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AGENDA FEMINISTA E SERVIÇOS DE CUIDADO INFANTIL: BRASIL, ARGENTINA E URUGUAI

AGENDA FÉMINISTE ET POLITIQUES DE GARDE D´ENFANTS: BRÉSIL, ARGENTINE ET URUGUAY

AGENDA FEMINISTA Y SERVICIOS DE CUIDADO INFANTIL: BRASIL, ARGENTINA Y URUGUAY

Resumo

Neste artigo, investigamos o nível de aderência dos serviços de cuidado de crianças de zero a três anos à agenda feminista de políticas públicas. Para isso, realizamos um estudo de casos qualitativo de três países latino-americanos (Brasil, Argentina e Uruguai), durante o “giro à esquerda”. Analisando três indicadores parametrizados (elegibilidade, cobertura e tipo de jornada), identificamos avanços maiores no Uruguai, mais restritos na Argentina e intermediários no Brasil. A variação positiva foi maior para elegibilidade e cobertura, do que para tipo de jornada. Concluímos que essa assimetria na variação dos indicadores sugere que os avanços decorrem principalmente do reconhecimento dos direitos das crianças à educação, e, secundariamente, do compromisso com a igualdade de gênero.

CUIDADOS COM A CRIANÇA; RELAÇÕES DE GÊNERO; POLÍTICAS PÚBLICAS; ANÁLISE COMPARATIVA

Résumé

Cet article examine le niveau d’adhésion à l’agenda féministe des politiques publiques concernant les services de garde d’enfants de zéro à trois ans. A ce fin, nous avons mené une étude de cas qualitative dans trois pays d’Amérique latine (Brésil, Argentine et Uruguay) à l’époque de leur “tournant à gauche”. En analysant trois indicateurs paramétrés (éligibilité), couverture et modalités d’accueil), nous avons constaté que les progrès les plus importants concernaient l’Uruguay et les moindres l’Argentine alors qu’au Brésil ils étaient. La variation positive était plus significative. Pour l’égibilité et la couverture que pour les modalités d’accueil. Nous avons conclu que cette asymétrie dans la variation des indicateurs suggère que les progrès découlent plutôt de la reconnaissance des droits de l’enfant à l’éducation, et, secondairement, de l’engagement en faveur de l’égalité de genre.

GARDE D’ENFANT; RELATIONS DE GENRE; POLITIQUE PUBLIQUE; ANALYSE COMPARATIVE

Resumen

En este artículo, investigamos el nivel de adhesión de los servicios de cuidado infantil (cero a tres años) a la agenda feminista de políticas públicas. Para esto, realizamos un estudio de casos cualitativo de tres países latinoamericanos (Brasil, Argentina y Uruguay), durante el “giro a la izquierda”. Analizando tres indicadores parametrizados (elegibilidad, cobertura y tipo de jornada), logramos encontrar avances mayores en Uruguay, más restrictos en Argentina e intermedios en Brasil. Además, los resultados fueron más positivos para a elegibilidad y cobertura que para el tipo de jornada. Concluimos que esa diferencia apunta que los avances que ocurrieron están, primero, relacionados al reconocimiento de los derechos de la infancia y, secundariamente, al compromiso con la igualdad de género.

CUIDADO DE NIÑOS; RELACIONES DE GÉNERO; POLÍTICAS PÚBLICAS; ANÁLISIS COMPARATIVO

Abstract

In this article, we investigate the level of adherence of childcare services (zero to three years of age) to the feminist public policy agenda. To do so, we conducted a qualitative case study of three Latin American countries (Brazil, Argentina, and Uruguay), during the “left turn”. Analyzing three parameterized indicators (eligibility, coverage, and type of school day), we identified greater progress in Uruguay, more restricted in Argentina and intermediate in Brazil. The positive variation was greater for eligibility and coverage, than for type of school day. We concluded that the results are related with the recognition of the right to childhood, firstly, and with commitment to gender equality, secondly.

CHILDCARE; GENDER; PUBLIC POLICY; COMPARATIVE ANALYSIS

A luta das mulheres por serviços de cuidado infantil despontou na América Latina (AL) na primeira metade do século XX, no processo de industrialização e urbanização, no contexto de reinvindicação por melhores condições laborais para as mulheres operárias (SANCHES, 2004SANCHES, Emilia Cipriano. Creche: realidade e ambiguidades. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.; BARRANCOS, 2007BARRANCOS, Dora. Mujeres en la sociedad argentina: una historia de cinco siglos. Buenos Aires: Sudamericana, 2007.). Nos primórdios da criação desses serviços, entretanto, eles não apenas estiveram associados ao trabalho remunerado feminino, mas também ao atendimento assistencial a crianças empobrecidas e ao educacional para as abastadas, e, ainda, à atenção à saúde materno-infantil (ROSEMBERG, 1984ROSEMBERG, Fúlvia. O movimento de mulheres e a abertura política no Brasil: O caso da creche. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 51, p. 73-79, nov. 1984.; CRUZ, 2017CRUZ, Maria do Carmo M. T. A implementação da política de creches nos municípios brasileiros após 1988: avanços e desafios nas relações intergovernamentais e intersetoriais. 2017. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017.). Assim, os serviços de cuidado infantil constituíram-se com base em uma complexa trama de sujeitos beneficiários, setores e características institucionais.

Durante a segunda metade do século XX, os serviços de cuidado infantil foram progressivamente ressignificados em termos de garantia de direitos, tanto das mulheres quanto das crianças. Em âmbito internacional, podemos destacar dois marcos: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) (BANDEIRA, 2005BANDEIRA, Lourdes M. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília: Cepal; SPM, jan. 2005.) e a Convenção sobre Direitos das Crianças (Organização das Nações Unidas, 1989). A Cedaw, de 1979, assumiu a maternidade como uma função social e as responsabilidades familiares como compartilhadas entre mulheres e homens, orientando países a adotar medidas para eliminar a discriminação de mulheres no mercado de trabalho. Já a Convenção sobre Direitos das Crianças, de 1989, estabeleceu o dever estatal de garantir proteção e cuidado à infância, inclusive por meio do apoio a mães e pais.

Em décadas mais recentes, uma outra tendência se projetou sobre a concepção desses serviços: a preponderância de sua reorganização para promover o desenvolvimento infantil, com destaque para as finalidades educacionais (SANCHES, 2004SANCHES, Emilia Cipriano. Creche: realidade e ambiguidades. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.). Com isso, a provisão dos serviços de cuidado infantil foram progressivamente orientando-se para a universalização (MARCONDES, 2013MARCONDES, Mariana M. A corresponsabilização do Estado pelo cuidado: uma análise sobre a política de creches do PAC-2 na perspectiva da divisão sexual do trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.; CRUZ, 2017CRUZ, Maria do Carmo M. T. A implementação da política de creches nos municípios brasileiros após 1988: avanços e desafios nas relações intergovernamentais e intersetoriais. 2017. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017.). Essa tendência contemporânea (especialmente da progressiva orientação à universalização) criou oportunidades para as reivindicações feministas, em relação à interface entre trabalho feminino e serviços de cuidado infantil. Mas também gerou desafios, pelo risco de dissociação dessa política das necessidades de quem cuida, atendendo-se de forma prioritária às necessidades de quem é cuidado. Os contornos específicos que as aproximações e distanciamentos entre políticas de cuidado e reivindicações feministas adquiriram variaram no tempo e no espaço.

Tomando como base esse contexto mais geral, e visando a contribuir teórica, metodológica e empiricamente com convergências entre estudos de política pública e de gênero, neste artigo investigamos a aderência dos serviços de cuidado diário de crianças (zero a três anos) à agenda feminista de políticas de cuidado infantil, no Brasil, Argentina e Uruguai, durante o giro à esquerda.

Partindo do conceito de agenda de gênero, elaborado por Farah (2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, abr. 2004.), entendemos a agenda feminista de políticas públicas como a construção, impulsionada por movimentos feministas e de mulheres, de uma articulação de problemas públicos que reproduzem a desigualdade de gênero com soluções para superá-las, envolvendo direitos e políticas. Especificamente em relação ao cuidado infantil, essa articulação conecta a problemática da divisão sexual do trabalho à promoção de autonomia econômica das mulheres e igualdade no mundo do trabalho (BATTHYÁNY, 2004BATTHYÁNY, Karina. Cuidado infantil y trabajo: ¿un desafío exclusivamente femenino? Una mirada desde el género y la ciudadanía social. 1. ed. Montevideo: OIT; Cinterfor, 2004.; HIRATA; KERGOAT, 2008HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: COSTA, Albertina O.; SORJ, Bila; BRUSCHINI, Cristina; HIRATA, Helena (org.). Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 263-278.; AGUIRRE, 2009AGUIRRE, Rosario. Los cuidados familiares como problema público y objeto de políticas. In: AGUIRRE, Rosario. Las bases invisibles del bienestar social: el trabajo no remunerado en el Uruguay. Montevideo: Unifem Uruguay, 2009. p. 87-123.).

