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Informação, sociedade e cidadania: gestão da informação no contexto de organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras

Information, society and citizenship: information management in the context of non-governmental organizations - Brazilian NGOs

Resumos

Análise da relação entre informação e cidadania, a partir de práticas informacionais implementadas por organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras que trabalham com a questão do Gênero e dos direitos da Mulher. As práticas informacionais caracterizam-se por meio das seguintes ações: recepção (como ação de seleção), geração (como ação de reapropriação, no sentido de agregar valor à informação) e transferência (como ação de socialização da informação).

Informação e cidadania; Informação e sociedade contemporânea; Organizações não-governamentais (ONGs) e informação; Gestão de informação na sociedade contemporânea


Analysis of relationship between information and citizenship of information production for No-Governamental Organization (NGOs) Brazilian that work with poitn of gender and women's rights. The information production that instance are characterizad through there actions: reception (as a selection action), generation (as a reppropriation action, in the way of value added of information) and information transference (as a socializacion action).

Information and citizenship; Information and contemporary society; No-governamental organizations (NGOs) and information; Gestante of information on contemporary society


Informação, sociedade e cidadania: gestão da informação no contexto de organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras

Eliany Alvarenga de Araújo

Resumo

Análise da relação entre informação e cidadania, a partir de práticas informacionais implementadas por organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras que trabalham com a questão do Gênero e dos direitos da Mulher. As práticas informacionais caracterizam-se por meio das seguintes ações: recepção (como ação de seleção), geração (como ação de reapropriação, no sentido de agregar valor à informação) e transferência (como ação de socialização da informação).

Palavras-chave

Informação e cidadania; Informação e sociedade contemporânea; Organizações não-governamentais (ONGs) e informação; Gestão de informação na sociedade contemporânea.

INTRODUÇÃO

No contexto das práticas sociais, a informação é um elemento de fundamental importância, pois é por meio do intercâmbio informacional que os sujeitos sociais se comunicam e tomam conhecimento de seus direitos e deveres e, a partir deste momento, tomam decisões sobre suas vidas, seja de forma individual, seja de forma coletiva. Assim, ao participarem de circuitos comunicacionais, os sujeitos sociais constroem as práticas informacionais. Estas podem ser conceituadas como ações de recepção, geração e transferência de informação que se desenvolvem em circuitos comunicacionais que ocorrem nas formações sociais.

Consideramos que a construção da cidadania ou de práticas de cidadania passa necessariamente pela questão do acesso e uso de informação, pois tanto a conquista de direitos políticos, civis e sociais, como a implementação dos deveres do cidadão dependem fundamentalmente do livre acesso à informação sobre tais direitos e deveres, ou seja, depende da ampla disseminação e circulação da informação e, ainda, de um processo comunicativo de discussão crítica sobre as diferentes questões relativas à construção de uma sociedade mais justa e com maiores oportunidades para todos os cidadãos. Diante desta colocação, podemos afirmar que o não-acesso à informação ou ainda o acesso limitado ou o acesso a informações distorcidas dificultam o exercício pleno da cidadania.

Diante destas colocações, consideramos que a informação deve ser vista como um bem social e um direito coletivo como qualquer outro, sendo tão importante como o direito à educação, à saúde, à moradia, à justiça e tantos outros direitos do cidadão. Esta afirmação nos levou a indagar: Como se dá a relação entre informação e cidadania no contexto de organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras que trabalham com a questão do Gênero e dos Direitos da Mulher? Como estas organizações desenvolvem a gestão da informação, considerando que a mesma ocorre nos momentos da recepção, da geração e da transferência de informação?

A partir dessas indagações, desenvolvemos uma pesquisa intitulada "A Construção Social da Informação: Práticas Informacionais no contexto de Organizações Não-Governamentais/ONGs Brasileiras". As ONGs pesquisadas foram as seguintes: Região Nordeste: Cunh㠖 Coletivo Feminista - João Pessoa/PB e Grupo de Mulheres da Ilha - São Luís/MA; Região Sudeste: Ecos – Estudos em Sexualidade e Comunicação Humana - São Paulo/SP e Cemina – Centro de Projetos da Mulher - Rio de Janeiro/RJ; Região Centro-Oeste: Transas do Corpo - Goiânia/Goiás e Cfêmea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria - Brasília/DF.

