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ESCUTA DA CRIANÇA EM PESQUISA E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Resumo

A partir da imagem que a Pedagogia da Infância vem construindo das crianças como ricas, competentes, diversas e com direitos, o artigo destaca as perspectivas acerca de experiências educativas. Com base em pesquisas que ouviram crianças e que foram realizadas no Brasil e publicadas entre 2008 e 2018, são trazidas vozes que expressam opiniões, desejos, reclamações, temores sobre temas como disciplina, brincadeiras, relações étnico-raciais e transição para o ensino fundamental. Essas vozes expressam a competência das crianças em avaliar os serviços educativos destinados a elas, e muitas falam de violações de direitos assegurados em documentos oficiais.

CRIANÇAS; PARTICIPAÇÃO; QUALIDADE DA EDUCAÇÃO; EDUCAÇÃO INFANTIL

Abstract

Based on the image that Childhood Pedagogy has been creating of children as rich, competent, diverse, and with rights, the article highlights their perspective on themes related to their educational experiences. Based on research studies done in Brazil, published between 2008 and 2018, which heard children, this paper presents voices expressing opinions, wishes, complaints, and fears about subjects such as discipline, play, ethnic-racial relations, and the transition to elementary school. These voices express the competence of children to evaluate the educational services meant for them and often reveal violations of rights that are guaranteed in official documents. These voices need to be heard and considered to build the quality of early childhood education.

CHILDREN; PARTICIPATION; EDUCATIONAL QUALITY; EARLY CHILDHOOD EDUCATION

Résumé

À partir de l’image crée par la pédagogie de l’enfance considérant les enfants comme des êtres riches, compétents, divers et détenteurs de droits, cet article met en avant les perspectives au sujet de certaines expériences éducatives. Sur la base de recherches menées au Brésil et publiées entre 2008 et 2018 concernant l’écoute des enfants, des voix se font entendre qui expriment des opinions, des désirs, des plaintes et des craintes sur des thèmes tels que la discipline, les jeux, les relations ethniques et raciales et le passage de l’école maternelle à l’école fondamentale. Elles affirment que les enfants ont la capacité d’évaluer les services éducatifs qui leur sont destinés et que beaucoup parmi eux évoquent les violations des droits garantis par les documents officiels.

ENFANTS; PARTICIPATION; QUALITÉ DE L’ÉDUCATION; EDUCATION DE LA PETITE ENFANCE

Resumen

A partir de la imagen que la Pedagogía de la Infancia está construyendo de los niños como si fueran ricos, capaces, diversos y con derechos, el articulo enfatiza sus perspectivas acerca de los temas relativos a sus experiencias educativas. Con base en investigaciones hechas en Brasil, publicadas entre 2008 y 2018, que han escuchado a los niños, hemos traídos voces que expresan opiniones, deseos, quejas, miedos sobre temas como disciplina, bromas, relaciones étnico-raciales y transición hacia la educación básica. Esas voces expresan la capacidad de los niños para evaluar los servicios educativos destinados a ellos y muchas veces revelan violaciones de derechos que les son asegurados en documentos oficiales. Son voces que necesitan ser oídas y consideradas en la construcción de la calidad de la educación infantil.

NIÑOS; PARTICIPACIÓN; CALIDAD DE LA EDUCACIÓN; EDUCACIÓN INFANTIL

INTRODUÇÃO: A PEDAGOGIA E A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA

A educação da criança e do jovem tem tido como objetivo principal conformá-los às normas, promover a sua socialização, na acepção formulada por Durkheim nas primeiras décadas do século XX. À Pedagogia caberia contribuir na civilização do adulto e da sociedade. Portanto, a sua referência maior não tem sido a infância, mas o adulto civilizado. Não que a Pedagogia desconheça as peculiaridades das crianças, mas sua ação, de uma maneira geral, visa a adequá-las ao considerado aceitável.

Para realizar a sua missão, a Pedagogia lança mão dos saberes produzidos pelas ciências, especialmente a Filosofia e a Psicologia. Já em meados do século XIX, Herbart propunha que, da Filosofia, se retirasse os fins da educação e, da Psicologia, a indicação do caminho, dos meios e dos obstáculos (WARDE, 1997WARDE, M. Para uma história disciplinar: psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS, M. C. (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 311-332.).

A ideia de infância está ligada aos temas filosóficos fundamentais do pensamento pedagógico. Para Charlot, “em Platão, como em todos os grandes sistemas pedagógicos clássicos, a teoria da infância articula-se com uma teoria da natureza humana e da cultura” (1983, p. 113). E é importante destacar que, tanto para a Pedagogia Tradicional como para a Pedagogia Nova, a criança é tratada em termos de natureza. Na tradição assumida pela primeira, uma natureza má, já originalmente corrompida (portanto a necessidade de a criança ser domada); na inovadora perspectiva iniciada por Rousseau (1999ROUSSEAU, J.-J. Emílio, ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 1999.), uma natureza boa, mas passível de corrupção (portanto, há necessidade de protegê-la). Em ambas, a significação social e econômica da infância e as desigualdades sociais entre as crianças são reduzidas ideologicamente a uma problemática da natureza humana.

Desde o início da constituição da Psicologia, uma forte corrente foi se construindo. Entendendo-se como a ciência do comportamento, baseava-se em valores como a mensuração, a classificação, a normatização, a predição. Assim, trabalhando com certas práticas de investigação, estudou as características “da criança”, isto é, pretensamente universais.

Como aponta Warde (1997WARDE, M. Para uma história disciplinar: psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS, M. C. (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 311-332.), Claparède já reclamava, em 1940, que a Pedagogia deveria basear-se no conhecimento “da criança”. E foi basicamente por essa Psicologia que a Pedagogia foi seduzida: apropriou-se da Psicometria e da Psicologia Experimental para considerar-se “científica” (CARVALHO, 1997CARVALHO, M. M. C. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, M. C. (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 291-310; FREITAS, 2002FREITAS, M. C. Da ideia de estudar a criança no pensamento social brasileiro: a contraface de um paradigma. In: FREITAS, M. C.; KUHLMANN JR., M. Os intelectuais e a história da infância. São Paulo: Cortez, 2002. p. 345-372.).

