAVIS, Jeff. The first-generation student experience: implications for campus practice and strategies for improving persistence and success. Sterking, Virginia: Stylus/ ACPA, 2010. , p. 2). Explicando melhor: enquanto a classe socioeconômica dos estudantes é identificada por declaração de renda própria, de seus pais ou de mantenedores, e a identificação de estudantes de diferentes grupos étnico-raciais ocorre por meio de autodeclaração e/ou análise de genótipo, a identificação de estudantes P-Ger necessitaria de documentos comprobatórios do acesso ou conclusão da graduação de seus pais e/ou outros membros de sua família, parentes, etc., difíceis de serem obtidos.

No Brasil, os estudos sobre P-Ger são poucos e recentes. Nesse contexto o presente artigo objetiva refletir sobre o P-Ger na educação superior brasileira. Para tal, discute com fundamento em pesquisa bibliográfica internacional e nacional o conceito de estudante de 1a geração e suas características. Paralelamente, leva em consideração resultados do Exame Nacional de Estudantes (Enade), feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação (MEC), sobre o perfil do estudante, identificadores de estudantes P-Ger ou geração contínua (C-Ger), em graduandos brasileiros quando da sua integralização curricular. A partir daí, tece considerações sobre a complexidade do conceito e suas relações com a expansão da educação superior.

A PERSPECTIVA INTERNACIONAL DO CONCEITO DE ESTUDANTE P-GER

A classificação e/ou conceituação dada aos estudantes de 1ª geração apresenta variação entre os autores. No contexto internacional, a que prevalece (TERENZINI et al., 1996TERENZINI, Patrick T; SPRINGER, Leonard; YAEGER, Patricia M.; PASCARELLA, Ernest T.; NORA, Amaury. First-generation college students: characteristics, experiences, and cognitive development. Research in Higher Education, v. 37, n. 1, p. 1-22, 1996. ; CHOY et al., 2000CHOY, Susan P.; HORN, Laura J.; NUÑEZ, Anne-Marie; CHEN, Xianglei. Transition to college: what helps at-risk students and students whose parents did not attend college. New Directions for Institutional Research, v. 27, n. 3, p. 45-63, 2000. ; RODRIGUEZ, 2003RODRIGUEZ, Sandria. What helps some first-generation students succeed? About Campus, v. 8, n. 4, p. 17-22, 2003. ; CHEN; CARROLL, 2005CHEN, Xianglei; CARROLL, C. Dennis. First-generation students in postsecondary education: a look at their college transcripts. Postsecondary Education Descriptive Analysis Report. NCES 2005-171, 2005. ; ISHITANI, 2006ISHITANI, Terry T. Studying attrition and degree completion behavior among first-generation college students in the United States. Journal of Higher Education, v. 77, n. 5, p. 861-885, 2006. ) define o estudante de 1ª geração como aquele que pertence à 1ª geração em sua família a buscar educação superior. Chen e Carroll (2005CHEN, Xianglei; CARROLL, C. Dennis. First-generation students in postsecondary education: a look at their college transcripts. Postsecondary Education Descriptive Analysis Report. NCES 2005-171, 2005. ) e Umbricht (2012UMBRICHT, Mark R. First in, last out: time-to-degree of first-generation students. (Master of Science in Educational Organization and Leadership) - University of Illinois at Urbana, Champaign, 2012. ) classificam estudantes de 1ª geração aqueles com pai e mãe que não realizaram a graduação.

Davis (2010DAVIS, Jeff. The first-generation student experience: implications for campus practice and strategies for improving persistence and success. Sterking, Virginia: Stylus/ ACPA, 2010. ) acrescenta outra consideração quanto à complexidade do conceito. Os estudantes podem ser classificados como: 1) estudantes de 1ª geração cujos pais não concluíram o nível superior; 2) estudantes cujos pais têm algum estudo superior; e (3) estudantes cujos pais têm bacharelado ou nível superior. Quanto ao segundo tipo de estudantes, o autor afirma que poder-se-ia discutir também quantos semestres, créditos, etc. foram cursados pelos pais. Comprovar com documentos essa especificidade é muito difícil. Assim, o autor chega à conclusão que estudantes de 1ª geração são aqueles com pais e/ou responsáveis que não tenham cursado os quatro níveis da graduação. O autor destaca que o importante é que o estudante possa “navegar de forma competente e confortável no panorama da educação superior, se desenvolvendo num ambiente que promova a cultura universitária”. Em outras palavras “a ausência da experiência do estudante que não é de primeira geração é o que o aluno de primeira geração necessita ter” (DAVIS, 2010DAVIS, Jeff. The first-generation student experience: implications for campus practice and strategies for improving persistence and success. Sterking, Virginia: Stylus/ ACPA, 2010. , p. 4).

