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TECNOLOGIAS PEDAGÓGICAS DE GOVERNO DO EU NUM CURRÍCULO CULTURALMENTE ORIENTADO

PEDAGOGICAL TECHNOLOGIES FOR GOVERNANCE OF THE SELF IN A CULTURALLY ORIENTED CURRICULUM

TECNOLOGÍAS PEDAGÓGICAS DEL GOBIERNO DEL YO EN UN PLAN DE ESTUDIOS CULTURALMENTE ORIENTADO

TECHNOLOGIES PÉDAGOGIQUES DE GOUVERNEMENT DE SOI DANS UN PROGRAMME DE COURS CULTURELLEMENT ORIENTÉ

Resumo

O presente artigo devota-se a examinar as tecnologias pedagógicas de governo do eu levadas a cabo por um currículo culturalmente orientado. Para tanto, a análise situa-se no campo teórico- -metodológico de estudos do discurso, sob a perspectiva foucaultiana, e sua relação na produção de subjetividades. A análise do material empírico, que compreendeu 138 relatos de experiências pedagógicas vinculados ao currículo cultural da educação física, propiciou inferir a ocorrência de tecnologias pedagógicas de governo do eu, que incitam à participação e à reflexão dos sujeitos da educação, de modo que, por intermédio de um enlace entre códigos de comportamento e uma moral direcionada, em alguma dimensão, à ética, engendram subjetividades democráticas e multiculturais.

TECNOLOGIAS DO EU; SUBJETIVIDADE; PEDAGOGIA CULTURAL

Abstract

The present article focuses on examining the pedagogical technologies of governance of the self, carried out in a culturally oriented curriculum. Thus, the analysis is situated in the theoretical and methodological field of discourse studies, from a Foucauldian perspective, and its relation to the production of subjectivities. The analysis of the empirical material, which comprised 138 reports of pedagogical experiences linked to the cultural curriculum of physical education, allowed us to infer the occurrence of pedagogical technologies of governance of the self, which encourage participation in and reflection on the subjects of education in a way that, through a link between codes of behavior and a morality directed, in some dimension, to ethics, generate democratic and multicultural subjectivities.

TECHNOLOGIES OF THE SELF; SUBJECTIVITY; CULTURAL PEDAGOGY

Resumen

El presente artículo está dedicado a examinar las tecnologías pedagógicas del gobierno del yo llevadas a cabo por un plan de estudios culturalmente orientado. Para ello, el análisis se sitúa en el campo teórico y metodológico de los estudios del discurso, desde una perspectiva foucaultiana, y su relación en la producción de subjetividades. El análisis del material empírico, que comprendió 138 relatos de experiencias pedagógicas vinculadas al currículo cultural de educación física, permitió inferir la ocurrencia de tecnologías pedagógicas del gobierno del yo que incentivan a la participación y a la reflexión de los sujetos de la educación, de modo que, a través de un vínculo entre códigos de comportamiento y una moral dirigida, en alguna dimensión, a la ética, engendran subjetividades democráticas y multiculturales.

TECNOLOGÍAS DEL YO; SUBJETIVIDAD; PEDAGOGÍA CULTURAL

Résumé

Le présent article est consacré à l’examen des technologies pédagogiques de gouvernement de soi exécutées par un programme de cours culturellement orienté. Pour ce faire, l’analyse se situe dans le champ théorique et méthodologique des études du discours, dans une perspective foucaultienne, et de leur rapport dans la production des subjectivités. L’analyse du matériel empirique, qui comprenait 138 rapports d’expériences pédagogiques liées au programme culturel de l’éducation physique, nous a permis de déduire l’existence de technologies pédagogiques de gouvernement de soi qui encouragent la participation et la réflexion des sujets de l’éducation, de telle sorte que, à travers un lien entre des codes de conduite et une morale orientée, en quelque mesure, vers l’éthique, elles engendrent des subjectivités démocratiques et multiculturelles.

TECHNOLOGIES DE SOI; SUBJECTIVITÉ; PÉDAGOGIE CULTURELLE

DENTRE TODAS AS VARIAçõES PELAS QUAIS PASSOU O CURRíCULO DESDE SEU ADVENTO,Veiga-Neto (2008)Veiga-Neto, A. (2008). Crise da modernidade e inovações curriculares: Da disciplina para o controle. Revista de Ciências da Educação, (7), 141 150. faz questão de enfatizar que nenhuma é comparável com as da época atual, em que se multiplicam inovações curriculares. Ora, as transformações e, em consequência, os acentuados questionamentos das novas propostas curriculares advêm, na acepção do autor, de uma crise da Modernidade ou, se preferirmos, uma crise da razão. A diversidade de políticas curriculares decorre ainda, entre outras questões, de uma transição nas estratégias de governamento.

Assim, a obstinação pela produção de corpos dóceis via disciplinamento cede lugar, pouco a pouco, às técnicas de controle e à constituição de corpos flexíveis, imprescindíveis à volatilidade da sociedade contemporânea (Veiga-Neto, 2008Veiga-Neto, A. (2008). Crise da modernidade e inovações curriculares: Da disciplina para o controle. Revista de Ciências da Educação, (7), 141 150.). Dessa perspectiva, em uma sociedade como a nossa, a confecção dos sujeitos se dá em todos os espaços, de modo que a escola certamente já não é a única instância envolvida na produção de subjetividades de maneira sistematizada, embora seu papel não possa ser subestimado.

A concepção de multiplicidade de territórios de aprendizagem e, por conseguinte, as subjetividades daí resultantes são, sem dúvida, uma das temáticas de interesse analítico do campo de conhecimento interdisciplinar denominado estudos culturais. Cabe notar, nesse sentido, que artefatos sociais dos mais diversos, como o cinema, a televisão, a música, o esporte, a igreja, a internet, etc., passam a ser considerados pedagógicos, ou seja, além da educação escolar institucionalizada, “outras instâncias culturais também são pedagógicas, também têm uma ‘pedagogia’, também ensinam alguma coisa” (Silva, 2011Silva, T. T. da. (2011). Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do currículo (3a ed.). Autêntica., p. 139).

A partir daí, em decorrência das recentes transformações nos elementos constitutivos do currículo, como, por exemplo, aqueles consoantes à seleção de conteúdos, “abrem-se possibilidades interessantes de estudos para o novo campo de saberes pedagógicos denominado pedagogias culturais” (Veiga-Neto, 2008Veiga-Neto, A. (2008). Crise da modernidade e inovações curriculares: Da disciplina para o controle. Revista de Ciências da Educação, (7), 141 150., p. 147). É, pois, particularmente em tal quadro conjuntural que irrompe o currículo cultural no campo da educação física - objeto desta investigação - assentado, entre outros campos teóricos, nos pressupostos dos estudos culturais.

Com o intuito de fazer emergir novas possibilidades, diferentemente daquelas que difundem aproximadamente as mesmas práticas, o currículo cultural da educação física vem sendo experienciado há quase duas décadas na educação básica, visando a inventariar ações educativas voltadas para a formação de sujeitos a favor da afirmação das diferenças culturais. A pedagogia em pauta, vale mencionar, se materializa de modo mais sistematizado com o lançamento da obra Pedagogia da cultura corporal: Crítica e alternativas, de Neira e Nunes (2006)Neira, M. G., & Nunes, M. L. F. (2006). Pedagogia da cultura corporal: Crítica e alternativas. Phorte.. Desde então, conta com uma extensa produção no campo acadêmico e crescente repercussão na prática pedagógica (Borges, 2019Borges, C. C. de O. (2019). Governo, verdade, subjetividade: Uma análise do currículo cultural da Educação Física [Tese de doutorado]. Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação.).

Um caminho investigativo possível para perscrutar tal dispositivo curricular diz respeito à constituição ética do sujeito, a partir dos estudos e problematizações desenvolvidos por Foucault (1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. L. Dreyfus, & P. Rabinow, Michel Foucault, uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica (pp. 231-249). Forense Universitária., 2016Foucault, M. (2016). Subjetividade e verdade: Curso no Collège de France (1980-1981). Martins Fontes.) sobre os modos e processos de subjetivação. Nesse sentido, transpondo essas questões para o campo educacional, é possível acessar a constituição do sujeito escolar por meio do discurso pedagógico e sua relação com as experiências de si (Larrosa, 2008Larrosa, J. (2008). Tecnologias do eu e educação. In T. T. da Silva (Org.), O sujeito da educação: Estudos foucaultianos (pp. 35-86, 6a ed.). Vozes.).