A investigação desse processo durante o giro à esquerda na AL justifica-se por essa conjuntura ter sido favorável à garantia de direitos a sujeitos historicamente discriminados, como mulheres e crianças pequenas. Isso não significa, contudo, que essa expectativa de inclusão se efetivou e, caso tenha ocorrido, que tenha sido homogênea nos distintos países.

Este artigo apresenta parte dos resultados de pesquisa mais ampla acerca da transversalidade de gênero nas políticas de cuidado infantil, no Brasil, na Argentina e no Uruguai, durante o giro à esquerda.1 1 Este trabalho foi desenvolvido com base nos resultados de pesquisa de doutorado intitulada Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda, de autoria de Mariana Mazzini Marcondes, e orientada pela professora Marta Ferreira Santos Farah. Nela, foram mobilizados dados primários (documentos e entrevistas) e secundários (revisão da literatura especializada de cada país). Em um recorte dessa investigação, debatemos, neste trabalho, o nível de aderência dos serviços diários de cuidado infantil à agenda feminista de políticas públicas, por meio de três indicadores parametrizados. A construção desses indicadores partiu de Blofield e Martínez-Franzoni (2014BLOFIELD, Merike; MARTÍNEZ-FRANZONI, Juliana. Trabajo, familia y cambios en la política pública en América Latina: equidad, maternalismo y corresponsabilidade. Revista Cepal, Santiago do Chile, n. 114, p. 117-125, 2014.), e considerou três dimensões: elegibilidade, cobertura e tipo de jornada do serviço.

Da análise dos resultados, evidenciamos que, durante o giro à esquerda, houve avanços mais notáveis na aderência à agenda feminista de políticas de cuidado infantil no Uruguai e mais limitados na Argentina, enquanto o caso brasileiro projetou-se como intermediário, ainda que possuísse a melhor linha de base (ponto de partida da comparação). Nos três casos, houve mudanças mais significativas na elegibilidade e na cobertura do que no tipo de jornada do serviço. Isso sugere que os avanços podem ser atribuídos, principalmente, ao reconhecimento dos direitos das crianças, e, secundariamente, às políticas de igualdade de gênero.

Este artigo está estruturado em seis partes, incluindo esta introdução. Na segunda, apresentamos a ancoragem teórica e o percurso metodológico. Nas seções subsequentes, investigamos cada um dos casos (Brasil, Argentina e Uruguai, respectivamente), comparando a política de cuidado durante o giro à esquerda, em relação a períodos anteriores. Por fim, nas considerações finais, trazemos a síntese dos resultados, traçamos comparações entre os casos e indicamos algumas das limitações da análise, assim como suas possíveis contribuições.

REFERENCIAL TEÓRICO E PERCURSO METODOLÓGICO

AGENDA POLÍTICA FEMINISTA E CORRESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PELO CUIDADO

Movimentos feministas e de mulheres atuam para transformar o Estado e a sociedade, em uma perspectiva de igualdade de gênero. Ao fazê-lo, mobilizam o que podemos denominar, partindo de Farah (2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, abr. 2004.), de agenda de igualdade de gênero (ou feminista). Embora essa agenda não se limite à reivindicação voltada ao Estado (por direitos e políticas), transbordando a fronteira estatal por ser essa uma trincheira estratégica para a luta feminista, nós a priorizamos neste artigo, denominando-a de agenda feminista de políticas públicas.

A definição de Farah (2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, abr. 2004.) retoma um conceito central dos estudos de política pública: o de formação da agenda (KINGDON, 2006KINGDON, John W. Como chega a hora de uma ideia? In: SARAVIA, Enrique; FERRAREZI, Elisabete (Org.). Políticas públicas: coletânea. Brasília: ENAP, 2006. v. 1. p. 219-225.; SUBIRATS et al., 2012SUBIRATS, Joan; KNOEPFEL, Peter; LARRUE, Corinne; VARONE, Frédéric. Análisis y gestión de políticas públicas. 2. ed. Barcelona: Planeta, 2012.; BARBEHÖN; MÜNCH; LAMPING, 2015BARBEHÖN, Marlon; MÜNCH, Sybille; LAMPING, Wolfram. Problem definition and agenda-setting in critical perspective. In: FISCHER, Frank et al. Handbook of critical policy studies. Boca Raton, Florida: Edward Elgar Publishing, 2015. p. 241-258.), adaptando-o à análise de políticas de igualdade de gênero. Nessas bases, entendemos a agenda feminista de políticas públicas como a construção de uma articulação de problemas públicos que reproduzem a desigualdade de gênero com soluções para superá-las, envolvendo direitos e políticas. Essa agenda, como a compreendemos, possui um efeito integrativo, perpassando todo o processo de política pública, desde a definição do problema público até a implementação de políticas (BARBEHÖN; MÜNCH; LAMPING, 2015).

A agenda impulsionada por movimentos feministas e de mulheres é disputada por e negociada entre múltiplos sujeitos (não apenas do movimento e/ou estatais). Nessa dinâmica, são mobilizadas ideologias, que podem tanto estabelecer e legitimar relações de dominação como desafiá-las e transformá-las (EAGLETON, 1991EAGLETON, Terry. Ideologia: Uma introdução. São Paulo: Fundação Editora Unesp, 1991.). As agendas feministas disputam significados ideológicos reprodutores da desigualdade de gênero, incrustrados no curso da ação estatal, para questioná-los e transformá-los em prol da igualdade. Agendas que se propõem a desafiar e transformar esses significados sedimentados o fazem por meio de um processo contraditório e heterogêneo, em que novas e tradicionais configurações de problemas e propostas de soluções coexistem (BANDEIRA, 2005BANDEIRA, Lourdes M. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília: Cepal; SPM, jan. 2005.).

A agenda feminista de políticas públicas abrange um conjunto amplo de articulações entre problemas de desigualdades de gênero e soluções para promover a igualdade (FARAH, 2004FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, abr. 2004.; BANDEIRA, 2005BANDEIRA, Lourdes M. Fortalecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília: Cepal; SPM, jan. 2005.), que, em uma abordagem interseccional (HILL COLLINS, 2015HILL COLLINS, Patricia. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: SOF, 2015. p. 13-42.), não se limita às relações de gênero, mas articula múltiplas formas de desigualdades (como classe e raça). Neste trabalho, realizamos um recorte específico dessa agenda: enfocamos o cuidado, mais especificamente, o cuidado infantil.

Com variações no tempo, no espaço e entre grupos feministas e de mulheres, a agenda feminista de política de cuidado abrangeu questionamentos ao comprometimento das ações estatais com o familismo e o maternalismo, que são constitutivos de práticas sociais de cuidado baseadas na divisão sexual do trabalho (HIRATA; KERGOAT, 2008HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: COSTA, Albertina O.; SORJ, Bila; BRUSCHINI, Cristina; HIRATA, Helena (org.). Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 263-278.; AGUIRRE, 2009AGUIRRE, Rosario. Los cuidados familiares como problema público y objeto de políticas. In: AGUIRRE, Rosario. Las bases invisibles del bienestar social: el trabajo no remunerado en el Uruguay. Montevideo: Unifem Uruguay, 2009. p. 87-123.). Para Kergoat (2009KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: HIRATA, Helena; LABORIE, Françoise; DOARÉ Hélène; SENOTIER, Daniele (org.). Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: Unesp, 2009. p. 67-75.), a divisão sexual do trabalho corresponde a uma forma de divisão social do trabalho que estabelece uma separação entre trabalhos segundo o gênero: o trabalho produtivo estaria associado ao masculino e o reprodutivo, ao feminino. Essa separação viria acompanhada da hierarquização, com o trabalho produtivo “valendo mais” que o reprodutivo. Ainda que a divisão sexual do trabalho tenha se transformado nas últimas décadas, com a consolidação da presença feminina no mercado laboral, isso não implicou a responsabilização masculina pela reprodução social (HIRATA; KERGOAT, 2008; AGUIRRE, 2009).

Com base nesses elementos teóricos, entendemos as práticas sociais de cuidado como problemáticas na medida em que as famílias, e dentro delas as mulheres (mães), respondem primordialmente, pelas necessidades de cuidado, o que relega à esfera pública, incluindo a ação estatal, um papel subsidiário (MARTÍNEZ-FRANZONI, 2005MARTÍNEZ FRANZONI, Juliana. Regímenes de bienestar en América Latina: consideraciones generales e itinerarios regionales. Revista Centroamericana de Ciencias Sociales. Costa Rica, v. 2, n. 2, p. 41-77, 2005. Available at: http://www.flacso.or.cr/fileadmin/documentos/FLACSO/revista4.pdf. Access on: Dec. 26, 2019.
http://www.flacso.or.cr/fileadmin/docume...
; AGUIRRE, 2009AGUIRRE, Rosario. Los cuidados familiares como problema público y objeto de políticas. In: AGUIRRE, Rosario. Las bases invisibles del bienestar social: el trabajo no remunerado en el Uruguay. Montevideo: Unifem Uruguay, 2009. p. 87-123.). Essa lógica é central para a reprodução da divisão sexual do trabalho.