Apesar da diversidade de definições, o Centro Nacional de Estatística Educacional dos Estados Unidos publicou recentemente, em seu relatório, definições básicas sobre as experiências no nível secundário e terciário de estudantes de 25 a 34 anos. Nesse relatório, estudantes de 1ª geração “são definidos como estudantes cujos pais não têm nenhum tipo de educação superior ou têm algum nível educacional inferior ao de educação superior”1 1 No original: “are defined as students whose parents both have had no postsecondary education experience and have a high school education or a lower level of educational attainment”. (REDFORD; HOYER, 2017REDFORD, Jeremy; HOYER, Kathleen M. First-generation and continuing-generation college students: a comparison of high school and postsecondary experiences. US Department of Education, NCES 2018-009, 2017. Available at: https://nces.ed.gov/pubs2018/2018009.pdf. Access on: Jun. 8, 2019.
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, p. 3, tradução nossa). O mesmo Centro define estudantes de geração contínua como aqueles que pelo menos um dos pais possui educação superior.

Esses estudantes perderam alguma coisa e podem se apresentar de forma tímida, diversa e algumas vezes sem direção, visto que eles não têm pais e/ou outro membro da família com experiência no universo acadêmico.

Housel e Harvey (2009HOUSEL, Teresa H.; HARVEY, Vickie L. (ed.). The invisibility factor: administrators and faculties reach out to the first generation college students. Florida: Brown Walker Press, 2009. ), ao denominar como fator invisível a P-Ger, exploram como partes integrantes dessa classificação de preconceito os seguintes aspectos: o classicismo na academia e a segregação de classe no campus universitário; a raça, etnia e a imigração como intervenientes na experiência da P-Ger no campus; propostas de programas de suporte e de serviços à P-Ger; a adaptação emocional, acadêmica e cultural à vida do campus; o papel de grupos de suporte no auxílio ao estudante P-Ger em seu primeiro semestre; a tutoria ao estudante P-Ger em seu período de transição cultural para a universidade; e o impacto da situação de vivência desse estudante sobre a adaptação cultural e acadêmica no período de transição.

Os autores supracitados reconhecem que algumas universidades, além de terem taxas menores para os estudantes de menor renda (via de regra, P-Ger) também oferecem suporte para outras atividades ligadas à universidade. Entretanto, muitos dos estudantes P-Ger se sentem marginalizados socialmente, etnicamente e emocionalmente no campus (ISHITANI, 2006ISHITANI, Terry T. Studying attrition and degree completion behavior among first-generation college students in the United States. Journal of Higher Education, v. 77, n. 5, p. 861-885, 2006. ). Tais condições são difíceis de serem identificadas pelas instituições por que elas resultam

[...] de expectativas culturais e costumes sociais não ditos. Muitas vezes, o P-Ger carece de capital social, como viagens ao exterior e exposição a artes culturais que os estudantes mais ricos acham comuns. A P-Ger precisa, muitas vezes, transitar pelas regras sociais não escritas de seus pares, professores e administradores-acadêmicos, muitos dos quais têm o background de classe média e alta.2 2 No original: “from unspoken cultural expectations and social mores. F-Gen students often lack social capital, such as overseas travel and exposure to cultural arts that wealthier students might take for granted. F-Gen students must often navigate the unwritten social rules of their peers, professors and academic administrators, many of whom have a middle-and upper-class backgrounds.” (LUBRANO, 20043 3 LUBRANO, A. Limbo: blue-collar roots, white-collar dreams. Hobo-ken, NJ: John Wiley & Sons, 2004. , apud HOUSEL; HARVEY, 2009HOUSEL, Teresa H.; HARVEY, Vickie L. (ed.). The invisibility factor: administrators and faculties reach out to the first generation college students. Florida: Brown Walker Press, 2009. , p. 15, tradução nossa)

Banning (2014BANNING, James H. First-generation college student dissertation abstracts: research strategies, topical analysis, and lessons learned. Journal of Education and Learning, v. 3, n. 2, 2014. Availabe at: https://www.researchgate.net/publication/314896434. Access on: Oct. 13, 2018.
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), no contexto estadunidense, desenvolveu uma pesquisa para responder a questão: o que podemos aprender com as teses de doutorado que têm estudantes de 1ª geração universitária como sujeitos centrais acerca de estratégias de pesquisa, tópicos abordados e lições aprendidas? O autor examinou 133 resumos, de 2003 a 2009, destacando que uma das principais preocupações abordadas na interpretação dos resultados foi a falta de publicitação das teses e, portanto, a ausência de discussão acadêmica em relação ao aluno universitário de 1ª geração na educação superior. No tocante às “lições aprendidas” foi apontado a complexidade do conceito de P-Ger, e que

[...] a pesquisa nessa área não deve prosseguir assumindo que o status de estudante P-Ger pode ser analisado isoladamente ou melhor sozinho, mas sofre a influência de uma variedade de outras características, circunstâncias e situações possíveis, tanto individuais quanto ambientais.4 4 No original: “research in this arena should not proceed assuming that the first-generation student status acts alone, but intersects a variety of other possible characteristics, circumstances, and situations, both individual and environmental”. (BANNING, 2014BANNING, James H. First-generation college student dissertation abstracts: research strategies, topical analysis, and lessons learned. Journal of Education and Learning, v. 3, n. 2, 2014. Availabe at: https://www.researchgate.net/publication/314896434. Access on: Oct. 13, 2018.
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, p. 21, tradução nossa)

Foi também destacada a importância da intervenção nos programas de estudo e a necessidade de abordar o papel do apoio familiar. O autor sugere que para uma melhor compreensão do campo de estudo da P-Ger é necessário pesquisar a transição do ensino médio para o campus universitário.

