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INFLUÊNCIAS EXTERNAS COMO ATIVOS OU PASSIVOS NA ESCOLARIZAÇÃO DOS ESTUDANTES

INFLUENCIAS EXTERNAS COMO ACTIVOS O PASIVOS EN LA ESCOLARIZACIÓN DE LOS ESTUDIANTES

LES INFLUENCES EXTERNES DANS LA SCOLARISATION : LES AVANTAGES ET LES DÉSAVANTAGES

Resumo

O artigo examina entrevistas semiestruturadas com sujeitos de diferentes segmentos de quatro escolas, eleitas por contraste, problematizando as influências externas como ativos ou passivos na trajetória escolar dos estudantes. Revela que tanto a influência da família quanto a do bairro são percebidas como potencializadoras ou não de um maior aproveitamento da oportunidade educacional disponível. Passando pelos modelos de socialização no bairro, recursos materiais disponíveis no lar, exposição ao risco de violência e possibilidade de vivência de atividades extraescolares como elementos que atuam como ativos ou passivos, os entrevistados indicam desde a organização familiar, especialmente o acompanhamento escolar provido por ela, até a infraestrutura do bairro como aspectos a serem considerados.

ESCOLA; RENDIMENTO ESCOLAR; AMBIENTE SOCIAL

Resumen

El artículo examina entrevistas semiestructuradas con sujetos de diferentes segmentos de cuatro escuelas, elegidas por contraste, problematizando las influencias externas como activos o pasivos en la trayectoria escolar de los estudiantes. Revela que tanto la influencia de la familia cuanto la del barrio son percibidas como potencializadoras o no de un mayor aprovechamiento de la oportunidad educacional disponible. Pasando por los modelos de socialización en el barrio, recursos materiales disponibles en el hogar, exposición al riesgo de violencia y posibilidad de vivencia de actividades extraescolares como elementos que actúan como activos o pasivos, los entrevistados indican desde la organización familiar, especialmente el acompañamiento escolar previsto por ella, hasta la infraestructura del barrio como aspectos a ser considerados.

ESCUELAS; RENDIMIENTO; AMBIENTE SOCIAL

Résumé

Cet article présente des entretiens semi-structurés menés auprès de sujets provenant de segments différents de quatre écoles contrastées. Il problématise la question des influences externes dans la trajectoire scolaire des élèves pour savoir si celles-ci représentent des atouts ou des désavantages. La recherche révèle que l’influence de la famille aussi bien que celle du quartier sont perçues comme des facteurs potentiels de tirer (ou non) un plus grand profit des opportunités d’éducation disponibles. Les modèles de socialisation présents dans le quartier, les ressources matérielles dont disposent les foyers, l’exposition au risque de violence et la possibilité de s’engager dans des activités non scolaires agissent comme des actifs ou des passifs. Les personnes interrogées indiquent que l’organisation familiale, surtout le suivi scolaire à la maison, à l’infrastructure du quartier sont des aspects à considérer.

ÉCOLE; RENDEMENT; ENVIRONNEMENT SOCIAL

Abstract

The article examines semi-structured interviews developed with subjects from different segments from four schools, elected by contrast, problematizing the influences outside as active or passive in the students’ school trajectory. It reveals that both the family’s and the neighborhood’s influence are perceived as potentiators, or not, of a greater use of the educational opportunity available. Going through the socialization models in the neighborhood, the material resources available at home, the exposure to the risk of violence and the possibility of experiencing extracurricular activities as elements that act as assets or liabilities, the interviewees indicate from the family organization, especially the school follow-up provided by it, to the infrastructure of the neighborhood as aspects to be considered.

SCHOOL; ACHIEVEMENT; SOCIAL ENVIRONMENT

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural. Pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar. (Brecht, 1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45)

Em “Nada é impossível de mudar”, somos convidados por Bertold Brecht (1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45) a indagar o conformismo, a não nos resignarmos diante dos males da sociedade, da desumanidade, da injustiça. Somos chamados a olhar para as desigualdades a partir de sua desnaturalização.

Nada deve parecer natural, diz o poema, nada é impossível de mudar... Desconfiar daquilo que cotidianamente nos parece o mais trivial, examinar o que vem revestido como habitual, permite tomar consciência da realidade para sobre ela pensar e nela atuar. É o caminho a ser trilhado também no âmbito escolar.

Como instituição social, a escola não pode ser vista como capaz de agir independentemente dos condicionantes sociais, tampouco como incapaz de fazer diferença na vida daqueles que dela participam. Assumir seus limites e possibilidades perante a realidade permite agir em prol da mudança. Uma mudança provisória, porque subordinada à ordem social, mas nem por isso menos importante, já que determinante nas trajetórias estudantis.

Entender as influências externas no trabalho escolar, problematizar as condições objetivas de vida da população atendida e examinar as atividades vivenciadas fora da escola, observando o entorno social, família e território como ativos importantes no percurso escolar dos estudantes, parece caminho promissor. Mais que compreender os recursos utilizados e disponíveis para a construção dos percursos de escolarização das crianças, a análise nessa perspectiva possibilita aos profissionais repensar ações, desmistificando preconceitos e mobilizando aquilo que potencializa efeitos positivos no processo.

Na busca por contribuir com essa tarefa, o presente artigo traz para debate a percepção de atores envolvidos no processo de escolarização de estudantes do ensino fundamental em uma rede pública, analisando os condicionantes externos observados e apresentados por eles como os que influenciam a trajetória escolar das crianças e jovens. Procedendo à ampliação da unidade analítica “família”, sem negar ou desconsiderar sua importante influência sobre os estudantes, busca-se compreender quais aspectos do entorno social são vistos como influenciadores do desenvolvimento escolar dos sujeitos.

Circunscrito ao debate dos mecanismos de produção e reprodução das desigualdades sociais, ou, como menciona Brecht, “de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada” (1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45), este trabalho assume a dimensão territorial como importante elemento de análise. Em diálogo com estudos sobre vulnerabilidade social, estruturas de oportunidades e efeito vizinhança, constata-se tanto que os modelos sociais presentes quanto a geografia de oportunidades disponível no território são fortes influenciadores do desempenho escolar dos estudantes, sendo fatores essenciais para exame.

Delineamento metodológico

Pensar a realidade é entendê-la como complexa. A busca pela compreensão dos condicionantes externos do desempenho escolar dos estudantes exige uma metodologia de pesquisa que possibilite uma aproximação atenta e rigorosa não com a ilusão de abarcar a totalidade do fenômeno, mas para conseguir captar da forma mais abrangente possível evidências de seu movimento.

Fruto de investigação financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sobre a escola e seu entorno social (Almeida, 2014Almeida, L. C. (2014). Relação entre o desempenho e o entorno social em escolas municipais de Campinas: A voz dos sujeitos [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas.), o presente artigo se propõe a discutir a associação manifesta de aspectos do entorno social a determinados comportamentos e desempenhos escolares dos alunos. Para tanto, traz para debate dados de quatro escolas municipais da cidade de Campinas (SP), cujo critério de eleição foi o de contraste, tomando como base a localização em zonas de vulnerabilidade social e o desempenho alto ou baixo em relação à média da rede pesquisada.1 1 Para a seleção das escolas, foram utilizados dois bancos de dados: do Projeto Geres - Geração Escolar, polo Campinas - estudo longitudinal que mediu o desempenho de estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental (Franco et al., 2008), e do Projeto Vulnerabilidade, do Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - estudo sobre a vulnerabilidade social nas regiões metropolitanas de Campinas e Santos (Cunha, 2006). O primeiro par foi formado por escolas localizadas em zonas de vulnerabilidade social diferentes, mas com o mesmo desempenho escolar (E1, em zona de vulnerabilidade social relativa baixa, e E2, em zona de vulnerabilidade social absoluta, ambas com alto desempenho),2 2 Importa destacar que, após pesquisa empírica, observamos que a escola E2, ainda que mapeada em zona de vulnerabilidade absoluta, diferencia-se das demais por atender uma população com melhor nível socioeconômico e estar localizada em bairro com melhores condições de infraestrutura e serviços que os demais de sua abrangência. Aspecto compreensível pelo que indicam Érnica e Batista (2012), que afirmam que, mesmo entre as famílias da vizinhança das escolas localizadas em áreas de maior vulnerabilidade, aquelas com maiores expectativas educacionais buscam matricular seus filhos em escolas mais bem organizadas e situadas, o que normalmente significa instituições localizadas em áreas de menor vulnerabilidade e o segundo, formado por escolas localizadas em mesma zona de vulnerabilidade social, mas com desempenhos diferentes (E3, com alto desempenho, e E4, com baixo desempenho, ambas em zona de vulnerabilidade social absoluta).