No entanto, nas primeiras décadas do século XX, Vigotski e Wallon constroem conhecimentos sobre o desenvolvimento das crianças as situando em ambientes socioculturais específicos e ampliando o foco para além do comportamento observável; trata-se de crianças singulares, posto que marcadas pelas interações que estabelecem. É fácil constatar, todavia, que tal perspectiva não foi incorporada pelos modelos pedagógicos pautados numa concepção transmissiva1 1 Na educação tradicional transmissiva, o objetivo é a transmissão, pelo professor, do conjunto de informações (consideradas importantes pela sociedade) para a criança, tida como “folha em branco” que deve memorizar e reproduzir tais conteúdos (OLIVEIRA-FORMOSINHO; FORMOSINHO, 2011). de educação e numa visão preconceituosa em relação às crianças pobres.

Atualmente, existe a consciência de que “a infância, como construção social, é sempre contextualizada em relação ao tempo, ao local e à cultura, variando segundo a classe, o gênero e outras condições socioeconômicas” (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 71). No entanto, as pedagogias transmissivas, ainda predominantes, pensam a infância em termos de uma abstração universal, não valorizando as singularidades geracionais e socioculturais das crianças. Portanto, veem o diverso como inferior e culpabilizam as crianças e suas famílias pelo não atendimento de expectativas, negando as condições (ambientais, curriculares, relacionais, sociais, etc.) implicadas nos processos de aprendizagem.

A IMAGEM DE CRIANÇA E A EDUCAÇÃO INFANTIL

As primeiras iniciativas de atendimento à criança pobre em nosso país integravam a chamada assistência científica, que tinha entre suas funções disciplinar os pobres e os trabalhadores e promover o controle social. Um dos objetivos dessas iniciativas era evitar a criminalidade da “infância desvalida” (KUHLMANN JR., 1998KUHLMANN Jr., M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.).

Já as instituições que passaram a ser direcionadas às crianças pertencentes às camadas médias e altas mostravam preocupações com o desenvolvimento infantil e a aquisição de conhecimentos escolares. Uma das grandes preocupações era preparar as crianças para o ensino fundamental (EF).

Em alguma medida, ainda hoje boa parte das creches e pré-escolas são herdeiras desse passado. Como indicam vários trabalhos (ANDRADE, 2007ANDRADE, R. C. A rotina da pré-escola na visão das professoras, das crianças e de suas famílias. 2007. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.; CAMPOS; FÜLLGRAF; WIGGERS, 2006CAMPOS, M. M.; FÜLLGRAF, J.; WIGGERS, W. A qualidade da educação infantil brasileira: alguns resultados de pesquisa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 127, p. 87-128, jan./abr. 2006.; CRUZ, 2002CRUZ, S. H. V. Fala, menino! Uma experiência de pesquisa sobre o cotidiano da creche comunitária na perspectiva da criança. Educação em Debate (CESA/UFC), Fortaleza, v. 2, n. 44, p. 20-35, 2002.; MARTINS, 2009MARTINS, C. A. A participação de crianças e professora na constituição da brincadeira na educação infantil. 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.; SCHRAMM, 2009SCHRAMM, S. M. O. A construção do eu no contexto da educação infantil: influências da escola e a perspectiva da criança sobre esse processo. 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.), as crianças não são vistas nas suas necessidades e desejos peculiares às diferentes faixas etárias; o disciplinamento é obstáculo à construção da autonomia e da identidade das crianças; a educação das crianças não é voltada para o momento que vivem, mas para um futuro indesejável (centram-se no disciplinamento), ou, mais recentemente, focam o considerado desejável para a sua trajetória escolar (derivando, de forma recorrente, a escolarização precoce). De qualquer forma, a “clientela” à qual a educação se destina define em grande medida a sua qualidade.

É preciso destacar ainda que os muitos estereótipos e preconceitos da sociedade acerca das crianças pobres (especialmente os relativos às pessoas negras) também marcam as relações estabelecidas com as crianças e suas famílias (OLIVEIRA, 2004OLIVEIRA, F. de. Um estudo sobre a creche: o que as práticas pedagógicas produzem e revelam sobre a questão racial? 2004. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2004.; CAVALLEIRO, 1998CAVALLEIRO, E. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 1998. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.; DIAS, 2007DIAS, L. R. No fio do horizonte: educadoras da primeira infância e o combate ao racismo. 2007. 2 v. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.; ROSEMBERG, 1996ROSEMBERG, F. Educação infantil, classe, raça e gênero. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 96, p. 58-65, fev. 1996.; SILVA, 2002SILVA, V. L. N. da. Os estereótipos racistas nas falas de educadoras infantis: suas implicações no cotidiano escolar da criança negra. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2002.). Tais estereótipos e preconceitos dificultam uma verdadeira aproximação às crianças concretas que frequentam creches e pré-escolas.

Ainda na década de 1920, Korczak denunciou várias das ideias negativas dos adultos sobre a criança:

[...] ela nada sabe, nada adivinha, nada pressente. [...] [É] Fraca, pequena, pobre, dependente [...] Um fedelho, apenas uma criança, um futuro homem, um quase nada no presente, só um dia existirá de verdade. [...] Parece estranhamente atraída pelo mal, tende a dar ouvido aos conselhos perversos [...] Ela não tem direitos, o que ganha é fruto da nossa boa vontade. (1986, p. 72-75)

Então, como consequência, nas palavras do mesmo autor, “menosprezamos a criança”, e “as dúvidas e incertezas infantis nos parecem tão desprovidas de seriedade”. Devemos “combater suas manhas, caprichos e obstinações”, ser “vigilantes, nada de iniciativas próprias”; em suma, é preciso “instruí-la, guiá-la, governá-la, reprimi-la, refreá-la, corrigi-la, alertá-la, protegê-la dos perigos, impor-lhe os valores certos, impedi-la de adotar os errados” (KORCZAK, 1986KORCZAK, J. Menosprezo e desconfiança. In: DALLARI, D. de A.; KORCZAK, J. O direito da criança ao respeito. São Paulo: Summus, 1986. p. 69-75. (Novas Buscas em Educação, v. 28)., p. 72-75).

Pode parecer que essa visão sobre as crianças, marcada pelo que poderíamos chamar de preconceito geracional, esteja sendo trazida de uma forma exageradamente negativa, mas, na verdade, ela se expressa muito frequentemente em grande parte das creches e pré-escolas, nas quais predomina uma educação tradicional transmissiva. No entanto, na contracorrente dessa Pedagogia, vem sendo realizado nas últimas décadas um esforço no sentido de alterar essa imagem da criança e o papel que ela ocupa no cotidiano das instituições escolares.