Somers, Woodhouse e Cofer (2004SOMERS, Patricia; WOODHOUSE, Shawn; COFER, Jim. Pushing the boulder uphill: the persistence of first-generation college students. NASPA Journal, v. 41, n. 3, spring 2004. ) estudaram a influência de background, aspirações, realizações e experiências na universidade, bem como o custo sobre a persistência da P-Ger e da C-Ger em estudantes universitários. Os resultados apontam para diferenças entre os dois grupos: os estudantes P-Ger são mais sensíveis ao apoio financeiro e têm mais aversão a empréstimos estudantis do que seus pares. Entretanto variáveis como alta renda, altos escores e altas médias em teste de larga escala ao final do ensino médio e outras avaliações similares, que estão associadas significativa e positivamente com a persistência no estudo em análise, não apresentaram influências na persistência dos P-Ger.

Ao examinar uma amostra nacional, comparando as experiências de estudantes P-Ger com as experiências de C-Ger, Redford e Hoyer (2017REDFORD, Jeremy; HOYER, Kathleen M. First-generation and continuing-generation college students: a comparison of high school and postsecondary experiences. US Department of Education, NCES 2018-009, 2017. Available at: https://nces.ed.gov/pubs2018/2018009.pdf. Access on: Jun. 8, 2019.
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) notaram que os estudantes P-Ger tinham maior predisposição para ingressar em universidades públicas, bem como em universidades com fins lucrativos. Também identificaram que os estudantes P-Ger tinham motivos financeiros como sendo a principal causa de abandono universitário. Estudantes P-Ger que completaram o ensino médio havia dez anos mostraram menor probabilidade de obter o título em relação aos estudantes de geração contínua (20 versus 42%).

Davis (2010DAVIS, Jeff. The first-generation student experience: implications for campus practice and strategies for improving persistence and success. Sterking, Virginia: Stylus/ ACPA, 2010. ) identifica como características dos estudantes P-Ger a falta de uma cultura universitária e o sentimento de não ser um estudante universitário. Quanto a não estar familiarizado com a cultura universitária, o autor compreende como o fato de ser novo no entendimento do conhecimento privilegiado, na linguagem especial e nos sinais sutis verbais e não verbais, que, depois que alguém os domina, se torna um membro de qualquer comunidade ou subcultura do grupo. O autor, por meio de um depoimento, cita a luta rotineira de um estudante P-Ger para concluir a graduação:

Conseguimos através de um trabalho árduo e muita coragem. Uma vez que encontramos a nossa base, fizemos perguntas e criamos as nossas próprias redes de apoio, independentemente das nossas famílias, que nem sempre podiam nos dar o aconselhamento de que precisávamos. Como muitos P-Ger, pode nos ter faltado a preparação para a faculdade, mas possuímos habilidades desenvolvidas de sobrevivência.5 5 No original: “We managed through sheer hard work and courage. Once we found our footing, we asked questions and created our own support networks independent of our families who could not always give us the type of advice we needed. Like many FGS, we may have lacked college preparation, but we possessed survival skills in spades.” (DAVIS, 2010DAVIS, Jeff. The first-generation student experience: implications for campus practice and strategies for improving persistence and success. Sterking, Virginia: Stylus/ ACPA, 2010. , p. 133, tradução nossa)

No exame das produções americanas sobre P-Ger constatam-se estudos sobre o conceito, características e desafios da P-Ger e são propostas compreensão e tratamento ao estudante de P-Ger, das políticas e suporte institucionais, bem como os escritos que são, prioritariamente, dirigidos para dirigentes e/ou gestores universitários. Essas proposições podem ser entendidas quando retomamos as perspectivas teóricas dos Estados Unidos - uma ciência com vistas ao propositivo, e não à denúncia. No caso em questão, as pesquisas não estão centradas na discussão sobre as grandes causas do atual estágio dos estudantes P-Ger e das deficiências de tratamento a esse estrato, mas na busca de soluções para a manutenção desse estudante na Instituição de Educação Superior (IES). Assim, consequentemente, o foco da abordagem norte-americana está direcionado às estratégias institucionais que façam com que o estudante P-Ger persista no seu curso. Em síntese, a grande maioria das pesquisas sobre P-Ger vem acompanhada por perspectivas de persistência do estudante no curso para a integralização do mesmo.