Neste texto, analisamos os dados coletados, objetivando com isto responder às indagações apresentadas no parágrafo anterior. Por meio desta análise, consideramos estar ampliando os conhecimentos da ciência da informação sobre a gestão de informação na sociedade contemporânea.

GESTÃO DE INFORMAÇÃO NO CONTEXTO DE ONGs BRASILEIRAS: A QUESTÃO DA RECEPÇÃO DE INFORMAÇÃO

Considerando que o receptor de informação é um sujeito ativo, uma vez que, ao receber uma informação, desenvolve uma ação propositiva, ou seja, uma ação que evidencia sua postura/intenção sobre a informação acessada, podemos afirmar que o sujeito receptor seleciona a informação. Assim, o sujeito receptor ultrapassa os limites que as determinações iniciais (oriundas do sujeito emissor) fixavam para o uso e interpretação da informação. Portanto, conforme coloca Du Certau (1994), o sujeito receptor seleciona. Tal afirmação pode ser visualizada na figura 1.


As falas dos entrevistados evidenciam o estabelecimento de alguns critérios de seleção, que transformam a informação acessada/consumida em informação selecionada/útil.

"(...) recebemos informações das mais variadas fontes, mas nem tudo é útil ao nosso trabalho. Por exemplo, os jornais diários contêm muitas informações, mas são informações muito amplas. Na maior parte das vezes, eles não têm a especificidade de que necessitamos para o nosso trabalho."

"(...) recebemos informações do próprio movimento feminista, das relações que mantemos com outras ONGs, das redes temáticas de que participamos. Por exemplo, nós participamos da Rede Nacional de Saúde e Direitos Reprodutivos, uma rede nacional de mulheres feministas que reúne gente de todo o país. Nesta rede, nós trocamos informações sobre experiências produtivas e divulgamos informações e conhecimentos gerados por pesquisas desenvolvidas por nós."

"(...) o sucesso neste negócio de informação se relaciona diretamente à necessidade sentida ou não sentida e isso depende da situação de vida de cada pessoa."

"(...) a coisa da informação é tão louca que pequenos detalhes fazem uma grande diferença. Recebemos muitas informações, mas nem tudo é útil. Acho que o nível de utilidade se relaciona com a nossa necessidade de agir."

"(...) se a informação possibilita informação imediata em relação a algum problema ou atividade que estamos desenvolvendo, então ele se torna útil. Isto é muito dinâmico, muda de forma muito rápida."

"(...) eu acho que este negócio de informação não é apenas uma questão de quantidade, mas principalmente de qualidade de informação, ou seja, o que as informações acessadas nos permitem fazer, o que elas trazem de subsídio que possibilitem a nossa ação."

A partir destas falas, consideramos que surgem os seguintes critérios básicos de seleção de informação no momento da recepção:

a) inter-relação entre informação recebida e realidade vivenciada pelo sujeito receptor;

b) compreensão do código utilizado para o envio da informação tanto em termos da língua utilizada como do tipo de linguagem utilizada (linguagem científica, religiosa, filosófica, do senso comum, artístico etc.).

A partir desses critérios básicos, surge o seguinte esquema, demonstrado a seguir, na figura 2.


Os critérios inter-relação da informação recebida com a realidade do usuário e compreensão do código utilizado (em termos de língua utilizada e do tipo de linguagem utilizada) para o envio da informação envolvem o desenvolvimento de ações de percepção, interpretação/compreensão da informação por parte do sujeito receptor. Por meio dessas ações complementares, ocorre a seleção da informação recebida. Se a informação foi selecionada pelo sujeito receptor, podemos considerar que ocorreu um processo de convergência, ou seja, um processo no qual o sujeito receptor reconhece a informação acessada como sendo um conteúdo válido. Tal reconhecimento se dá a partir de uma mediação entre o acervo social do conhecimento* * Segundo Berger e Luckmann (1985), a expressão acervo social do conhecimento ou conhecimento já estabelecido, significa que, nos campos semânticos constituídos pela linguagem, a experiência do indivíduo, tanto histórica como biográfica, pode ser objetivada, conservada a acumulada. Tal processo de acumulação é seletivo e constrói um acervo social de conhecimento, que é transmitido de uma geração para outra e é utilizado pelo indivíduo na vida cotidiana. desse sujeito, a realidade