Segue-se então o objetivo da pesquisa: explicitar os contornos do modus operandi do currículo cultural da educação física que, mediante a justaposição de tecnologias de dominação a técnicas de si,1 1 As edições brasileiras das obras de Foucault consagraram a tradução da expressão techniques de soi ora como técnicas de si ora como técnicas do eu. Assim, optou-se por utilizar ambas as expressões indistintamente ao longo do texto, tomando-as como sinônimos. convocam, incitam, conduzem os sujeitos pedagógicos a constituírem-se de modos particulares. Para dizer de outra forma, a finalidade é fazer aparecer, colocar em pauta as tecnologias de condução das condutas que aí intervêm. Numa pergunta, poder-se-ia indagar: quais são as práticas de subjetivação em funcionamento no currículo cultural da educação física?

Assinale-se que colocar em causa tal problemática, acredita-se, oferece ocasião privilegiada para trazer à baila a percepção do sujeito do currículo cultural da educação física em seu duplo aspecto, quer dizer, como objeto de saberes que versam a seu próprio respeito e na condição de sujeito moral que age sobre si mesmo e sobre os outros.

Dessa feita, na qualidade de corpus empírico da investigação, foram selecionados 138 relatos2 2 Disponíveis para consulta no repositório do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da Feusp: www.gpef.fe.usp.br de experiências pedagógicas que se fundamentaram no currículo em voga, que equivale a todas as narrativas de práticas pedagógicas disponíveis no site do Grupo de Pesquisas em Educação Física escolar da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (GPEF-Feusp), produzidos entre os anos de 2006 e 2018. Por questões de delimitação de espaço, optou-se por apresentar, ao longo do texto, alguns excertos ilustrativos das narrativas pedagógicas supracitadas que, acredita-se, dão a ver a governamentalização dos sujeitos com vista a determinados “eus”. A despeito do recorte selecionado, ressalte-se que o conjunto dos relatos perscrutados, em sua maioria,3 3 Cf. Borges (2019). consolida as peculiaridades acerca das tecnologias pedagógicas de governo do eu que aqui serão delineadas.

Ademais, para lidar com as fontes empíricas indicadas e congruentes à análise de inspiração foucaultiana (Foucault, 2003Foucault, M. (2003). Nietzsche, a genealogia, a história. In M. Foucault, Ditos e Escritos II - Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento (pp. 260-281). Forense Universitária. (Obra original publicada em 1971).), consideraram-se, pois, paralelamente, corpora de escritos que, embora preliminarmente não consistissem em objetos específicos de análise, constituíram referências pertinentes para a estruturação, para a montagem da pesquisa levada a cabo, sobretudo no que diz respeito à emergência, à irrupção de alguns discursos que dão sustentação ao currículo de que se trata. Vejamos então, a reboque das premissas aqui evocadas, o desdobramento dessa investigação.

O eu-democrático

Objetiva-se, nesta seção, mediante um conjunto de estratégias analíticas de inspiração foucaultiana e a partir de exemplos pedagógicos concretos, especificar a singularidade dos processos de governamentalização levados a cabo pelo currículo cultural da educação física. Para tal, com efeito, a atenção recai particularmente sobre as tecnologias pedagógicas de si que essa perspectiva de ensino adota e que possuem como mote, entre outros, a produção de sujeitos que agem de acordo com princípios democráticos, e, então, como corolário, teríamos a edificação de uma sociedade mais equitativa e democrática. Observa-se que tal ideal é habitual não somente nos relatos de experiência examinados, mas igualmente em um conjunto de publicações (Neira, 2008Neira, M. G. (2008). A cultura corporal popular como conteúdo do currículo multicultural da Educação Física. Pensar a Prática, 11(1), 81-89., 2011aNeira, M. G. (2011a). A reflexão e a prática no ensino - Educação Física. Blucher., 2011bNeira, M. G. (2011b). O currículo cultural da Educação Física em ação: A perspectiva dos seus autores [Tese de livre-docência]. Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação., 2011cNeira, M. G. (2011c). Teorias pós-críticas da educação: Subsídios para o debate curricular da Educação Física. Dialogia, 2(14), 195-206., 2013Neira, M. G. (2013). O currículo cultural da Educação Física: Análise da produção discursiva de seus autores. Revista Impetus, 7(9), 7-13., 2015Neira, M. G. (2015). O currículo cultural da Educação Física: Uma resposta aos dilemas da contemporaneidade. Revista Linhas, 16(31), 276-304.; Neira & Nunes, 2006Neira, M. G., & Nunes, M. L. F. (2006). Pedagogia da cultura corporal: Crítica e alternativas. Phorte., 2009Neira, M. G., & Nunes, M. L. F. (2009). Educação Física, currículo e cultura. Phorte., 2011Neira, M. G., & Nunes, M. L. F. (2011). Contribuições dos estudos culturais para o currículo da educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 33(3), 671-685.) atinentes ao currículo cultural da educação física.

Sabe-se que o discurso relativo à formação do cidadão democrático tem importância considerável no âmbito educacional contemporâneo, mais especificamente nas políticas de educação arquitetadas no país a partir da década de 1990 (Gallo, 2012Gallo, S. (2012). Governamentalidade democrática e ensino de Filosofia no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, 42(145), 48-65. https://doi.org/10.1590/S0100-15742012000100005
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). Todavia, ainda que constitua uma espécie de palavra de ordem no cenário educativo atual, há que observar que, na conjuntura da pedagogia moderna, os ideais de uma sociedade tida como “verdadeiramente” democrática via processo de escolarização parecem despontar ao menos desde o movimento Iluminista, como se pode entrever, por exemplo, no Relatório e Projeto de Decreto sobre a organização geral da instrução pública, encaminhado à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa Francesa em 1792, pelo filósofo e matemático francês Marie-Jean-Antonie-Nicolas de Caritat - o Marquês de Condorcet.

Na esteira do pensamento libertário das “Luzes”, democracia e educação estavam intimamente interligadas no pensamento pedagógico de Condorcet (Rodríguez, 2010Rodríguez, M. V. (2010). A origem da escola moderna: O legado de Condorcet. Acta Scientiarum. Education, 32(1), 67-74.; Boto, 2003Boto, C. (2003). Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: O relatório de Condorcet. Educação & Sociedade, 24(84), 735-762.). Não obstante, Baczko (1996)Baczko, B. (1996). Démocratie rationnelle et enthousiasme révolutionnaire. Mélanges de l’Ecole Française de Rome. Italie et Méditerranée, 108(2), 583-599. https://doi.org/10.3406/mefr.1996.4456
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assinala que certamente o marquês francês não foi o primeiro e muito menos o único a fazer essa espécie de junção entre democracia e educação, entretanto foi um dos pensadores que na época mais intensamente sublinharam a vocação democrática da instrução pública. Condorcet (2008)Condorcet, M. J. A. N. C. (2008). Cinco memórias sobre a instrução pública (Maria das Graças de Souza, Trad., & Apres.). Unesp. via na universalidade da instrução pública, única, laica, gratuita, para ambos os sexos e em todos os níveis, a potencialidade de fazer justiça às camadas mais pobres da população e, em decorrência, contribuir para a diminuição das desigualdades e assegurar o bem-estar coletivo.

Ainda que o Relatório de 1792 - documento que sintetiza os fundamentos teóricos e filosóficos da obra Cinco memórias da instrução, formulada em 1791 por Condorcet - tenha tido pouca repercussão4 4 Em “Nietzsche, a genealogia, a história”, Foucault (2003) não deixará de sublinhar que o começo histórico é baixo. na época de sua formulação e, inclusive, não tenha sido aprovado pela Assembleia Legislativa Francesa - por ser considerado, entre outros, permeado de jargões filosóficos, fugir da orientação cristã e valorizar em excesso áreas científicas (Cahen, 1970, como citado em Boto, 1996Boto, C. (1996). A escola do homem novo: Entre o Iluminismo e a Revolução Francesa. Unesp.) -, a premissa fulcral ali contida, qual seja, o ideário democrático-liberal de uma escola pública universal, perpetrou nos séculos XIX e XX ascendência considerável em projetos e parâmetros reformadores da educação pública em diversos países dos continentes europeu e latino-americano, em particular no Brasil. Perscrutando o Relatório de Condorcet e correndo todos os riscos de um anacronismo irremissível, Boto (2003)Boto, C. (2003). Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: O relatório de Condorcet. Educação & Sociedade, 24(84), 735-762. chega até mesmo a sugerir que todos somos, em alguma dimensão, legatários de tal projeto de instrução pública, que remontaria à irrupção da Revolução Francesa.

