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UM OLHAR SOBRE OS ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS

Resumos

Este texto lança um olhar sobre os anuários estatísticos. Após uma breve nota histórica, prossegue com a declaração de seus objetivos gerais e específicos. Depois trata de sua estrutura, primeiro sob uma visão geral, depois sob uma visão específica. Por fim, trata do público e da disseminação de um anuário. Finalmente, aborda a delicada questão de como criticar um anuário com vistas à sua reformulação permanente

Anuários estatísticos; Estrutura; Usuário; Disseminação


This text gives a quick glance at the statistical yearbook. After brief historical note, it continues with the declaration of its general and specific goals. Later it deals with its structure, first by a general view, afterward by a specific view. It then looks at dissemination of the yearbook and comments on its public readership.

Statistical yearbook; Structure; User; Dissemination


UM OLHAR SOBRE OS ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS* * O autor agradece as críticas e sugestões recebidas de Paulo César de Sousa Quintslr e de Regina de Almeida Sá, não lhes cabendo, entretanto, como de praxe, responsabilidade alguma pelos erros ou omissões porventura remanescentes.

Nelson de Castro Senra

Resumo

Este texto lança um olhar sobre os anuários estatísticos. Após uma breve nota histórica, prossegue com a declaração de seus objetivos gerais e específicos. Depois trata de sua estrutura, primeiro sob uma visão geral, depois sob uma visão específica. Por fim, trata do público e da disseminação de um anuário. Finalmente, aborda a delicada questão de como criticar um anuário com vistas à sua reformulação permanente.

Palavras-chave

Anuários estatísticos; Estrutura; Usuário; Disseminação

Uma breve notícia histórica

Há notícia da existência de anuários estatísticos já no século XVII, bem assim, ao longo do século XVIII, em pleno tempo mercantilista, quando as estatísticas estão longe de uma autêntica publicização, não raro mesmo sendo consideradas como segredos de Estado. De fato, as estatísticas necessárias à gestão de um Estado, como que revelando sua força, se publicadas sem restrições, entendia-se que poderiam fragilizá-lo perante outras nações, em geral rivais ou inimigas. Daí a prática de se tomá-las como um segredo de Estado, o que, de modo algum, significava a completa ausência de estatísticas sobre uma determinada região. Na verdade, inúmeros amadores as produziam e as divulgavam, em obras em tudo e por tudo semelhantes aos anuários, ainda que sem a garantia da periodicidade anual. Tais amadores eram viajantes, geralmente geógrafos e/ou naturalistas, dentre outras formações, em uma palavra, observadores capazes de olhar e ver.

Entretanto, chegara o tempo, já ao final do século XVIII, mais exatamente ao longo de todo o século XIX, sob o triunfo da razão, em meio ao liberalismo, em que as estatísticas deixaram definitivamente de ser segredos de Estado. Ao contrário, há uma autêntica avalanche de números, em uma prática extraordinária. Então, publicações ainda mais semelhantes aos anuários, já ensaiando-se a idéia de periodicidade anual, serão peças importantes nos debates públicos. Tudo e qualquer coisa parece poder ser expresso em números, números que devem ser divulgados sistematicamente, com os próprios institutos oficiais de estatística se incumbindo de fazê-lo, já não mais se atendo à ação isolada de amadores. Pouco a pouco, conteúdos e formas vão sendo cristalizados, até que se chega ao século XX, quando os anuários ganham forma definitiva, mais ou menos universais. Claro está que atualmente, com as muitas formas alternativas de divulgação estatística, os anuários perderam sua imponente primazia, contudo, seguem sendo da maior importância1 1 Veja-se o excelente livro de Ian Hacking The Taming of Chance (Cambridge: Cambridge University Press, 1995), certamente um dos melhores historiadores da estatística e das estatísticas. .