Mas, no processo de recepção da informação, podem ocorrer também conflitos, ou seja, ocorrer um processo de divergências, em que há várias tentativas de percepção, interpretação/compreensão, porém todas finalizando em respostas consideradas incorretas pelo sujeito receptor. Tal processo de divergência ocasiona a recusa da informação por parte do sujeito. Nesse processo divergente, o sujeito receptor também consulta seu acervo social do conhecimento e estabelece mediação entre este e a situação vivida em que se pretende utilizar a informação em questão. Nesse caso, não se dá uma mediação positiva entre os elementos. Vários motivos podem levar à recusa/descarte da informação recebida. Cada situação de recusa/descarte estrutura-se em motivos únicos que são, no campo da ciência da informação, denominados barreiras. Estas, por sua vez, são variadas e têm sido caracterizadas como elementos inerentes ao fenômeno informacional. A partir dessas considerações, temos o seguinte esquema da figura 4.


Colocamos anteriormente que o sujeito receptor utiliza critérios para selecionar informações no momento da recepção. Mas, por que ele desenvolve tal ação?

Podemos compreender a ação de seleção se considerarmos que a realidade e/ou a vida cotidiana comportam setores rotineiros ou não problemáticos, apreendidos naturalmente, e setores que se apresentam em forma de problema, e que, ao serem enfrentados, enriquecem-nos, trazendo-nos novos conhecimentos. Conforme Berger e Lukmann (1985), este conhecimento advindo das soluções dadas aos problemas produzidos pela vida cotidiana contém uma multiplicidade de instruções sobre a maneira como enfrentá-los. Uma vez resolvidos tais problemas, o conhecimento oriundo dessa situação passa a integrar o nosso acervo social do conhecimento, que inclui o conhecimento "de minha situação (meus objetivos e necessidades) e de seus limites". Esse processo se repete indefinidamente, ou seja, para todas as informações recebidas, o indivíduo busca um sentido no seu acervo social de conhecimentos e, uma vez atribuído tal sentido, a informação, pode ser utilizada ou não. Isso vai depender da informação recebida, da realidade/situação que está sendo vivenciada pelo sujeito e do sentido que ele mesmo atribui a esta informação. Vale salientar que a informação selecionada/utilizada é produção de um sujeito cognitivo-social, uma vez que participa de uma "sociedade de discurso", ou seja, de um contexto que é composto pela socialidadeII * Segundo Berger e Luckmann (1985), a expressão acervo social do conhecimento ou conhecimento já estabelecido, significa que, nos campos semânticos constituídos pela linguagem, a experiência do indivíduo, tanto histórica como biográfica, pode ser objetivada, conservada a acumulada. Tal processo de acumulação é seletivo e constrói um acervo social de conhecimento, que é transmitido de uma geração para outra e é utilizado pelo indivíduo na vida cotidiana. e pela atividade cognitiva do sujeito.

Outra questão a ser salientada é que a informação pode produzir transformações no estado mental do sujeito cognitivo-social, pois, conforme coloca Brookes (1980), uma vez selecionada, a informação leva à mudança de estado de conhecimento, ou seja, ocorre a passagem de um estado de conhecimento X para um novo estado de conhecimento Y, devido ao acréscimo/ ampliação de carga de conhecimentos desse sujeito. Se o sujeito social aplicar/socializar tal conhecimento no contexto social, pode provocar a transformação desse contexto. Consideramos que as possibilidades de transformação via informação se iniciam na prática informacional da recepção. Assim, a primeira transformação possível relaciona-se à estrutura cognitiva do sujeito receptor, ou seja, a recepção é uma ação que pode transformar internamente o sujeito cognitivo-social.