Produto de uma coleta qualitativa de dados envolvendo observação participante, entrevistas semiestruturadas e grupos focais, os dados analisados neste artigo focam o exame das entrevistas semi- estruturadas desenvolvidas com sujeitos dos diferentes segmentos da comunidade escolar. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, e, para seu desenvolvimento, foram assinados termos de consentimento livre e esclarecido (no caso dos alunos, o termo foi assinado por seus responsáveis legais). Na apresentação dos dados, de forma a honrar o acordo de anonimato, tanto as escolas quanto os entrevistados serão identificados de forma codificada, pelo segmento que representam acompanhado por um número aleatório, sem que haja possibilidade de identificação dos participantes.

QUADRO 1
ENTREVISTADOS POR SEGMENTO

A opção metodológica se justifica por sua potencialidade no levantamento de informações sobre aspectos da realidade compreendendo a percepção dos sujeitos em relação aos fatores do entorno social que influenciam no desempenho escolar dos estudantes. Interessa destacar que o entorno social é assumido tanto como espaço físico (estrutura e serviços disponíveis) quanto socioeconômico e cultural, abarcando as famílias dos alunos atendidos pela escola, além de outros sujeitos que ali vivem e com elas se relacionam.

. . . es el resultado de una red de relaciones entre los sujetos individuales y colectivos entre sí, y entre éstos y el ambiente o espacio biofísico en el que se localizan temporal y geográficamente; una configuración compleja que surge de múltiples interacciones e interferencias de factores también resultado de esas relaciones. (Corbetta, 2009Corbetta, S. (2009). Territorio y educación: La escuela desde un enfoque de territorio en políticas públicas. In N. López (Org.), De relaciones, actores y territorios: Hacia nuevas políticas para la educación en América Latina (pp. 263-303). IIPE-Unesco., p. 271).

O debate sobre os condicionantes externos no desempenho escolar

A preocupação com o baixo desempenho dos estudantes em fase escolar e suas consequências não é recente e tem suscitado diferentes abordagens na investigação de suas causas e no mapeamento das ações necessárias para seu enfrentamento. A análise a partir de aspectos específicos emerge como forma de entender melhor a realidade das instituições escolares e da população atendida por elas, buscando compreender como determinados fatores podem contribuir ou não para o desempenho dos estudantes.

Entre as questões em análise, há tempos a literatura indica os fatores externos à escola como essenciais. Desde o Relatório Coleman (1966Coleman, J. S., Campbell, E. Q., Hobson, C. J., McPartland, J., Mood, A. M., Weinfeld, F. D., & York, R. L. (1966). Equality of educational opportunity. Washington: Office of Education and Welfare.), coordenado pelo americano James S. Coleman, é impossível pensarmos a questão sem abarcarmos a forte influência do nível socioeconômico (NSE) das famílias no desempenho escolar dos estudantes. Em igual proporção, após as contribuições do francês Pierre Bourdieu, abordar a temática passa pelo exame da influência do fator sociocultural materializado, além de outros conceitos analíticos importantes, pela tipificação de diferentes tipos de capital3 3 Embora o aspecto econômico seja essencial para a análise do desempenho escolar, há também de se reconhecer a dimensão cultural que se transforma em um tipo de capital que pode ser mobilizado para suscitar o sucesso escolar: o capital cultural. (Bourdieu, 1998).

Todavia, mesmo com a ênfase recaindo sobre os fatores externos, essas perspectivas analíticas se distanciam da famosa Teoria da Carência Cultural4 4 Durante a década de 1970, o fracasso escolar passou a ter como explicação a Teoria da Carência Cultural, que via o ambiente cultural das camadas populares como deficiência que impactaria o desenvolvimento psicológico infantil, acarretando dificuldades na aprendizagem. Patto (1990) aborda essa questão a partir da discussão da construção do fracasso escolar, retornando à teoria da carência cultural e a criticando de forma a trazer outro paradigma de análise. por não defenderem grupos sociais culturalmente deficientes em si, mas desfavorecidos em relação ao que a escola valoriza. Aspecto essencial, por se afastar de processos de culpabilização dos próprios indivíduos pelo baixo desempenho escolar.

Além dessas contribuições e percorrendo outras estratégias analíticas, não necessariamente voltadas ao campo educacional, temos a produção de autores como Moser (1998Moser, C. O. N. (1998). The asset vulnerability framework: Reassessing urban poverty reduction strategies. World Development, 26(1), 1-19.), Kaztman (1999Kaztman, R., Beccaria, L., Filgueira, F., Golbert, L., & Kessler, G. (1999). Vulnerabilidad, activos y exclusión social en Argentina y Uruguay. Proyecto Fundación Ford.), Brooks-Gunn et al. (1997Brooks-Gunn, J., Duncan, G. J., & Aber, J. L. (Orgs.). (1997). Neighborhood poverty: Context and consequences for children (Vol. 1). Russell Sage Foundation.), Ellen e Turner (1997Ellen, I. G., & Turner, M. A. (1997). Does neighborhood matter? Assessing recent evidence. Housing Policy Debate, 8(4), 833-866.) e Small e Newman (2001Small, M. L., & Newman, K. (2001). Urban poverty after the truly disadvantaged: The rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review of Sociology, 27, 23-45.), que passaram a olhar para a questão territorial como importante para a investigação das questões sociais e para a categoria relacional “vulnerabilidade social” como chave analítica importante. Entre outras abordagens pertinentes, vimos emergir estudos acerca do efeito vizinhança e da estrutura de oportunidades como promissores para o campo da educação.

Especificamente em relação ao aparato educacional, o entorno social das escolas - território, relações e formas de acessibilidade aos bens materiais, culturais e organizacionais das famílias nos bairros - passou a ser assumido no exame do fenômeno. Essa abordagem permite entender como especificidades do território habitado podem se manifestar e influenciar no trabalho das escolas, na população atendida por ela e na relação que constroem entre si.

Tema relativamente recente no Brasil, a investigação da relação entre as condições socioespaciais e aspectos da escolarização de diferentes segmentos da população tem sido proposta por pesquisadores da área (Torres et al., 2005Torres, H. G., Ferreira, M. P., & Gomes, S. (2005). Educação e segregação social: Explorando as relações de vizinhança. In E. Marques, & H. G. Torres (Orgs.), São Paulo: Segregação, pobreza e desigualdade. Senac.; Cunha & Jiménez, 2006Cunha, J. M. P. da, & Jiménez, M. A. (2006). Segregação e acúmulo de carências: Localização de pobreza e condições educacionais na Região Metropolitana de Campinas. In J. M. P. da Cunha (Org.), Novas metrópoles paulistas: População, vulnerabilidade e segregação (pp. 365-398). Nepo/Unicamp.; Ribeiro & Kaztman, 2008Ribeiro, L. C. de Q., & Kaztman, R. (Orgs.). (2008). A cidade contra a escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Letra Capital.; Ribeiro et al., 2010; Stoco & Almeida, 2011Stoco, S., & Almeida, L. C. (2011). Escolas municipais de Campinas e vulnerabilidade sociodemográfica: Primeiras aproximações. Revista Brasileira de Educação, 16(48), 663-694.; Koslinski & Alves, 2012Koslinski, M. C., & Alves, F. (2012). Novos olhares para as desigualdades de oportunidades educacionais: a segregação residencial e a relação favela-asfalto no contexto carioca. Educação & Sociedade, 33(120), 783-803.; Almeida, 2017). O debate pauta, portanto, a necessidade da compreensão das influências externas sobre o trabalho escolar, abordagem que assume o contexto territorial tanto enquanto espaço físico (estrutura e serviços disponíveis) quanto como espaço de relações entre sujeitos (pertencentes ou não à comunidade escolar).

Vulnerabilidade social e ativos, vulnerabilidade e estruturas de oportunidade

Vulnerabilidade social é um termo que passou a ser empregado pelo Banco Mundial, tendo maior repercussão a partir do texto de Caroline Moser (1998Moser, C. O. N. (1998). The asset vulnerability framework: Reassessing urban poverty reduction strategies. World Development, 26(1), 1-19.). Com ele, ampliou-se a noção de pobreza, dando a ela um caráter mais dinâmico, não apenas ligado ao produto interno bruto (PIB), da década de 1970, ou das necessidades básicas insatisfeitas (NBI), da década de 1980. Assume-se a necessidade de olhar como os indivíduos se comportam em determinadas situações.