Objetivos gerais de um anuário estatístico

Isso posto, em meio às muitas alternativas de disponibilização das estatísticas, podendo-se compor um amplo e variado portfólio de disseminação, quer em meio impresso, quer em meio magnético, valeria pensar qual seria o papel reservado a um anuário estatístico. Assim, a nosso juízo, um anuário estatístico tem três objetivos, verdadeiramente complementares:

- ser a síntese de um sistema estatístico;

- ser um catálogode informações estatísticas;

- ser a representação de um conhecimento estatístico.

Dessa forma, os anuários estatísticos têm por finalidade última a transformação de multiplicidades dispersas em totalidades organizadas, pondo-as ao alcance da compreensão de um amplo público, em uma irrestrita ação publicizante.

Que sistema estará sintetizando?

O primeiro ponto a ser observado diz respeito ao sistema estatístico que o anuário estará sintetizando. Real ou virtual, sempre haverá um tal sistema de informações estatísticas referido a um determinado espaço político, pois compreendê-lo é em si mesmo um programa de trabalho nada simples, nem imediato. Entretanto, é essencial, porquanto a compreensão da estrutura organizativa subjacente à geração das estatísticas divulgadas no anuário explica muito de suas potencialidades e de suas limitações.

Enfim, pode-se ver um sistema estatístico sob duas acepções, diferentes entre si, mas sem dúvida alguma complementares:

- como o conjunto das estatísticas entendidas como necessárias e suficientes à compreensão de uma certa realidade, em um certo espaço físico;

- como o conjunto das entidades envolvidas com a produção e com a disseminação das estatísticas anterior e previamente relacionadas.

A concretização da segunda acepção, a menos complexa delas, supõe um certo saber administrativo, temperado por um certo senso político, com vistas a revelar de uma identidade entre as diversas entidades produtoras, com o cuidado de respeitar-lhes as diferenças. A concretização da primeira acepção, a mais complexa delas, supõe a existência de uma teoria geral que capte a totalidade da realidade, quer em sua dimensão econômica, quer em sua dimensão social, o que infelizmente inexiste2 2 Uma ótima discussão sobre sistemas estatísticos pode ser vista em Eduardo Augusto Guimarães, Produção de Estatística e Sistema Estatístico ( Revista Brasileira de Estatística, 51 (195): 5 - 12, jan / jun 1990). .

Como é de fácil percepção, cada uma e ambas as acepções, sugerem um esforço contínuo e sistemático de coordenação. Porquanto raramente presente, resultam freqüentes desencontros e desajustes entre as entidades e entre as estatísticas. Uma tal situação, sem dúvida alguma, terá reflexo na elaboração dos anuários estatísticos, impondo-lhes severas restrições e limitações, restringindo em muito suas potencialidades, seja quanto ao conteúdo, seja quanto à forma. O fato é que não há como sistematizar o que não há.

Que informação estará catalogando?

Esta questão não é de resposta simples. Na verdade, antes mesmo de respondê-la, caberia pensar a idéia de catálogo, conferindo o sentido especializado que lhe é normalmente associado. Assim, entendamos catálogo, em um sentido amplo, como uma obra de referência ou como uma coletânea de informações ou ainda como um guia. Enfim, quanto a essa questão, documentalistas e editores serão capazes de aplicar seus conhecimentos técnicos, adaptando-os e ajustando-os à natureza dos anuários estatísticos. Por demais, esses profissionais, porquanto envolvidos com público, estarão particularmente interessados em ampliar os usos dos anuários estatísticos, empenhando-se verdadeiramente em torná-los bons catálogos de informações.

Enfim, retomemos a questão original. A nosso juízo, o anuário seria tornado catálogo não apenas do conjunto selecionado de informações estatísticas nele divulgadas, mas antes de todo o sistema estatístico que lhe é subjacente, conforme visto anteriormente. Para tanto será preciso que o anuário seja equilibradamente organizado, a um só tempo explicando a lógica de seu conteúdo, reportando-se ao seu todo maior, bem como explicando as razões das ausências praticadas, que se há de crer conscientes, antes que inconscientes. Dito de outra forma, para poderem se comportar como catálogos, os anuários devem ser organizados de modo a permitir a mais completa compreensão de todas as estatísticas de um país.