Tido como um importante pensador do movimento que ficou conhecido como educação progressiva e, no mais, como aquele que estabeleceu as bases para o construtivismo pedagógico ao centrar o processo de ensino na aprendizagem do aluno, John Dewey é também um dos teóricos que se debruçaram sobre as conexões entre educação e democracia. Em sua célebre obra Democracia e educação, publicada originalmente em 1916, o filósofo e educador norte-americano afirmará que a função social da escola em uma sociedade democrática é a de propiciar efetivamente, em igualdade de circunstâncias, a participação e cooperação de todos os seus membros (Dewey, 1959Dewey, J. (1959). Democracia e educação. Companhia Editora Nacional.).

No enquadramento da Primeira Guerra Mundial e dos modelos industriais do taylorismo e do fordismo, os quais conduziram a enormes transformações em todos os campos da vida social, Dewey (1959)Dewey, J. (1959). Democracia e educação. Companhia Editora Nacional. defenderia de modo taxativo que a escola seria a instituição responsável por assegurar os princípios de uma sociedade democrática; ela é o espaço que oportuniza a experiência comunitária de resolução de conflitos sociais, operando como uma espécie de oficina prática desse ideal social que é a democracia. A ação educativa no contexto escolar é vista como uma miniatura da vida social, portanto educar os estudantes para a sociedade democrática seria, antes de tudo, exercitar procedimentos democráticos no próprio ato educativo. A esse respeito, talvez não seja desinteressante perceber a ressonância de tal pressuposto na contemporaneidade educacional: “Apenas vivendo situações democráticas na escola é que se pode aprender a viver democraticamente na sociedade mais ampla” (Neira, 2018Neira, M. G. (2018). Educação Física cultural: Inspiração e prática pedagógica. Paco., p. 108).

No âmbito específico da educação física brasileira, referências à democracia parecem despontar, ainda que de modo incipiente, nas produções do técnico em educação na Divisão de Educação Física do Ministério de Educação e Saúde Pública e catedrático de Metodologia e História da Educação Física e dos Desportos na Escola Nacional de Educação Física e Desportos, Inezil Penna Marinho. Ao menos desde a década de 1940, o autor vinha questionando a utilização do método ginástico francês nas escolas brasileiras (Melo, 2009Melo, V. A. (2009). Inezil Penna Marinho: Cientista, filósofo, literato. In S. Goellner, & A. Silva (Orgs.), Nos recônditos da memória: O acervo pessoal de Inezil Penna Marinho (pp. 125-142). Gênese.) e, paralelamente, assinalando a urgência de arquitetar um método brasileiro de educação física, fundamentado numa matriz filosófica. Dessa ótica, é possível perceber em alguns de seus impressos certa aproximação, entre outros, com o pensamento deweyano e, em razão disso, com discursos alusivos aos princípios democráticos da educação. Observemos alguns fragmentos a esse respeito:

Os pontos de vista de Dewey sobre a educação são reflexos da revolução industrial e do desenvolvimento da democracia. Reage fortemente contra as relações clássicas e os métodos autoritários das épocas aristocráticas, quando a educação consistia em aprender mais a maneira de falar sobre as coisas do que fazê-las. (Marinho, 1943Marinho, I. P. (1943). Bases científicas da Educação Física: Contribuição ao futuro método nacional de Educação Física. Imprensa Nacional., p. 57).

As tendências do nosso povo, quaisquer que possam vir a ser as ideias daqueles que ocasionalmente ocupem o poder, são nitidamente democráticas. Somos por natureza contra a opressão, a tirania, a opressão. . . . E a liberdade é o apanágio das democracias. A nossa educação - intelectual, moral e física - deve estar dirigida nesse sentido. (Marinho, 1943Marinho, I. P. (1943). Bases científicas da Educação Física: Contribuição ao futuro método nacional de Educação Física. Imprensa Nacional., pp. 60-61).

Muitos dos escritos de Inezil Penna Marinho, importa enfatizar, tinham caráter biográfico, ocasião na qual registrava o seu próprio comparecimento em eventos, cursos, palestras, premiações e títulos. A seguir, notemos um exemplo extraído do livro História da Educação Física e dos desportos no Brasil, em que o autor assim descreve a sua participação numa palestra cuja temática remete precisamente ao sentido democrático da educação física:

De 22 a 28 de junho, sob o patrocínio da Associação Brasileira de Educação, realiza-se no Rio de Janeiro o IX Congresso Nacional de Educação, dedicado ao sentido democrático que deverá nortear a educação. O Professor Inezil Penna Marinho apresenta tese “O Sentido Democrático da Educação Física”. (Marinho, 1954Marinho, I. P. (1954). História da Educação Física e dos desportos no Brasil. Ministério da Educação e Saúde, Divisão de Educação Física., p. 444).

Detenhamo-nos agora, ainda que em poucas palavras, a discorrer sobre o modo como o sujeito democrático é pensado no âmbito da “racionalidade política” e, então, ressaltar como o processo educacional é imprescindível na confecção de sua constituição. De súbito, ouçamos as curtas, mas densas afirmações de Foucault no que concerne à democracia como configuração política que implica, necessariamente, tecnologias de condução:

É a democracia, ou antes um certo liberalismo, que foi desenvolvido no século XIX, que empregou técnicas extremamente coercitivas, que foram, em um certo sentido, o contrapeso de uma liberdade econômica e social atribuída em outros lugares. Não se podiam, evidentemente, liberar os indivíduos sem educá-los. Não vejo por que seria desconhecer a especificidade de uma democracia ao se dizer como e por que esta teve necessidade dessas técnicas. (Foucault, 2010aFoucault, M. (2010a). Conversa com Michel Foucault. In M. Foucault, Ditos e escritos VI: Repensar a política (pp. 289-347). Forense Universitária. (Obra original publicada em 1980)., p. 342).

Grosso modo, a democracia, se a tomamos como forma política, só pode de fato existir na medida em que há, no nível dos indivíduos, das famílias, do cotidiano, se você quiser, relações de governo, um certo tipo de relações de poder que se produzem. É por isso que uma democracia não pode ter êxito em qualquer lugar (Foucault, 2010bFoucault, M. (2010b). O intelectual e os poderes. In M. Foucault, Ditos e escritos VI: Repensar a política (pp. 371-376). Forense Universitária. (Obra original publicada em 1984)., p. 376).

Se, num primeiro momento - como podemos observar nos escritos de Condorcet -, temos uma crescente preocupação com a escolarização, isto é, com o direito subjetivo de ter acesso à escolarização, ao menos desde o final do século XIX delineia-se uma segunda geração de direitos educacionais, a saber, o direito ao ensino atraente e que posicionasse o aluno como personagem principal. Nota-se aqui, sobremaneira, a importância do método de ensino. Nas últimas décadas, contudo, Boto (2006)Boto, C. (2006). Um credo pedagógico na democracia escolar: Algum traçado do pensamento de John Dewey. Educação, 60(3), 599-619. identifica o despontar de uma terceira geração de direitos educacionais, que requererá atenção, antes de tudo, aos conteúdos das ações curriculares. Passa a ocorrer uma preocupação enfática com a diversidade, com as identidades culturais, com as minorias, temáticas antes praticamente inexistentes no currículo escolar. Nesse sentido, a título de exemplo, as formas de produção das diferenças são problematizadas pelo currículo cultural da educação física.

De imediato, não podemos deixar de assinalar aqui as descontinuidades e singularidades nesta concisa reminiscência esquemática concernente às propostas pedagógicas que, em cada época, explicitam seus próprios objetivos e estratégias em acordo com o ferramental disponível. Sem embargo, percebe-se, da mesma forma, algumas aproximações, um campo de coexistências, determinada regularidade discursiva no que diz respeito à conexão entre educação e democracia, temática que, em alguma dimensão, parece subsistir, atravessar, perpassar as propostas delineadas.