. . . estar em situação de vulnerabilidade social é mais abrangente que estar em situação de pobreza, pois se refere à condição de não possuir ou não conseguir usar ativos materiais e imateriais que permitiriam ao indivíduo ou grupo social lidar com a situação de pobreza. Dessa forma, os lugares vulneráveis são aqueles nos quais os indivíduos ou grupos sociais enfrentam riscos e a impossibilidade de acesso a serviços e direitos básicos de cidadania, como condições habitacionais, sanitárias, educacionais, de trabalho e de participação e acesso diferencial à informação e às oportunidades oferecidas de forma mais ampla àqueles que possuem essas condições. (Stoco & Almeida, 2011Stoco, S., & Almeida, L. C. (2011). Escolas municipais de Campinas e vulnerabilidade sociodemográfica: Primeiras aproximações. Revista Brasileira de Educação, 16(48), 663-694., p. 665).

Segundo Souza (2018Souza, M. A. de A. (2018). Abordagens recentes da pobreza urbana. Mercator, 17, e17020., p. 3), sua proposição se liga ao processo de agravamento da pobreza urbana observada entre o final do século XX e início do século XXI, vinculado ao “contexto da reestruturação econômica decorrente da globalização e de seus impactos sociais e espaciais”. A vulnerabilidade social, segundo a autora, é uma categoria desenvolvida com base na perspectiva neoliberal das desvantagens sociais e da perspectiva “neomarxista do cerceamento de direitos” (Souza, 2018, p. 3).

Embora a definição do conceito não seja unívoca, a partir de Kaztman (1999Kaztman, R., Beccaria, L., Filgueira, F., Golbert, L., & Kessler, G. (1999). Vulnerabilidad, activos y exclusión social en Argentina y Uruguay. Proyecto Fundación Ford., 2000) e Kaztman et al. (1999), a perspectiva da vulnerabilidade social permite compreender como estar em determinadas condições possibilita ou impossibilita que as pessoas usufruam das oportunidades disponíveis. Essas oportunidades, entendidas como estrutura de bens, serviços e atividades, estão disponíveis de forma desigual na cidade e acessíveis também desigualmente para indivíduos de uma mesma localidade: “Por vulnerabilidad social entendemos la incapacidad de una persona o de un hogar para aprovechar las oportunidades, disponibles en distintos ámbitos socioeconómicos, para mejorar su situación de bienestar o impedir su deterioro” (Kaztman, 2000, p. 281).

Também segundo a autora (1999, p. 21):

Las estructuras de oportunidades se definen como probabilidades de acceso a bienes, a servicios o al desempeño de actividades. Estas oportunidades inciden sobre el bienestar de los hogares, ya sea porque permiten o facilitan a los miembros del hogar el uso de sus propios recursos o porque les proveen recursos nuevos.

Como bem esclarece Cunha (2006Cunha, J. M. P. da, & Jiménez, M. A. (2006). Segregação e acúmulo de carências: Localização de pobreza e condições educacionais na Região Metropolitana de Campinas. In J. M. P. da Cunha (Org.), Novas metrópoles paulistas: População, vulnerabilidade e segregação (pp. 365-398). Nepo/Unicamp.), a capacidade de resposta dos indivíduos como resultado de diversos fatores é um aspecto essencial do conceito de vulnerabilidade social. Abarca tanto as condições a que os indivíduos estão expostos quanto sua capacidade de responder às diversas situações.

Um dos consensos sobre o conceito de vulnerabilidade social é que apresenta um caráter multifacetado, abrangendo várias dimensões, a partir das quais é possível identificar situações de vulnerabilidade dos indivíduos, famílias ou comunidades. Tais dimensões dizem respeito a elementos ligados tanto às características próprias dos indivíduos ou famílias, como seus bens e características sociodemográficas, quanto àquelas relativas ao meio social em que estão inseridos. O que se percebe é que, para os estudiosos que lidam com o tema, existe um caráter essencial da vulnerabilidade, ou seja, referir-se a um atributo relativo à capacidade de resposta diante de situações de risco ou constrangimentos. (Cunha, 2006Cunha, J. M. P. da, & Jiménez, M. A. (2006). Segregação e acúmulo de carências: Localização de pobreza e condições educacionais na Região Metropolitana de Campinas. In J. M. P. da Cunha (Org.), Novas metrópoles paulistas: População, vulnerabilidade e segregação (pp. 365-398). Nepo/Unicamp., p. 145).

Considerando a noção de ativos, vulnerabilidade e estrutura de oportunidades (Aveo), passamos a olhar para o espaço habitado unindo a estrutura de oportunidades disponível à capacidade de resposta dos indivíduos. As principais fontes de oportunidade provêm do funcionamento do Estado, do mercado, da comunidade e da sociedade civil. Já os ativos se compõem do conjunto de recursos que podem ser mobilizados em busca da melhoria do bem-estar do domicílio, o que leva à constatação de que nem todo recurso necessariamente funciona como um ativo, já que, para isso, precisa serobilizado pelo indivíduo como tal. A identificação dos ativos é vasta e remete a diversas formas, tanto de natureza material, caso da propriedade (capital financeiro), quanto imaterial, caso da escolaridade (capital cultural) ou da amizade (capital social).

En rigor ellos pueden ser casi infinitos si pensamos en las posibilidades abstractas. Desde los más obvios como propriedades, ahorro, créditos, a otros menos obvios como amistades, pertenencia a organizaciones de ayuda mutua, hasta elementos que aunque lejanos pueden ser percibidos y utilizados en tanto recursos, tales como el tiempo y la capacidad de movilidad geográfica etc. (Kaztman et al., 1999Kaztman, R., Beccaria, L., Filgueira, F., Golbert, L., & Kessler, G. (1999). Vulnerabilidad, activos y exclusión social en Argentina y Uruguay. Proyecto Fundación Ford.).

Chave analítica potente, a perspectiva dos ativos se configura uma ferramenta para compreender o que pode ajudar as famílias (ou indivíduos) a melhorarem suas condições de vida e a acessarem as oportunidades disponíveis. Kaztman e Filgueira (2006Kaztman, R., & Filgueira, F. (2006). As normas como bem público e privado: reflexões nas fronteiras do enfoque “ativos, vulnerabilidade e estrutura de oportunidades” (Aveo). In J. M. P. da Cunha (Org.), Novas metrópoles paulistas: População, vulnerabilidade e segregação (pp. 68-94). Nepo/Unicamp., p. 85) destacam que uma importante consequência desse enfoque é que “a análise microssocial dos recursos dos domicílios, das pessoas e de suas estratégias de mobilização não pode ser feita independentemente da análise macrossocial das transformações das estruturas de oportunidades”.

É importante destacar que um mesmo ativo pode funcionar como passivo, dependendo da realidade vivida pelos indivíduos. Na perspectiva de Flores (2008Flores, C. (2008). Segregação residencial e resultados educacionais na cidade de Santiago do Chile. In L. C. de Q. Ribeiro, & R. Kaztman, R. (Orgs.), A cidade contra a escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina (pp. 145-179). Letra Capital.), os passivos seriam aqueles que prejudicariam os indivíduos a utilizarem certos recursos em vias de melhorar sua condição de vida e a acessarem as oportunidades disponíveis. Por exemplo, a influência dos pares pode ser positiva para acessar a escola em um bairro (ativo), e, em outro, negativa, se, pelas características da população, a frequência à escola não for uma atividade valorizada (passivo).

Sinteticamente, a estrutura de oportunidades seria, então, constituída pelos recursos disponíveis para a população em um dado território/bairro; o ativo, tudo aquilo que pode ser utilizado para acessar as oportunidades em um determinado momento e melhorar o bem-estar do indivíduo ou grupo; seu contraponto, o passivo, compreendido como as barreiras materiais e imateriais para a utilização das oportunidades disponíveis; e a vulnerabilidade, toda a configuração formada a partir deles.

Assim, falar em lugares vulneráveis significa falar em locais em que se enfrentam riscos e/ou impedimentos para aproveitar as estruturas de oportunidades disponíveis, dando a dimensão da relação entre a agência individual e a estrutura social. Nas palavras de Bilac (2006Bilac, E. D. (2006). Gênero, vulnerabilidade das famílias e capital social: Algumas reflexões. In J. M. P. da Cunha (Org.), Novas metrópoles paulistas: População, vulnerabilidade e segregação (pp. 51-65). Nepo/Unicamp., p. 54):

. . . os atores sociais não agem em um vazio, no qual dependem somente de sua capacidade de gestão de ativos, mas em um contexto histórico e social formado de oportunidades e de constrangimentos, uma vez que as estruturas de oportunidades dependem de fatores macrossociais.