Em uma abordagem que intersecciona desigualdades de gênero a outras formas de desigualdades (HILL COLLINS, 2015HILL COLLINS, Patricia. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: SOF, 2015. p. 13-42.), evidencia-se que essas práticas sobrecarregam desproporcionalmente mulheres negras, empobrecidas e imigrantes, entre outras. As mulheres com melhores condições econômicas (em países como o Brasil, majoritariamente brancas) podem delegar os trabalhos de cuidados a outras mulheres, por meio da contratação de serviços, como o das trabalhadoras domésticas (BRUSCHINI; LOMBARDI, 2000BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. A Bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 110, p. 67-104, jul. 2000.; HIRATA; KERGOAT, 2008HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: COSTA, Albertina O.; SORJ, Bila; BRUSCHINI, Cristina; HIRATA, Helena (org.). Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 263-278.). Já as mulheres que não possuem essas condições dependem das redes informais de família e vizinhança, do acúmulo de tarefa e da prática do “se virar” (HIRATA; KERGOAT, 2008). Além de serem elas, sobretudo, que são ocupadas no trabalho doméstico remunerado, cuja realidade é marcada pela má remuneração e precarização (BRUSCHINI; LOMBARDI, 2000).

Como resposta a esse diagnóstico, movimentos feministas e de mulheres têm proposto a corresponsabilização estatal, por meio da garantia de direitos e de implantação de políticas, o que abrange serviços diários de cuidado de crianças (BATTHYÁNY, 2004BATTHYÁNY, Karina. Cuidado infantil y trabajo: ¿un desafío exclusivamente femenino? Una mirada desde el género y la ciudadanía social. 1. ed. Montevideo: OIT; Cinterfor, 2004.; PÉREZ DE SIERRA, 2014PÉREZ DE SIERRA, Isabel. El ingreso de los cuidados en la agenda de gobierno en Uruguay: Diferentes interpretaciones, un mismo problema de desigualdad. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Sede México, México, 2014.; MARZONETTO, 2019MARZONETTO, Gabriela L. La política de los programas de cuidado infantil en América Latina: Un análisis comparado de Argentina, Chile y Uruguay (2005-2015). 2019. Tese (Doutorado em Ciencia Política, Escuela de Política y Gobierno) - Escuela de Política y Gobierno, Universidad Nacional de San Martín, 2019.). Embora a oferta desses serviços possa beneficiar a totalidade das pessoas que cuidam e que são cuidadas, ela é especialmente importante para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.

A agenda feminista para o cuidado infantil abrange, ainda, a interpelação às práticas institucionais dos serviços de cuidado infantil e a seu lugar privilegiado na promoção de infâncias e de construções de subjetividades mais igualitárias (FAINSTAIN; PÉREZ DE SIERRA, 2018FAINSTAIN, Luciana; PÉREZ DE SIERRA, Isabel. La incorporación de la perspectiva de género en centros de educación y cuidado a la primera infancia una aproximación a su evaluación. Revista Miríada: Investigación en Ciencias Sociales, v. 10, n. 14, p. 231-264, 2018.). Com os avanços de políticas de igualdade de gênero e de cuidado para a primeira infância, a agenda feminista é provocada a produzir reflexões e propostas que acompanhem esses processos e construam pontes entre eles, não sem tensões.

METODOLOGIA

Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa sobre transversalidade de gênero nas políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai, durante os governos de esquerda. Nela, foi realizado um estudo de casos qualitativo e comparado (GERRING, 2010GERRING, John. Case selection for case-study analysis: qualitative and quantitative techniques. In: BOX-STEFFENSMEIER, Janet M.; BRADY, Herny; COLLIER, David. The Oxford handbook of political methodology. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 645-684.), combinando dados primários e secundários. Esses foram depreendidos de pesquisas sobre o cuidado nos três países, e aqueles, de análise documental (normativos, relatórios e registros oficiais e não oficiais) e de 40 entrevistas semiestruturadas (representantes governamentais, de organizações da sociedade civil, academia e organismos internacionais).2 2 Mantivemos o anonimato nas entrevistas, identificando, na referência a elas, o segmento ao qual a pessoa pertence (p. ex. GOV), o país (p. ex. UY: Uruguay) e o ano de realização (p. ex. 2018).

O enfoque no giro à esquerda na AL reconheceu nessa conjuntura o potencial para ampliação de direitos e de políticas para efetivá-los, o que pode abarcar a igualdade de gênero e a atenção à infância. Entretanto, argumentamos que essa potencialidade não necessariamente se concretizou e, caso tenha ocorrido, pode ter variado entre os países. Nesse sentido, a análise comparada e qualitativa é fundamental para lançar luzes sobre o fenômeno.

A escolha dos países foi feita com base no escopo original da investigação, que era o de conhecer melhor o caso brasileiro, por meio de uma abordagem comparada com países latino-americanos que também haviam integrado o giro à esquerda. O critério adotado foi o de casos relativamente semelhantes ao Brasil, resultando na seleção da Argentina e do Uruguai.

Nos três países, o giro à esquerda ocorreu de forma ininterrupta, em períodos aproximados. O Partido dos Trabalhadores (PT) esteve à frente do governo federal brasileiro entre 2003 e 2016.3 3 O segundo governo de Dilma Rousseff foi interrompido pelo que parte do país denomina de golpe parlamentar e outra parte, de impeachment. O kirchinerismo argentino levou Néstor e Cristina Kirchner, ancorados na Frente para la Victoria (FPV),4 4 Em 2019, a esquerda voltou a ser eleita para presidir a Argentina (Alberto Fernández e Cristina Fernández Kirchner), tendo sido derrotada nas eleições uruguaias. a governar o país entre 2003 e 2015, enquanto o Frente Amplio (FA) governou o Uruguai de 2005 a 2019. Ademais, como observam Blofield e Martínez-Franzoni (2014BLOFIELD, Merike; MARTÍNEZ-FRANZONI, Juliana. Trabajo, familia y cambios en la política pública en América Latina: equidad, maternalismo y corresponsabilidade. Revista Cepal, Santiago do Chile, n. 114, p. 117-125, 2014.), os três casos possuem condições institucionais relativamente semelhantes para responder à transformação das relações entre trabalho e família.

Neste artigo, investigamos os serviços diários de cuidado de crianças de zero a três anos. Eles são emblemáticos de reivindicações históricas feministas pela desfamilização parcial dos cuidados, com corresponsabilização estatal, por meio de políticas públicas (BLOFIELD; MARTÍNEZ-FRANZONI, 2014BLOFIELD, Merike; MARTÍNEZ-FRANZONI, Juliana. Trabajo, familia y cambios en la política pública en América Latina: equidad, maternalismo y corresponsabilidade. Revista Cepal, Santiago do Chile, n. 114, p. 117-125, 2014.). Além disso, é em relação aos primeiros anos de idade da criança que há menor aceitação social do cuidado realizado fora da família, por outra pessoa que não a mãe (GHERARDI; PAUTASSI; ZIBECCHI, 2012GHERARDI, Natalia; PAUTASSI, Laura; ZIBECCHI, Carla. De eso no se habla: el cuidado en la agenda pública - Estudio de opinión sobre la organización del cuidado. Buenos Aires: Equipo Latinoamericano de Justicia e Género (ELA), 2012.; BATTHYÁNY; GENTA; SCAVINO, 2017BATTHYÁNY, Karina; GENTA, Natalia; SCAVINO, Sol. Análise de gênero das estratégias de cuidado infantil no Uruguai. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 163, p. 292-319, 2017.).

Esses serviços visam tanto ao apoio às famílias quanto ao desenvolvimento sociocognitivo das crianças. Eles integram, em regra, cuidado e educação e, eventualmente, assistência social, saúde e nutrição e igualdade de gênero. Ainda que, atualmente, haja um componente educacional nos três casos, essa política pode ou não estar incluída nos sistemas educativos formais. A não inclusão é o que denominamos de educação não formal.5 5 Educação não formal é a expressão empregada na Argentina e no Uruguai.

A oferta desses serviços pode ser pública (direta, quando estatal, ou indireta, por parceria com organizações privadas) ou privada (com ou sem fins lucrativos) (MARCONDES, 2013MARCONDES, Mariana M. A corresponsabilização do Estado pelo cuidado: uma análise sobre a política de creches do PAC-2 na perspectiva da divisão sexual do trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.; PÉREZ DE SIERRA, 2014PÉREZ DE SIERRA, Isabel. El ingreso de los cuidados en la agenda de gobierno en Uruguay: Diferentes interpretaciones, un mismo problema de desigualdad. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Sede México, México, 2014.; MARZONETTO, 2019MARZONETTO, Gabriela L. La política de los programas de cuidado infantil en América Latina: Un análisis comparado de Argentina, Chile y Uruguay (2005-2015). 2019. Tese (Doutorado em Ciencia Política, Escuela de Política y Gobierno) - Escuela de Política y Gobierno, Universidad Nacional de San Martín, 2019.). Analisamos, principalmente, a oferta pública e, secundariamente, a privada, inclusive porque, também nessa modalidade, há ação estatal, por meio da regulamentação dos serviços. Em ambos os casos, enfatizamos a oferta diária, uma vez que aqueles que não têm essa frequência não se prestam à desfamilização do cuidado.