Tendo como uma das principais referências a abordagem pedagógica construída no norte da Itália, que teve como grande idealizador e coordenador Loris Malaguzzi, vem se constituindo em vários países do mundo uma Pedagogia da Infância ou Pedagogia da Educação Infantil na qual as crianças assumem uma posição central na prática pedagógica. Nessa perspectiva, as crianças, em colaboração com os seus pares, participam com liberdade, agência, inteligência e sensibilidade da sua aprendizagem e desenvolvimento em todos os momentos da prática pedagógica, desde o planejamento até a reflexão sobre o que está sendo ou foi realizado. Em grande medida, isso decorre da imagem que se tem das crianças: ricas, competentes, diversas e com direitos.

Essa imagem, juntamente com uma correspondente ideia positiva do professor e das famílias, sustenta o desenvolvimento de uma pedagogia na qual a criança é escutada. De fato, as relações e interações entre as pessoas (crianças e adultos) constituem o meio central de concretização de uma pedagogia participativa (OLIVEIRA-FORMOSINHO; FORMOSINHO, 2011), e é somente na escuta que se efetiva o diálogo, as relações e interações. Apenas dessa forma é possível o desenvolvimento de práticas educativas que respeitem as crianças, considerando os seus genuínos desejos, necessidades, habilidades, curiosidades, etc.

Coerentes com a centralidade da imagem de criança na ancoragem das práticas pedagógicas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil afirmam, no seu Artigo 4º:

As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009c)

Construir uma imagem de crianças como ricas, competentes, diversas e com direitos ainda constitui um desafio numa sociedade em que prevalecem concepções empobrecidas sobre esses sujeitos. Tal construção, no entanto, é absolutamente necessária para o desenvolvimento de uma educação de qualidade para as crianças, que propicie boas condições de aprendizagem, desenvolvimento e bem-estar. Consideramos que, lado a lado com outros elementos, as pesquisas com crianças podem contribuir fortemente nesse processo.

A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL E AS PESQUISAS COM CRIANÇAS

As discussões contemporâneas acerca da qualidade na educação infantil indicam a necessidade de participação de todos os implicados no processo de defini-la. Oliveira-Formosinho (2001) considera que esse processo deve ser participativo, problematizador, dinâmico e situado. Também Dahlberg, Moss e Pence (2003DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.) nos remetem à importância do próprio processo de definir a qualidade, um conceito subjetivo, baseado em valores, relativo e dinâmico; daí a necessidade de contextualizar espacial e temporalmente a qualidade, reconhecendo a diversidade cultural e outras. Na mesma direção, Bondioli (2004BONDIOLI, A. (org.). O projeto pedagógico da creche e sua avaliação: a qualidade negociada. Campinas: Autores Associados, 2004.) defende: não há qualidade sem participação. Portanto, ao se pensar a qualidade da educação da criança, ela também precisa ser ouvida. Essa escuta se faz no cotidiano das práticas pedagógicas, como já referido, mas também em pesquisas.

Desde o início do século XX, a nascente Psicologia do Desenvolvimento procurou compreender a criança, em suas diferentes dimensões e acerca de vários temas: pensamento, linguagem, brincadeira, emoções, moral. De que modo ela se constitui como pessoa? Qual a relação que ela estabelece com os objetos, com as demais pessoas, com a cultura? Que fatores presidem as transformações observadas? Muitas perguntas foram formuladas, exigiram a elaboração de estratégias de pesquisa e produziram uma grande quantidade de conhecimentos sobre características e processos típicos das crianças (ou “da criança”, numa perspectiva de encontrar elementos comuns a todas as crianças). Portanto, o que é inovador e relativamente recente é a produção científica que foca as crianças não para avaliá-las ou definir alguma de suas peculiaridades, mas para conhecer o que elas pensam e sentem sobre temas que lhes dizem respeito.

As pesquisas com crianças consideram a infância como construção social e uma variável da análise social que não pode ser divorciada de outras variáveis, como a classe social, o gênero ou a pertença étnica (JAMES; PROUT, 19902 2 JAMES, Allison; PROUT, Alan (ed.). Constructing and reconstructing childhood: contemporary issues in the sociological study of childhood. London: The Falmer Press, 1990. apudSARMENTO, 2008SARMENTO, M. J. Sociologia da infância: correntes e confluências. In: SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S. de. (org.). Estudos da infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 17-39.); percebem as crianças como competentes para expressar as suas opiniões, receios, desejos, etc.; acreditam numa forma peculiar das crianças apreenderem e se apropriarem das informações e processos do mundo adulto, num processo de reprodução interpretativa (CORSARO, 2001CORSARO, W. A reprodução interpretativa do brincar. Revista Educação, Sociedade e Cultura, Porto, n. 17, 2001., 2009); e têm interesse em captar as perspectivas desses atores sociais.

Pesquisas já realizadas com crianças ampliam o nosso conhecimento sobre os contextos educacionais destinados a elas e as nossas possibilidades de melhorar a qualidade da educação nas creches e pré-escolas. Além disso, reforçam a imagem da criança como competente para trazer, em primeira mão, a sua perspectiva sobre a sua experiência escolar, também contribuindo para a construção de uma imagem cada vez mais real e justa das crianças.

AS CRIANÇAS FALAM SOBRE A CRECHE E A PRÉ-ESCOLA

As pesquisas que fundamentam este artigo foram realizadas ou publicadas no Brasil ao longo de dez anos (período entre janeiro de 2008 e janeiro de 2018) e tiveram por objetivo a escuta de crianças entre 0 e 5 anos de idade, utilizando alguma estratégia de entrevista ou outros recursos para provocar a fala das crianças, isto é, as suas expressões verbais. Contudo, esse recorte não desconsidera a importância de serem analisadas as mais diversas linguagens das crianças e a relevância do aprimoramento de estratégias de pesquisas que as contemplem.

Tais pesquisas foram localizadas nos portais eletrônicos da Scientific Electronic Library Online (SciELO), da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Grupo de Trabalho 07 (Educação de Crianças de 0 a 6 anos) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Foram usadas as palavras chaves: “pesquisa com criança”, “escuta da criança” e “perspectiva da criança” para a identificação dessas pesquisas. Também foi considerado o recente trabalho de Cruz e Martins (2017CRUZ, S. H. V.; MARTINS, C. A. Políticas públicas e a voz das crianças. Laplage em Revista, v. 3, p. 29-43, 2017.), que enfoca o que as crianças dizem sobre temas relativos às políticas públicas com base em várias pesquisas nas quais elas foram ouvidas.