Vejamos então, sinteticamente, como vem se dando tal vínculo no currículo cultural da educação física. Antes, é preciso dizer: a vinculação histórica entre educação e democracia não se esgota, de modo algum, em Condorcet e Dewey ou, no caso da educação física, em Marinho. Ela é, sem dúvida, muito mais diversa e rica, contudo a intenção aqui foi tão somente apresentar um esboço, delinear alguns passos de tal movimento, que emerge nas Lumières e atravessa os séculos.

Parece viável que uma das táticas de condução das condutas do currículo cultural da educação física se dê pela via do que Gallo (2012Gallo, S. (2012). Governamentalidade democrática e ensino de Filosofia no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, 42(145), 48-65. https://doi.org/10.1590/S0100-15742012000100005
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, 2017aGallo, S. (2017a). Biopolítica e subjetividade: Resistência? Educar em Revista, 33(66), 77-94., 2017bGallo, S. (2017b). Políticas da diferença e políticas públicas em educação no Brasil. Educação e Filosofia, 31(63), 1497-1523.) denomina de “governamentalidade democrática”5 5 “Somos assujeitados a cidadãos; somos, compulsoriamente, subjetivados para obedecer aos princípios básicos de uma sociedade democrática. Devemos participar; devemos confessar nossa verdade política no voto; devemos confessar nossa verdade técnica no trabalho; devemos confessar a verdade do que somos nos mais diversos processos sociais, porque somos cidadãos de direitos. Temos direito à educação, direito à saúde, direito ao trabalho, etc., temos direito de ser, por isso somos. A biopolítica da governamentalidade democrática produz o ‘sujeito de direitos’”. (Gallo, 2017a, p. 89). na esfera educacional, que corresponde a uma espécie de maquinaria singular de promoção de cidadania e, por via de consequência, de produção do cidadão de direitos - um sujeito “livre”, que é convocado a participar, uma vez que a participação é encarada como peça central no jogo democrático. Tal inferência se dá, pois, em razão de toda uma gramática concernente à participação democrática dos estudantes no currículo de que aqui se trata.

Com a proximidade do fim do ano letivo e apresentação de encerramento das atividades escolares, propus aos alunos, orientada pelas expectativas de aprendizagem das Orientações Curriculares do Município de São Paulo, que elaborassem coletivamente e democraticamente uma apresentação para a escola. (Aguiar, 2009Aguiar, C. S. (2009). Danças eletrônicas: Do intervalo as aulas de Educação Física (Relato de experiência - EMEFM Derville Alegretti). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/camila_01.pdf
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, pp. 4-5, grifo nosso).

Buscando aproximar-me dos alunos com vistas a estabelecer uma relação de fato democrática, compreendendo que isso implica necessariamente na análise da realidade, iniciei o mapeamento pelos espaços em torno da escola a fim de conhecer quais práticas corporais a comunidade vivencia. (Escudero, 2013Escudero, N. T. G. (2013). Das lutas ao futebol: O que está em jogo? (Relato de experiência - Emef Dona Jenny Gomes). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/nyna_05.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/nyna_05...
, p. 2, grifo nosso).

. . . já que estávamos falando sobre campeonato de futsal e participação democrática, decidi lançar a proposta de tematizar a prática corporal dos líderes de torcida, onde todos os alunos poderiam vivenciar as atividades de forma democrática, a fim de colaborar com o entendimento sobre gênero, preconceitos, etc. (Fujisse, 2015Fujisse, L. N. M. M. (2015). Líderes de torcida da escola Irmã Gabriela: Uma prática corporal para todos, por que não? (Relato de experiência - EE Irmã Gabriela Maria Elisabeth Wienkem). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/semef2016/visemef_arquivos/Textos%20completos/larissa.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/semef2016/vis...
, p. 2, grifo nosso).

É preciso salientar, contudo, que a recorrência à participação democrática nos fragmentos supracitados não se limita ao âmbito discursivo. Poder-se-ia dizer que, ainda que as “ações democráticas” não constituam uma orientação didática específica do currículo em questão, o que podemos chamar de “ideal democrático” consubstancia-se em certa técnica ou tecnologia pedagógica de si que arquiteta, que constitui o sujeito do currículo cultural da educação física. Conforme argumentou Larrosa (2008Larrosa, J. (2008). Tecnologias do eu e educação. In T. T. da Silva (Org.), O sujeito da educação: Estudos foucaultianos (pp. 35-86, 6a ed.). Vozes., p. 56), “o sujeito, sua história e sua constituição como si mesmo, seriam, então, inseparáveis das tecnologias do eu”.

No resumo do curso Subjetividade e verdade, por técnicas de si Foucault entende

. . . os procedimentos que, sem dúvida, existem em toda civilização, que são propostos ou prescritos aos indivíduos para estabelecerem sua identidade, mantê-la ou transformá-la em função de determinados fins, e isso graças a relações de domínio de si sobre si ou de conhecimento de si por si. (Foucault, 2016Foucault, M. (2016). Subjetividade e verdade: Curso no Collège de France (1980-1981). Martins Fontes., p. 267).

Em entrevista a Hubert Dreyfus e Paul Rabinow, Foucault (1995)Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. L. Dreyfus, & P. Rabinow, Michel Foucault, uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica (pp. 231-249). Forense Universitária. conceitua técnicas de si de um modo que interessa diretamente à investigação aqui levada a cabo, por associá-la, entre outros tópicos, ao governo das condutas exercidas na esfera educacional.

As técnicas de si, creio eu, podem ser encontradas em todas as culturas de formas diferentes. Devemos questionar as técnicas de si exatamente do mesmo modo como é necessário estudar e comparar as diferentes técnicas de produção de objetos e de direção dos homens pelos homens através do governo. O que torna a análise de si difícil são duas coisas: primeiro, as técnicas de si não exigem o mesmo aparelho material que a produção de objetos e são, portanto, técnicas frequentemente invisíveis. Segundo, são frequentemente ligadas às técnicas de direção dos outros. Por exemplo, se tomamos as instituições educacionais, compreendemos que alguém está governando outros e ensinando-lhes a governar-se. (Foucault, 1995Foucault, M. (1995). O sujeito e o poder. In H. L. Dreyfus, & P. Rabinow, Michel Foucault, uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica (pp. 231-249). Forense Universitária., p. 276).

Pois bem, tomando entre as mãos os operadores conceituais “governamentalidade” e “tecnologias do eu”, retornemos aos relatos das experiências pedagógicas do currículo cultural. Temos numerosas passagens de práticas pedagógicas que, no seu conjunto, permitem inferir a ocorrência de certa governamentalidade democrática que opera com o auxílio de uma tecnologia pedagógica de si particular, qual seja, a participação. Mais especificamente, a participação dos estudantes por meio do voto como alternativa para o exercício da democracia. Precisemos o argumento. Há toda uma incitação à mobilização coletiva dos estudantes para a criação de regras e acordos em comum ou resolução de alguma outra questão específica pertinente a determinada situação didática que, no mais das vezes, culmina em votação - procedimento que, não raro, é concebido como “intrinsecamente” democrático.

Diante desse impasse, fizemos uma votação e a maioria optou por continuar a jogar com times mistos. Quanto às regras, que ainda era motivo para algumas discussões, coletivamente combinaram o que “valia” e o que “não valia”, resultando em uma mescla de regras de futsal e futebol. (Borges, 2014Borges, C. C. de O. (2014). Copa do Mundo de futebol no Brasil: Quem perde com este jogo? (Relato de experiência - E. E. Profa. Ida Yolanda Lanzoni de Barros). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/Relato_Clayton_copa.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/Relato_...
, p. 8, grifo nosso).

Em processo de votação, a maioria aceitou fazer o “Livro do Balé”, onde pontuaram o que estudamos durante o percurso e, em grupos foram relatando o que haviam entendido do Balé. Ao término da construção do livro, a direção da escola tirou cópias que foram entregues para cada criança da turma e o original foi entregue à biblioteca da escola. (Santos, 2013Santos, L. A. (2013). O balé nas aulas de educação física na rede estadual de ensino (Relato de experiência - E. E. Pastor João Nunes). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/Relato%20Luiz%20Alberto%20dos%20Santos%20Bale%20nas%20aulas.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/Relato%...
, p. 5, grifo nosso).