Enfocamos, sobretudo, a política instituída, por meio de indicadores construídos e parametrizados com base em Blofield e Martínez-Franzoni (2014BLOFIELD, Merike; MARTÍNEZ-FRANZONI, Juliana. Trabajo, familia y cambios en la política pública en América Latina: equidad, maternalismo y corresponsabilidade. Revista Cepal, Santiago do Chile, n. 114, p. 117-125, 2014.) e de nosso referencial teórico. Para a construção dos indicadores consideramos três dimensões (ou variáveis): elegibilidade, cobertura e tipo de jornada do serviço. E, para a parametrização, a variação do nível de aderência à agenda feminista, em quatro níveis: do mais baixo (1) ao mais alto (4). O Quadro 1 apresenta o instrumental de análise utilizado.

QUADRO 1
INDICADORES PARAMETRIZADOS PARA ANÁLISE: CLASSIFICAÇÃO POR NÍVEIS E CORES

A elegibilidade diz respeito a quem é (ou não) assegurado o acesso ao serviço. Para parametrizarmos sua análise, consideramos quatro níveis de aproximação/distanciamento da universalização (MARTÍNEZ-FRANZONI; SÁNCHEZ-ANCOCHEA, 2016MARTÍNEZ-FRANZONI, Juliana; SÁNCHEZ-ANCOCHEA, Diego. The Quest for Universal Social Policy in the South: Actors, Ideas and Architectures. Cambridge University Press, 2016.; COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E CARIBE - CEPAL, 2016). O nível mais baixo é o acesso mediado pelo vínculo empregatício e/ou focalização na vulnerabilidade social (1). A orientação para a universalização (2) traz avanços comparativos, por valorizar o cuidado como um direito de toda a sociedade. Entretanto, ao pressupor a igualdade formal em contextos de desigualdades materiais, o universalismo acaba por reproduzir desigualdades.

Em um olhar interseccional, a universalização se torna mais abrangente à medida que as políticas são desenhadas para enfrentar as desigualdades. Nesse sentido, o universalismo progressivo (3) traz uma atenção especial a quem mais sofre os efeitos das desigualdades, na impossibilidade de garantir a provisão universal. O conceito foi extraído do campo de pesquisa: ele é um princípio orientador do Sistema Nacional Integrado de Cuidado (SNIC) uruguaio. Em um contexto de recursos escassos, ele implica a implantação de políticas priorizando grupos sociais com maiores necessidades para, paulatinamente, alcançar a totalidade da população (URUGUAY, 2014, 2017). Trata-se de um esforço de superar a dicotomia universalização-focalização. É, contudo, no universalismo sensível a diferenças (4) (CEPAL, 2016) que são consideradas, sistematicamente, as desigualdades (classe, raça, etnia, etc.), em uma abordagem integrada. É nessa formulação que reconhecemos a elegibilidade mais inclusiva e, portanto, mais aderente.

O indicador de cobertura complementa o de elegibilidade, por enfocar o efetivado, e não o instituído. Em nenhum dos três países o ensino para crianças de zero a três anos é obrigatório. Por conseguinte, a desfamilização limita-se à oferta do serviço; as famílias podem preferir outros arranjos, inclusive por razões culturais (GHERARDI; PAUTASSI; ZIBECCHI, 2012GHERARDI, Natalia; PAUTASSI, Laura; ZIBECCHI, Carla. De eso no se habla: el cuidado en la agenda pública - Estudio de opinión sobre la organización del cuidado. Buenos Aires: Equipo Latinoamericano de Justicia e Género (ELA), 2012.; BATTHYÁNY; GENTA; SCAVINO, 2017BATTHYÁNY, Karina; GENTA, Natalia; SCAVINO, Sol. Análise de gênero das estratégias de cuidado infantil no Uruguai. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 163, p. 292-319, 2017.). Portanto, avaliamos que acima de 50% a cobertura pode ser considerada alta (4), por atingir a maioria das crianças dessa faixa etária (MARTÍNEZ-FRANZONI; SÁNCHEZ-ANCOCHEA, 2016MARTÍNEZ-FRANZONI, Juliana; SÁNCHEZ-ANCOCHEA, Diego. The Quest for Universal Social Policy in the South: Actors, Ideas and Architectures. Cambridge University Press, 2016.). Tomando como base esse nível mais alto, construímos uma escala para os três níveis.

Esses dois indicadores permitem debater a corresponsabilização estatal e a desfamilização parcial. Entretanto, eles não trazem um olhar para as especificidades das relações de gênero, razão pela qual agregamos um terceiro indicador, mais sensível a esse aspecto. Com base nele, miramos o tempo de cuidar, por meio da análise do tipo de jornada do serviço. Ele serve como uma proxy para discutir quem é reconhecido pela estruturação da política como titular de direitos (quem é cuidado, quem cuida ou ambos). A jornada do serviço revela quais necessidades são consideradas, o que torna as contribuições sobre o uso do tempo essenciais para aferirmos a desfamilização dos cuidados (BATTHYÁNY, 2004BATTHYÁNY, Karina. Cuidado infantil y trabajo: ¿un desafío exclusivamente femenino? Una mirada desde el género y la ciudadanía social. 1. ed. Montevideo: OIT; Cinterfor, 2004.; AGUIRRE, 2009AGUIRRE, Rosario. Los cuidados familiares como problema público y objeto de políticas. In: AGUIRRE, Rosario. Las bases invisibles del bienestar social: el trabajo no remunerado en el Uruguay. Montevideo: Unifem Uruguay, 2009. p. 87-123.). No que se refere a quem cuida, nossa análise limitou-se a quem responde pelo cuidado não remunerado no âmbito familiar, não abarcando quem cuida no âmbito das instituições (educadoras, assistentes sociais, etc.), nem as trabalhadoras domésticas remuneradas.

A parametrização desse indicador remete ao grau de sincronicidade entre o tempo de cuidado assumido pelo serviço e aquele que quem cuida necessita ter disponível para, por exemplo, se inserir no mercado formal de trabalho, cujas jornadas são, em regra, de oito horas diárias. O nível mais baixo é a jornada parcial (1), de até quatro horas diárias, uma vez que ela não considera as necessidades de quem cuida de ter tempo para outras atividades, para além de suas responsabilidades familiares. A jornada mista (2), parcial ou integral, implica avanços, por ampliar o tempo de cuidado desfamilizado, enquanto a jornada mista que possua mecanismos de estímulo à jornada integral ou à extensão da jornada (3) torna esse avanço ainda mais efetivo. Por fim, a jornada flexível (4) é aquela que é modulada pelas necessidades familiares, combinando diferentes tipos de turno com estratégias de extensão do período para, por exemplo, atender mães e pais que trabalham nos finais de semana e em horários noturnos.

As três próximas seções são dedicadas à aplicação desses indicadores parametrizados em cada um dos casos. Nas considerações finais, traçamos comparações entre os casos, classificando os resultados de acordo com o Quadro 1.

BRASIL: RESULTADOS

ANTECEDENTES

A Constituição Federal de 1988 (CF-88) foi um marco na configuração dos serviços de cuidado infantil para zero a três anos (creches) como direito (MARCONDES, 2013MARCONDES, Mariana M. A corresponsabilização do Estado pelo cuidado: uma análise sobre a política de creches do PAC-2 na perspectiva da divisão sexual do trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.; CRUZ, 2017CRUZ, Maria do Carmo M. T. A implementação da política de creches nos municípios brasileiros após 1988: avanços e desafios nas relações intergovernamentais e intersetoriais. 2017. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017.). Isso se deveu à incidência de movimentos feministas e de mulheres e de defesa de direitos das crianças (ROSEMBERG, 1984ROSEMBERG, Fúlvia. O movimento de mulheres e a abertura política no Brasil: O caso da creche. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 51, p. 73-79, nov. 1984.). Como resultante, as creches foram previstas no texto constitucional com um duplo caráter: direito à educação das crianças pequenas, orientado à universalização, e direito ao trabalho de quem é responsável pelo cuidado.

Nas décadas subsequentes, a política de creches foi marcada por uma ambiguidade entre diretrizes normativas e a realidade cotidiana, levando-a a habitar o “entrelugar” da educação formal e não formal. No plano legal, a educação infantil (creches e pré-escola) foi definida como a primeira etapa da educação básica formal, cabendo às creches atender as crianças de zero a três anos (BRASIL, 1996). A efetivação desses dispositivos, contudo, não ocorreu plenamente, e as creches seguiram atreladas a programas e financiamento da assistência social (ROSEMBERG, 2001ROSEMBERG, Fúlvia. Políticas educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990. Cadernos Pagu, Campinas, n. 16, p. 151-197, 2001.; MARCONDES, 2013MARCONDES, Mariana M. A corresponsabilização do Estado pelo cuidado: uma análise sobre a política de creches do PAC-2 na perspectiva da divisão sexual do trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.). Em 1996, a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) reorganizou o financiamento da política educacional brasileira. Entretanto, ele não abrangeu a educação infantil (CRUZ, 2017CRUZ, Maria do Carmo M. T. A implementação da política de creches nos municípios brasileiros após 1988: avanços e desafios nas relações intergovernamentais e intersetoriais. 2017. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017.). Em resumo, a elegibilidade no período orientou-se pela universalização, com substantivas limitações.