Trazemos aqui as falas das crianças procurando organizá-las segundo os principais temas abordados. Iniciamos pelas suas percepções acerca da instituição de educação infantil que elas frequentam, incluindo a questão da disciplina e imposição de regras, assim como a presença de conflitos e agressões físicas. Os demais temas tratados são o recreio, a brincadeira, a imagem da boa professora, a transição para o EF e as relações étnico-raciais.

As crianças, entre 4 e 6 anos de idade, que expressaram a sua percepção acerca de suas experiências numa instituição de educação pública localizada em Fortaleza, Ceará (CRUZ, 2009), trouxeram um contexto educativo no qual se sentiam oprimidas. Suas falas deram indícios de que permanecer na escola não lhes parecia seguro, resultando quase sempre em sofrimento, com o uso das seguintes palavras para expressar como se sentiam na instituição: “sozinho”, “dor de barriga”, “choro”, “raiva”, “zanga”, “mãos presas”, “toda presa”, “acha ruim [a escola, a professora, o dever]”, “trancada”. A rotina era vista como algo entediante e desagradável, marcada pela realização de tarefas e castigos: “todo dia o dever é o mesmo”, “é ruim fazer letra pequena” e “se não fizer o dever, a tia bota de castigo!”.

Outro dado relevante dessa pesquisa foi a constatação do discernimento manifesto acerca do contexto de educação que fosse bom para as crianças: nele, as “aulas” ou “tarefas” seriam importantes, mas bem dosadas com bastantes atividades lúdicas realizadas em lugares amplos, receptivos e equipados para a realização de brincadeiras livres. Uma criança, por exemplo, afirmou acerca de uma situação imaginária: “a menina tá na escola fazendo a tarefa na casinha de brincar”. As crianças reivindicaram aprender de forma significativa e prazerosa e, como destaca a pesquisadora, “muitas das sugestões apontadas pelas crianças [...] constituem as condições básicas que deveriam existir em qualquer instituição de Educação Infantil” (CRUZ, 2009, p. 17).

As crianças de 5 anos de idade ouvidas por Pamphylio (2010PAMPHYLIO, M. M. Os dizeres das crianças da Amazônia amapaense sobre infância e escola. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Estado do Pará, Belém, 2010.) numa instituição educativa da comunidade rural de Anauerapucu, no Amapá, também expressaram uma concepção negativa de escola. Elas fizeram referências a situações que as desagradavam na rotina que vivenciavam na instituição, como os “castigos”. Esse desagrado ficou mais evidenciado ao referirem que gostavam muito de “beber água” ou “do bebedouro”, o que justificava as constantes saídas e a oportunidade de “vaguear pelo pátio da escola”; assim, as crianças expressaram que a “sala de aula” não configurava um espaço agradável de se estar.

Um aspecto que parece contribuir para esses sentimentos é a forte presença e a função que a disciplina assume no cotidiano escolar, transformando-se num processo de disciplinamento, como se refere Foucault (2005FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2005.). Esse tema é trazido pelas crianças em várias pesquisas.

Uma das pesquisas nas quais esse tema é abordado (ALMEIDA, 2015ALMEIDA, S. do E. S. Participação de crianças nas rotinas da educação infantil. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, 2015.) teve o objetivo de apreender as formas de participação das crianças nas rotinas escolares, e foi realizada numa instituição de educação infantil pública na cidade de Estância, em Sergipe. Os resultados apontaram que crianças de 5 anos de idade não compreendiam os significados das regras estabelecidas, consequência de imposições arbitrárias num contexto marcado pelo disciplinamento. Como em outros contextos, havia uma clara falta de compreensão de professores e demais educadores dos direito das crianças à participação social nas rotinas e de entender o que justifica regras razoáveis.

Seguir regras e obedecer à professora são imposições percebidas como muito ruins pelas crianças. A fala de uma das crianças participantes da pesquisa de Schramm (2009SCHRAMM, S. M. O. A construção do eu no contexto da educação infantil: influências da escola e a perspectiva da criança sobre esse processo. 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.) revela como isso tornava difícil, no papel de criança, conviver num cotidiano escolar que não respeitava o seu direito de ser ouvida e de fazer escolhas: “é ruim porque tem que obedecer” (p. 176).

Da mesma forma, as crianças de 5 anos de idade de uma instituição pública municipal de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ao trazerem as suas perspectivas acerca do direito delas à educação, disseram que do que não gostavam em suas experiências educativas estava relacionado às regras disciplinares a que eram submetidas cada vez que tinham comportamentos considerados inaceitáveis, tais como bagunçar, brigar, bater (TAVARES, 2015TAVARES, L. H. de J. Educação infantil e direito: o que dizem as crianças? 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.). Possivelmente esse desagrado estava relacionado à imposição de regras que parecem sem sentido; pois, como afirmam Oliveira-Formosinho e Formosinho (2013), compreender regras é condição básica para as crianças se sentirem participantes e “pertencentes” a um contexto. Além disso, como expressaram as crianças, isso é fundamental para o bem-estar delas e disposição para aprender e se desenvolver.

Afora as práticas de disciplinamento realizadas pelas professoras, as repreensões que recebem e as tarefas que precisam fazer, outro elemento de que as crianças não gostam no cotidiano escolar é a presença de conflitos entre elas próprias. As crianças ouvidas por Corsi (2010CORSI, B. R. Conflitos na Educação Infantil: o que as crianças têm a dizer sobre eles. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.) trouxeram uma contribuição importante para a compreensão de como elas percebem os conflitos que vivenciam. As participantes da pesquisa, que se encontravam entre 5 e 6 anos de idade, frequentavam uma instituição de educação pública na cidade de São Paulo. Elas revelaram que, ao contrário do que os adultos parecem acreditar, para elas, conflito não é só o que machuca fisicamente ou representa um desrespeito às regras, mas também algo que as deixe tristes, frustradas ou com medo.

Crianças de cidades do Brasil, Colômbia e Peru referiram-se com frequência a conflitos e brigas físicas entre elas, além de grosserias e palavrões (CAMPAÑA LATINOAMERICANA POR EL DERECHO A LA EDUCACIÓN, 2013). Relataram empurrões e socos, em especial, dos meninos em meninas, e dos maiores em menores. Trata-se de uma situação tão presente que as crianças incluíram entre as qualidades de um bom amigo o fato de eles serem fortes e as protegerem de possíveis agressões de outros colegas, o que indica a necessidade de um trabalho educativo que problematize e busque alternativas para essa situação, além da evidente falta de supervisão de adultos em todos os espaços de convivência da escola.