Conversando sobre a vivência, surgiu a ideia de escolher o nome do nosso grupo. “Professor, pode ser ‘As Marias’, porque na turma há várias mulheres que se chamam Maria”. Uma colega sugeriu “Estandartes” e outra “Águia”. Mediante eleição o grupo escolheu “As Marias”. Repetimos o procedimento para a escolha do tema da loa, que acabou definido como “amor sem preconceito”. (Neves, 2017Neves, M. R. (2017). O maracatu nas aulas de Educação Física: Exu, macumba e outras significações, o sangue de Jesus tem poder! (Relato de experiência - Cieja Campo Limpo). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/marcos_ribeiro_11.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/marcos_...
, p. 12, grifo nosso).

Como se pode deduzir de chofre, os relatos de experiência sinalizam a votação como procedimento que objetiva impulsionar uma atitude considerada democrática. Em termos gerais, não seria descabido dizer que o regime de enunciação concernente ao processo de escolarização democrática, há muito difundido na esfera educacional, sob as mais diversas tradições político-culturais, materializa-se no currículo cultural da educação física no próprio nível das práticas, redundando assim numa pedagogia democrático-participativa ou, se se quiser, num modus operandi de condução das condutas pela via da participação, numa tecnologia de governo da subjetividade democrática. Governar, cumpre novamente ressaltar, “é sempre um difícil e versátil equilíbrio de complementaridade e conflito entre técnicas que asseguram a coerção e processos por meio dos quais o eu é construído e modificado por si próprio” (Foucault, 1993Foucault, M. (1993). Verdade e subjectividade (Howison Lectures). Revista de Comunicação e Linguagem, (19), 203-223., p. 207).

De modo específico, poder-se-ia compreender, à luz dos excertos que acabamos de expor, que, para o currículo culturalmente orientado, a escola funciona como um microcosmo de uma sociedade democrática, onde determinadas atividades de ensino exibem um formato de assembleia escolar ou, se preferirmos, configuram-se numa espécie de democracia participativa, na qual os cidadãos-eleitores (estudantes) debatem e votam sobre questões de seu interesse. Ao que tudo indica, portanto, é por intermédio de tal tecnologia de governo do eu que se desenha o sujeito democrático na pedagogia em tela.

O eu-multicultural

O multiculturalismo, em alguma medida, configura-se numa demanda do tempo presente.6 6 Algumas pistas sobre a emergência das políticas multiculturais no cenário brasileiro podem ser encontradas no estudo genealógico de Kern (2012). Não por acaso, na esfera educacional, nota-se uma convocação à produção de sujeitos diferentes, isto é, de sujeitos orientados a conduzirem suas vidas de modo multicultural (Neira, 2006Neira, M. G. (2006). O currículo multicultural da Educação Física: Uma alternativa ao neoliberalismo. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, 5(2), 75-83.; Bampi, 2011Bampi, L. (2011). Do que é capaz o eu multicultural? Educação & Sociedade, 32(114), 225-242. https://doi.org/10.1590/S0101-73302011000100014
https://doi.org/10.1590/S0101-7330201100...
; Candau, 2008Candau, V. M. (2008). Multiculturalismo e educação: Desafios para a prática pedagógica. In A. F. Moreira, & V. M. Candau (Orgs.), Multiculturalismo: Diferenças culturais e práticas pedagógicas (pp. 13-27). Vozes.), por meio da valorização da diversidade e das diferenças. No campo da educação física, a relevância de problematizar as diferenças culturais e as múltiplas identidades vem sendo expressa, notadamente, pelo currículo cultural. O tema das diferenças culturais, cumpre assinalar, tem-se tornado uma constante nas análises teórico-sociais, por intermédio de diversas correntes epistemológicas - por vezes, diametralmente opostas, diga-se de passagem - que debatem a temática e, por conseguinte, lutam pela validação dos seus significados. Não importa aqui desenvolver em pormenores as singularidades das distintas tendências teóricas que abordam as diferenças, o que não significa que não seja interessante nem significativa, mas seria preciso entrar num domínio de detalhes que se distanciaria do escopo do presente estudo.

Alicerçado sobretudo nos fundamentos epistemológicos e políticos do multiculturalismo crítico, o currículo cultural da educação física aposta em subjetividades multidimensionais de gênero, classe, sexualidade, etnia, geração, entre outras. Segue-se a isso que essa pedagogia contemporânea considera as mais diversas narrativas em torno de um tema, possibilitando várias leituras da realidade, o que implica, por sua vez, preconceber um sujeito plural, multicultural, atravessado por uma multiplicidade de vozes. Ademais, esse viés parece corroborar a compreensão de um “sujeito descentrado” (Hall, 2011Hall, S. (2011). A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A.), que pressupõe subjetividades móveis, fragmentadas, plurais, contingentes e, ocasionalmente, contraditórias.

Uma análise de inspiração foucaultiana acerca dos processos de governamentalização, quando aplicada ao campo educacional, deve atentar à pluralidade e à coexistência de distintas racionalidades e tecnologias pedagógicas em dada perspectiva curricular. No currículo cultural da educação física, a tecnologia de governo do eu-democrático parece estar estreitamente vinculada e, dessa forma, combinar-se, entrecruzar-se com uma tecnologia de governo do eu-multicultural.

Portanto, busca-se nesta seção, em particular, argumentar como tal pedagogia operacionaliza tecnologias de governo do eu-multicultural ou, para expressá-lo em outros termos, delinear quais são os procedimentos que incitam a produção de uma subjetividade multicultural. Dito isso, observemos inicialmente alguns fragmentos de relatos de experiência em que se destaca a valorização das diferenças culturais, especialmente por intermédio da problematização de alguns marcadores sociais das diferenças.

Contudo, o que estava em jogo não era somente o aprendizado das lutas, mas também, quebrar preconceitos contra aqueles percebidos como “diferentes”, de modo que se formem futuras gerações nos valores de respeito e apreciação da pluralidade cultural, que desafiem os discursos preconceituosos que constroem as diferenças. (Vagheti, 2007Vaghetti, F. C. (2007). Lutar é “coisa” de menina? (Relato de experiência - EE Marechal Floriano). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/fernando_01.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/fernand...
, p. 4, grifo nosso).

Registramos nossas angústias, posicionamentos e alguns momentos do caminhar do projeto. Com esses registros, montamos um banner sobre a importância do combate à xenofobia e ao preconceito contra a diferença na escola e na sociedade atual. (Nascimento, 2015Nascimento, A. S. (2015). Brincadeiras regionais: É possível conhecer o outro através delas? (Relato de experiência - Emef Virgínia Lorisa Zeitounian Camargo). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/semef2016/visemef_arquivos/Textos%20completos/aline_brincadeiras.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/semef2016/vis...
, p. 14, grifo nosso).

Avaliando o projeto até o momento, percebi que ainda faltava problematizar as identidades que circulam em torno da referida manifestação, bem como a possibilidade ou não de praticá- -la na rua, selecionei outras duas expectativas de aprendizagem: “reconhecer a manifestação como característica de um determinado grupo cultural, analisando estereótipos e traços de preconceito” e “ancorar a referida manifestação da cultura corporal, contextualizando-a histórica e socialmente”. (Bonetto, 2013Bonetto, P. X. R. (2013). Skate no Júlio: O currículo cultural em ação (Relato de experiência - Emef Júlio Mesquita). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/pedro_01.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/pedro_0...
, p. 9, grifo nosso).

Ressalte-se que, na medida em que se objetiva um eu-multicultural, os sujeitos dessa pedagogia são incitados a exporem o seu “eu” e, caso necessário, a se modificarem. Não poucas vezes, visualiza-se nos relatos de experiências pedagógicas a conversão, a transformação de um “eu preconceituoso” em um “eu plural”, que respeita e valoriza as diferenças culturais. Ora, por um lado, no cenário educacional atual seria talvez inconcebível, a princípio, não concordar com o que está, pois, no cerne de tal objetivo pedagógico, a saber, a desconstrução de discursos e posicionamentos preconceituosos. Todavia, por outra parte, caber-nos-ia perguntar: como não notar aqui uma pedagogia - como tantas outras - envolvida na produção de um domínio moral? Não estaria em pleno funcionamento uma tecnologia pedagógica com vistas à constituição dos sujeitos pedagógicos a partir de condutas morais sui generis?