Há também o fato de que a mídia pode criar necessidades de informação nos indivíduos, fazendo com que passem a se interessar por informações que têm necessariamente uma relação direta com sua realidade, com seus problemas cotidianos. Nessa situação, pode ser considerado que o usuário de informação detenha um nível reduzido de conhecimentos sobre sua realidade/cotidiano e sobre tais informações, pois quanto menor for o acervo social do conhecimento desse sujeito menos apto ele se sente para entender determinada informação e conseqüentemente, mais propício estará a seguir o caminho traçado pelo sujeito-emissor. Esta questão é tratada de forma aprofundada pelos estudos que analisam a indústria cultural, e não será trabalhada aqui por não se constituir em objeto de estudo dessa pesquisa.

Conforme colocado anteriormente, no campo da ciência da informação, têm-se desenvolvido vários estudos sobre os canais de comunicação e as barreiras existentes no processo de disseminação da informação e, conseqüentemente, na prática informacional da recepção. Assim, no contexto das ONGs pesquisadas, a recepção de informação se dá por meio dos seguintes canais:

• Canais formais: periódicos, vídeos e livros

"(...) a produção teórica e videográfica do movimento feminista é fundamental para o nosso trabalho, pois nos informa sobre os estudos da questão de gênero e sobre os direitos da mulher. Na verdade, por meio dessas informações "alimentamos" a nossa necessidade de aprender sobre estes temas e temas correlatos. É importante também porque temos a possibilidade de rever essas informações quantas vezes quisermos, pois elas estão registradas em livros, jornais e vídeos."

• Canais informais: palestras, reuniões entre os componentes das ONGs e os beneficiários de seus serviços, troca de experiência entre as ONGs, conversa face a face.

"(...) nos comunicamos muito por email, o correio eletrônico. (...) Temos dois computadores, um fica ligado constantemente na rede Alternex do Ibase. Nós não temos home page ainda. Estamos discutindo se é necessário. Realizamos também muitas reuniões para avaliar os serviços e projetos, trocar experiências etc."

• Canais semiformais: participação em fóruns temáticos (utilizando simultaneamente textos, periódicos, conversa face a face e do correio eletrônico) e desenvolvimento de pesquisas, utilizando simultaneamente livros, periódicos e conversa face a face.

"(...) eu percebo que chegam informações e principalmente pelo correio eletrônico. Nós participamos também, de forma muito intensa, de fóruns temáticos e palestras. Isso possibilita um grande fluxo de informações, tanto no sentido de receber como no sentido de disseminar informações."

O uso desses canais produz uma dinâmica informacional muito intensa no contexto das ONGs pesquisadas, mantida mediante o contato diário dessas organizações com várias fontes de informação. Pelos dados coletados, observamos que as seguintes instituições se constituem em sujeitos emissores:

• movimentos feministas (tanto em nível local, como regional, nacional e internacional);

• grande mídia (televisão, rádio e imprensa);

• profissionais de saúde;

• outras ONGs;

• redes temáticas;

• órgãos governamentais;

• movimentos sociais;

• redes de comunicação eletrônica (em especial as redes Alternex e a Internet);

• Congresso Nacional;

• Igreja Católica;

• universidades e instituições de pesquisa;

• beneficiários das atividades/serviços das ONGs pesquisadas.

A partir desses dados pode-se elaborar o seguinte quadro (figura 5) sobre os sujeitos emissores que compõem a dinâmica informacional no contexto das ONGs pesquisadas.


Outro aspecto que surge a partir da identificação dos canais de comunicação é a questão das barreiras, que se caracterizam como elementos redutores da eficiência das práticas informacionais. Os dados coletados junto às ONGs pesquisadas apresentam as seguintes barreiras:

• Barreira de idioma: o principal é a língua inglesa, mas tem sido vencido por meio de traduções.

"(...) o inglês é uma língua muito importante, pois as agências internacionais de financiamento utilizam esta língua e tem também a internet, em que tudo está em inglês. É difícil receber informações nesta língua."

• barreira de sobrecarga de informação: devido à grande quantidade de informações recebidas, o usuário não consegue realizar uma leitura criteriosa das mesmas.

"(...) eu percebo que chegam informação constantemente, mas nós não conseguimos ler tudo que chega. É coisa demais. Depois da Internet, essa questão ficou bem pior, pois aumentou ainda mais a quantidade de informação que nós recebemos."

Considerando que os canais de comunicação eletrônica foram citados pelos entrevistados, indagamos aos mesmos se os critérios utilizados para seleção das informações recebidas se aplicavam também aos canais de comunicação eletrônica. Os dados coletados permitem considerar que a resposta a esta indagação foi positiva.