Assim, por um jogo de diferentes linguagens (tabular, gráfica, cartográfica, textual, editorial, referencial, bibliográfica e outras), tomadas de forma complementar, as informações presentes e as ausentes seriam postas em associação mútua, como que se complementando em um exercício de remissivas e referenciamentos cruzados. Enfim, os índices de assuntos, as relações de fontes, os guias de leitura, os registros de memória, todo um conjunto coerente e exaustivo de peças documentais garantiriam um acesso cômodo às informações.

Que conhecimento estará representando?

Dentre todas, esta é a questão mais simples. Como expresso em sua própria adjetivação, os anuários estarão representando um conhecimento da realidade por meio das estatísticas. Por essa via, ganha-se um ponto de apoio para descrever as situações econômicas, para denunciar as injustiças sociais, para justificar as ações políticas. Entretanto, em que pese sua importância na história da humanidade, ocupando um papel sempre crescente, expressa-se, com as estatísticas, tão-somente "uma" antes que "a" quantificação da realidade, o que não lhe retira potência, mas que certamente lhe nega divindade.

As estatísticas, compondo o corpo de saberes (tecnológicos) governamentais, integram a racionalidade (política) governamental. Com tais conhecimentos, consubstanciam-se estratégias, programas, esquemas, manobras, alianças, procurando-se formar as crenças e as condutas dos outros, agindo-se sobre seus desejos, suas circunstâncias, seus ambientes, de modo a conduzi-los nas direções desejadas, previamente planejadas. Pelas estatísticas, deseja-se tornar o mundo pensável, submetendo-o à disciplina da análise do pensamento, ou seja, eventos e fenômenos são transformados em informações, inscrevendo-se a realidade3 3 Veja-se a extraordinária reflexão de Bruno Latour, La science en action (Paris: Gallimard, 1995), em especial seu capítulo seis. .

Objetivos específicos de um anuário estatístico

Para além dos objetivos gerais, anteriormente vistos, expressando a dimensão técnica dos anuários, há de associar-lhes objetivos específicos, como que representando sua dimensão política, em uma manifestação certamente simultânea, necessariamente ajustadas entre si. Essa será a realidade de qualquer tipo de anuário, sejam os anuários temáticos, referidos a um ou mais espaços, sejam os anuários espaciais, referidos a um ou mais temas, independentemente de estarem expressando a dimensão nacional ou a dimensão internacional.

Assim, como ponto de partida, será de fundamental importância ter clareza quanto à natureza política do anuário que se deseja disponibilizar, apondo-lhe uma adjetivação, como que lhe associando uma finalidade, sendo o mais comum pensar em fins estratégicos ou em fins gerenciais. De fato, de um modo mais geral, deseja-se que as informações contidas em um anuário sejam um contributo ao desenvolvimento, que se quer naturalmente sustentável, a florescer em um ambiente democrático.

Dessa forma, há de se captar junto à sociedade, com o maior detalhamento possível, a dimensão política que se deseja imprimir a um determinado anuário. Em uma palavra, trata-se de definir um guia à seleção das variáveis que comporão seu conteúdo. Isso feito, dando ordem ao momento de partida, há de se estar atento para as possíveis evoluções de vontade daquela mesma sociedade, de modo que, em sua continuidade, o anuário possa ser dito sempre útil, ou seja, estar sempre afinado com sua dimensão política.

Acaciano? Não, definitivamente não, infelizmente. O fato é que não raro há um certo distanciamento entre os decisores e os executores de um anuário, distância essa que acaba por tornar opaca sua razão de ser, como que fazendo transparecer sua dimensão política. Além disso, a coisa se agrava à medida que, ao longo do tempo, costuma haver rotação da equipe de produtores, perdendo-se memória, restando apenas vagas lembranças... Em isso se dando, seja na origem, seja na continuidade, acaba-se por colocar em dúvida a própria necessidade do anuário, uma vez que visto em desconexão com a realidade política.