Em 2002, a cobertura das creches alcançava 11,7% das crianças de zero a três anos, considerando a rede como um todo (pública e privada), havendo acentuadas diferenças sociais (classe e raça) e territoriais (regionais e urbano-rural) (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA, 2018). Trata-se de um resultado pouco acima do nível mais baixo considerado em nossa análise (10% de cobertura).

As vagas ofertadas eram, em sua maioria, públicas e predominava a jornada integral (em 2003, 56% das unidades tinham jornadas de oito ou mais horas) (BRASIL, 2009b). Assim, apesar da cobertura restrita, a oferta pública era expressiva e havia algum nível de articulação entre as jornadas do serviço e a laboral, ainda que inexistissem mecanismos específicos para estimulá-la. O tipo de jornada era, portanto, a jornada mista.

Em síntese, nos antecedentes ao giro à esquerda, a CF-88 foi o marco para uma inédita garantia de direitos às creches, de orientação universalizante, com atenção a quem cuida e a quem é cuidado. As décadas seguintes, entretanto, não garantiram condições para a efetivação desses comandos. Recorrendo a Rosemberg (2001ROSEMBERG, Fúlvia. Políticas educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990. Cadernos Pagu, Campinas, n. 16, p. 151-197, 2001.), podemos assinalar duas possíveis causas. Primeiramente, a priorização de outras etapas da educação básica, como o ensino fundamental; e, ainda, porque a concepção de políticas sociais da CF-88 esteve em disputa com outra que ganhou força: a neoliberal. Nela, preconizou-se a diminuição do gasto estatal na área social e a focalização na pobreza. Consequentemente, a trajetória da política de creches habitou um “entrelugar” da educação formal e não formal.

GIRO À ESQUERDA

Ainda durante o primeiro governo Lula, desenvolveram-se condições para a integração das creches à educação formal. Isso resultou de um duplo movimento. De um lado, houve a reorganização da política de assistência, com a criação do Sistema Único de Assistência Social; e, por outro, foi instituída uma fonte de financiamento da política educacional que incluiu a primeira infância. Isso se deu em 2007, com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que substituiu o Fundef (CRUZ, 2017CRUZ, Maria do Carmo M. T. A implementação da política de creches nos municípios brasileiros após 1988: avanços e desafios nas relações intergovernamentais e intersetoriais. 2017. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017.). As creches foram incluídas na versão final do Fundeb, em resposta à pressão social, e com isso sua incorporação ao sistema educacional tornou-se possível, tendo sido concluída em 2010 (MARCONDES, 2013MARCONDES, Mariana M. A corresponsabilização do Estado pelo cuidado: uma análise sobre a política de creches do PAC-2 na perspectiva da divisão sexual do trabalho. 2013. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.).

Foi nesse contexto que a educação infantil (creches e pré-escola) foi erigida como uma das prioridades da agenda social dos governos petistas. Ela foi incluída no portfólio da segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2) (BRASIL, 2014b), o que ampliou medidas de assistência financeira a entes subnacionais para construção, reforma e aquisição de equipamentos e mobiliários para creches e pré-escolas, propiciando a abertura de novas vagas. No PAC-2, foi previsto investimento em 6.000 creches e pré-escolas (sem diferenciação das duas etapas), totalizando R$ 7,6 bilhões, sendo que em 2014, último ano de vigência, haviam sido investidos R$ 7,7 bilhões, com 2.364 unidades concluídas (BRASIL, 2014b).

As creches também se fizeram presentes nas políticas de combate à pobreza, sobretudo a partir de 2012. Nesse ano, foi instituído o Brasil Carinhoso, uma ação do Programa Brasil Sem Miséria, congregando iniciativas intersetoriais de transferência de renda e ampliação de serviços de saúde e educação infantil (CRUZ, 2017CRUZ, Maria do Carmo M. T. A implementação da política de creches nos municípios brasileiros após 1988: avanços e desafios nas relações intergovernamentais e intersetoriais. 2017. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017.). Na educação infantil, foi prevista a ampliação do acesso para as crianças empobrecidas de zero a 48 meses (quatro anos), por meio de um conjunto de ações, a exemplo da suplementação, pelo governo federal, de recursos do Fundeb para a rede pública municipal (direta e indireta). Em 2015, foram beneficiadas cerca de 640 mil crianças, distribuídas em 97% dos municípios brasileiros (CRUZ, 2017).

O Brasil Carinhoso representa uma importante iniciativa para enfrentar desigualdades no âmbito de uma política orientada para a universalização. Outras iniciativas também despontaram, a exemplo do Grupo de Trabalho para expansão da educação infantil no campo (BRASIL, 2014a), ou da elaboração de materiais de apoio a profissionais da educação infantil sobre relações raciais (SILVA JR.; BENTO; CARVALHO, 2012SILVA Jr., Hédio; BENTO, Maria Aparecida; CARVALHO, Silvia P. (coord.). Educação infantil e práticas promotoras de igualdade racial. Brasília: MEC, 2012.). Essas medidas não produziram uma articulação sistêmica entre orientação universalizante e desigualdades, mas, ainda assim, correspondem a uma iniciativa que se aproxima do universalismo sensível a diferenças.

O alcance do instituído deve ser contrastado com o efetivado. Enquanto em 2002, 11,7% das crianças de zero a três anos estavam matriculadas em creche, em 2016 elas totalizavam 30,4% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2017).6 6 Os dados não são perfeitamente comparáveis; os de 2016 foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que trouxe mudanças metodológicas. Ainda assim, evidencia-se uma tendência de expansão da cobertura. Houve, portanto, uma variação positiva para a cobertura, ainda que com assimetrias sociais (classe e raça) e territoriais (regionais e urbano-rural) (IPEA, 2018). Apesar de ter havido uma expansão notável, a cobertura das creches esteve bastante aquém da cobertura da pré-escola, que, para o mesmo período, abrangia cerca de 92% das crianças de quatro a cinco anos (IBGE, 2017).

Essa diferença entre as duas etapas da educação infantil pode ser efeito dos distintos tratamentos legais conferidos às creches e pré-escolas no período, o que influenciou a expansão da cobertura desse último serviço. Em 2009, foi editada uma Emenda Constitucional que tornou o ensino obrigatório a partir dos quatro anos, com progressiva implementação até 2016, período em que a obrigatoriedade passou a ser exigível (BRASIL, 2009a). Assim, as creches constituíam-se na única etapa não obrigatória de ensino no país.

Em relação ao tipo de jornada, com a incorporação das creches ao sistema educacional, o horário de funcionamento passou a ser diurno, em período parcial (quatro até sete horas) ou integral (mínimo de sete horas), não sendo mais autorizado o horário noturno (BRASIL, 2012). Houve, contudo, avanços no estímulo à adoção da jornada integral, por meio da criação de mecanismos de indução, a exemplo do método de cálculo do repasse de valores do Fundeb, que privilegiou essa modalidade (BRASIL, 2008).

A despeito da criação desses mecanismos, as creches assumiram um viés “escolarizante”, em que predominou o objetivo do desenvolvimento infantil sobre os demais, e que traz obstáculos à atenção às necessidades de quem cuida. Nesse sentido, foi emblemática a decisão do Conselho Nacional de Educação (CNE) de ter, como regra, o fechamento das creches em finais de semana, férias e recessos (BRASIL, 2012). Assim, não foi reconhecida a esses estabelecimentos a vinculação com as necessidades de quem cuida dentro das famílias.

Importante observar que, a despeito da educação infantil constituir-se na etapa do sistema educacional com maior número relativo de matrículas em tempo integral, se considerarmos a oferta para creches e pré-escola nessa modalidade, constatamos que ela esteve entre 28 e 29% durante os anos de 2014 a 2017 (BRASIL, 2019).

Há, nesse aspecto, uma ambiguidade. Houve uma evolução do indicador sobre tipo de jornada, à medida que a jornada mista passou a contar com mecanismos de ampliação da integral. Mas, a despeito da criação desses mecanismos, houve uma desarticulação entre as jornadas laboral e escolar, em comparação ao paradigma assistencial, predominante no período anterior. Nesse, a jornada de prestação de serviços levava em conta o tempo que quem cuida no âmbito familiar dedica à inserção no mercado de trabalho.

Em síntese, o que observamos, durante o giro à esquerda no Brasil, foi uma tendência de priorização do direito à educação das crianças, o que vinha despontando desde a década de 1990. De um lado, isso contribuiu para alavancar os indicadores da elegibilidade e cobertura, uma vez que essa forma de estruturação aumenta sua abrangência. Mas, de outro, isso trouxe desafios para garantir que as necessidades de quem cuida e de quem é cuidado fossem atendidas de forma integrada, assim como preconizava a CF-88, e como reivindicavam as feministas.