Retomando a literatura sobre o tema, Souza (2018Souza, M. A. de A. (2018). Abordagens recentes da pobreza urbana. Mercator, 17, e17020., p. 13) destaca que, como na vulnerabilidade o capital social é visto como ativo importante, a vizinhança passa a ser analisada com maior cuidado. Destaca-se a importância da estrutura e da composição da vizinhança como aspecto relevante para o entendimento da reprodução das desigualdades, da pobreza e da exclusão.

Como bem pontuam Ribeiro et al. (2016Ribeiro, L. C. de Q., Koslinski, M. C., Zuccarelli, C., & Christovão, A. C. (2016). Desafios urbanos à democratização do acesso às oportunidades educacionais nas metrópoles brasileiras. Educação & Sociedade, 37(134), 171-193., p. 189), após mapeamento dos trabalhos desenvolvidos pelo Observatório das Metrópoles, “a eficácia e a equidade do funcionamento da escola dependem, entre outros fatores, da qualidade e da isonomia do ambiente provido pelo espaço social da metrópole”. A segregação residencial é tomada como aspecto importante para análise.

Nesse contexto, o chamado efeito vizinhança emerge como aspecto caro à análise educacional. Associado à distribuição territorial dos sujeitos, à relação entre si e com o espaço habitado, essa perspectiva permite entender melhor como aspectos da vizinhança incidem sobre os processos de escolarização de crianças e jovens

Efeito vizinhança

Oriundo de pesquisas que observaram como a segregação em bairros se relaciona a alguns fenômenos sociais, como experiência no mercado de trabalho, envolvimento com o crime e frequência à escola, o efeito vizinhança seria a compreensão de como o efeito do contexto socioespacial em que vive um determinado grupo o influencia. Nas palavras de Alves et al. (2008Alves, F., Franco Jr., C., & Ribeiro, L. C. de Q. (2008). Segregação residencial e desigualdade escolar no Rio de Janeiro. In L. C. de Q. Ribeiro, & R. Kaztman (Orgs.), A cidade contra a escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina (pp. 91-118). Letra Capital., p. 91):

. . . enquadra-se na categoria geral de modelos explicativos fundados na hipótese da relação de causalidade entre certos acontecimentos e o contexto social no qual ocorrem. . . . Por outras palavras, trata-se de captar o efeito de relações sociais desenvolvidas no âmbito do lugar de moradia sobre desfechos ocorridos na vizinhança.

Revisão feita por Koslinski e Alves (2012Koslinski, M. C., & Alves, F. (2012). Novos olhares para as desigualdades de oportunidades educacionais: a segregação residencial e a relação favela-asfalto no contexto carioca. Educação & Sociedade, 33(120), 783-803.) mostra que podemos pensar em pelo menos três grupos de estudos acerca do efeito vizinhança: o primeiro é o dos modelos epidêmicos; o segundo, dos modelos de socialização coletiva; e o terceiro, dos modelos institucionais. No primeiro grupo, haveria a constatação de que as crianças tenderiam a se socializar e adotar os comportamentos que espelham aqueles adotados pelos pares numa dada vizinhança. No segundo, estariam os estudos que percebem que crianças que vivem em bairros mais segregados acabam sem modelos positivamente diferentes. E, no terceiro, estudos que analisam a influência dos adultos que trabalham em instituições do bairro sobre as crianças e adolescentes.

Outros modelos importantes na análise do efeito vizinhança seriam “os modelos instrumentais”. Neles, segundo Small e Newman (2001Small, M. L., & Newman, K. (2001). Urban poverty after the truly disadvantaged: The rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review of Sociology, 27, 23-45.), a estrutura de oportunidades presente no bairro também é fator facilitador ou inibidor das decisões individuais, aspecto que varia de uma vizinhança para outra. Tomando um exemplo educacional, Koslinski e Alves (2012Koslinski, M. C., & Alves, F. (2012). Novos olhares para as desigualdades de oportunidades educacionais: a segregação residencial e a relação favela-asfalto no contexto carioca. Educação & Sociedade, 33(120), 783-803., p. 814) pontuam que, “na área específica da educação, podemos pensar que as oportunidades e escolhas dos indivíduos são afetadas pela quantidade e qualidade de escolas oferecidas em suas vizinhanças”.

Embora a vizinhança, o bairro, não seja determinante na análise dos desfechos vivenciados pelas pessoas, não sendo possível construirmos uma linha “causa-efeito” que explique diferentes fenômenos sociais a partir de determinadas características da vizinhança, do bairro, ela permite a compreensão de diversos aspectos que, conjuntamente e interagindo com outros de ordem da vivência individual, influenciam com maior ou menor impacto nas escolhas e possibilidades dos sujeitos. Especialmente promissoras para evidenciar o contexto social em que o processo de escolarização se circunscreve, pesquisas empíricas, como as apresentadas em Ribeiro e Kaztman (2008Ribeiro, L. C. de Q., & Kaztman, R. (Orgs.). (2008). A cidade contra a escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Letra Capital.), apontam a existência de importantes relações entre o universo da vizinhança e o da escola.

Assumindo o alerta feito por Small e Newman (2001Small, M. L., & Newman, K. (2001). Urban poverty after the truly disadvantaged: The rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review of Sociology, 27, 23-45.) sobre a limitação explicativa do efeito vizinhança em relação aos desfechos sociais vivenciados pelos indivíduos, assumimos os fatores externos como importantes para compor, juntamente com outros, a compreensão da realidade. A partir de uma análise mais ampla, poderemos adentrar a compreensão das condições sociais para aprendizagem que, segundo Bernal (2009Bernal, E. C. (2009). Las condiciones sociales para el aprendizaje en la relación equidad social y educación. In N. López. (Org.), De relaciones, actores y territorios: Hacia nuevas políticas para la educación en América Latina (pp. 171-201). IIPE-Unesco., p. 171), “. . . están relacionadas con los recursos iniciales y el contexto social, cultural y económico de los estudiantes y sus familias. En tal sentido, permiten analizar de forma más compleja los problemas de acceso, permanencia y logros de los estudiantes, así como comprender con mayor precisión el origen de las desigualdades en la educación, por supuesto no exclusivamente de carácter educativo”.

Atividades vivenciadas fora da escola: o entorno social como fonte de ativos e passivos

Pensar nas condições que os alunos de diferentes lugares têm para desenvolver suas trajetórias de escolarização é essencial à medida que coloca em análise crítica a ideia da escola como garantidora da igualdade de oportunidades a todas as crianças que nela ingressam (equidade). Isso porque, como bem pontua Bernal (2009Bernal, E. C. (2009). Las condiciones sociales para el aprendizaje en la relación equidad social y educación. In N. López. (Org.), De relaciones, actores y territorios: Hacia nuevas políticas para la educación en América Latina (pp. 171-201). IIPE-Unesco., p. 173)

. . . las condiciones sociales para el aprendizaje son variables y cambiantes en cada país, comunidad y familia. Funcionan como círculos concéntricos entre las esferas de relaciones mencionadas y engendran tanto hacia fuera como hacia dentro activos o pasivos que posibilitan o dificultan los procesos educativos de los niños las niñas y adolescentes.

As experiências e atividades vivenciadas pelas crianças no entorno social em que vivem terão maior ou menor impacto em seu desempenho na escola dependendo de sua configuração, já que nem todos terão acesso ou desfrutarão da mesma forma da estrutura de oportunidades disponível. Bernal (2009Bernal, E. C. (2009). Las condiciones sociales para el aprendizaje en la relación equidad social y educación. In N. López. (Org.), De relaciones, actores y territorios: Hacia nuevas políticas para la educación en América Latina (pp. 171-201). IIPE-Unesco.) destaca que tanto família como bairro, com meios materiais ou simbólicos, podem funcionar como ativo ou passivo e influenciar o processo de aprendizagem dos estudantes.

Nossos dados empíricos nos ajudam a pensar nessa questão à medida que revelam a percepção da existência de certa diferenciação nas contribuições materiais e organizativas das famílias e bairros em relação às crianças. Ficou evidente a relação estabelecida entre os modelos, estruturas e dinâmicas do entorno social com o desempenho escolar dos estudantes. O entorno social pode garantir ou não a provisão de recursos, estratégias e instrumentos que colaboram com os processos de escolarização, transmitindo padrões que serão mais ou menos efetivos, dependendo de sua adequação ao modelo valorizado pela instituição.

Em nossa análise, é notável a associação de aspectos da família, do bairro e de sua organização como relacionadas a ocorrências vivenciadas na escola. Os diferentes sujeitos associam comportamento e desempenho escolar a determinadas condições vivenciadas pela criança no entorno social. Como destacado na Figura 1, diversos aspectos podem ser influenciadores.