A PERSPECTIVA NACIONAL DO CONCEITO DE ESTUDANTE P-GER

No contexto brasileiro, autores como Figueiredo (2015), Pretto (2015PRETTO, Flavio L. Ações afirmativas na FACED/UFRGS: um estudo a partir dos alunos que acessam o LIES. 2015. 166f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. ), Valentim (2012VALENTIM, Daniela Frida D. Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico. 2012. 234p. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.), Felicetti (2011FELICETTI, Vera L. Comprometimento do estudante: um elo entre aprendizagem e inclusão social na qualidade da educação superior. 2011. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. ), Felicetti e Cabrera (2017) e Mello Neto (2015MELLO NETO, Rui de Deus e. Não vou me adaptar: um estudo sobre os bolsistas pernambucanos durante os 10 primeiros anos do Programa Universidade Para Todos - ProUni. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. ) sinalizam, diante dos achados, o conceito de 1ª geração como sendo o primeiro da família, sem especificar o grau de parentesco, a cursar o ensino superior. Coloca-se aqui como sinalizam uma vez que tais autores, embora não tenham como cerne de suas investigações estudantes de 1ª geração, apresentam como achados emergentes a característica de alguns participantes serem estudantes ou egressos de 1ª geração.

Figueiredo (2015) teve como público-alvo de sua pesquisa estudantes da educação superior advindos de camadas populares e, entre eles, identificou os P-Ger. A autora aponta que os pais de tais estudantes não tiveram acesso à educação superior e que foram os maiores incentivadores para que seus filhos seguissem os estudos, por perceberem a educação como possibilidade de superação e sucesso profissional dos filhos.

A maioria dos alunos entrevistados por Pretto (2015PRETTO, Flavio L. Ações afirmativas na FACED/UFRGS: um estudo a partir dos alunos que acessam o LIES. 2015. 166f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. ) declararam ser os primeiros de suas famílias a ingressarem na educação superior. O autor constata, das entrevistas realizadas, que esses alunos, sendo os primeiros da família a frequentarem tal grau de ensino, passam a ser um estímulo aos demais membros para continuarem os estudos.

Valentim (2012VALENTIM, Daniela Frida D. Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico. 2012. 234p. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.) também identificou entre seus entrevistados egressos negros de uma universidade pública que representavam a 1ª geração em sua família a concluir uma graduação. Nos depoimentos colhidos, foi forte o destaque dado pelos entrevistados à condição de serem os primeiros da família a alcançarem a titulação acadêmica. Nessa mesma direção, Felicetti (2011FELICETTI, Vera L. Comprometimento do estudante: um elo entre aprendizagem e inclusão social na qualidade da educação superior. 2011. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. ) e Felicetti e Cabrera (2017) apontam nos testemunhos dados pelos pesquisados o orgulho de serem os primeiros da família a concluírem a graduação, visto que Felicetti tem como sujeitos de seus estudos egressos da educação superior.

Mello Neto (2015MELLO NETO, Rui de Deus e. Não vou me adaptar: um estudo sobre os bolsistas pernambucanos durante os 10 primeiros anos do Programa Universidade Para Todos - ProUni. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. ) também teve egressos desse grau de ensino como sujeitos entrevistados, sendo muitos deles selecionados pela condição de serem egressos de 1ª geração. Ao passo que Mello Neto (2015) teve a intenção de entrevistar sujeitos na condição de egressos de 1ª geração, os autores Figueiredo (2015), Pretto (2015PRETTO, Flavio L. Ações afirmativas na FACED/UFRGS: um estudo a partir dos alunos que acessam o LIES. 2015. 166f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. ), Valentim (2012VALENTIM, Daniela Frida D. Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico. 2012. 234p. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.), Felicetti (2011FELICETTI, Vera L. Comprometimento do estudante: um elo entre aprendizagem e inclusão social na qualidade da educação superior. 2011. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. ) e Felicetti e Cabrera (2017) encontraram tais sujeitos dentro do universo por eles pesquisado. Esses autores trazem a conceituação de 1ª geração na família sem fornecer maiores detalhes acerca, ao contrário do que é apresentado por autores internacionais.

Alguns estudos pioneiros utilizam dados censitários levantados pelo Inep, autarquia do Ministério da Educação brasileiro. Esses estudos buscam avaliar as políticas afirmativas implantadas neste século no Brasil e sua relação com o sucesso do estudante medido pela graduação de universitários, via dados registrados pelo Enade ao final do curso de graduação.