ARGENTINA: RESULTADOS

ANTECEDENTES

Antes do início dos governos kirchneristas, os serviços para cuidado infantil argentinos também habitaram o “entrelugar” das políticas educacionais, de proteção ao emprego e de atenção à vulnerabilidade, resultando em uma fragmentação de soluções, conforme a faixa etária das crianças. Desde a década de 1970, os serviços de cuidado infantil integraram a proteção ao trabalho formal, por meio da Ley de Contrato de Trabajo (LCT) (ARGENTINA, 1974), cuja eficácia foi limitada pela ausência de regulamentação e fiscalização (GHERARDI; PAUTASSI; ZIBECCHI, 2012GHERARDI, Natalia; PAUTASSI, Laura; ZIBECCHI, Carla. De eso no se habla: el cuidado en la agenda pública - Estudio de opinión sobre la organización del cuidado. Buenos Aires: Equipo Latinoamericano de Justicia e Género (ELA), 2012.). Na década de 1990, durante o governo Menem, houve uma reforma educacional no país (ARGENTINA, 1993). Nela, as etapas iniciais estruturam-se com base nos jardines de infantes (crianças de três a cinco anos, sendo obrigatória para essas últimas) e jardines maternales (faixa etária inferior a três). Os maternales deveriam ser providos por entes subnacionais, caso necessário, por meio do apoio a instituições comunitárias, como uma “ajuda” a famílias.

O atendimento de crianças com menos de três anos coube, sobretudo, aos jardines comunitarios. Segundo Zibecchi (2014ZIBECCHI, Carla. ¿Cómo se cuida en Argentina? Definiciones y experiencias sobre el cuidado de niños y niñas. Buenos Aires: ADC; CIEPP; ELA, 2014.), eles surgiram principalmente em territórios vulneráveis, para suprir a carência da rede pública, e eram, em regra, filantrópicos ou autogestionados. Seus objetivos eram diversos (guarda, assistência e alimentação e educação) (MARZONETTO, 2019MARZONETTO, Gabriela L. La política de los programas de cuidado infantil en América Latina: Un análisis comparado de Argentina, Chile y Uruguay (2005-2015). 2019. Tese (Doutorado em Ciencia Política, Escuela de Política y Gobierno) - Escuela de Política y Gobierno, Universidad Nacional de San Martín, 2019.) e, excepcionalmente, podiam contar com algum tipo de financiamento público (ZIBECCHI, 2014ZIBECCHI, Carla. ¿Cómo se cuida en Argentina? Definiciones y experiencias sobre el cuidado de niños y niñas. Buenos Aires: ADC; CIEPP; ELA, 2014.).

Nesse contexto, a elegibilidade construiu-se de forma fragmentada. A faixa de três anos, por estar mais claramente inserida no sistema educacional, orientou-se pela lógica de universalização progressiva, ainda que a matrícula não fosse obrigatória. Já a provisão para as crianças mais novas era ou mercadorizada pela oferta privada lucrativa (em jardines, como os maternales) ou atendida por jardines comunitarios, com focalização na pobreza e excepcionalmente contando com financiamento do Estado.

A fragmentação da elegibilidade teve efeitos sobre a cobertura do serviço. O atendimento por jardines infantiles beneficiava, em 2001, cerca de 30% das crianças de três anos (ARGENTINA, 2010). Segundo Ferro (2008), essa cobertura era majoritariamente pública (54% das matrículas), mesmo que com disparidades de acesso sociais e territoriais. Ainda segundo a autora, em relação à educação não formal, ofertada para as crianças com menos de três anos, não há dados consolidados; esses são fragmentados, sobrepostos e há contradições, o que, em si, é um dado sobre a sua (não) incorporação às políticas públicas (FERRO, 2008).

Por fim, o tipo de jornada adotado em âmbito nacional para a faixa de zero a três anos era de meio período, nos turnos matutino ou vespertino (ARGENTINA, 2001). Nos jardines comunitarios ocorriam jornadas estendidas, embora elas não fossem padronizadas, uma vez que não houve regulamentação estatal (ZIBECCHI, 2014ZIBECCHI, Carla. ¿Cómo se cuida en Argentina? Definiciones y experiencias sobre el cuidado de niños y niñas. Buenos Aires: ADC; CIEPP; ELA, 2014.).

Em resumo, a linha de base da comparação, no caso argentino, era mais limitada do que no brasileiro, além de ser marcada pela fragmentação de abordagens institucionais. As crianças argentinas de três anos possuíam alguma incorporação à educação formal e, por conseguinte, os serviços que as atendiam eram mais estruturados; a atenção de crianças com menos de três anos não era reconhecida como um problema público, que pressupunha políticas estruturadas.

GIRO À ESQUERDA

Durante os governos kirchineristas, os serviços para crianças de zero a três anos integraram uma nova reforma educacional. Nela, assim como em 1993, os jardines infantiles foram destinados a crianças de três a cinco anos e os jardines maternales, às crianças de 45 dias até dois anos. Entretanto, houve importantes mudanças.

Primeiramente, colocou-se em marcha a universalização progressiva para as crianças de quatro e três anos, com ensino obrigatório para as primeiras (ARGENTINA, 2006, 2015a). Ademais, foram definidos critérios educacionais para o atendimento das crianças de até três anos. Ainda que para o atendimento dessas últimas não se tenha excluído arranjos da educação não formal (sala de jogos, multiedades, plurisalas, etc.), esses foram definidos como parte de uma unidade pedagógica, o que incluiu a definição de parâmetros para a regulação e supervisão desses serviços pelas instituições educacionais. As diferenciações entre faixas etárias foram, portanto, mantidas, mas o paradigma educacional instalou-se para além do ensino obrigatório, e a atenção às crianças de até três anos também passou a ser um problema legitimado para a intervenção estatal.

Foi nesse contexto que se deu a criação, em âmbito nacional, dos denominados Centros de Desarrollo Infantil (CDI) (ARGENTINA, 2007). A instituição dos CDI, como observou a entrevistada SC2-Arg (2017), tinha como objetivo “ordenar lo que existía”. O CDI atendia crianças de 45 dias a quatro anos, com prioridade para a vulnerabilidade social, integrando educação e saúde, alimentação adequada e apoio às famílias (ARGENTINA, 2007). Eles foram criados no âmbito do Ministerio de Desarrollo Social (MDS), como parte de um esforço de incorporação de jardines comunitarios e iniciativas análogas à rede de serviços de cuidado infantil financiada ou ofertada pelo Estado (AULICINO, 2015AULICINO, Carolina. El desafío es hoy: un análisis de los retos hacia la integralidad en las políticas de primera infancia en Argentina - el caso del programa nacional Primeros años. 2015. Dissertação (Mestrado em Administração e Políticas Públicas) - Universidad de San Andrés, Buenos Aires, 2015.).

Assim, durante o kirchnerismo, os serviços analisados foram reestruturados, garantindo-os como um direito das crianças de zero a três anos ao cuidado e à educação (formal e não formal), ainda que se tenha mantido a fragmentação institucional na oferta, segundo as faixas etárias. Consolidou-se, assim, uma elegibilidade do tipo universalismo progressivo. Nela, há algum nível de priorização a quem mais sofre os efeitos das desigualdades, na impossibilidade de garantir a provisão universal, o que também traz resquícios de uma lógica focalizada.

É necessário contrastar a elegibilidade com a cobertura (ARGENTINA, 2013). Em 2012,7 7 Utilizamos os dados de 2012 por ser um esforço de contabilizar educação formal e não formal, que não possui uma série histórica, ainda que eles não digam respeito ao final do governo e sejam limitados à área urbana. para as crianças de três anos, ela atingiu um patamar alto (50,5%), resultante de uma tendência que já se observava antes do giro à esquerda (cobertura de 30%). Entretanto, à medida que nos atemos às crianças mais novas, observamos um decréscimo da cobertura. Com efeito, ela era de 20% para as crianças de dois anos, mas não alcançava os 10% para aquelas abaixo dessa faixa etária (ARGENTINA, 2013). Para as crianças de menos de três anos a comparação é inviável, pois, como vimos, não há uma série histórica de dados disponível (FERRO, 2008). Assim como no Brasil, o caso argentino seguiu sendo marcado por desigualdades sociais e territoriais na oferta desses serviços (ARGENTINA, 2013).

A maior presença de oferta pública ou privada também variou, conforme a faixa etária considerada, tendo sido mais expressiva no sistema de educação formal (ARGENTINA, 2015b; MARZONETTO, 2019MARZONETTO, Gabriela L. La política de los programas de cuidado infantil en América Latina: Un análisis comparado de Argentina, Chile y Uruguay (2005-2015). 2019. Tese (Doutorado em Ciencia Política, Escuela de Política y Gobierno) - Escuela de Política y Gobierno, Universidad Nacional de San Martín, 2019.). Houve, portanto, maior desfamilização do cuidado infantil na faixa de três anos do que para as crianças menores. Essa desfamilização, todavia, foi limitada em relação ao tempo, como indica a análise do tipo de jornada. Com efeito, a jornada parcial manteve-se como a regra (MARZONETTO, 2019). Em 2015, 8,5% das crianças matriculadas em jardines maternales estavam em jornada integral (ARGENTINA, 2015b). Entretanto, a despeito de não ter havido medidas para estimular essa jornada, a entrevistada SC2-Arg (2017) identificou algumas nuances entre serviços da educação formal e não formal:

Los jardines maternales tienen horario y ritmo de funcionamiento más parecido con el escolar, con una lógica de maestro que trabaja con primera infancia. Y el CDI está en suerte de tareas de guardería, puede tener alguna actividad suelta [...] Tiene horarios que quedan más cómodo para las familias, que trabajan muchas horas.