A presença de conflitos e agressões físicas entre as crianças durante o recreio levou as crianças ouvidas por Santos (2015SANTOS, C. O. dos. As concepções das crianças, professora e coordenadora pedagógica sobre o recreio como atividade da rotina em uma escola pública de educação infantil na cidade de Fortaleza. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015.) a denunciarem a falta ou número insuficiente de adultos nos espaços onde essa atividade acontecia. A pesquisadora analisou as concepções de crianças sobre o recreio como atividade da rotina numa pré-escola pública municipal de Fortaleza e, diante da pergunta sobre o que precisaria ter no recreio “para que ele seja bem legal”, as crianças pediram: “Alguma pessoa pra ficar olhando as crianças!”. Outra forte demanda das crianças foi a disponibilização de variados brinquedos e em bom estado de conservação; pois, na concepção delas, um bom recreio precisa ter “escorregador, patinete, piscina, brinquedo, brinquedo de areia, balde de areia... Que tão quebrado...”. Assim, acreditam que é preciso apelar para a oração: “Pedir a Deus pra ter brinquedo mais novo e um hospital de brinquedos...” (CRUZ; SANTOS, 2016CRUZ, S. H. V.; SANTOS, C. O. Perspectivas de crianças sobre o cotidiano da pré- escola: o recreio em foco. Textura, v. 18, p. 171-190, 2016., p. 181).

Nesse ambiente, onde prevaleciam atividades escolarizantes com o objetivo de preparação para o EF, as crianças disseram enfaticamente que o recreio era a atividade mais importante da rotina, sendo as brincadeiras e as interações com outras crianças o que mais valorizavam na instituição. Elas consideravam o recreio tão relevante que, perante a sua hipotética ausência, asseguraram não só que isso causaria muita tristeza, mas “as crianças iam mudar de escola!” (SANTOS, 2015SANTOS, C. O. dos. As concepções das crianças, professora e coordenadora pedagógica sobre o recreio como atividade da rotina em uma escola pública de educação infantil na cidade de Fortaleza. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015., p. 113)

Em vários outros trabalhos, as crianças reafirmaram a importância central das brincadeiras para elas,3 3 Embora tenha sido realizada entre 2004 e 2005 (portanto, anterior ao período aqui enfocado), é preciso registrar que, na consulta sobre qualidade na Educação Infantil, pesquisa de abrangência nacional, as crianças apontaram unanimemente a presença de brinquedos em bom estado de conservação e a possibilidade de brincar como itens indispensáveis para uma boa creche ou pré-escola (CAMPOS; CRUZ, 2006) relacionando-as às concepções de criança e infância. Na pesquisa realizada por Martins (2009MARTINS, C. A. A participação de crianças e professora na constituição da brincadeira na educação infantil. 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.), por exemplo, as crianças de 5 anos de idade de uma instituição da rede municipal de Fortaleza mostraram apreciar muito a brincadeira livre (percebida como “bagunça” pela professora) e buscavam formas clandestinas para que elas acontecessem na sala de referência. A professora, por outro lado, valorizava a brincadeira planejada e dirigida com propósito de promover aprendizagens, mas que as crianças não identificavam como brincadeiras: “Na sala não [não pode haver brincadeira]. Na sala é só falar coisa na roda e fazer tarefa” (p. 169). Assim, esse estudo ampliou os conhecimentos acerca da participação das crianças na constituição da brincadeira e igualmente contribuiu para melhor compreender como elas percebem e sentem o lugar que os adultos conferem à brincadeira na instituição de Educação infantil.

As falas das crianças ouvidas por Schramm (2009SCHRAMM, S. M. O. A construção do eu no contexto da educação infantil: influências da escola e a perspectiva da criança sobre esse processo. 2009. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.) também foram reveladoras de como elas se sentiam desgostosas pelo não atendimento de seus desejos e necessidade de brincar. Estando num ambiente onde as brincadeiras eram bastante restringidas, almejavam essa possibilidade. Brincar foi a atividade apontada por quase todas as crianças como algo que as deixariam contentes na escola, como disse uma menina explicando um desenho que produziu: “A tia deixando ela [a menina] brincar todos os dias” (p. 183).

As crianças de 5 anos de idade de uma instituição educativa da comunidade rural de Anauerapucu, no Amapá, que participaram da pesquisa desenvolvida por Pamphylio (2010PAMPHYLIO, M. M. Os dizeres das crianças da Amazônia amapaense sobre infância e escola. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Estado do Pará, Belém, 2010.), ligaram as suas concepções de infância com as possibilidades de brincar. As relações com os colegas também estavam presentes ao pensarem sobre a escola: nas suas concepções sobre essa instituição, elas pareciam idealizar um espaço agradável para fazer amizades.

De modo semelhante, ao expressarem suas concepções acerca da escola de educação infantil, as crianças de 5 anos de idade de Ribeirão Preto, em São Paulo, revelaram que ela é, principalmente, um lugar para brincar (MARQUES, 2011MARQUES, F. M. Concepções de crianças sobre escola de educação infantil. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.). Elas apreciavam, em especial, as brincadeiras que envolviam movimentos amplos, como correr, empurrar e jogos de lutas. Como em pesquisas anteriormente citadas, indicaram também a necessidade de espaços apropriados para realizarem brincadeiras desse tipo.

Mesmo crianças bem pequenas mostram-se muito competentes em discernir o quanto apreciam as brincadeiras. Um exemplo disso está na pesquisa realizada por Cruz e Cruz (2015CRUZ, S. H. V.; CRUZ, R. C.A. A perspectiva de crianças sobre a creche. Eventos Pedagógicos, v. 6, p. 155, 2015.) numa instituição da rede municipal de Fortaleza, em que as participantes, com apenas 3 e 4 anos de idade, revelaram valorizar muito as possibilidades de brincar, além da alimentação que lá recebiam.

Apesar da grande atração que jogos eletrônicos individuais exercem nas crianças, há indícios de que a interação com os amigos possibilitada pelas brincadeiras tradicionais ainda lhes proporciona um prazer especial. As que participaram da pesquisa de Ferreira (2014FERREIRA, M. G. A cultura lúdica das crianças contemporâneas na sociedade multitela. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.) em uma instituição de educação pública em Palhoça, em Santa Catarina, de idades entre 5 e 6 anos, que dispunham de acesso a experiências lúdicas com tecnologias digitais, expressaram que, mesmo assim, também buscavam brincadeiras tradicionais e conviver em grupo com seus pares.