FIGURA 1
ASPECTOS MENCIONADOS COMO INFLUENCIADORES DO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO

Em relação à família, conforme destacamos nos trechos a seguir, observamos que os profissionais a veem como importante fator na compreensão do desenvolvimento dos estudantes. Seja influenciando o comportamento, seja influenciando propriamente o desempenho escolar, elas são recorrentemente citadas. Chama-nos a atenção a valorização dada ao capital cultural como importante ativo no aproveitamento escolar das crianças, especialmente tomado, na perspectiva bourdieusiana, no estado incorporado.5 5 No estado incorporado, o capital cultural se mostra sob a forma de disposições duráveis do organismo, estando ligado à herança familiar com referências culturais e os conhecimentos considerados apropriados e legítimos, facilitando o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares (Bourdieu, 1998).

Vendo do olhar da gestão, tenho observado que algumas questões familiares não são resolvidas no âmbito familiar, e o aluno acaba trazendo para a escola essas angústias e deixando de participar, de falar, de expor, ou se expondo demais, de forma mais agressiva, verbal ou fisicamente, e assim quando você vai buscar o que é, o estopim para isso não está dentro da escola, às vezes ele chegou na escola já empurrando, batendo, jogando pedra, chutando... (Entrevista, E1 - Gestor 3).

Na verdade, quando a família participa junto, quando a gente chama, e a família vem, a gente consegue de alguma forma dar encaminhamento e acompanhar a criança, seja qual for o caso. As dificuldades que nós temos de encaminhamento de alunos são aquelas que a gente chama, e a família não comparece, não se compromete, não dá encaminhamento. (Entrevista, E2 - Gestor 1).

Todos [os alunos] que estão no meu Grupo 1,6 6 Na avaliação proposta pela rede, os professores classificam os alunos em grupos de saberes, sendo o Grupo 1 o mais avançado. não sei se os pais estão em melhor condição financeira, mas você percebe que estão sempre lendo, sabem novidades, passeiam no final de semana, falam de cinema... [No Grupo 4 seria o oposto?] A gente vê que os alunos do Grupo 4 parecem ser pessoas que não conhecem as coisas, os pais são bem leigos, tudo é novidade para eles. Eu tenho um aluno que me pediu para passar o filme do Shrek para ele, está no três, mas ele não assistiu nem o primeiro. (Entrevista, E3 - Professor 7).

Nem sempre é a questão da afetividade, mas do conhecimento mesmo, de sair da ignorância (ignorância que eu estou falando não só na questão pejorativa da coisa, mas de conhecimento mesmo). Um pai que tem um pouco mais de conhecimento, que tem um mínimo de contato com o conhecimento, acho que consegue ajudar mais, apoiar mais os filhos. (Entrevista, E4 - Professor 1).

Muitas vezes, a relação feita entre o desempenho das crianças e a forma de organização familiar é linear. De modo similar ao percebido por Paixão (2006Paixão, L. P. (2006). Compreendendo a escola na perspectiva das famílias. In M. L. R. Müller, & L. P. Paixão (Org.), Educação, diferenças e desigualdades (pp. 57-81). EdUFMT., p. 65), nesses casos, a perspectiva assumida é dos arranjos familiares, sendo possível “ouvir justificativas que apelam para argumentos como o da família ser desestruturada, quando o assunto se refere às dificuldades escolares enfrentadas por alunos”.

[Ao ser solicitado um exemplo de influência externa no desempenho dos alunos] Tem uma família, a mãe não trabalha, ela é sozinha, tem um número grande de filhos e vive de bolsa escola/família, desse tipo de ajuda - doação de leite, tem um filho mais velho que é preso, tem uma história bem complicada, e acaba refletindo nos filhos. A mãe não tem uma estrutura. . . (Entrevista, E3 - Professor 5).

O aspecto mais recorrentemente citado foi o acompanhamento escolar. Há, em todas as escolas, a compreensão de que quanto mais a família acompanhar as atividades escolares de seus filhos, melhor será o desempenho deles na escola.

Importa notar que, ao considerarem o acompanhamento escolar pelas famílias algo essencial, as escolas demandam delas uma determinada postura e organização. Todavia o modelo esperado nem sempre é natural às famílias atendidas.

Então, uma das dicas que damos na reunião é essa de ver o caderno das crianças, e quando dizem que chegam em casa cansados, eu falo que ele teve o filho, e por isso é responsabilidade dele. A escola tem responsabilidade aqui, mas uma parte dessa vida escolar também é feita fora do espaço da escola, é feita em casa, é feita em outros espaços, mas contribui com a vida aqui, com a atividade escolar. (Entrevista, E1 - Gestor 2).

Eu acho que a característica que pode influenciar é quando o pai tem a preocupação de acompanhar o filho na escola. Essa é a característica fundamental que tem que ter, então não importa se é uma mãe que é empregada doméstica e que trabalha o dia inteiro, porque à noite ela vai perguntar e vai comentar, vai conversar com o filho, vai ver o que ele fez, ler uma história juntos... (Entrevista, E2 - Gestor 3).

O pai poderia estar lá pegando o caderno da criança, vendo se ela está fazendo as atividades, acompanhar essa criança. Tem todo um processo sociocultural, mas também tem a presença da família. Independente de tudo isso, a família dar atenção, se ele mora com a avó, ela sentar com a criança, ver se fez quando leva tarefa. (Entrevista, E3 - Gestor 1).

Os pais devem acompanhar as crianças em seu desenvolvimento escolar, assim como eles já acompanham no orgânico, para ver como a criança está se saindo, porque isso facilitaria o trabalho do professor. Não só estamos falando na reunião de pais como a criança se desenvolveu, o interessante é que os pais acompanhassem porque senão os problemas vão ficando crônicos até chegar à reunião. Eles devem acompanhar, ler o caderno de recados, ver o caderno de classe, perguntar ao filho o que ele aprendeu, acompanhar o dever de casa... Isso tudo vai fazer com que a criança veja que os pais estão interessados, e assim valorizar a educação. (Entrevista, E4 - Professor 4).

Na análise do “dever de casa”, Resende (2008Resende, T. de F. (2008). Entre escolas e famílias: Revelações dos deveres de casa. Paidéia, 18(40), 385-398., p. 395) observa que famílias de diferentes meios sociais se comprometem de forma diferente com a escolarização de seus filhos. Os recursos materiais e simbólicos disponíveis são desiguais, e nem sempre as famílias populares conseguem fazer frente às exigências da escola. A autora constatou que, a partir da diversidade de estratégias que as famílias lançam mão para acompanhar o dever de casa, é possível observar diferenças e semelhanças entre seus modelos de socialização e o da escola.

Durante as entrevistas, foi comum os professores mencionarem a orientação que dão às famílias em relação ao acompanhamento esperado. A partir de um determinado modelo, explicitam os contornos de sua expectativa.

Vou falar de uma experiência que eu faço muito. Faço um trabalho com os pais de os pais saberem onde estamos, o que pretendo trabalhar e onde quero chegar. Então praticamente na reunião de pais eu “ensino o pai a ensinar a criança”, de que maneira vai fazer, olhar a margem, como é um processo de subtração, como é um processo de multiplicação. Então é uma aula que eles vão desenvolver com os filhos, e isso tem me ajudado, e muito, muito mesmo, tenho pouquíssimos problemas de aprendizagem. (Entrevista, E1 - Professor 6).

[Sobre a melhor forma de a comunidade participar da escola e ajudar na aprendizagem das crianças] Estar junto com os professores, estar presente porque nós orientamos os pais até a como podem ajudar. . . (Entrevista, E4 - Professor 5).

Mesmo não sendo o mais frequente, vale indicar que, além do acompanhamento exercido propriamente pelos familiares, há menção ao auxílio dado às crianças por pessoas externas ao núcleo familiar. Aspecto em que o diferencial socioeconômico e da estrutura de oportunidades disponível é latente, já que, na escola que atende à população de menor vulnerabilidade social (E1), esse acompanhamento se daria a partir da contratação de serviços especializados (psicopedagogo, fonoaudiólogo e curso “Kumon”), enquanto na escola de maior vulnerabilidade social (E4) são mencionadas instituições assistenciais não formais e vizinhos.

Além da influência da família, emergem outros aspectos nas entrevistas como indutores das chances de as crianças adotarem determinados comportamentos, em especial voltados para a vivência escolar. Interessa pontuar que o bairro é visto como locus de oportunidade e convívio, o qual pode ser gerador de opções que se associarão diretamente às escolhas ou atitudes perante questões relacionadas com a escolaridade das crianças e seu desempenho, em especial a dedicação às atividades escolares, bagagem cultural e perspectiva de futuro, tanto pelas condições de infraestrutura quanto pela influência dos pares (outras crianças e adultos do bairro).