Como destacou a entrevistada, enquanto a educação infantil compartilhava do padrão prevalecente no sistema formal (jornada parcial), sem sincronia com as necessidades de quem cuida, no CDI havia maior flexibilidade, podendo haver alguma aproximação com a jornada laboral. A despeito dessa possibilidade, em relação ao tipo de jornada, o nível de aderência no caso argentino seguiu baixo, por ter a jornada parcial como regra.

Em síntese, durante os governos de esquerda na Argentina, a progressiva incorporação das crianças de zero a três anos à educação infantil resultou no reconhecimento delas como titulares de direitos. Entretanto, isso não abrangeu quem exerce o cuidado familiar, o que resultou em menor aderência às agendas políticas feministas.

URUGUAI: RESULTADOS

ANTECEDENTES

O Uruguai, assim como a Argentina, ostentava uma tradição de sistema educacional massivo, nos antecedentes ao giro à esquerda. Entretanto, a faixa de zero a três anos não era coberta pela política educacional uruguaia;8 8 Nos antecedentes, o ensino era obrigatório a partir dos cinco anos, com previsão de progressiva universalização da cobertura para os quatro (URUGUAY, 1998). a oferta de serviços para ela era provida pelo setor privado, autorizada e fiscalizada por instituições estatais, ou se restringia à focalização na vulnerabilidade (BATTHYÁNY, 2004BATTHYÁNY, Karina. Cuidado infantil y trabajo: ¿un desafío exclusivamente femenino? Una mirada desde el género y la ciudadanía social. 1. ed. Montevideo: OIT; Cinterfor, 2004.). Nesse último caso, em âmbito nacional, a principal iniciativa foi o Centro de Atención a la Infancia y la Familia (Caif), criado em 1989, no âmbito do Instituto del Niño y Adolescente del Uruguay (Inau). Ele visava à atenção integral às crianças em vulnerabilidade, combinando cuidado, educação, saúde, nutrição e apoio às famílias, por meio de uma parceria entre governos e sociedade civil, mas, ainda que incorporasse alguma preocupação com as necessidades familiares, seu foco era o desenvolvimento infantil (FASSLER, 2007FASSLER, Clara (coord.). Mesa de diálogo: Políticas de inclusión social - Análisis y propuestas. Ediciones Trilce, Montevideo, Uruguay. Montevideo: Red Género y Família, 2007.).

A oferta do Caif foi organizada em duas modalidades (URUGUAY, 2015). A primeira, a diária, incluiu a educação inicial não formal para crianças de dois e três anos, em regime parcial, embora pudesse excepcionalmente adotar jornada integral. A segunda, a estimulación oportuna, atendia crianças de até dois anos, oferecendo oficinas semanais para o desenvolvimento psicomotriz das crianças, alimentação adequada e engajamento das famílias em seu cuidado. Essa última modalidade não era, portanto, de cuidado diário.

A elegibilidade, para os serviços diários, assentava-se, portanto, ou na iniciativa privada ou na oferta pública para crianças pobres de dois a três anos. A despeito disso, a cobertura total de serviços (pública e privada) para zero a três anos era de cerca de 24,5%, em 2005. Assim como nos demais países, essa oferta comportava disparidades entre faixas etárias, grupos sociais e distribuição territorial (URUGUAY, 2006). Por fim, no que diz respeito ao tipo de jornada, enfocando apenas o Caif, podemos observar que a única modalidade de cuidado diário (dois a três anos) era ofertada em jornada parcial.

GIRO À ESQUERDA

Ainda no início dos governos frenteamplistas, foi realizada uma reforma educacional, que tornou obrigatório o ensino a partir de quatro anos, além de ter reorganizado a oferta para crianças de zero a três anos (URUGUAY, 2009). Em 2015, com a criação do SNIC, o cuidado infantil ganhou especial relevância na agenda governamental, uma vez que ele se tornou uma das prioridades do sistema (PÉREZ DE SIERRA, 2014PÉREZ DE SIERRA, Isabel. El ingreso de los cuidados en la agenda de gobierno en Uruguay: Diferentes interpretaciones, un mismo problema de desigualdad. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Sede México, México, 2014.; URUGUAY, 2014).

No âmbito do SNIC foi previsto um portfólio variado de serviços de cuidado infantil. Isso incluiu a oferta privada, com os Centros de Educación Infantil, fiscalizados pelo MEC, que excepcionalmente complementa a oferta pública por meio de bolsas. No âmbito da educação formal, importante destaque foi conferido aos jardines de infantes, que educam e cuidam de crianças de três a cinco anos, tendo o SNIC previsto a universalização do acesso neles para a faixa de três anos, em jornada parcial (URUGUAY, 2014). Como observou GOV3-Uy (2017), a meta é “crecer en 3 años y, a la medida que crecemos en los 3 años, libera cupos de servicios de Inau y Inau se va concentrando, lentamente, de 0 a 2 años”. Assim, a universalização para os três anos contribuiria para a liberação de vagas na educação não formal (política para a infância) para as crianças de zero a dois anos

A educação não formal, de competência do Inau, complementa a formal e enfoca, sobretudo, crianças de até três anos, por meio de iniciativas como os Centros Caif e os Centros de Atención a la Primera Infancia (Capi). Enquanto o primeiro é realizado por meio de parcerias do Estado com organizações da sociedade civil, o segundo é público. A oferta diária dos dois serviços, em jornada parcial ou integral (mas, sobretudo, parcial), atende crianças de dois a três anos, no caso do Caif, e de zero a três anos, no caso do Capi.

A meta do SNIC para o Caif é ampliar a oferta e reorganizar o modelo de atenção (LÓPEZ, 2016LÓPEZ, Claudia R. Sistema Nacional Integrado de Cuidados. ¿Una política pública que contribuye a la igualdad de género en Uruguay? 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), Sede México, México, 2016.), priorizando a oferta de vagas, em modalidade diária, para a faixa de zero a dois anos (URUGUAY, 2017). De 2015 até 2017, foram inaugurados 40 novos centros, totalizando 54.593 crianças atendidas nesse último ano (URUGUAY, 2017). O Capi tem cobertura mais limitada; em 2017, havia 34 em todo o país, que atendiam cerca de 1.600 crianças (URUGUAY, 2017).

No que diz respeito à elegibilidade, o caso uruguaio transitou da focalização na vulnerabilidade social para o universalismo progressivo, de forma semelhante ao que identificamos na Argentina. A oferta para crianças de três anos foi orientada pela universalização e, para as abaixo dessa faixa, foram priorizados grupos sociais e etários em situação de mais premente necessidade (URUGUAY, 2014, 2017).

Essa abordagem da elegibilidade tem efeitos sobre a cobertura. Em 2016, ela abrangia 52,1% das crianças de zero a três anos (serviços públicos ou privados); segundo nossos parâmetros, a cobertura era alta. Entretanto, ela era distinta segundo a faixa etária; equivalente a 84,6% das crianças de três anos e 41,3% das de zero a dois anos (URUGUAY, 2017). É importante observar que, assim como nos demais casos, as desigualdades sociais e territoriais também geravam disparidades no acesso. Além disso, a provisão pública era majoritária para três anos (61,1%) e minoritária para as demais (29,1%) (URUGUAY, 2017), em uma corresponsabilização estatal também fragmentada.9 9 Optamos por utilizar os dados de 2016, ainda que haja dados mais recentes, para garantir as condições para comparação com os outros casos. Cabe, contudo, trazer alguns dados mais atuais do caso uruguaio: em 2019, havia 19 CCC em funcionamento. Além disso, de 2015 a 2019 foram construídas 79 novas unidades do Caif e ampliaram-se 96, além de inaugurarem dois novos Capi (URUGUAY, 2019).

Por fim, em relação ao tipo de jornada do serviço, predomina a parcial. Contudo, foi introduzida, no âmbito do SNIC, uma iniciativa inovadora de extensão do tempo de cuidado: Casas Comunitárias de Cuidado (CCC). Elas abrangem o atendimento de bebês de 45 dias a 12 meses, prioritariamente, podendo, excepcionalmente, cobrir crianças de até três anos. O serviço é realizado na casa de uma família, cuidadora ou em outro local habilitado (p. ex. Caif), com um máximo de atendimento de dois bebês simultâneos (URUGUAY, 2014, 2017). Nele, crianças não têm vagas fixas, mas há um número de vagas disponíveis que podem, inclusive, ser ocupadas por mais de uma criança ao longo do dia. O serviço é ofertado por 40 horas semanais, mas uma criança pode ficar por, por exemplo, uma hora (URUGUAY, 2014, 2017). Por compreendermos as CCCs como um mecanismo de ampliação ou extensão do tempo de cuidado, identificamos, no caso uruguaio, a adoção de mecanismos de extensão da jornada.