A estrutura de um anuário estatístico, aspectos gerais

A estrutura de um anuário pode ser enfocada sob dois aspectos: quanto ao seu conteúdo e quanto à sua forma. Conteúdo e forma devem se conjugar de modo a se alcançar tanto os objetivos gerais, quanto os objetivos específicos, anteriormente vistos.

Quanto ao conteúdo, ele será composto pelas estatísticas selecionadas, acordes com a dimensão política do anuário, inseridas em uma classificação hierárquica crescente: subsubtema/subtema/tema. Um exemplo pode ser esclarecedor: Áreas e limites é um subsubtema do subtema Posição e Extensão, que integra o tema características territoriais, ou ainda, Leitos é um subsubtema do subtema Saúde, que integra o tema indicadores sociais. Na verdade, na elaboração do anuário, pratica-se uma classificação decrescente, ou seja, parte-se da estrutura do sistema estatístico subjacente, para daí organizar-se os temas e os subtemas, ou seja, o primeiro e o segundo níveis classificatórios do anuário, para só então organizar as tabelas com as estatísticas selecionadas, o que chamamos de subsubtemas4 4 As entidades produtoras, quando da elaboração dos anuários, costumam chamar esses três niveis de seções/temas/ capítulos, em uma classificação decrescente. .

A seleção e a classificação das estatísticas estarão condicionadas pela estrutura maior do próprio sistema estatístico subjacente, como dito anteriormente, bem como pela competência da equipe responsável pela elaboração do anuário. Na verdade, será necessário o estreito concurso de expertos temáticos, em um diálogo de iniciativa da equipe de elaboração do anuário ¾ a própria equipe tendente a ter expertos nas diferentes áreas temáticas. Por esse diálogo especializado, as diferentes fontes serão localizadas e acessadas, bem assim as diversas estatísticas poderão ser avaliadas em sua qualidade, pela análise de suas metodologias.

Quanto à forma, ela será equacionada mediante dois esforços complementares, além de mais ou menos simultâneos: um esforço documental e um esforço editorial. Os esforços de documentação e de editoração deverão ser no sentido da elaboração de textos explicativos das opções feitas ao longo de todo o anuário, revelando a lógica da seleção e da classificação das estatísticas, cuidando de equacionar as ausências com a remissão a outros produtos ou serviços, por meio de cuidadosas bibliografias. 5 5 Os anuários podem, devem mesmo, conter outro tipo de texto que não explicativos de sua lógica interna, sendo antes textos de natureza analítica, vale dizer, textos que analisam a realidade lançando mão das estatísticas que lhe são pertinentes. Ainda que extremamente importantes, são de difícil elaboração, a exigir especialmente o concurso de expertos em análises globais. Por demais, a inserção de tais textos na estrutura do anuário dependerá de suas amplitudes, se absolutamente geral ou se parcialmente temáticas. Complementarmente, deverão ser elaborados glossários, relação de fontes, sumários, índices, guias de leitura, memórias, enfim, todo um conjunto vital de peças no sentido de uma maior acessibilidade.

A seu turno, o esforço editorial do projeto gráfico deverá ser no sentido de tratar o visual da obra como um todo e das páginas em particular. Páginas "poluídas" desmerecem o conteúdo, por melhor que ele seja. Tipologias gráficas, seleção de cores, costura e cola, papel e capa, dentre outros aspectos, precisam do concurso de profissionais especializados e competentes. Por demais, precisa haver extremo cuidado na aplicação das normas de apresentação tabular, porquanto a principal linguagem do anuário. Em uma palavra, um plano editorial e gráfico minucioso precisa ser claramente proposto.

A estrutura de um anuário estatístico, aspectos específicos

Além dos comentários gerais feitos anteriormente, algumas observações pontuais podem ser acrescentadas. Estão formuladas como perguntas, procurando expressar as dúvidas que metodicamente os responsáveis pela elaboração do anuário deverão se colocar o tempo todo.