Um primeiro estudo, realizado por Griboski, Morosini e Somers (2013GRIBOSKI, Claudia M.; MOROSINI, Marilia C.; SOMERS, Patricia. Estudo nacional sobre a primeira geração de universitários dos cursos de Pedagogia no Brasil. In: INTERNATIONAL CONGRESS OF THE LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION, 31., Washington, DC. Anais […] LASA 2013: Papers, 2013. p. 1-4. ), foi denominado “O impacto de ações afirmativas sobre famílias de estudantes que representam a primeira geração de graduados”.6 6 O estudo considerou que a expansão da educação superior tem sido uma das marcas deste século. No Brasil, políticas têm sido propostas com o fito de ampliar e democratizar o acesso e garantir a permanência de estudantes na educação superior. Entre essas políticas destacam-se o Programa Universidade Para Todos (ProUni), de 2005, e o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), de 2001, destinados às instituições de educação superior privadas; o Programa de Cotas raciais para estudantes oriundos de escola pública (2010) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), voltado às instituições de educação superior públicas. O texto discute dados de graduados em Pedagogia participantes do Enade no ano de 2011. A pesquisa, que teve âmbito nacional, traz como característica inédita e relevante a ênfase na 1ª geração das famílias brasileiras que alçaram graduar-se em uma IES. Entre os resultados constatou-se que a maioria dos graduados era de P-Ger, caracterizada também por faixas etárias bem mais velhas do que se considera prevalente nesse grau educacional (via de regra, 18 a 24 anos).

Um segundo estudo realizado foi “Políticas afirmativas no Brasil e a persistência da 1ª geração de formandos na área da Saúde”7 7 O estudo utiliza dados do Enade realizado em 2013, para a área de cursos da Saúde, no Brasil (Agronomia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio, Tecnologia em Gestão Ambiental, Tecnologia em Gestão Hospitalar e Tecnologia em Radiologia). (MOROSINI; GRIBOSKY, 2014MOROSINI, Marilia C.; GRIBOSKI, Claudia. Políticas afirmativas no Brasil e a persistência da primeira geração de formandos na área da Saúde. In: INTERNATIONAL CONGRESS OF THE LATIN AMERICAN STUDIES. ASSOCIATION, 32., Chicago. Anais [...] LASA 2014: Papers 2014. p. 1-8. Acesso restrito. ). Os P-Ger foram identificados pelo grau de escolaridade do pai e da mãe, o que permitiu constatar que têm presença significativa na graduação. No tocante ao pai, 42% cursaram o ensino fundamental, sendo que dois terços cursaram do 1º ao 5º ano (1ª a 4ª série), 30%, o ensino médio e 22%, o ensino superior. No tocante à mãe, ela apresenta uma escolaridade um pouco mais elevada em relação ao pai: no ensino fundamental o percentual equivale a 36% e, no médio, a 31%.

Mais recentemente, Morosini e Griboski (2018MOROSINI, Marilia; GRIBOSKI, Claudia M. Internacionalização e concluintes da graduação no Brasil: perfil demográfico e as políticas democratizantes. In: SOUSA, José Vieira de; BOTELHO, Arlete de F.; GRIBOSKI, Claudia M. (org.). Acesso e permanência na expansão da educação superior. Anápolis, GO: Editora UEG, 2018. p. 238-251. ) estudaram dados censitários oriundos do Enade de 2013, da área da Saúde, e destacaram estudantes de 1ª geração que tiveram uma experiência no exterior durante a sua graduação. Foram identificados 4.723 graduandos intercambistas, dos quais a mãe: não tem escolaridade (2,1%); cursou ensino fundamental do 1º ao 5º ano (10%); cursou ensino fundamental do 6º ao 9° ano (7,7%); cursou ensino médio (25%). Os dados apontam para a participação de P-Ger em processos de internacionalização via mobilidade, o que contribui para a afirmação de que políticas democratizantes de acesso e permanência podem promover uma democratização universitária.

Umbricht (2012UMBRICHT, Mark R. First in, last out: time-to-degree of first-generation students. (Master of Science in Educational Organization and Leadership) - University of Illinois at Urbana, Champaign, 2012. ) acrescenta que as características dos estudantes de 1ª geração podem ser tomadas sob dois pontos: as características como étnico-raciais e gênero e as características relacionadas à educação superior propriamente dita, como nota de ingresso na IES, preparação para o ingresso, comprometimento do estudante e forma de admissão. Nessa linha de pensamento, Nuñez (1998NUÑEZ, Anne-Marie. First-generation students: a longitudinal analysis of educational and early labor market outcomes. Paper presented at ASHE conference, nov., 1998. ) identifica que os P-Ger estão intimamente associados a características econômicas, se encontrando no quartil mais baixo de rendimento. McDonough (1997) observa que o P-Ger é menos propenso a continuar na educação superior até a integralização, o que o torna menos propenso a ganhar melhores salários e, em extensão, torna menos provável que seus filhos atinjam esse grau educacional.

Schuh (2017SCHUH, Malu S. A trajetória da primeira geração da família na universidade: contribuições acerca da formação acadêmica na PUCRS. 2017. 133f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017. ), em um estudo com professores e universitários no contexto brasileiro, pesquisou como se constitui a trajetória acadêmica do universitário P-Ger nos cursos de graduação de uma IES comunitária de grande porte. Participaram 727 estudantes, 4% da população total do campus, por meio de questionário on-line e entrevistas com professores de diferentes áreas do conhecimento da instituição. Os resultados apontam para a importância do acesso à informação, para que o estudante conheça as possibilidades que a universidade pode lhe oferecer. Foi identificada a necessidade de construção de políticas institucionais de apoio ao P-Ger e o fomento de um trabalho institucional articulado com a comunidade acadêmica. Destaca-se também a importância de que o universitário P-Ger seja partícipe de sua formação e promova discussões acerca desse tema.