"(...) podemos dividir a recepção de informação aqui na nossa ONG em dois momentos: antes e depois das redes de comunicação eletrônica. Na época em que não usávamos as redes de comunicação eletrônica, a informação chegava por meio de periódicos, folhetos, vídeos, cartilhas de orgãos governamentais, cartas-circulares, ou então chegavam como impresso, pelo correio tradicional. Participávamos de encontros do movimento feminista. Esta época do `antes das redes eletrónicas' foi um momento muito rico em aglutinação de elementos, de composição de redes temáticas que geram milhões de informações. Depois que começamos a utilizar as redes eletrônicas, principalmente por meio do correio eletrônico, que nós já usávamos desde 1994, muita coisa mudou, Mas o principal é a rapidez de acesso à informação, o que não significa necessariamente informação com qualidade."

"(...) o correio eletrônico funciona muito bem. A rapidez é fascinante, principalmente se você quer desenvolver campanhas nacionais e internacionais ou quer se comunicar com milhares de pessoas ao mesmo tempo ou ainda pressionar determinada autoridade governamental. Mas, no resto, é tudo igual aos outros canais de comunicação tradicionais."

Assim, observamos que esses critérios não se originam da relação entre a informação e os formatos de canais de comunicação ou entre a informação e o potencial de disseminação da informação, mas das relações estabelecidas entre a informação e os sujeitos emissores e receptores.

Uma questão que se coloca é a de que, se os canais de comunicação eletrônica possibilitam o acesso à informação de forma tão rápida, eles deverão, ao longo do tempo, substituir os outros canais de comunicação? Tal questão foi apresentada aos entrevistados. Os dados coletados evidenciam que, no contexto das ONGs pesquisadas, os canais eletrônicos ampliam as possibilidades de comunicação, mas não têm substituído os outros canais mais tradicionais e principalmente o contato/conversa face a face, fundamental para o trabalho desenvolvido pelas ONGs (ação política e renovação/mudança de mentalidades). Conforme as falas a seguir:

"(...) Considero que os canais de comunicação eletrônica vieram ampliar as opções de fontes de informação. Não acho que venha se dando uma substituição dos canais de comunicação tradicionais pelos canais eletrônicos. Acho que os canais tradicionais são extremamente úteis. E será sempre fundamental ver a cara das pessoas no tipo de trabalho que fazemos."

"(...) Seja na Internet, seja por meio de fax, de telefone ou ainda por meio de folhetos, vídeos ou apostilas. (...) Nenhum desses canais substitui a interação face a face, pois a informação sozinha não faz nada. A informação é o instrumento, a comunicação é o processo, e a reunião desses dois elementos por meio da conversa face a face é que permite a mudança de mentalidades, que é muito lenta."

"(...) Para nós, é fundamental ouvir as pessoas quando elas têm contato com nossas publicações, programas de rádio e oficinas. É importante saber como elas estão entendendo a nossa mensagem. E para isso o melhor canal de comunicação é a conversa face a face. Na Internet, pelo nível de formação escolar do pessoal com que a gente trabalha, não dá para fazer isso."

Outro aspecto destacado em relação ao uso de canais de comunicação eletrônica relaciona-se à questão da informação de natureza sigilosa, que não é veiculada por meio desses canais e que, para se ter acesso à mesma, deve-se desenvolver uma ação de convencimento, de conversa cara a cara. Na verdade, a questão do sigilo não se relaciona apenas aos canais eletrônicos, pois essa situação se relaciona à questão da posse/manutenção de poder em suas mais variadas facetas e se faz presente no uso de qualquer canal de comunicação. Tal situação pode ser verificada na fala apresentada a seguir:

"(...) A gente tem assinatura da Internet. No conjunto, esta rede não funciona bem, quer dizer não funciona bem para o nosso trabalho junto ao Congresso Nacional, pois as informações que nós precisamos estão com certas pessoas, são informações que não são divulgadas de forma ampla. Nós temos que "arrancá-las dessas pessoas. (...) Mas a Internet é muito boa para recebermos informações de outras ONGs e grupos de mulheres e enviar informações sobre nossas ações para essas organizações e grupos. Para isso é muito bom."