Entre os profissionais das escolas, há certa compreensão geral de que bairros com melhor infraestrutura, em termos de serviço público e de lazer, e com maior número de pessoas com certo padrão cultural são mais positivos às trajetórias escolares. A convivência com determinados valores - especialmente de valorização da escola, e de perspectivas de vida mais ambiciosas - é um aspecto tido como positivo. Por outro lado, os bairros de pior infraestrutura e maior concentração de pessoas com baixo capital cultural, assim como maior atuação de traficantes e criminosos, são vistos de forma negativa, inclusive pelo maior risco de aliciamento de menores.

É importante destacar as formas como os entrevistados de cada escola compõem sua análise. Utilizando o referente negativo, a escola E1 se compara a outras realidades. A escola E2 admite essa realidade, porém com ressalva ao bairro específico da escola, o qual estaria em melhor condição que outros bairros atendidos pela escola. Nas escolas E3 e E4, a análise é feita tomando o próprio bairro como referência, já que são entendidos como menos favorecidos em termos culturais, de infraestrutura urbana e em relação à exposição à criminalidade.

Estou falando isso porque já dei aula em bairros bem mais distantes, mais periféricos, e a relação com a cultura e saúde você percebe que fica mais prejudicada, mais truncada, e aqui essa relação ocorre com mais facilidade . . . (Entrevista, E1 - Gestor 2).

Eu acho que aqui o bairro é desenvolvido, é bem situado economicamente, sendo que os problemas com algumas crianças nem sempre são de crianças daqui, tem crianças de outro lugar. . . (Entrevista, E1 - Funcionário 1).

São poucas as crianças, tirando o bairro aqui da escola, que chegam da escola e vão ter um tempo para estudar em casa. Eu costumo dizer nas reuniões de pais que isso é importante. Essa é uma característica muito ruim, pois vai passando, já que todo mundo brinca na rua, vai virando uma cultura. “Eu chego da escola, jogo a mochila e vou para a rua”, e isso não favorece a aprendizagem, porque também tem o problema das turmas de tráfico, e aí eles estão junto com essas turmas, estão interagindo. (Entrevista, E2 - Gestor 2).

Aqui são três bairros, e você vê a diferença dos alunos que moram ali embaixo dos que moram aqui no bairro da escola, e até no outro. São comunidades completamente diferentes, você vê que são mais carentes, têm mais dificuldade, a família é um pouco mais distante, os outros são mais próximos, e o poder aquisitivo é maior. Claro que depende da família também, pode ser que morar em outro bairro não seja tão diferente, mas você vê que o bairro é mais carente. (Entrevista, E2 - Funcionário 5).

Acho que é o ambiente, as amizades... Então, se o bairro fosse mais cuidado, se tivesse mesmo oportunidade de conviver com projetos, palestras, cursos, acho que teria como mudar... Eu fico com receio, porque, como eu não conheço as pessoas, e a gente sabe que tem problemas com tráfico, drogas e roubo, a gente fica com receio de interferir no espaço, porque pode ser perigoso. (Entrevista, E3 -Professor 5).

Conforme explicitado nos trechos a seguir, uma estratégia evidenciada por algumas famílias para enfrentar a situação de perigo, violência e influência de elementos negativos do bairro sobre seus filhos é impedi-los de brincar na rua, exceto sob vigilância de um adulto.

Não brinco na rua. Só quando alguém está olhando. Quando minha avó está na pracinha e fica me olhando, eu brinco. (Entrevista, E1 - Aluno 4).

Meu filho não tem um dia que venha ou volte da escola sozinho, porque antigamente (eu com 6 ou 7 anos) íamos para a escola sozinhos, hoje a gente não deixa acontecer isso. (Entrevista, E1 - Família 8).

[Brinca na rua?] Sim, às vezes, quando minha mãe está na rua, mas eu só brinco com a minha prima na calçada, de bicicleta. (Entrevista, E2 - Aluno 9).

[Brinca na rua?] Não, só quando a minha mãe está também, aí eu posso ir na casa do meu amigo. (Entrevista, E3 - Aluno 9).

[Acontece algo no bairro que atrapalhe a aprendizagem de seu filho?] Tem bastante coisa que atrapalha, não pode deixar ficar na rua porque tem muito moleque com mau costume, que às vezes a mãe trabalha, não está em casa e não vê o que o filho faz. [Mas o que poderia acontecer?] Influência: maconha, droga, essas coisas... De dia mesmo a gente vê essas coisas; então, enquanto der para segurar em casa, a gente segura. (Entrevista, E3 - Família 6).

[Brinca na rua?] Minha mãe não deixa. [Por quê?] Porque aqui tem muito bandido. (Entrevista, E4 - Aluno 4).

É possível afirmar que as escolas se diferenciam em relação aos ativos materiais e imateriais possibilitados pelas famílias às crianças. A menção tanto da existência de computadores e livros em casa quanto de um acompanhamento mais direto e com especificidades pedagógicas nas escolas E1 e E2 é consistentemente maior que nas escolas E3 e E4. Nestas últimas, há familiares que declaram não verem absolutamente nada em sua residência que pudesse contribuir para a aprendizagem escolar de seus filhos, citando especificamente a ausência de bens materiais como livros e computadores como justificativa.

Eu sempre preservei muito a informação, então eu monitoro o acesso à internet, monitoro o tempo de videogame com a tecnologia que nós temos. Todas as tecnologias que nós temos disponíveis dentro de um padrão classe média ou um pouco mais, eu tenho disponibilidade. Eu e minha esposa valorizamos muito o conceito família; então, quando estamos juntos, estamos juntos mesmo. Sábado e domingo, nós ficamos (eu, a esposa e os dois filhos), então nós temos estas atividades. Nós temos o hábito de leitura, o que infelizmente nem todos têm, até o uso do dicionário ele tem como hábito. (Entrevista, E1 - Família 2).

[Algo na sua casa ajuda a aprendizagem do seu filho na escola?] Sim, a gente tem a preocupação de ele ter o espaço dele, uma escrivaninha, uma cadeira, um lugar certinho para ele estudar, um horário certo para estudar, para ele já ir se disciplinando para os estudos. A gente procura trabalhar a questão da rotina para ele já ir incorporando o hábito de estudar. (Entrevista, E2 - Família 2).

Acesso à internet e usar o computador desde cedo. Acesso à leitura, levar à livraria para escolher o livro. Incentivar o raciocínio, dar atenção quando está chamando para mostrar alguma coisa, contar história, ouvir o que eles têm para dizer... Tudo isso ajuda, o que você estiver fazendo junto com eles ajuda, vai incentivando, e isso faz com que eles se desenvolvam mais. (Entrevista, E2 - Família 8).

Não adianta chegar da escola e já acabou, só falar e brincar. Pegar no pé ajuda, porque ele sabe que, se ele não fizer, vai ser pior para ele, e ele vai fazer. [Tem livro ou computador?] Não tenho, não. Está difícil, e está caro, não dá para comprar agora. (Entrevista, E3 - Família 1).

Eu tento ajudar bastante, o pouco que eu sei, porque eu também não terminei os meus estudos, então eu ajudo no que sei. . . (Entrevista, E4 - Família 1).

Não tenho computador, não tenho nada. (Entrevista, E4 - Família 5).

As referências a jogos educativos e percepção de determinadas formas de ajuda como as mais adequadas presentes nas falas de familiares das escolas E1 e E2 evidenciam a apropriação de atividades especificamente pedagógicas como ação. Isso as coloca mais próximas dos saberes valorizados pela escola, configurando-se como possível estratégia de distinção (Bourdieu, 1974Bourdieu, P. (1974). A economia das trocas simbólicas. Perspectiva.), em que atividades valorizadas pelas escolas e compreendidas como tal por determinadas famílias, ao serem viabilizadas às crianças, as colocam em patamar diferenciado das demais perante à escola. Estratégia que não necessariamente é conscientemente orquestrada como forma de distinção, mas percebida como importante para o desenvolvimento do filho, e por isso já mais próxima do modelo de socialização da escola.

Durante as entrevistas com alunos e famílias, perguntamos sobre as atividades vivenciadas fora da escola (o que a criança faz quando não está na escola, quais atividades pratica e quais lugares frequenta), as respostas evidenciam que o aproveitamento da estrutura de oportunidades do bairro e da cidade, assim como a natureza das atividades citadas pelos familiares das diferentes escolas, é bastante desigual. Nas escolas E1 e E2, foi comum os sujeitos citarem atividades como idas ao shopping, cinema, sítios, parques e bosques, assim como cursos pagos de futebol, natação, kung fu, piano, inglês e Kumon. Já nas escolas E3 e E4, a grande maioria declarou que as únicas atividades fora da escola são as idas à casa de amigos e parentes, brincadeiras na rua e frequência a atividades na igreja ou instituições não formais.