No trabalho de Tavares (2015TAVARES, L. H. de J. Educação infantil e direito: o que dizem as crianças? 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.), já referido, as crianças também revelaram que, na instituição, gostam de brincar, de lanchar, do recreio, de pintar e de aprender a ler. Vale registrar que, ao refletirem sobre o fato de crianças próximas - irmãos, primos, vizinhos - não frequentarem creche por esse serviço não ser oferecido na comunidade onde vivem, elas perceberam que há crianças que são desrespeitadas nesse direito.

Essa centralidade da brincadeira entre os elementos que tornam o contexto educativo mais agradável4 4 Vale lembrar também a importância de uma alimentação saborosa nesse contexto, sobretudo para as crianças pobres. tem sido recorrente nas pesquisas em que as crianças opinam sobre os serviços oferecidos por creches e pré-escolas, como revelaram Cruz e Martins (2017CRUZ, S. H. V.; MARTINS, C. A. Políticas públicas e a voz das crianças. Laplage em Revista, v. 3, p. 29-43, 2017.). As percepções de crianças acerca da importância e do papel da brincadeira nas suas experiências escolares precisam ser consideradas tanto nas propostas pedagógicas e ações docentes cotidianas como nas políticas de construção ou reforma de instituições de educação infantil e compra de brinquedos e materiais usados nas brincadeiras.

As crianças se manifestaram também acerca do que, para elas, é uma boa professora. As que foram ouvidas por Farias (2013FARIAS, K. C. F. As concepções das crianças sobre as características de uma boa professora de educação infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.) em duas turmas de pré-escolas da rede municipal de Fortaleza destacaram que uma boa professora “não pode brigar”, “não bota de castigo” e “não grita”, mas “deixa brincar, beber água, usar o banheiro, lanchar e desenhar” e “conta histórias”. Além de ressaltarem essas características acolhedoras, chamou atenção que apontassem, também, que a boa professora “aprende coisas pra ensinar] às crianças” (p. 119), o que revela a competência que possuíam em avaliar um aspecto relevante de uma boa profissional, ou seja, a necessidade de investir na sua própria formação. As falas das crianças também expressaram a compreensão de que o espaço de educação infantil deve ser um ambiente de aprendizagens significativas.

Nesse grupo, em especial as meninas, além de focarem o estado ou modo de ser de uma boa professora (“feliz”, “legal”, “carinhosa”, etc.), também ressaltaram características físicas, como ser bonita. Curiosas foram as falas dessas e outras crianças dizendo que as professoras também devem estar bem vestidas, serem “charmosas”, “lindas de morrer” e “chiques de doer”, o que parece indicar que as crianças se apropriam dos valores de uma sociedade que enaltece a aparência física e o poder de consumo como uma característica pessoal importante.

Vale ressaltar que, nessa pesquisa (FARIAS, 2013FARIAS, K. C. F. As concepções das crianças sobre as características de uma boa professora de educação infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.), as crianças da instituição cuja proposta pedagógica pareceu mais transmissiva, centralizada na figura da professora, citaram, de forma mais recorrente, situações não compatíveis com uma boa professora, tais como castigos e proibição de brincadeiras ou de utilização de materiais e espaços. Assim, nesse grupo, houve maior ênfase naquilo que uma boa professora não deveria fazer.

As crianças também se expressaram acerca da transição da educação infantil para o EF. Ao refletirem sobre as suas expectativas em relação ao primeiro ano do EF, crianças de 5 anos de idade de uma escola pública municipal da cidade de São Paulo enfatizaram “aprender a ler e a escrever” e “aprender matemática” como determinantes na série que iriam frequentar (RABINOVICH, 2012RABINOVICH, S. B. A articulação da educação infantil com o ensino fundamental I: a voz das crianças, dos professores e da família em relação ao ingresso no 1º ano. 2012. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.). Essas mesmas crianças elegeram a brincadeira como a atividade mais prazerosa que se poderia viver no contexto educativo, algo que, no entanto, já não esperavam encontrar no ano subsequente.

De forma semelhante, crianças, também com 5 anos de idade de uma escola pública municipal de Fortaleza expressaram reconhecer a escola como espaço legítimo de crescimento, aprendizagem e de ampliação dos conhecimentos, e, ao mesmo tempo, manifestaram o desejo de a escola ser também um espaço para brincar (LIMA, 2013LIMA, I. M. M. As experiências educacionais no contexto da transição da educação infantil para o ensino fundamental numa escola municipal de Fortaleza na perspectiva dos diversos segmentos da comunidade escolar. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.). Elas percebiam e lamentavam que a brincadeira (sua permissão ou negação) muitas vezes fosse usada, ainda na educação infantil, como prêmio ou castigo, e percebiam o primeiro ano do EF como um momento em que se intensificaria ainda mais a ausência da brincadeira, como foi expressa na fala de uma criança: “Tia, tia, aqui [na sala do 1º ano] é só para estudar, não tem brinquedo não!” (LIMA, 2013, p. 120).

Esse temor acerca do não atendimento do seu desejo de brincar também foi expresso por crianças de 5 e 6 anos que frequentavam a pré-escola ou o primeiro ano do EF de uma instituição do interior do Rio Grande do Sul (FERNANDES, 2014FERNANDES, C. V. A identidade da pré-escola: entre a transição para o ensino fundamental e a obrigatoriedade de frequência. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.). Para as da pré-escola, embora “ficar grande” e aprender a ler e escrever parecesse um atrativo para o ingresso no EF, temiam que lá teriam ainda menos oportunidade para brincar, já escassas no ambiente que frequentavam, pautado na preparação para a etapa seguinte da educação. Outro aspecto da transição entre essas etapas da educação básica foi enfocado: elas apontaram que os ambientes desses dois contextos são similares quanto a espaços e oportunidades de experiências.

As crianças foram ouvidas também acerca das relações étnico-raciais no contexto das instituições de educação infantil. Numa dessas pesquisas, crianças do Brasil, Colômbia e Peru exprimiram os valores de que se apropriaram ao longo de suas experiências de vida, inclusive sobre as relações étnico-raciais5 5 A pesquisa buscou conhecer como se manifestam as diferentes formas de discriminação nas instituições de educação na primeira infância, mas enfocou mais especificamente discriminações de gênero, étnico-raciais e contra pessoas com deficiências. (CRUZ, 2015CRUZ, S. H. V.; CRUZ, R. C.A. A perspectiva de crianças sobre a creche. Eventos Pedagógicos, v. 6, p. 155, 2015.). Tais valores tendiam a reforçar a discriminação de grupos minoritários, em especial os negros. No entanto, foi percebido que as concepções negativas acerca de pessoas negras ainda se encontravam em construção, estando suscetíveis a mudanças quando eram oferecidas oportunidades para refletir sobre essas discriminações. Como relatou a autora, “foi possível perceber mudanças de posições a partir das conversas com os colegas, mediadas pelos pesquisadores: uma criança, por exemplo, perguntou: ‘Posso mudar de ideia?’” (CRUZ, 2015, p. 270).