Geração de informação – a criação da terceira informação

A prática de geração de informação pode ser compreendida como o momento de criação da terceira informação. Esta, por sua vez, é conceituada como o processo de qualificação dos dados originais operados pelos sujeitos receptores. Assim, a terceira informação surge da leitura das informações recebidas e selecionadas (informações úteis) pelos sujeitos receptores, ou seja, surge após a ação de seleção. Esta leitura caracteriza-se como um processo de atribuição de sentido, um processo de reapropriação do texto do outro (sujeito emissor), objetivando atribuir-lhe um novo sentido. Conforme De Certau (1984), "ao qualificar a informação a partir de suas necessidades, o usuário de informação se transforma num leitor e nesse papel ele modifica o sentido atribuído pelo autor. Ele se apropria da informação selecionada e gera uma nova informação. Entretanto, (...) o não está no lugar de autor. Ele combina os seus fragmentos e cria algo não sabido no espaço organizado por sua capacidade de permitir uma pluralidade indefinida de significações"

Em várias falas dos entrevistados, apresentadas a seguir, fica evidente esta operação de reapropriação.

"(...) nada está isolado, a informação não é neutra. Então a luta por direitos de cidadania tem que ter essa linha de ação política. E toda informação para o cidadão tem que ter um sentido explícito, desvendado. Por exemplo, ao se trabalhar com a questão da Aids, nós não apenas falamos que se deve usar a camisinha e pronto. A informação de peso não é essa. A gente tem que falar por que tantas pessoas pegam Aids, por que existe incidência dessa doença em determinados grupos e classes sociais, por que as mulheres já estão em primeiro lugar em termos de contágio; temos que falar do prazer e de formas perigosas de se obter prazer. Com essas informações, a questão da Aids deixa de ser apenas a questão de usar a camisinha e passa a ser uma questão íntima, social, cultural, econômica e de saúde. Tem um pano de fundo nesta questão que precisa ser evidenciado. Este pano de fundo é a informação com um certo sentido. Isso é uma questão política, quer dizer, de ação no espaço público."

"(...) nós trabalhamos com mudança de mentalidade. Nós queremos uma sociedade onde se consiga declinar um pouco, senão reduzir totalmente o sexismo, o racismo, a homofobia. São pretensões gigantescas, mas nós temos isso aí dentro de nós. Não tem um trabalho que a gente faça em que estes valores não estejam presentes. É uma posição pública, uma postura política. (...) Seguramente as informações que nós geramos têm a nossa cara. A nossa ideologia, a nossa visão de mundo."

"(...) a reunião das informações vindas dos grupos de mulheres gera novas informações/novos conhecimentos, que são levados ao Congresso Nacional. O deputado faz críticas e aí nós ficamos conhecendo a viabilidade política do tema, os entraves no Congresso Nacional, verificamos a possibilidade deste tema ser discutido de forma mais ampla e proveitosa, se é o momento certo para ele virar projeto de lei. Neste processo, a informação que surge de cada uma dessas ações é nova, é informação com sentido renovado. Ela não é apenas a informação originada nos vários grupos de mulheres com os quais mantemos contatos ou apenas a informação oriunda do deputado ou de algum pesquisador ou ainda a informação com a nossa posição política feminista. Ela é a junção de tudo."

"(...) a gente recebe aqui muita informação sobre muita coisa. O que a gente faz é pegar estas informações e transformar em algo palatável, ou seja, em algo que tenha sentido para nós, e algo que apóie nossas ações. Assim, é uma questão de você ler tudo aquilo que recebeu, tudo o que achou sobre o tema em questão e tentar fazer outro texto pensando na população que você atende, pensando nas suas necessidades de ação."

Além da questão da reapropriação visando à atribuição de um novo sentido à informação selecionada, além do sentido originalmente recebido, ocorre neste momento de geração uma outra renovação, uma vez que esta nova informação será mais eficiente se utilizar o nível de fala dos usuários a quem se destina (os novos receptores). Algumas falas apresentadas a seguir evidenciam esta operação.