QUANTO AO CONTEÚDO:

1) A distribuição do número de páginas entre os diferentes temas estaria refletindo devidamente a importância dos mesmos? Não estariam, por acaso, refletindo apenas os gostos ou as correntes particulares porventura dominantes na equipe de produção?

2) As informações escolhidas para representar cada um dos temas formam um todo coerente? As informações selecionadas são de fato as mais atualizadas? Houve empenho suficiente na busca das mesmas?

3) Há equilíbrio entre as informações anuais e as informações serializadas? A equipe não teria se dobrado em demasia à tentação de usar séries históricas? As eventuais transformações metodológicas ocorridas nas pesquisas não estariam negando a serialização?

4) As informações selecionadas não estariam repetindo informações já publicadas, sem lhes dar a organização própria exigida pela dimensão política específica? Alternativamente, as remissões a outras fontes são claras?

5) Em que medida um anuário deve transformar estatísticas primárias, já publicadas ou não, gerando novas estatísticas? Na verdade, há uma questão maior, anterior: um anuário deve centrar-se em reproduzir informações, ou deve também gerá-las?.

QUANTO À FORMA:

1) sumário, expressão maior da classificação de conteúdo no anuário, dá conta de organizá-lo coerentemente? Foi capaz de hierarquizar o conhecimento de forma a ser compreendido amplamente? Apresenta títulos suficientemente esclarecedores?

2) Há peças documentais suficientes, na forma de glossários, notas metodológicas, referências bibliográficas, índices, guias, dentre outros? Estão bem distribuídos ao longo do texto? Estão bem dosados na linguagem utilizada?

3) As tabelas, enquanto a linguagem principal do anuário, estão acordes com as normas oficiais de apresentação tabular? Ademais, estão sob padrão editorial que facilitem a leitura? Não estariam em páginas muito "poluídas"?

4) Há equilíbrio entre a linguagem tabular e as demais linguagens possíveis (textual, gráfica, cartográfica)? Tais linguagens estão sendo usadas de forma concorrencial ou de forma complementar? Estão sendo bem distribuídas?

5) Os recursos gráficos utilizados são os melhores possíveis? O esforço de impressão e de encadernação foram devida e cuidadosamente acompanhados, de modo a evitar problemas futuros absolutamente desagradáveis?

Além destas questões,inúmeras outras podem e devem ser feitas pelos produtores do anuário, tendo por meta última torná-lo o melhor possível, em um permanente diálogo interior, fundamento da deliberação individual.

O público e a disseminação de um anuário estatístico

A essa altura, é preciso falar do público e da disseminação de um anuário. Quanto ao público, convém ressaltar que ele começou a ganhar perfil no instante em que se estabeleceu sua dimensão política. Entretanto, muito mais precisa ser dito. Nos valemos dos teóricos da argumentação a propósito dos tipos de auditório. Três auditórios são lembrados:

- auditório especializado, que é constituído por especialistas de determinada área, com competência bastante para estabelecer a força de uma tese;

- auditório universal, que é apenas uma criação do espírito racionalista, da concepção que faz dos valores que chama de universais;

- auditório de elite, que é constituído, segundo critério qualitativo, por aqueles que, por algum motivo, destacam-se do restante dos homens.6 6 Veja-se particularmente Chaïn Perelman, Argumentação ( Enciclopédia Einaudi. vol 11: Oral / Escrito - Argumentação. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1980. P. 234 - 65) e ainda José Américo Motta Pessanha, A Teoria da Argumentação ou Nova Retórica ( Paradigmas Filosóficos da Atualidade. São Paulo: Papirus, 1989. P. 221 / 47).