ESTUDANTES DE 1ª GERAÇÃO NO BRASIL E O ENADE

O Enade, aplicado ao final do curso de graduação, é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação e é composto por: uma prova para avaliação de desempenho dos estudantes; um questionário com o objetivo de levantar informações que permitam caracterizar o perfil dos estudantes, assim como o contexto de seus processos formativos, para melhor possibilitar a compreensão dos resultados no exame; um questionário de percepção de prova; e um questionário de perfil do coordenador de curso. São avaliadas diferentes áreas de conhecimento a cada ano, definidas pela Comissão de Avaliação da Educação Superior (Conaes). A periodicidade máxima de aplicação do Enade em cada área é trienal.

O questionário do estudante contempla três questões que permitem identificar se há concluintes de 1a geração. Duas delas capturam a escolaridade máxima da mãe e a do pai. A terceira pergunta indaga se alguém da família possui estudos em nível superior. Para tanto, esse estudo se ocupa de microdados referentes ao questionário do estudante dos Enades 2015, 2016 e 2017.

Em 2015 os cursos que tiveram concluintes respondentes ao questionário foram aqueles que conferiram diploma de bacharel em Administração, Administração Pública, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Comunicação Social, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Design, Direito, Psicologia, Relações Internacionais, Secretariado Executivo, Teologia e Turismo. Também aos cursos que conferem diploma de tecnólogo em Comércio Exterior, Design de Interiores, Design de Moda, Design Gráfico, Gastronomia, Gestão Comercial, Gestão da Qualidade, Gestão de Recursos Humanos, Gestão Financeira, Gestão Pública, Logística, Marketing e Processos Gerenciais.

Em 2016, os cursos avaliados foram os que conferem diploma de bacharel nas áreas de Agronomia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social e Zootecnia. Incluem-se no exame de 2016 os cursos que conferem diploma de tecnólogo nas áreas de Agronegócio, Estética e Cosmética, Gestão Ambiental, Gestão Hospitalar e Radiologia.

Em 2017, foram avaliados os cursos que conferem diploma de bacharel nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Computação, Engenharia de Controle e Automação, Engenharia de Produção, Engenharia Elétrica, Engenharia Florestal, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Engenharia e Sistema de Informação. E aos cursos tecnólogos que conferem diploma nas áreas de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Gestão da Produção Industrial, Redes de Computadores e Gestão da Tecnologia da Informação. Ainda avaliou os cursos de bacharel ou licenciatura nas áreas de Ciência da Computação, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras (Português), Matemática e Química. E, por fim, os que conferem diploma aos cursos de licenciatura nas áreas de Artes Visuais, Educação Física, Letras (Português/Espanhol), Letras (Português/Inglês), Letras (Inglês), Música e Pedagogia.

Analisando os microdados acerca do Enade 2015, Enade 2016 e Enade 2017 (MANUAL DO USUÁRIO, 2015, 2016, 2017) em âmbito nacional, verificou-se a possibilidade de responder a seguinte pergunta: qual a proporção de concluintes da educação superior que participaram do ciclo Enade de 2015, 2016 e 2017 composta por P-Ger? Para tanto foram identificadas três perguntas constantes no questionário destinado ao estudante que poderiam responder a tal questionamento. A saber: uma que se referia à escolaridade do pai e outra, à escolaridade da mãe, ambas com as seguintes possibilidades de resposta: nenhuma, ensino fundamental do 1º ao 5º ano, ensino fundamental do 6º ao 9º ano, ensino médio, ensino superior (graduação) e pós-graduação. A terceira pergunta era “Alguém em sua família concluiu um curso superior?”, com as opções de resposta sim ou não. Para o propósito desta pesquisa, classificou-se P-Ger como estudantes que nem a mãe, nem o pai e nem outro familiar têm educação superior.

Do Enade 2015 participaram 549.487 concluintes, dos quais 32,4% foram considerados P-Ger. Em 2016 participaram do Enade 216.044 concluintes, dos quais 38,8% eram de P-Ger. Do Enade 2017 participaram 537.436 concluintes, dos quais 34,1% corresponderam a P-Ger, ou seja, não tinham nenhum membro da família com curso superior, quer seja pai, mãe ou outro grau de parentesco. As respostas que assinalavam a escolaridade do pai e da mãe com ensino superior (graduação) foram identificadas e cruzadas com a terceira pergunta, referente a possuir algum familiar com curso superior. Observa-se com tais percentuais que um novo perfil estudantil permeia o universo da educação superior e, o mais importante, um novo perfil de egressos inseridos na sociedade, ou seja, egressos de P-Ger. Além disso, as três questões do questionário do estudante permitem inferir que, no contexto brasileiro, o P-Ger é aquele que não tem, em sua família, alguém com curso superior.