"(...) se eu usar uma linguagem acadêmica do tipo, o gênero etc. e tal, será que aquela mulher simples vai entender por que o marido bate? Será que não seria melhor trabalhar de outra forma, com outro nível de informação, com palavras que ela entenda? Será que não seria melhor trabalhar de outra forma, com outro nível de informação, com palavras que ela entenda? Eu acho que este é o caminho."

"(...) em todos os boletins que nós elaboramos, tentamos escrever como se fala, de forma coloquial, de um jeito simples, que qualquer pessoa possa entender. Então, provavelmente para você que é uma acadêmica, esta informação vai parecer uma coisa meio óbvia, superficial. Mas a informação que nós geramos não é para você que é acadêmica, é para um grupo social popular, que

"(...) se você trabalha com mulheres da zona rural, que têm uma formação reduzidíssma, a informação oral é a mais eficiente, pois elas lêem muito pouco, é cansativo, elas não têm o domínio seguro do código escrito. O rádio é um canal de comunicação muito importante para atuar neste contexto. Mas existem detalhes que potencializam esse canal e nos garantem uma informação contextualizada em maior nível. Assim é, preciso cuidar do nível da linguagem, das músicas utilizadas. Não adianta colocar Milton Nascimento ou Geraldo Vandré. Nós é que gostamos dessas músicas, elas gostam das músicas destas festas locais, como bumba-meu-boi, forró e músicas religiosas. Depois dessas experiências de geração de informação para comunidades rurais via rádio, a gente tem ampliado nossa capacidade de ação junto às mesmas. Sem dúvida alguma, esse negócio de informação/comunicação é algo fantástico. Você aprende coisas novas todos os dias."

As falas apresentadas evidenciam a presença de um critério no momento da geração da informação. Este critério se relaciona à utilização do nível de fala dos usuários da informação, o que, na verdade, relaciona-se ao critério da inter-relação entre informação e realidade do usuário. Esse critério tem como base comum o lugar social dos indivíduos, ou seja, todos os entrevistados são componentes de ONGs e buscam, de forma geral, um mesmo objetivo – a transformação de realidades/mentalidades. Assim como no momento da recepção (quando o sujeito receptor seleciona a informação tendo por base a sua realidade e o código lingüístico), no momento da geração de informação estes critérios também são utilizados. Essa lógica do lugar social funciona tanto para os componentes das ONGs como para os beneficiários de suas ações. Conforme Orlandi (1996), "o falante "sabe" sua língua, mas nem sempre tem o "conhecimento" do seu dizer: o que diz (ou compreende) tem relação com o seu lugar social, isto é, com as condições de produção de seu discurso, com a dinâmica de interação que estabelece na ordem social em que ele vive."

Assim, no processo de geração de informação, ocorre a reapropriação mediante a atribuição de novos sentidos à informação. No campo da ciência da informação, esta prática é denominada de "informação com valor agregado", que coloca a informação não como algo dado, mas como uma construção que, por sua vez, tem uma dupla natureza: social e técnica. Conforme Barreto (1995), existem três formas de se agregar valor à informação:

• Agregar valor ao nível do estoque de informação, quando se organiza em estoques visando a sua recuperação e uso. Neste caso, haverá um reprocessamento da informação, com a utilização de técnicas conhecidas e estabelecidas, como catalogação, classificação, indexação etc. Aqui a intenção é agregar valor ao todo, ou seja, a todo estoque de informação, com vistas a uma recuperação controlada e adequada. Aqui, a agregação de valor se processa com uma elevada incidência de custos de reprocessamento e de redução da informação, dentro de uma racionalidade técnica e produtivista, em que o princípio de informações é potencialmente relevante para um julgamento de valor dos receptores/usuários desses estoques. A agregação de valor, nesse caso, processa-se no quantum de informação como um todo.

• Agregar valor à informação no estágio de transferência para o usuário. O valor agregado assume, aqui, características qualitativas, diferentes do caso anterior, pois a intenção é compatibilizar a qualidade da informação, seja assimilada, ou aceita. Nesse caso, a informação é contextualizada para instigar uma possível geração de conhecimento. Aqui, o valor adicionado destina-se a respeitar as limitações contextuais em termos cognitivos, culturais, sociais, econômicos, utilizando, ainda, um código que seja simbolicamente significante para os usuários e seja acessível ao espaço social considerado e aos usuários que habitam esse espaço. A agregação de valor, então, dá-se em nível da mensagem. A geração de informação no contexto das ONGs pesquisadas pode ser enquadrada nesta forma de agregação de valor à informação.