Já as crianças entre 4 e 5 anos de idade de uma instituição de educação infantil da rede municipal de São José, em Santa Catarina (GAUDIO, 2013GAUDIO, E. S. Relações sociais na educação infantil: dimensões étnico-raciais, corporais e de gênero. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.), manifestaram muitos estereótipos e preconceitos, como apontar aspectos físicos considerados superiores a outros, exaltando características como a cor da pele branca, o tipo de cabelo liso e o corpo magro, o que possibilitou o estabelecimento de uma relação entre corporeidade e relações étnico-raciais. Entre as meninas, era comum a organização de brincadeiras e escolhas de parceiras tendo por base esses padrões estéticos. A pesquisa propiciou a reflexão de que a constituição da identidade das crianças vítimas de discriminações, construídas historicamente, torna-se conflituosa, sendo preciso desconstruir representações que as inferiorizam e romper com os preconceitos acerca de seus corpos.

Concepções negativas acerca de suas próprias características étnicas, que repercutem na construção da autoimagem pelas crianças, também foram manifestadas por meninos e meninas de uma pré-escola da cidade de São Paulo (TRINIDAD, 2011TRINIDAD, C. T. Identificação étnico-racial em espaços de educação infantil. 2011. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.). Essas crianças revelaram conhecer e empregar as categorias étnico-raciais em suas brincadeiras e interações, e, embora não selecionassem seus pares com base na cor da pele, expressaram o desejo de ter características associadas às pessoas brancas. Esse elemento indica que os sentidos e os significados dados a brancos e negros já foram apropriados. Em relação aos filhos de relacionamentos inter-raciais, foi percebido que, quanto mais as crianças apresentavam traços físicos que se aproximam do fenótipo negro, maior era o desejo de serem brancas.

Tais constatações acerca da presença da discriminação no contexto da educação infantil e suas decorrências no processo de construção da identidade das crianças, assim como o pequeno número de estudos sobre esse tema ouvindo diretamente as crianças pequenas (entre 19 meses e 3 anos e 11 meses), motivaram o trabalho de Cruz (2015CRUZ, S. H. V.; CRUZ, R. C.A. A perspectiva de crianças sobre a creche. Eventos Pedagógicos, v. 6, p. 155, 2015.), realizado numa creche municipal de Fortaleza. As crianças mostraram-se pouco sensíveis às diferenças étnico-raciais apresentadas; quase não associaram as discriminações narradas ao pertencimento étnico-racial, ou a expressaram, elas próprias, o que levou a autora a aventar a possibilidade de que elas não tiveram na creche experiências em que os traços físicos dos negros ou as pessoas negras tenham sido impregnados afetivamente de conteúdos negativos. Vale ainda mencionar que, como em pesquisa anterior (CRUZ, 2015CRUZ, S. H. V.; CRUZ, R. C.A. A perspectiva de crianças sobre a creche. Eventos Pedagógicos, v. 6, p. 155, 2015.), as crianças mostraram muita empatia6 6 Schramm (2009) também identificou empatia e solidariedade das crianças. No caso da sua pesquisa, isso foi manifestado em relação a uma colega submetida a uma regra arbitrária de não poder escolher os companheiros de mesa, quando as crianças disseram que ela experimentou um sentimento “ruim” e “triste”. com as vítimas de discriminação, o que foi visto como um elemento importante para evitar a conivência com ela.

Um dado novo foi acrescentado ao conhecimento sobre essa temática pelas crianças de uma turma de educação infantil de uma instituição pública de Recife ouvidas por Silva (2015SILVA, T. R. da. Criança e negra: o direito à afirmação da identidade negra na educação infantil. 2015. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.). Além de meninos e meninas manifestarem a competência para se nomearem racialmente, usando termos que se aproximam bastante das categorias comumente utilizadas no Brasil, mostraram que se percebiam de forma diferente, de acordo com o seu gênero: enquanto os meninos apresentaram um mal-estar com essa condição de negro, as meninas demonstraram orgulho e prazer por essa condição. Uma intensificação das estratégias pedagógicas centradas nas meninas, em especial a valorização da beleza negra feminina, foi apontada pela autora como um fator que pode explicar essa variação.

Reflexões importantes sobre esse tema também foram possibilitadas pelas expressões de crianças negras muito pequenas, de apenas 2 e 3 anos de idade, em um centro de educação infantil de uma cidade da região metropolitana de Campinas, em São Paulo, ouvidas por Santiago (2014SANTIAGO, F. “O meu cabelo é assim... igualzinho o da bruxa, todo armado”: hierarquização e racialização das crianças pequenininhas negras na educação infantil. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2014.). Para o autor, essas crianças manifestavam resistência diante de uma pedagogia da “branquitude” por meio de diferentes linguagens, como choros, gritos e mordidas, expressando a não aceitação dos enquadramentos que as fixavam em posições subalternas em situações vivenciadas na instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Pedagogia realiza o encontro com as crianças guiada pela missão que assume para si e a partir de “verdades” que vem construindo na leitura que faz dos saberes produzidos por algumas ciências. Os costumes, preocupações (muitas vezes descabidas, como a necessidade de a criança ser alfabetizada numa pretensa “idade certa”), estereótipos e mesmo preconceitos acerca das crianças (especialmente das crianças pobres e negras), que são hegemônicos na sociedade em cada momento histórico, também são trazidos para o contexto escolar e têm dificultado muito a escuta das crianças. No entanto, cada vez mais se tem tornado evidente que ouvir as crianças com as quais trabalha é uma necessidade para que a educação infantil conheça esses sujeitos e possa melhorar a sua qualidade e, assim, cumprir o seu objetivo de promover o bem-estar e as aprendizagens e o desenvolvimento das meninas e meninos que frequentam turmas de creche ou pré-escola.