A fim de expender tal proposição sem, de modo algum, ambicionar efetuar um juízo de valor a respeito do código moral em voga, buscar-se-á explicitar como os jogos de verdade de tal pedagogia consubstanciam-se em tecnologias específicas que, ao longo da tematização de uma dada prática corporal, aspiram a formar e transformar os modos pelos quais os sujeitos pedagógicos concebem si mesmos e os demais, influenciando o seu modo de agir, sobretudo a partir da tentativa de supressão de certos “desvios” de característica moral, leia-se: racismo, sexismo, homofobia, preconceito geracional, religioso, social entre outros. Examinemos como isso se dá:

Depois de entrevistarem o professor de capoeira, de volta à escola, pude perceber através de conversas entre eles/as, que já conseguiam entender que aquele grupo cultural tinha os seus saberes e que possuíam características próprias, diferentes do primeiro contato, quando manifestaram preconceito de etnia. Surgiram observações como: não sabíamos que eles detinham tantos conhecimentos, eles são bacanas, poderíamos ir lá jogar capoeira com eles, uma posição muito diferente de quando eles e elas avistaram o grupo pela primeira vez. Assim, identifiquei através de seus discursos um reconhecimento mais justo perante aquele grupo cultural, que antes era muito desvalorizado e agora já começa a ser reconhecido com um outro olhar. (Neves, 2009Neves, M. R. (2009). Zum Zum Zum Zum: Capoeira mata um? (Relato de experiência - Colégio Maxwell). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/marcos_ribeiro_02.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/marcos_...
, pp. 6-7, grifo nosso).

Durante essa socialização, pude perceber que neste momento eles/as já estavam bem mais familiarizados com o maracatu e suas opiniões que no início eram preconceituosas e ofensivas, agora se mostravam totalmente diferentes, pois até defendiam quando os outros alunos/as dirigiamse ao maracatu de forma grosseira. . . . Portanto, os discursos dos alunos/as agora eram bem diferentes dos que foram ditos no início do projeto, onde manifestaram preconceito contra a etnia e as crenças religiosas dos praticantes desta manifestação. Percebi que reconheceram de forma mais justa e respeitosa aqueles grupos de manifestações culturais. (Joaquim, 2016Joaquim, M. O. X. (2016). Maracatu: O som da nação (Relato de experiência - E.E. Prof. Anthenor Fruet). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/semef2016/visemef_arquivos/Textos%20completos/mariana_xavier.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/semef2016/vis...
, pp. 6-8, grifo nosso).

Temos aqui indicações concretas das formas pelas quais as práticas pedagógicas culturais objetivam transformar a relação dos sujeitos consigo mesmos. Para dizer de outro modo, não é impossível observar nos excertos supramencionados tecnologias do eu funcionando a partir de um código moral multicultural e que teriam por finalidade criar, regular e modificar a experiência dos sujeitos pedagógicos. Em um ensaio em que discorre sobre como o discurso e a prática pedagógica possuem um caráter constitutivo e regulatório dos sujeitos da educação, influenciado sobremaneira pelos escritos foucaultianos concernentes às tecnologias do eu e à genealogia do sujeito moral, Larrosa afirma que:

. . . as tecnologias do eu são apresentadas como os mecanismos práticos que criam, regulam e modificam uma experiência subjetiva de si mesmo. Além disso, essa experiência subjetiva de si mesmo pode ser moldada a partir de um ponto de vista moral, na medida em que pode ser enquadrada por um código normativo de conduta ou por um conjunto axiológico de valores a serem alcançados. (Larrosa, 1998Larrosa, J. (1998). A construção pedagógica do domínio e do sujeito moral. In T. T. da Silva (Org.), Liberdades reguladas: A pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu (pp. 46-75). Vozes., p. 64).

Nesse mesmo diapasão, parece viável considerar que os relatos de práticas pedagógicas fundamentados no currículo cultural explicitam com riqueza de detalhes a experiência de si dos seus sujeitos pedagógicos. Temos no currículo cultural a projeção de determinadas concepções de sujeito, e, especificamente nos relatos das ações pedagógicas, tais idealizações demandam um código normativo para a constituição das subjetividades. Insistamos, pois, nessa argumentação.

Não deixa de ser provido de interesse lembrar que há um acontecimento recorrente nas passagens acima selecionadas. Vamos a ele. No início do trabalho pedagógico efetuam-se, por vezes, atividades de caráter interrogativo, uma espécie de diagnóstico das condutas morais dos estudantes, que incluem estratégias de “fazer falar”, com o fito de exposição do “eu”. Eis uma via que possibilita ao docente assinalar a manutenção ou transformações da experiência moral dos estudantes no decorrer ou ao término de dada tematização. Desse ângulo, restar-nos-á admitir que, imersa nos jogos de verdade multiculturais, a pedagogia em questão demanda aos seus sujeitos empenharem-se num singular e ardoroso trabalho de constituição e transformação das subjetividades, via determinado procedimento técnico e determinada atitude moral.

Não obstante, Foucault (2017)Foucault, M. (2017). História da sexualidade I: A vontade de saber (5a ed.). Paz e Terra. sinaliza que toda moral comportaria dois aspectos, o dos códigos de comportamento e o das formas de subjetivação ética. Ainda que sejam indissociáveis, em certas morais sobressaem-se, arremata o pensador francês, códigos de comportamento, ao passo que em outras valorizam-se as formas de subjetivação orientadas à ética. Dessa feita, e de volta à reflexão sobre o currículo cultural, por mais que seja possível notar um determinado código normativo multicultural em funcionamento na pedagogia em voga, cumpre sublinhar que tal sistema de regras e valores poderia quiçá ser concebido aqui menos como uma questão de obrigação e proibição estritamente do que de incitação e ativação de sentimentos e valores multiculturais. Isso porque não se visualiza nos relatos de experiência alguma imposição ou interdição discursiva de forma explícita, não há propriamente algum tipo restritivo de código moral, nem mesmo quando se trata, eventualmente, de desconstruir enunciações preconceituosas e/ou estereotipadas proferidas pelos estudantes ou pela comunidade escolar.

Ora, a interdição moral é uma coisa e a problematização moral, outra. Desse ângulo, mesmo que comporte um código moral, é possível entrever ao menos alguns aspectos de uma experiência moral direcionada à ética no currículo cultural da educação física, tendo em conta que os processos de subjetivação parecem suceder por intermédio de “regras facultativas”, disponibilizadas como arquétipos que estimulam o sujeito pedagógico a conduzir-se a si próprio. Uma particularidade que talvez possa substanciar esse argumento é o fato de que não há, em tal pedagogia, algum indicativo de sequência didática rigidamente estruturada, senão procedimentos e princípios, de modo que os caminhos pedagógicos podem seguir trilhas diversas. A esse respeito, sublinhe-se que não é incomum, na literatura (Neira & Nunes, 2009Neira, M. G., & Nunes, M. L. F. (2009). Educação Física, currículo e cultura. Phorte.; Neira, 2016aNeira, M. G. (2016a). O currículo cultural da Educação Física: Por uma pedagogia da(s) diferença(s). In M. G. Neira, & M. L. F. Nunes (Orgs.), Educação Física cultural: Por uma pedagogia da(s) diferença(s) (pp. 67-106). CRV., 2016bNeira, M. G. (2016b). “Artistando” o currículo da Educação Física. Corpoconsciência, 20(1), 80-93., 2018Neira, M. G. (2018). Educação Física cultural: Inspiração e prática pedagógica. Paco., 2021Neira, M. G. (2021). A didática-artística da educação física cultural. In L. P. Marcassa, A. Almeida Junior, & C. P. Nascimento (Orgs.), Ensino de educação física e formação humana (pp. 165-188). Appris.; Nunes, 2016Nunes, M. L. F. (2016). Afinal, o que queremos dizer com a expressão “diferença”? In M. G. Neira, & M. L. F. Nunes (Orgs.), Educação Física cultural: Por uma pedagogia da(s) diferença(s) (pp. 15-66). CRV.; Bonetto & Neira, 2017Bonetto, P. X. R., & Neira, M. G. (2017). Multiculturalismo: Polissemia e perspectivas na Educação e Educação Física. Dialogia, (25), 69-82.; Nascimento et al., 2016Nascimento, A. S., Moraes, C. X., & Barbosa, C. H. (2016). O outro tem alguma coisa a dizer? A teoria queer como prática de articulação das vozes silenciadas. In M. G. Neira, & M. L. F. Nunes (Orgs.), Educação Física cultural: Por uma pedagogia da(s) diferença(s) (pp. 127-154). CRV.; Quaresma & Neves, 2016Quaresma, F. N., & Neves, M. R. (2016). Funk, o demônio do currículo. In M. G. Neira, & M. L. F. Nunes (Orgs.), Educação Física cultural: Por uma pedagogia da(s) diferença(s) (pp. 269-278). CRV.) concernente ao currículo cultural da educação física, o uso do termo “artistagem” para se referir às ações didáticas culturalmente orientadas, conceito criado por Corazza (2006)Corazza, S. M. (2006). Artistagens: Filosofia da diferença e educação. Autêntica. e que implica, grosso modo, conceber o processo educativo como uma didática artística, como uma prática de criação que pressupõe, concomitantemente, uma estética, uma ética e uma política vinculadas à produção de diferenças.