Com relação às características demográficas dos concluintes de 1a geração participantes do Enade 2015, 2016 e 2017, é possível verificar na Tabela 1 que nos três anos as mulheres representaram a maioria dos concluintes P-Ger, com 59,7% em 2015, 74,6% em 2016 e 55% em 2017. Destaca-se aqui o percentual de 74,6%, que representa quase dois terços dos concluintes em 2016. Com relação ao fator étnico-racial, nos três anos o maior percentual entre os concluintes P-Ger foi composto por brancos, com 53,2% em 2015, 45,6% em 2016 e 45,9% em 2017.

TABELA 1
CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS DOS CONCLUINTES P-GER

A categoria administrativa da Instituição de Educação Superior onde se encontravam tais concluintes P-Ger também foi analisada, como pode ser verificado na Tabela 2. É possível perceber nessa tabela que a categoria administrativa com o maior percentual de concluintes P-Ger em relação ao total de concluintes foi de IES na categoria privada com fins lucrativos, seguida por privadas sem fins lucrativos. Observa-se que em 2015 o percentual de concluintes P-Ger foi de 48,1% e 41,1% nas IES privadas com fins lucrativos e sem fins lucrativos, respectivamente. Em 2016 e 2017 os percentuais foram mais baixos, embora se mantenham os maiores entre as categorias. Houve significância estatística (p<0,001), o que representa que a possibilidade de tais resultados ocorrerem ao acaso é ínfima, ou seja, há uma razão para que isso ocorra. Em outras palavras, há aspectos intervenientes nesse contexto que contribuem para o ingresso e consequente conclusão da educação superior por sujeitos P-Ger em instituições privadas com ou sem fins lucrativos.

TABELA 2
DISTRIBUIÇÃO DE CONCLUINTES P-GER DE ACORDO COM A CATEGORIA ADMINISTRATIVA DA IES EM RELAÇÃO A TODOS OS SEUS CONCLUINTES RESPONDENTES

Pode-se conjecturar, diante do evidenciado na Tabela 2, o porquê de o maior percentual de estudantes de 1ª geração estar em instituições de caráter privado, quer seja com ou sem fins lucrativos. Ou seja, esse questionamento pode ser respondido devido ao acesso de um novo perfil na educação superior, proporcionado pelo Programa Universidade para Todos (ProUni)9 9 O ProUni, Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, é destinado à concessão de bolsas integrais ou parciais a brasileiros sem diploma, para estudarem em instituições privadas de educação superior, sendo essas com ou sem fins lucrativos. Conforme o artigo 1º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 11.096, a bolsa integral é concedida a brasileiros com renda familiar mensal per capita que não exceda o valor de até um salário-mínimo e meio. Para as bolsas parciais (50% ou 25%), a renda familiar mensal per capita não deve exceder ao valor de até três salários-mínimos, mediante critérios definidos pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2005). e também pela possibilidade de financiamento pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).10 10 O Fies é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitos na forma da Lei n. 10.260/2001.

A Tabela 3 mostra o percentual de concluintes P-Ger em cada uma das seis categorias administrativas de instituições de educação superior. Em 2015, por exemplo, 21,4% dos concluintes das universidades públicas federais eram P-Ger. É importante notar que em 2015 o maior percentual de concluintes P-Ger (35,5%) concentrava-se nas instituições privadas com fins lucrativos, enquanto o menor percentual de concluintes P-Ger concentrava-se nas instituições públicas federais (21,4%). Em 2016 o maior percentual (40,3%) ficou nas instituições privadas sem fins lucrativos e o menor (32,6%), nas públicas estaduais. Em 2017 o maior percentual (41,3%) esteve nas instituições especiais e o menor (28,1%), nas públicas federais.

TABELA 3
DISTRIBUIÇÃO DE CONCLUINTES P-GER DE ACORDO COM CATEGORIA ADMINISTRATIVA DA IES

Outra observação importante é que o percentual de concluintes de 1ª geração é maior em todas as categorias administrativas no que diz respeito ao ano de 2015. Também houve relação estatisticamente significante entre as categorias administrativas e concluintes de 1a geração.

CONSIDERAÇÕES

Refletindo acerca dos dados apresentados nas análises e pensando nos cursos avaliados em cada ciclo, denota-se que, em 2016, das seis categorias administrativas em tela, quatro tiveram o maior percentual de concluintes P-Ger em relação aos anos 2015 e 2017. Tais resultados mostram-se reveladores uma vez que nesse conjunto de cursos encontram-se alguns considerados como cursos de “elite”, entre eles Medicina. Para de fato entender o que aqui se passou há a necessidade de análises que capturem o percentual de concluintes P-Ger em cada curso.

Outra observação importante é que o percentual de concluintes de 1ª geração é maior em todas as categorias administrativas no que diz respeito ao ano de 2015. Estudos relacionados a anos anteriores mostram-se necessários para um melhor entendimento do que acontece ao longo dos anos acerca desse novo perfil estudantil que emerge na educação brasileira.