Ora, poderíamos nos perguntar: como o anuário poderia ser útil a esses diferentes tipos de auditório? Ao auditório especializado o anuário seria útil principalmente em sua função de catálogo, porquanto remetendo os especialistas ao sistema de informações estatísticas como um todo. Ao auditório universal, em que pese ser ele de certa forma uma simples figuração, poderíamos dizer que o anuário seria útil notadamente em sua função de síntese, porquanto apresentando aos seus integrantes uma compreensão já elaborada da realidade. Ao auditório de elite o anuário seria útil especialmente em sua função de representação, porquanto significando um conhecimento especial da realidade, especificamente de natureza estatística.

Tudo muito interessante, ainda que pouco operacional.

Entretanto, fica claro que o anuário é uma obra de interesse amplo, voltado a um público de amplo espectro. Mesmo, talvez possa ser dito que o anuário é uma das poucas obras de interesse para todos. De qualquer forma, operacionalizar uma tal constatação é particularmente difícil, a sugerir pesquisas de marketing com seu saber próprio. Por demais, será de extrema utilidade acompanhar a recepção do público (pesquisa de opinião), em seu amplo perfil, ao anuário disponibilizado. Todo um projeto de trabalho, seja para alimentar, seja para manter a operacionalização de um anuário, precisa ser elaborado ¾ tarefa muita vezes descuidada, em nome de um tempo que está sempre vencido.

Especial atenção merece o projeto de marketing, abordando-se quatro aspectos importantes:

1° ) será preciso tratar do produto em si mesmo, ajustando-o às necessidades e aos desejos do público, por exemplo, oferecendo-o em meio impresso e/ou em meio magnético7 7 Aliás, a possibilidade de se elaborar um anuário em meio magnético, seja em disquete, seja em CD-ROM, exige um intenso pensar e repensar da questão de conteúdo, estabelecendo-se com propriedade as aproximações e os afastamentos entre os anuários em meio impresso e em meio magnético. ;

2° ) será preciso tratar do seu preço, se cobrindo apenas seu custo industrial ou se cobrindo também parcela de custo do seu conteúdo;

3° ) será preciso tratar da sua distribuição, em suas diversas possibilidades, atingindo diferentes alternativas comerciais, inclusive de parceria;

4° ) será preciso tratar de sua promoção, quer junto a multiplicadores de idéias, quer junto à mídia em geral, quer em ambientes especiais.

Nenhum desses quatro aspectos é de fácil solução, a exigir o diálogo entre diferentes profissionais, de modo a se formar uma massa crítica, com a qual se poderá tomar decisões, não raro, de ordem política. Muitas vezes, será preciso coragem para romper com certas tradições, algumas delas demasiadamente cristalizadas, com suas origens perdidas em tempos distantes. Como seja, é fundamental que se tenha presente o interesse do público, sem o que o anuário será uma bela obra de estante nos estoques, nas livrarias, mas não nas mãos dos seus usuários.

Em busca da qualidade permanente

Por fim, à guisa de conclusão, uma questão algo prosaica: como fazer com que um anuário seja continuamente pensado e repensado, de modo a guardar permanente qualidade? Por demais, como fazer com que críticas a um anuário sejam vistas como construtivas?

Infelizmente, críticas a um anuário costumam ser mal recebidas pela equipe produtora. Essa atitude é até compreensível, porquanto as pessoas envolvidas costumam se empenhar verdadeiramente na sua elaboração. Para elas, o anuário é sempre o fruto de um grande esforço, objeto natural de merecido orgulho. Entretanto, dando-se tempo ao tempo, deixando que as idéias amadureçam, as críticas acabam sendo aceitas, e a própria equipe acaba por se tornar a origem primeira de uma permanente revisão do anuário.

Assim, havendo tranqüilidade para se ver as críticas a um anuário não como a negação de um esforço, desmerecendo-o ou desvalorizando-o, mas antes de tudo como uma contribuição ao seu permanente aprimoramento8 8 Trata-se de algo maior do que a mera atualização de seu conteúdo, o que naturalmente a equipe produtora tem natural propensão a fazer. , sempre com vistas a torná-lo mais e mais uma publicação viva, plena de eficiência e de eficácia, então um diálogo acabará por ganhar força e se chegará a bom porto. Em um tal ambiente, haverá uma saudável ebulição entre os membros da equipe, antes que um estado de inércia, lamentavelmente muito comum.