Entretanto, não se poderiam deixar de sinalizar aqui relações de coexistências, uma justaposição de aspectos morais, considerando que os relatos de experiências pedagógicas apresentam também uma “moralidade dos comportamentos”, precisamente na medida em que enunciam o quanto os estudantes aproximaram-se ou afastaram-se dos saberes e dos valores almejados. Vejamos.

. . . como uma forma de registro final do trabalho, produzi um filme com algumas imagens das aulas e com os depoimentos das crianças a respeito do trabalho realizado. Esse filme reforçou o que eu havia notado a respeito das mudanças de algumas posturas enquanto outras não. Mas penso que todo trabalho é assim, pouco a pouco vamos conseguindo alcançar os nossos objetivos. (Martins, 2011Martins, J. C. J. (2011). Brincadeiras de meninas e brincadeiras de meninos: Podemos brincar juntos? (Relato de experiência - Emef Tenente Alípio Andrada Serpa). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/jacque_10.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/jacque_...
, p. 11).

De súbito, a máxima de Foucault (2017)Foucault, M. (2017). História da sexualidade I: A vontade de saber (5a ed.). Paz e Terra. segundo a qual toda “prática” comportaria uma ligação, um entrecruzamento, um enlace entre códigos de comportamento e uma moral direcionada à ética, por certo, caberia aqui. Pelo que se depreende das linhas acima, arrisquemo-nos a dizer que o currículo cultural comporta um código moral e também um ethos, ou seja, um modo de ser dos sujeitos pedagógicos direcionado, em alguma dimensão, à ética. Mas a rigor, tão somente um modo de ser como parte dos mecanismos de governamentalização das condutas, dos processos de objetivação e de subjetivação, cumpre-nos ressaltar. Sigamos.

Se, como vimos há pouco, é imperativo que o eu-democrático constitua-se pela via da participação, com o eu-multicultural não é diferente. É ao aprender as práticas discursivas subjacentes ao modo de agir multicultural, é no interior das tecnologias nas quais se amarra o sujeito a uma verdade, que o “eu” alvitrado é arquitetado. No que diz respeito particularmente aos estudantes, para que estes se tornem sujeitos do currículo cultural, operacionaliza-se uma série de técnicas de participação: diálogos, rodas de conversa, trabalhos em grupo, registros escritos e audiovisuais objetivando, ao fim e ao cabo, torná-los sujeitos de suas próprias ações.

Na esteira desse empreendimento, é inescusável estimular os estudantes, de modos variados, a se expressarem, quer seja no que concerne à resolução de um conflito, ou ainda no que diz respeito à discussão de uma temática em estudo. Dentre as configurações de “fazer falar” pelas quais os estudantes e docentes constituem-se a si mesmos como sujeitos multiculturais, parece despontar a forma reflexiva, isto é, atividades nas quais os sujeitos pedagógicos pensam sobre o seu próprio modo de ser.

Digamos, de forma sucinta, que agir eticamente significa refletir sobre nossas escolhas. Verificar-se-á, pois, não casualmente, que no currículo cultural pretende-se que os estudantes reflitam, problematizem, explicitem e, eventualmente, modifiquem a forma pela qual se constituíram como sujeitos pedagógicos. Trata-se, assim, de transformar os sujeitos por meio da reflexão, de modo que sejam capazes de regular e modificar suas próprias condutas. A pedagogia cultural constitui-se, então, num espaço em que se aprende a refletir sobre questões educativas - sobretudo aquelas concernentes aos marcadores sociais das diferenças ligados às práticas corporais e às pessoas que delas participam. Isso se dá basicamente de um modo reflexivo.

O entusiasmo dos estudantes tornou-se meu também. Acreditar e poder realizar o que parecia impossível foi algo bastante gratificante para todos que passaram pelo processo. Destaco, ainda, o fato de a turma ter passado a refletir sobre sua própria condição social. Tenho a certeza de que é o primeiro passo para a formação de um cidadão comprometido com a mudança. (Feth, 2008Feth, M., Jr. (2008). Uma viagem multicultural através do basquetebol (Relato de experiência - EE Heidi Alves Lazzarini). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/miguel_01.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/miguel_...
, p. 9, grifo nosso).

Pensando na legitimação de uma Educação Infantil que possibilita a valorização dos sujeitos e do processo educacional, foi pertinente considerar objetivos de promoção da ampliação da consciência social e crítica dos envolvidos. Assim, desenvolvendo atividades pedagógicas que fomentem o diálogo, ações de validação das aulas como espaços de participação. Promovi alguns questionamentos e oportunidades para que as crianças manifestassem suas opiniões, socializem ideias, ampliassem e aprofundassem seus conhecimentos. (Alves, 2010Alves, S. (2010). Educação Física no Maternal II: Sem essa de “galinhão” (Relato de experiência - Emefei Manoel Caetano de Almeida). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/simone_01.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/simone_...
, p. 12, grifo nosso).

Um dos estudantes pediu a palavra: “professor, na aula passada fomos para a sala de informática e saí da aula achando que maracatu fosse macumba, hoje já entendo que maracatu é história, é cultura de um povo”. Outro retrucou: “para mim, maracatu é a brincadeira de um povo”. (Neves, 2017Neves, M. R. (2017). O maracatu nas aulas de Educação Física: Exu, macumba e outras significações, o sangue de Jesus tem poder! (Relato de experiência - Cieja Campo Limpo). Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar. https://www.gpef.fe.usp.br/teses/marcos_ribeiro_11.pdf
https://www.gpef.fe.usp.br/teses/marcos_...
, p. 6, grifo nosso).

Nota-se nas passagens selecionadas que, mais do que enfatizar alguns marcadores sociais das diferenças, a prioridade recai na modificação de condutas morais consideradas problemáticas, não por intermédio de proibições, como se escreveu, mas por procedimentos que conduzam o sujeito a agir, mediante reflexão, de um modo multicultural. Busca-se, então, desconstruir posicionamentos inadequados, pelo estímulo a formas de pensar tidas como respeitosas, solidárias, críticas e democráticas - qualidades que os sujeitos do currículo cultural são incitados a adquirir e reproduzir tanto no ambiente das aulas quanto na sociedade mais ampla. É preciso, portanto, criar condições que os conduzam a essas atitudes requeridas, e que são ativadas pelas técnicas reflexivas empreendidas durante as atividades de ensino.

A pedagogia cultural, como anunciado, deter-se-á na projeção de um sujeito plural, flexível, democrático e que, em vista disso, parece exercer “livremente”7 7 A liberdade, contudo, não é exterior à engrenagem da governamentalidade, ela é sua própria substância. É mais uma vez a Foucault que devemos esse entendimento. Que se retome então a formulação do filósofo segundo a qual “quanto mais as pessoas forem livres umas em relação às outras, maior será o desejo tanto de umas como de outras de determinar a conduta das outras. Quanto mais o jogo é aberto, mais ele é atraente e fascinante” (Foucault, 2004, p. 286). suas escolhas. Não obstante, para que esse sujeito exerça a sua “liberdade” num ambiente pedagógico que oferece uma pluralidade de possibilidades, é necessário fazer funcionar formas e regras, ainda que sutis, de regulação das condutas, orientadas em direção a um “eu” reconhecível, esculpido a partir da reflexão concernente aos saberes e às atitudes multiculturais preconizadas.

Na medida em que procedem de forma reflexiva, os sujeitos do currículo cultural trabalham sobre si, autotransformam-se, agem sobre seus próprios sentimentos e ações relacionadas, conforme especificado, aos marcadores sociais das diferenças anexados às práticas corporais tematizadas. A incitação a refletir sobre determinados marcadores sociais opera, antes de qualquer coisa, como uma tecnologia do eu que viabiliza a regulação e a modificação da própria conduta em direção à constituição de uma subjetividade plural, multicultural.