Se, por um lado, as Casas implicam um esforço de profissionalização e de adequação de práticas existentes a um padrão de qualidade mínimo (MORALES, 2016MORALES, María P. Consultoría para el diseño metodológico para la identificación de servicios informales de cuidado para la primera infancia: Apoyo a la Secretaría Nacional de Cuidados. Montevideo: Mides, 2016.), por outro, elas reproduzem resquícios familistas e maternalistas que caracterizam essas práticas, ecoando, em alguma medida, a experiência brasileira da “mãe crecheira”. Segundo Rosemberg (2002ROSEMBERG, Fúlvia. Organizações multilaterais, estado e políticas de educação infantil: history repeats. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 115, p. 25-63, mar. 2002.), a “creche domiciliar” ou “mãe crecheira” correspondia a um tipo de serviço no qual as crianças eram cuidadas no ambiente domiciliar, geralmente por uma mulher.

O SNIC previu, em seus princípios e diretrizes, um modelo de corresponsabilidade entre família, Estado, comunidade e mercado e, ainda, entre mulheres e homens, comprometendo-se a superar a divisão sexual do trabalho (URUGUAY, 2014, 2017). Entretanto, quando consideramos o indicador que, dos três, é o mais sensível à gênero, evidenciamos pouca mudança. Como observou López (2016LÓPEZ, Claudia R. Sistema Nacional Integrado de Cuidados. ¿Una política pública que contribuye a la igualdad de género en Uruguay? 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), Sede México, México, 2016.), em sua análise do Plan Nacional de Cuidados (2016-2020) do SNIC, os serviços de cuidado infantil previstos contribuem para a maior corresponsabilização estatal, mas não há, no desenho das ações de operacionalização do sistema, uma maior vinculação com o atendimento das necessidades de quem cuida.

Em síntese, o tema do cuidado infantil tornou-se legítimo (e prioritário) para a intervenção estatal uruguaia durante o giro à esquerda, com avanços notáveis. Contudo, esses ficaram restritos, em grande medida, à reorganização e ampliação de oferta de serviços existentes, limitando a confluência com as agendas políticas feministas para o cuidado, cujos efeitos ficaram muito adstritos aos princípios e às diretrizes do SNIC (LÓPEZ, 2016LÓPEZ, Claudia R. Sistema Nacional Integrado de Cuidados. ¿Una política pública que contribuye a la igualdad de género en Uruguay? 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso), Sede México, México, 2016.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: SÍNTESES, COMPARAÇÕES E LIMITAÇÕES DE ANÁLISE

Neste artigo, partimos de uma pesquisa mais ampla sobre a transversalidade de gênero nas políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai, durante o giro à esquerda, para analisar o nível de aderência dos serviços diários de cuidado de crianças de zero a três anos à agenda feminista de política de cuidado infantil. Para isso, analisamos, para cada caso, três indicadores parametrizados (elegibilidade, cobertura e tipo de jornada), comparando o período do giro à esquerda com seus antecedentes.

Assumimos que o giro à esquerda representou um período de ampliação e inovação de políticas públicas e inclusão social. Embora a expansão dessas políticas tenha ocorrido em diferentes países da região, e não apenas naqueles que passaram pelo giro à esquerda, a conjuntura favorável à ampliação do acesso a direitos no giro foi propícia a avanços nessa área. Entretanto, supúnhamos que a análise comparada poderia contribuir para evidenciar que não houve homogeneidade nos diferentes países, o que se comprovou. É necessário avançar, ainda que em caráter de considerações finais, na comparação entre os três casos analisados, o que fazemos no Quadro 2.

QUADRO 2
SÍNTESE DOS RESULTADOS DE ANÁLISE DOS INDICADORES PARAMETRIZADOS: CLASSIFICAÇÃO POR NÍVEIS E CORES

Em linhas gerais, podemos observar, nos três casos, a ocorrência de avanços na aderência às agendas políticas feministas, principalmente em relação à elegibilidade e à cobertura. Embora a linha de base (antecedentes) fosse mais favorável ao caso brasileiro, os notáveis avanços ocorridos no Uruguai aproximaram os dois casos. Uma diferença relevante do caso brasileiro para os casos uruguaio e argentino foi a definição, nesses dois últimos, de uma abordagem distinta segundo a faixa etária, o que denominamos de universalismo progressivo, uma categoria intermediária entre a orientação à universalização e o universalismo sensível às diferenças. Isso garantiu uma cobertura maior para as faixas etárias orientadas à universalização. No Brasil, ainda que a estratégia seja mais abrangente, notamos um expressivo gap entre o instituído (universalismo sensível à diferença) e o implementado (30,4%). É importante observar, ainda, que, apesar de termos considerado a elegibilidade brasileira como orientada ao universalismo sensível a diferenças, isso se deu por meio de iniciativas pontuais, sem ter havido uma reestruturação sistêmica da política de creches nessas bases.

Se considerarmos o indicador mais sensível a gênero (tipo de jornada), houve avanços mais restritos nos três casos do que em relação aos dois outros indicadores. Isso sugere que a maior aderência foi uma espécie de externalidade positiva produzida pelo reconhecimento dos direitos das crianças, sobretudo à educação, sendo secundário o compromisso com o objetivo de igualdade de gênero.

Por meio dessas reflexões, esperamos contribuir com o desenvolvimento teórico, metodológico e empírico de convergências entre estudos de política pública e gênero que tenham no cuidado um denominador comum. Há, contudo, que se salientarem algumas das limitações de nossa análise, sendo um grupo delas consequência de nossos recortes. Não é possível generalizar os resultados para toda a AL, e, até mesmo nos países analisados, há limitações que devem ser apontadas. Ao enfocarmos o âmbito nacional, deixamos de dar visibilidade à dimensão federativa, que é uma variável importante para a estruturação da política educacional brasileira e argentina. Também não aprofundamos a investigação de elementos-chaves para a dinâmica de inclusão/exclusão em cada um dos casos, a exemplo, no Brasil, das questões raciais e urbano/rural. Ademais, para futuras pesquisas, seria importante avançar no debate sobre qualidade dos serviços e, ainda, na investigação dos imbricamentos entre cuidados familiar e remunerado, inclusive incorporando indicadores sensíveis a esse último.

Outro grupo de limitações envolve as estratégias para tornar comparáveis realidades distintas. Especificamente os dados de cobertura comportam um alerta, visto que as bases apresentam distinções e as coletas não ocorreram no mesmo ano, além de termos identificado insuficiência de dados disponibilizados, como no caso argentino. Ademais, é de se ter em vista que os dados que enfocam implementação (indicador de cobertura) são especialmente desafiadores para comparações. É ilustrativo que tenhamos, de um lado, o maior país da AL (Brasil), e, de outro, um dos menores (Uruguai). Por fim, ao trabalharmos com parâmetros, a classificação implicou a redução de complexidades e nuances, o que deve ser tomado em consideração na leitura dos resultados, especialmente na classificação gráfica dos níveis.

Pensamos, contudo, que essas limitações não fragilizam esta pesquisa, mas a tornam parte de um processo mais amplo de construção teórica e política, empreendida pelos feminismos, nos três países. É com esse processo que esperamos colaborar.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de bolsa de doutorado (Código de Financiamento 001), sem a qual esta pesquisa não seria possível.

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  • 1
    Este trabalho foi desenvolvido com base nos resultados de pesquisa de doutorado intitulada Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda, de autoria de Mariana Mazzini Marcondes, e orientada pela professora Marta Ferreira Santos Farah.
  • 2
    Mantivemos o anonimato nas entrevistas, identificando, na referência a elas, o segmento ao qual a pessoa pertence (p. ex. GOV), o país (p. ex. UY: Uruguay) e o ano de realização (p. ex. 2018).
  • 3
    O segundo governo de Dilma Rousseff foi interrompido pelo que parte do país denomina de golpe parlamentar e outra parte, de impeachment.
  • 4
    Em 2019, a esquerda voltou a ser eleita para presidir a Argentina (Alberto Fernández e Cristina Fernández Kirchner), tendo sido derrotada nas eleições uruguaias.
  • 5
    Educação não formal é a expressão empregada na Argentina e no Uruguai.
  • 6
    Os dados não são perfeitamente comparáveis; os de 2016 foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que trouxe mudanças metodológicas. Ainda assim, evidencia-se uma tendência de expansão da cobertura.
  • 7
    Utilizamos os dados de 2012 por ser um esforço de contabilizar educação formal e não formal, que não possui uma série histórica, ainda que eles não digam respeito ao final do governo e sejam limitados à área urbana.
  • 8
    Nos antecedentes, o ensino era obrigatório a partir dos cinco anos, com previsão de progressiva universalização da cobertura para os quatro (URUGUAY, 1998).
  • 9
    Optamos por utilizar os dados de 2016, ainda que haja dados mais recentes, para garantir as condições para comparação com os outros casos. Cabe, contudo, trazer alguns dados mais atuais do caso uruguaio: em 2019, havia 19 CCC em funcionamento. Além disso, de 2015 a 2019 foram construídas 79 novas unidades do Caif e ampliaram-se 96, além de inaugurarem dois novos Capi (URUGUAY, 2019).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2019
  • Aceito
    04 Mar 2020
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