A construção de práticas pedagógicas de qualidade na educação infantil passa, necessariamente, pelo respeito aos direitos de todas as crianças. Um desses direitos é ser ouvida e ter a sua opinião levada em conta. No cotidiano de creches e pré-escolas, o empenho na escuta das crianças fica bastante evidenciada na documentação pedagógica, prática que, segundo Rinaldi, tem como uma das suas mais primordiais funções garantir escutar e ser escutado, através de “traços/documentos que testemunhem e tornem visíveis os modos de aprendizado dos indivíduos e do grupo” (2014, p. 129).

No âmbito da pesquisa, conhecer a perspectiva das crianças tem ampliado os conhecimentos sobre suas peculiaridades, sentimentos, necessidades e desejos sobre o trabalho desenvolvido nas instituições que frequentam. Também tem fornecido elementos fundamentais para a prática pedagógica, complementando a percepção da escola, além de contribuir para a construção de uma imagem mais positiva das crianças.

Muitas das vozes das crianças ouvidas nas pesquisas aqui citadas, como já destacado, denunciam, muitas vezes, a violação de direitos e os reivindicam; direitos que, na verdade, vem sendo afirmados em estudos diversos acerca da Pedagogia da Infância (ROCHA, 2000ROCHA, E. A. C. A Pedagogia e a educação infantil. Revista Iberoamericana de Educación, Madri, v. 1, n. 22, p. 61-74, 2000., 2013) e da qualidade na educação infantil (ZABALZA, 1998ZABALZA, M. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998.; CAMPOS, 2010CAMPOS, M. M. (coord.) Educação infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa (Relatório Final). São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2010.) e já assegurados em documentos oficiais (BRASIL, 1995, 2006a, 2006b, 2009a, 2009b, 2009c). No entanto, o que a escuta das crianças revela é que tais direitos ainda não estão garantidos no cotidiano de muitas das instituições de educação infantil brasileiras.

As falas das crianças também manifestam o que lhes agrada na instituição de educação infantil, como o fato se constituir em espaço de aprendizagens. No entanto, suas falas indicam, majoritariamente, elementos que as fariam sentir-se mais felizes nesses contextos de educação coletiva, portanto, como esses ambientes poderiam ter mais qualidade. Elas desejam conviver em um ambiente em que os espaços sejam agradáveis, que tenham muitos brinquedos, e que elas possam brincar quando desejarem. A professora (ou o professor) deve ser alguém que promova experiências significativas e envolventes e que não aja de forma coercitiva nem grosseira, “não gritem”. Todas elas, tanto como os adultos, gostariam de ser respeitadas e valorizadas nas suas diversas características físicas, habilidades, preferências, gênero, religião, pertencimento étnico-racial etc., de modo a construírem uma imagem positiva de si. As crianças revelam também receios e expectativas acerca da transição da educação infantil para o EF, especialmente em relação à possibilidade de ampliação de suas aprendizagens e à manutenção das oportunidades de interações com os amigos e de brincadeiras.

Para que as pesquisas com crianças continuem ampliando o nosso conhecimento sobre o que pensam e sentem as crianças acerca de temas relativos à sua experiência educativa, questões centrais continuam desafiando os pesquisadores: como apreender as perspectivas e as experiências das crianças, desenvolvendo metodologias adequadas à expressão das crianças e enfocando temas que são do seu interesse? Como compreender o que elas dizem, saindo da postura comumente adultocêntrica que assumimos? Como dar visibilidade às suas vozes? Como reverter o maior conhecimento das reclamações, desejos, receios, curiosidades, opiniões das crianças em favor delas?

As diversas respostas a essas e outras perguntas certamente possibilitarão novas informações que poderão continuar a municiar organismos e movimentos sociais na defesa dos direitos das crianças e subsidiar políticas públicas para a infância. Portanto, em vários níveis, somar-se-ão a outras contribuições importantes para a construção da qualidade da educação dos bebês, crianças bem pequenas e pequenas.

Para finalizar, é importante registrar o quanto é ainda complexo, difícil e longo o caminho a ser percorrido para que a creche e a pré-escola se possam tornar, mesmo parcialmente, lugares que correspondam aos desejos infantis. Nesse caminho, os grandes problemas, que vão desde a frágil formação dos professores (tanto inicial como continuada) ao subfinanciamento dessa etapa da educação, não serão solucionados com a escuta das crianças, seja nas pesquisas, seja no cotidiano das instituições de educação infantil. No entanto, essa escuta é fundamental para que elas possam transformar-se em “um canal de encontro e diálogo entre cidadãos. Um lugar da práxis ética e política, um espaço para a aprendizagem democrática”, como almeja Peter Moss (2009MOSS, P. Introduzindo a política na creche: a educação infantil como prática democrática. Psicologia USP, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 417-436, jul./set. 2009., p. 425). Essa transformação é fundamental para que a instituição educativa seja um espaço acolhedor e agradável, favorecendo o prazer, as aprendizagens e o encantamento das crianças.

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  • 1
    Na educação tradicional transmissiva, o objetivo é a transmissão, pelo professor, do conjunto de informações (consideradas importantes pela sociedade) para a criança, tida como “folha em branco” que deve memorizar e reproduzir tais conteúdos (OLIVEIRA-FORMOSINHO; FORMOSINHO, 2011).
  • 2
    JAMES, Allison; PROUT, Alan (ed.). Constructing and reconstructing childhood: contemporary issues in the sociological study of childhood. London: The Falmer Press, 1990.
  • 3
    Embora tenha sido realizada entre 2004 e 2005 (portanto, anterior ao período aqui enfocado), é preciso registrar que, na consulta sobre qualidade na Educação Infantil, pesquisa de abrangência nacional, as crianças apontaram unanimemente a presença de brinquedos em bom estado de conservação e a possibilidade de brincar como itens indispensáveis para uma boa creche ou pré-escola (CAMPOS; CRUZ, 2006)
  • 4
    Vale lembrar também a importância de uma alimentação saborosa nesse contexto, sobretudo para as crianças pobres.
  • 5
    A pesquisa buscou conhecer como se manifestam as diferentes formas de discriminação nas instituições de educação na primeira infância, mas enfocou mais especificamente discriminações de gênero, étnico-raciais e contra pessoas com deficiências.
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    Schramm (2009) também identificou empatia e solidariedade das crianças. No caso da sua pesquisa, isso foi manifestado em relação a uma colega submetida a uma regra arbitrária de não poder escolher os companheiros de mesa, quando as crianças disseram que ela experimentou um sentimento “ruim” e “triste”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2018
  • Aceito
    24 Maio 2019
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