Dito de outro modo, a prática reflexiva requer um trabalho sobre o “eu” que viabilize a conversão de um eu eventualmente preconceituoso e, portanto, indesejado num eu que afirma e valoriza as diferenças culturais. Seria preciso lembrar, adverte Larrosa (2008)Larrosa, J. (2008). Tecnologias do eu e educação. In T. T. da Silva (Org.), O sujeito da educação: Estudos foucaultianos (pp. 35-86, 6a ed.). Vozes., que a conformidade, a sujeição a certo modelo social que resulta, por vezes, em estereótipos e preconceitos é histórica, contingente e, então, pode desfazer-se, transformar-se. Sigamos seu raciocínio:

Os procedimentos que fabricam os estereótipos de nosso discurso, os preconceitos de nossa moral e os hábitos de nossa maneira de conduzir-nos nos mostram que somos menos livres do que pensamos quando falamos, julgamos ou fazemos coisas. Mas nos mostram também sua contingência. E a possibilidade de falar de outro modo, de conduzir-nos de outra maneira. (Larrosa, 2008Larrosa, J. (2008). Tecnologias do eu e educação. In T. T. da Silva (Org.), O sujeito da educação: Estudos foucaultianos (pp. 35-86, 6a ed.). Vozes., p. 84).

Valendo-nos dessa linha argumentativa e a partir do que acabamos de notar nos fragmentos dos relatos antepostos, constituir-se em sujeito multiculturalmente orientado requer, no mais das vezes, “identificar o que lhe é diferente e torná-lo próximo”, converter em “algo próximo o que não lhe é familiar, transformando a sua atitude para consigo mesmo e para com o outro, tornando-se capaz de ações de transformação” (Bampi, 2011Bampi, L. (2011). Do que é capaz o eu multicultural? Educação & Sociedade, 32(114), 225-242. https://doi.org/10.1590/S0101-73302011000100014
https://doi.org/10.1590/S0101-7330201100...
, p. 233). Assim, os discursos do currículo cultural estão fundados nas questões relacionadas com o acesso à verdade e às transformações dos sujeitos. Podemos dizer que as práticas pedagógicas em análise podem ser consideradas práticas de condução (de uns por outros e de si por si mesmo) destinadas à transformação dos sujeitos pedagógicos, com o intuito de levá-los ao enquadramento nos modos de vida multicultural.

Considerações finais

A análise do corpus, na esteira da perspectiva foucaultiana, objetivou evidenciar as formas de governo das condutas e, em seguimento, as subjetividades empreendidas por esse dispositivo curricular culturalmente orientado. Para tanto, debruçamo-nos particularmente nos relatos de experiências pedagógicas dos docentes que afirmam colocar o currículo cultural da educação física em ação.

O exame desses registros propiciou inferir a ocorrência de duas tecnologias pedagógicas de si que se entrecruzam, engendrando subjetividades democráticas e multiculturais. Quanto à subjetividade democrática, assinale-se que, embora esta última se configure numa das demandas do presente educacional, pôde-se observar, mediante um recuo histórico, que as condições de sua possibilidade parecem incidir ao menos desde as Lumières e, malgrado suas oscilações, atravessam os séculos. Especificamente no que se refere à governamentalidade democrática em voga no currículo cultural da educação física, esta se dá por intermédio de uma tecnologia singular de condução das condutas, que intenta impulsionar atitudes consideradas democráticas, a saber, a convocação à participação ininterrupta dos estudantes no decorrer das aulas, sobretudo mediante votação, seja para a criação de regras e acordos em comum ou para a resolução de alguma outra questão específica pertinente à determinada situação didática, seja para a eleição da prática corporal a ser tematizada.

Em outros termos, poder-se-ia compreender que, para o currículo culturalmente orientado, a escola funciona como um microcosmo de uma sociedade democrática, onde determinadas atividades de ensino exibem um formato de assembleia escolar ou, se preferirmos, configuram-se numa espécie de democracia participativa, na qual os cidadãos-eleitores (estudantes) debatem e votam sobre questões de seu interesse. Ao que tudo indica, portanto, é por intermédio de tal tecnologia de governo do eu que se desenha o sujeito democrático na pedagogia em tela.

De modo semelhante à subjetividade democrática, a constituição da subjetividade multicultural também é ativada pela via da participação, contudo recorre-se aqui a estratégias de “fazer falar” com vistas à exposição e, como corolário, à modificação do sujeito pedagógico que, porventura, se distancie do código e da atitude moral impetrada. Com efeito, isso não se dá por meio de interdições, mas por procedimentos que o conduzam a agir, mediante reflexão, de um modo multicultural. Dessa perspectiva, as práticas pedagógicas do currículo cultural da educação física objetivam transformar a experiência de si por meio da reflexão, de forma que, ao fim e ao cabo, o sujeito pedagógico seja capaz de regular e modificar sua própria conduta, isto é, constituir-se, recorrendo aos jogos de verdade multiculturais, como sujeito moral de suas próprias ações.

Tomando em conjunto as narrativas pedagógicas perscrutadas, é exequível argumentar que o respeito e a valorização das diferenças culturais, características da racionalidade multicultural, materializam-se no currículo cultural como verdade e atitude moral ou, se se quiser, a partir de um enlace entre códigos de comportamento e uma moral direcionada, em alguma medida, à ética - pela qual, mediante técnicas de si reflexivas, as condutas são reguladas e, então, o sujeito multiculturalmente orientado é arquitetado.

Disponibilidade de dados

Os dados subjacentes ao texto da pesquisa estão informados no artigo.

  • 1
    As edições brasileiras das obras de Foucault consagraram a tradução da expressão techniques de soi ora como técnicas de si ora como técnicas do eu. Assim, optou-se por utilizar ambas as expressões indistintamente ao longo do texto, tomando-as como sinônimos.
  • 2
    Disponíveis para consulta no repositório do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da Feusp: www.gpef.fe.usp.br
  • 3
    Cf. Borges (2019)Borges, C. C. de O. (2019). Governo, verdade, subjetividade: Uma análise do currículo cultural da Educação Física [Tese de doutorado]. Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação..
  • 4
    Em “Nietzsche, a genealogia, a história”, Foucault (2003)Foucault, M. (2003). Nietzsche, a genealogia, a história. In M. Foucault, Ditos e Escritos II - Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento (pp. 260-281). Forense Universitária. (Obra original publicada em 1971). não deixará de sublinhar que o começo histórico é baixo.
  • 5
    “Somos assujeitados a cidadãos; somos, compulsoriamente, subjetivados para obedecer aos princípios básicos de uma sociedade democrática. Devemos participar; devemos confessar nossa verdade política no voto; devemos confessar nossa verdade técnica no trabalho; devemos confessar a verdade do que somos nos mais diversos processos sociais, porque somos cidadãos de direitos. Temos direito à educação, direito à saúde, direito ao trabalho, etc., temos direito de ser, por isso somos. A biopolítica da governamentalidade democrática produz o ‘sujeito de direitos’”. (Gallo, 2017aGallo, S. (2017a). Biopolítica e subjetividade: Resistência? Educar em Revista, 33(66), 77-94., p. 89).
  • 6
    Algumas pistas sobre a emergência das políticas multiculturais no cenário brasileiro podem ser encontradas no estudo genealógico de Kern (2012)Kern, G. S. (2012). Ações afirmativas e educação: Um estudo genealógico sobre as relações raciais no Brasil [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação..
  • 7
    A liberdade, contudo, não é exterior à engrenagem da governamentalidade, ela é sua própria substância. É mais uma vez a Foucault que devemos esse entendimento. Que se retome então a formulação do filósofo segundo a qual “quanto mais as pessoas forem livres umas em relação às outras, maior será o desejo tanto de umas como de outras de determinar a conduta das outras. Quanto mais o jogo é aberto, mais ele é atraente e fascinante” (Foucault, 2004Foucault, M. (2004). A ética do cuidado de si como prática de liberdade. In M. Foucault, Ditos e escritos V - Ética, política, sexualidade (pp. 264-287). Forense Universitária. (Obra original publicada em 1984)., p. 286).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2023
  • Aceito
    25 Ago 2023
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