Tirando a escola? Faço kung fu. [Quantas vezes você vai?] Acho que segunda, terça, quarta, quinta, e estou tentando ir amanhã. Vou na catequese também. (Entrevista, E1 - Aluno 5).

Vamos a tantos lugares... Sítios, chácaras, piscinas, viajamos muito, vamos à praia... Teatro, cinema... Eu sou casado com uma professora; então, o lado cultural, a gente preserva muito e é muito ativo. (Entrevista, E1 - Família 2).

A gente leva eles ao cinema, ao parquinho, zoológico. (Entrevista, E1 - Família 6).

Ao shopping, ao zoológico, eu vou bastante com a minha família... Casa dos meus parentes. . . (Entrevista, E2 - Aluno 4).

Aula de natação, aula de inglês... (Entrevista, E2 - Família 2).

Nós somos testemunhas de Jeová, então vamos ao salão do reino e os levamos em lugares para se divertirem, como restaurantes, shoppings ou parque. (Entrevista, E2 - Família 6).

Não, curso, não, eu faço aulas. [De quê?] De violão, de canto, de teclado. [Quando?] Sábado, todo sábado. [E onde são as aulas?] Na igreja (Assembleia de Deus), vou com a minha mãe e com minha irmã. (Entrevista, E3 - Aluno 5).

De vez em quando eu saio para brincar na casa de algum amigo, de vez em quando eu brinco na rua que tem bastante amigo meu lá. (Entrevista, E3 - Aluno 7).

Quando ele não está na escola, ele tem natação nesse mesmo lugar, nessa ONG. Ele tem informática. Vai três vezes por semana. Eu que levo. (Entrevista, E3 - Família 10).

Vou para o campo jogar bola, saio para a rua para brincar, soltar pipa. [Fica em casa com algum adulto?] Quando minha mãe não vai para o trabalho, eu fico com ela lá. [E ela trabalha quando?] Vai sempre. [Então todo dia fica sozinho?] Não, nos finais de semana, eu não fico. [E seus irmãos?] O mais novo vai para a entidade, e a segunda mais velha vem para a escola, e, quando eu vou indo embora, ela vai também. (Entrevista, E4 - Aluno 8).

Vai na casa do meu irmão, vai na casa de coleguinhas que também frequentam a minha casa e, na rua, só em frente de casa e com o portão aberto. (Entrevista, E4 - Família 4).

Vai para a entidade, lá eles almoçam, tomam lanche, fazem as atividades... Lá é muito bom, eles vão todo dia. (Entrevista, E4 - Família 10).

Essa diferenciação no aproveitamento da estrutura de oportunidades do bairro e da cidade é fator importante de análise. Penna e Ferreira (2014Penna, N. A., & Ferreira, I. B. (2014). Desigualdades socioespaciais e áreas de vulnerabilidades nas cidades. Mercator, 13(3), 25-36., p. 27) observam que há a necessidade de se pensar políticas públicas assumindo a “socialização e apropriação contraditória, desigual e conflituosa da cidade e do direito à cidade”. As autoras defendem que a reprodução do espaço urbano e das relações sociais de apropriação da cidade pelas diversas classes devem ser assumidos como problemas de gestão da política e do planejamento urbanos.

Figueiredo et al. (2017Figueiredo, G. de O., Weihmüller, V. C., Vermelho, S. C., & Araya, J. B. (2017). Discusión y construcción de la categoría teórica de vulnerabilidad social. Cadernos de Pesquisa, 47(165), 796-818.), tomando como locus favelas do Rio de Janeiro, relacionam a vulnerabilidade à situação de violência em diferentes dimensões. A análise dos autores nos ajuda a compreender que a ausência de recursos e espaços para o desenvolvimento cultural e simbólico, observada em nossos dados, pode ser compreendida como um tipo de violência presente nos territórios vulneráveis.

Otra cuestión que es importante de colocar en debate es la relación entre vulnerabilidad/exclusión y violencia. . . . La violencia no sólo fue observada en lo que denominamos vulnerabilidad extrema/letal, sino también en el hecho de privar de bienes y servicios (vulnerabilidad socioeconómica), de limitar la agencia política (vulnerabilidad jurídico-legal) y de negar recursos y espacios para el desarrollo cultural y la afirmación simbólica (vulnerabilidad cultural-ideológica). (Figueiredo et al., 2017Figueiredo, G. de O., Weihmüller, V. C., Vermelho, S. C., & Araya, J. B. (2017). Discusión y construcción de la categoría teórica de vulnerabilidad social. Cadernos de Pesquisa, 47(165), 796-818., p. 814).

Mais especificamente no que tange ao processo educacional, Thin (2006Thin, D. (2006). Famílias de camadas populares e a escola: Confrontação desigual de modos de socialização. In M. L. R. Müller, & L. P. Paixão (Orgs.), Educação, diferenças e desigualdades (pp. 17-55). EdUFMT., p. 28) observa que o consumo de atividades extraescolares de caráter cultural ou esportivo, organizadas e dirigidas por especialistas, acaba influenciando de forma positiva na aquisição de comportamentos valorizados pelas escolas. A diferenciação observada entre as escolas revela que a ampliação do repertório sociocultural possibilitada por determinadas famílias ou disponível em determinados bairros certamente favorece o processo escolar. Isso porque a atividade educacional valoriza determinados conjuntos de conhecimentos em detrimento de outros (Bourdieu, 1998Bourdieu, P. (1998). Escritos de educação. Vozes.).

A estrutura de oportunidades disponível e acessível às famílias das diferentes escolas se mostra desigual. De igual maneira, tanto a influência da família quanto a do bairro são vistas como potencializadoras (ativos) ou inibidoras (passivos) do aproveitamento das oportunidades e, em especial, de um aproveitamento escolar mais positivo. A diferença entre as escolas nos leva a considerar que a convivência nos diferentes espaços gera uma forma de envolvimento e “aproveitamento” da oportunidade educacional diferenciada. Todavia, como “nada deve parecer impossível de mudar” (Brecht, 1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45), cabe à escola conhecer essa realidade e seus limites de ação para nela atuar e pelos direitos sociais se engajar: desmistificando velhas ações e organizando novas a partir da realidade da população atendida.

Considerações finais

Nossos dados empíricos revelam que são diversos os fatores externos à escola compreendidos como influenciadores da trajetória educacional dos estudantes, especialmente no tocante a seu desempenho. O peso das relações sociais e das condições objetivas das famílias para construir os itinerários escolares dos alunos se evidencia. O contraste entre os dois grupos de escolas pesquisadas revela que tanto os modelos sociais presentes como a geografia de oportunidades disponível nos diferentes territórios são fortes influenciadores dos processos de escolarização dos estudantes.

Os entrevistados indicam desde a organização familiar e o acompanhamento escolar provido por ela (cuidados e orientações cotidianas e, principalmente, ajuda nas tarefas escolares) até a infraestrutura do bairro (serviços públicos e disponibilidade de lazer) como aspectos importantes. Passando pelos modelos de socialização no bairro (socialização pelos pares), pelos recursos materiaisisponíveis em casa (livros e computador), pela exposição ao risco de violência (especialmente o tráfico de drogas) e pela possibilidade de vivência de atividades extraescolares (passeios, cursos, brincadeiras), os entrevistados nos permitem identificar importantes elementos que atuam como ativos ou passivos no processo de escolarização dos estudantes.

Ficou evidente, pelos dados analisados, que os recursos materiais e simbólicos disponíveis entre as famílias das diferentes escolas são desiguais e que nem sempre aquelas mais pobres conseguem fazer frente às exigências colocadas pelo modelo almejado na instituição. Aspecto em que o diferencial socioeconômico e cultural, assim como da estrutura de oportunidades disponível no entorno social, mostraram-se marcantes, como pôde ser observado nos dois extremos de nossa amostra: na escola que atende à população de menor vulnerabilidade social (E1), a oferta de bens e serviços e a natureza do acompanhamento das famílias em relação ao processo de escolarização de seus filhos se mostra mais favorável e próximo do modelo escolar, já na escola de maior vulnerabilidade social (E4), além de não haver uma geografia de oportunidades favorável, o acompanhamento escolar pelas famílias, por suas características socioculturais e materiais, não se mostra próximo às exigências e expectativas da instituição.