Além das análises aqui realizadas, outras mais avançadas envolvendo o universo de estudantes e/ou egressos P-Ger são necessárias. Isso é possível visto que o questionário do estudante pode ser associado aos demais questionários que compõem o conjunto avaliativo do Enade. Além disso, permite estudos comparativos entre concluintes P-Ger e C-Ger, visto que o universo de concluintes respondentes de geração contínua perfaz o maior percentual em todas as categorias administrativas apresentadas. Sinaliza-se também a necessidade de estudos capazes de identificarem a possível relação entre ser concluinte P-Ger e bolsista ProUni, bem como ter ingressado em instituições de educação superior por sistemas de cotas ou não. Mas o mais importante com o que foi encontrado até aqui é que está emergindo na sociedade brasileira um novo perfil de egresso, composto por aqueles que são oriundos de núcleos familiares cujos pais e demais membros não têm a formação em nível acadêmico.

Tais estudos iniciais no Brasil, pautados em dados nacionais, permitem ampliar os estudos sobre P-Ger e, principalmente, ampliar o olhar da pesquisa acerca do universo do estudante da educação superior. Isso se justifica uma vez que a maioria das pesquisas está direcionada ao conceito, às características e muitas vezes às políticas afirmativas que possibilitaram a expansão da educação superior no país. Em outras palavras, os estudos têm o domínio de um olhar diagnóstico e, ao contrário de alguns países, ao encaminhamento de estratégias para o ingresso, permanência e integralização desse estudante na educação superior. Nessa direção, de um propositivismo, o campo dos estudos da P-Ger é emergente no Brasil; e, mesmo em países em que os estudos estão mais desenvolvidos, ainda apresentam possibilidades de expansão de enfoques de pesquisa, pois a grande maioria das investigações relaciona a persistência da P-Ger com a inserção na cultura universitária.

No Brasil, são incipientes os estudos com estudantes de 1ª geração, dando evidência para a necessidade de pesquisas envolvendo esse universo de modo a serem constituídas medidas propositivas para que os mesmos permaneçam e se integralizem com qualidade na educação superior, para além de nela ingressarem. Nessa perspectiva de pesquisas futuras, recomenda-se ir além da relação entre P-Ger e expansão da educação superior, buscando compreender a sua relação com a democratização e, mais especificamente, a relação entre P-Ger e equidade na educação superior.

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  • 1
    No original: “are defined as students whose parents both have had no postsecondary education experience and have a high school education or a lower level of educational attainment”.
  • 2
    No original: “from unspoken cultural expectations and social mores. F-Gen students often lack social capital, such as overseas travel and exposure to cultural arts that wealthier students might take for granted. F-Gen students must often navigate the unwritten social rules of their peers, professors and academic administrators, many of whom have a middle-and upper-class backgrounds.”
  • 3
    LUBRANO, A. Limbo: blue-collar roots, white-collar dreams. Hobo-ken, NJ: John Wiley & Sons, 2004.
  • 4
    No original: “research in this arena should not proceed assuming that the first-generation student status acts alone, but intersects a variety of other possible characteristics, circumstances, and situations, both individual and environmental”.
  • 5
    No original: “We managed through sheer hard work and courage. Once we found our footing, we asked questions and created our own support networks independent of our families who could not always give us the type of advice we needed. Like many FGS, we may have lacked college preparation, but we possessed survival skills in spades.”
  • 6
    O estudo considerou que a expansão da educação superior tem sido uma das marcas deste século. No Brasil, políticas têm sido propostas com o fito de ampliar e democratizar o acesso e garantir a permanência de estudantes na educação superior. Entre essas políticas destacam-se o Programa Universidade Para Todos (ProUni), de 2005, e o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), de 2001, destinados às instituições de educação superior privadas; o Programa de Cotas raciais para estudantes oriundos de escola pública (2010) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), voltado às instituições de educação superior públicas.
  • 7
    O estudo utiliza dados do Enade realizado em 2013, para a área de cursos da Saúde, no Brasil (Agronomia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio, Tecnologia em Gestão Ambiental, Tecnologia em Gestão Hospitalar e Tecnologia em Radiologia).
  • 8
    Especial (art. 242 da Constituição Federal). Instituição educacional oficial criada por lei estadual ou municipal e existente na data da promulgação da Constituição Federal, que não seja total ou preponderantemente mantida com recursos públicos, portanto não gratuita.
  • 9
    O ProUni, Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, é destinado à concessão de bolsas integrais ou parciais a brasileiros sem diploma, para estudarem em instituições privadas de educação superior, sendo essas com ou sem fins lucrativos. Conforme o artigo 1º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 11.096, a bolsa integral é concedida a brasileiros com renda familiar mensal per capita que não exceda o valor de até um salário-mínimo e meio. Para as bolsas parciais (50% ou 25%), a renda familiar mensal per capita não deve exceder ao valor de até três salários-mínimos, mediante critérios definidos pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2005).
  • 10
    O Fies é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitos na forma da Lei n. 10.260/2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2019
  • Aceito
    06 Ago 2019
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