Enfim, trata-se de uma questão essencial, a merecer a melhor das atenções. O fato é que, por ser freqüentemente descuidada, os anuários costumam ser apenas pesada publicação impressa, pouco se atentando para os consideráveis avanços da informática. Ora, divulgá-lo em redes eletrônicas, por exemplo, é um progresso que não pode ser deixado de lado; por demais, há que se considerar a utilização das modernas tecnologias de comunicação ao tempo mesmo da produção do anuário, pondo em articulação permanente suas diferentes fontes de informação. Ganhar-se-á muito em tempo e em qualidade, certamente.

A look at statistical yearbooks

Abstract

This text gives a quick glance at the statistical yearbook. After brief historical note, it continues with the declaration of its general and specific goals. Later it deals with its structure, first by a general view, afterward by a specific view. It then looks at dissemination of the yearbook and comments on its public readership.

Keywords

Statistical yearbook; Structure; User; Dissemination

Nelson de Castro Senra

Economista e Mestre em Economia.

Doutorando em Ciência da Informação (IBICT/CNPq e ECO/UFRJ).

Pesquisador no IBGE e Professor na Universidade Santa Úrsula.

  • *
    O autor agradece as críticas e sugestões recebidas de Paulo César de Sousa Quintslr e de Regina de Almeida Sá, não lhes cabendo, entretanto, como de praxe, responsabilidade alguma pelos erros ou omissões porventura remanescentes.
  • 1
    Veja-se o excelente livro de Ian Hacking The Taming of Chance (Cambridge: Cambridge University Press, 1995), certamente um dos melhores historiadores da estatística e das estatísticas.
  • 2
    Uma ótima discussão sobre sistemas estatísticos pode ser vista em Eduardo Augusto Guimarães,
    Produção de Estatística e Sistema Estatístico (
    Revista Brasileira de Estatística, 51 (195): 5 - 12, jan / jun 1990).
  • 3
    Veja-se a extraordinária reflexão de Bruno Latour,
    La science en action (Paris: Gallimard, 1995), em especial seu capítulo seis.
  • 4
    As entidades produtoras, quando da elaboração dos anuários, costumam chamar esses três niveis de seções/temas/ capítulos, em uma classificação decrescente.
  • 5
    Os anuários podem, devem mesmo, conter outro tipo de texto que não explicativos de sua lógica interna, sendo antes textos de natureza analítica, vale dizer, textos que analisam a realidade lançando mão das estatísticas que lhe são pertinentes. Ainda que extremamente importantes, são de difícil elaboração, a exigir especialmente o concurso de expertos em análises globais. Por demais, a inserção de tais textos na estrutura do anuário dependerá de suas amplitudes, se absolutamente geral ou se parcialmente temáticas.
  • 6
    Veja-se particularmente Chaïn Perelman,
    Argumentação (
    Enciclopédia Einaudi. vol 11: Oral / Escrito - Argumentação. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1980. P. 234 - 65) e ainda José Américo Motta Pessanha,
    A Teoria da Argumentação ou Nova Retórica (
    Paradigmas Filosóficos da Atualidade. São Paulo: Papirus, 1989. P. 221 / 47).
  • 7
    Aliás, a possibilidade de se elaborar um anuário em meio magnético, seja em disquete, seja em CD-ROM, exige um intenso pensar e repensar da questão de conteúdo, estabelecendo-se com propriedade as aproximações e os afastamentos entre os anuários em meio impresso e em meio magnético.
  • 8
    Trata-se de algo maior do que a mera atualização de seu conteúdo, o que naturalmente a equipe produtora tem natural propensão a fazer.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 1998
    • Data do Fascículo
      Jan 1997
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