Exemplos importantes foram evidenciados pela propriedade de bens materiais e referência a jogos educativos e ajuda qualificada no acompanhamento às tarefas, em que as escolas com localização socioespacial mais favorecida se destacam como aquelas com famílias com melhores recursos e que ofertam atividades especificamente pedagógicas como ação, aproximando-as do modelo e dos saberes valorizados pela escola, enquanto que, nas escolas com localização socioespacial menos favorecida, as famílias têm pouca oferta material de auxílio aos filhos, sendo as atividades proporcionadas fora da escola restritas ao convívio social com familiares e às atividades assistenciais, religiosas e de instituições não governamentais. Aspecto que pode ser analisado, na tipologia proposta por Figueiredo et al. (2017Figueiredo, G. de O., Weihmüller, V. C., Vermelho, S. C., & Araya, J. B. (2017). Discusión y construcción de la categoría teórica de vulnerabilidad social. Cadernos de Pesquisa, 47(165), 796-818.), como uma das diversas formas de violências experienciadas pelos sujeitos nos territórios mais empobrecidos das cidades, a qual especificamente eles mencionam como vulnerabilidade ideológico-cultural.

Interessa destacar, no entanto, que embora a escola E3, de alto desempenho, não se distancie em linhas gerais de seu par em nosso desenho amostral - a escola E4, de baixo desempenho -, ela apresenta a escolha da escola pelas famílias como aspecto marcante. Mesmo se aproximando da escola E4 na percepção dos entrevistados sobre os fatores extraescolares, o fato de ser escolhida por famílias em detrimento de outras escolas da região, realidade não observada para a escola E4, pode ser um importante elemento de análise para compreensão dessa realidade. Dimensão, infelizmente, não passível de aprofundamento com os dados da presente pesquisa, mas que sugere uma nova delimitação investigativa bastante pertinente para compreensão mais próxima da questão, dentro do campo das preocupações com processo de segregação escolar.

De forma geral, e voltando-nos especificamente para a problemática analisada neste artigo, nossos dados explicitam que a vivência nos diferentes espaços é apontada pelos entrevistados como potencializadora, ou não, de um maior “aproveitamento” da oportunidade educacional. E, nesse sentido, como aponta Mészáros (2008Mészáros, I. (2008). A educação para além do capital. Boitempo., p. 25), uma reformulação significativa da educação necessita da correspondente transformação do quadro social no qual “as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as vitais e historicamente importantes funções de mudança”.

Arroyo (2010Arroyo, M. G. (2010). Políticas educacionais e desigualdades: À procura de novos significados. Educação & Sociedade, 31(113), 1381-1416.), destaca que é essencial retomar o debate local e político da relação entre educação e desigualdade no debate da realidade escolar, especialmente porque as desigualdades em abstrato não têm rosto, cor, gênero ou classe, e, por isso, omitem os sujeitos históricos e concretos que as experienciam. “Relação que se mostra mais complexa com o aumento do acesso à escola dos filhos e das filhas dos coletivos feitos e mantidos tão desiguais em nossa história” (Arroyo, 2010, p. 1384), fato que corrobora a necessidade de a escola conhecer e reconhecer a população atendida e seu entorno social a fim de organizar seu trabalho e suas lutas.

Nesse sentido, examinar o que Brecht bem coloca em seu poema como aquilo que vem “revestido como habitual” (1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45), pode produzir uma necessária consciência da realidade em vias de trabalhar sobre e para a melhoria dela, em uma perspectiva de mudança. Como bem pontua Freire (1979Freire, P. (1979). Educação e mudança. Paz e Terra., p. 21), “na medida em que o compromisso não pode ser um ato passivo, mas práxis - ação e reflexão sobre a realidade -, inserção nela, ele implica indubitavelmente um conhecimento da realidade”, e, dessa forma, mesmo não sendo capaz de agir independentemente dos condicionantes sociais, a escola e seus profissionais são capazes de construir um trabalho coletivo que pode fazer a diferença na vida daqueles que dela participam e, mais especificamente, nas trajetórias de escolarização de seus estudantes, sem perder de vista as lutas mais amplas e necessárias para a melhoria estrutural dos processos nos quais atua e dos quais depende como organização.

Entender que a escola não pode tudo perante as condições de vida de seus estudantes, ao mesmo tempo que não deve aceitar, como nos convida Brecht, “o que é de hábito como coisa natural” (1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45), utilizando-se disso como justificativa para a imobilidade, é um grande desafio. Adentrar essa contradição nos coloca na situação de uma dupla tarefa: lutar pela melhoria das condições para o desenvolvimento do trabalho da escola (incluindo as condições internas e externas ao estabelecimento escolar de escolarização das crianças) e lutar para que essas instituições assumam com responsabilidade o papel social que vislumbramos para elas, não como meras reprodutoras de desigualdades, mas como agentes na construção de uma sociedade mais justa.

Não temos dúvida da importância e necessidade das instituições de ensino aprimorarem suas ações desenvolvendo projetos e processos pedagógicos que façam frente às condições sociais e econômicas adversas da população que atendem. Como nos convida Brecht (1982Brecht, B. (1982). Nada é impossível de mudar. Antologia poética. ELO Editora., p. 45), não devemos nos resignar perante os males da sociedade, nada é impossível de mudar. Enquanto instituição social, como já nos convida há tempos Freire (1979Freire, P. (1979). Educação e mudança. Paz e Terra.), a escola deve agir em prol da mudança, uma mudança provisória, por estar subordinada à ordem social, mas nem por isso menos importante, já que determinante nas trajetórias estudantis de seus alunos.

Referências

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  • Disponibilidade de dados

    Os dados não podem ser disponibilizados publicamente. No momento da pesquisa não era vislumbrada a possibilidade de tornar públicos, na íntegra, os dados oriundos das entrevistas, dessa forma a autorização solicitada aos participantes não contemplou tal dimensão.
  • 1
    Para a seleção das escolas, foram utilizados dois bancos de dados: do Projeto Geres - Geração Escolar, polo Campinas - estudo longitudinal que mediu o desempenho de estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental (Franco et al., 2008Franco, C., Brooke, N., Alves, F. (2008). Estudo longitudinal sobre qualidade e equidade no ensino fundamental brasileiro: Geres 2005. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 16(61), 625-638.), e do Projeto Vulnerabilidade, do Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - estudo sobre a vulnerabilidade social nas regiões metropolitanas de Campinas e Santos (Cunha, 2006Cunha, J. M. P. da, & Jiménez, M. A. (2006). Segregação e acúmulo de carências: Localização de pobreza e condições educacionais na Região Metropolitana de Campinas. In J. M. P. da Cunha (Org.), Novas metrópoles paulistas: População, vulnerabilidade e segregação (pp. 365-398). Nepo/Unicamp.).
  • 2
    Importa destacar que, após pesquisa empírica, observamos que a escola E2, ainda que mapeada em zona de vulnerabilidade absoluta, diferencia-se das demais por atender uma população com melhor nível socioeconômico e estar localizada em bairro com melhores condições de infraestrutura e serviços que os demais de sua abrangência. Aspecto compreensível pelo que indicam Érnica e Batista (2012Érnica, M., & Batista, A. A. G. (2012). A escola, a metrópole e a vizinhança vulnerável. Cadernos de Pesquisa, 42(146), 640-666.), que afirmam que, mesmo entre as famílias da vizinhança das escolas localizadas em áreas de maior vulnerabilidade, aquelas com maiores expectativas educacionais buscam matricular seus filhos em escolas mais bem organizadas e situadas, o que normalmente significa instituições localizadas em áreas de menor vulnerabilidade
  • 3
    Embora o aspecto econômico seja essencial para a análise do desempenho escolar, há também de se reconhecer a dimensão cultural que se transforma em um tipo de capital que pode ser mobilizado para suscitar o sucesso escolar: o capital cultural.
  • 4
    Durante a década de 1970, o fracasso escolar passou a ter como explicação a Teoria da Carência Cultural, que via o ambiente cultural das camadas populares como deficiência que impactaria o desenvolvimento psicológico infantil, acarretando dificuldades na aprendizagem. Patto (1990Patto, M. H. de S. (1990). A produção do fracasso escolar. T.A. Queiroz.) aborda essa questão a partir da discussão da construção do fracasso escolar, retornando à teoria da carência cultural e a criticando de forma a trazer outro paradigma de análise.
  • 5
    No estado incorporado, o capital cultural se mostra sob a forma de disposições duráveis do organismo, estando ligado à herança familiar com referências culturais e os conhecimentos considerados apropriados e legítimos, facilitando o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares (Bourdieu, 1998Bourdieu, P. (1998). Escritos de educação. Vozes.).
  • 6
    Na avaliação proposta pela rede, os professores classificam os alunos em grupos de saberes, sendo o Grupo 1 o mais avançado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Aceito
    11 Dez 2020
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