• Agregar valor no nível de receptor. Ao receber uma informação passível de ser assimilada, o sujeito receptor tem condições de reelaborar esta informação, gerando nova informação que agrega valor à informação inicialmente recebida. Nesse sentido, o sujeito receptor torna-se, de uma forma particularmente sua, o proprietário da informação recebida, pois somente ele a reelaborou daquela maneira, a fim de gerar uma nova informação. A agregação de valor, neste caso, dá-se no nível do receptor.

No livro intitulado Value-added Process in Information System, Robert Taylor (1986) explica o processo de transformar dados em informação útil, em um processo que agrega valor. Este autor examina quatro atividades significativas encontradas em sistemas de informação, descrevendo as funções dos processos e mostrando como elas agregam valor à informação.

• Organização que se dá mediante as técnicas bibliotecárias (catalogação, classificação, indexação etc.) e tem por objetivo possibilitar acesso mais rápido e produtivo à informação contida nos vários tipos de registros. Essa organização agrega valor à informação porque os usuários conseguem obter, com relativa facilidade, a informação de que precisam. Este é o primeiro passo dos que agregam valor à informação e seu principal valor está no tempo poupado em procurar a informação necessária.

* Análise da informação, que pode ser dividida em análise dos dados, objetivando evidenciar a qualidade e a precisão, e análise voltada para os problemas, objetivando auxiliar o usuário da informação a resolver um problema, esclarecer uma situação ou tomar uma decisão.

• Síntese da informação, que consiste em reunir a informação de uma forma significativa e ponderada, aglomerando-a em blocos que possam ser usados. Alguns dos processos que são utilizados para sintetizar a informação são a classificação dos assuntos dos documentos/fontes de informação e a redação de resumos desses documentos.

• Julgamento, que é o processo final, quando ocorre a filtragem/sintetização da informação para situações específicas; a partir daí, a informação tem potencial para ser usada.

Conforme Taylor, o potencial da informação para o uso será mais elevado se esses processos tiverem sido aplicados. Partindo dessas colocações, indagações: como se dá o processo de agregação de valor à informação no contexto das ONGs pesquisadas?

Consideramos que os processos anteriormente citados ocorram nas ONGs pesquisadas. Assim, temos que as atividades de análise/síntese/julgamento da informação se dão por meio de pesquisas/estudos, elaboração de documentos, desenvolvimento de eventos variados (oficinas, cursos, palestras, debates, troca de experiências, reuniões, projeção/discussão de vídeos). A atividade de organização ocorre em menor escala, devido a uma consciência reduzida, no contexto das ONGs brasileiras, sobre a importância dos aspectos de preservação/organização da informação. Entretanto, tal situação está em processo de mudança, pois quatro das ONGs pesquisadas já têm bibliotecários contratados.

Conforme pudemos ver, a informação não é um objetivo em si mesma. Ela é um instrumento que pode auxiliar o sujeito social em suas questões. Assim, a informação é um meio e como tal só poderá atingir seu potencial transformador de estruturas (mentais e sociais) mediante processos de reapropriação ou de agregação de valor. Outro aspecto que deve ser salientado neste processo de geração de informação é a questão da presença do sujeito gerador na informação. Assim, indagamos: Quais as "marcas" do lugar social dos entrevistados na informação gerada pelas ONGs pesquisadas, ou seja, como as condições sociais desses sujeitos geradores interferem no sentido dado às informações?

As falas dos entrevistados trazem algumas "marcas" comuns, que nos permitem construir um perfil da informação gerada, ou seja, da terceira informação. Esta informação, por um lado, origina-se de múltiplas e dinâmicas relações estabelecidas entre o contexto social e os objetivos/necessidades das ONGs, e, por outro lado, essa mesma informação busca constantemente manter uma ligação entre a teoria e a prática, sendo que a primeira surge como uma conseqüência da segunda e esta, por sua vez, é repensada a partir da primeira. O uso de diferentes metodologias/técnicas e da linguagem cotidiana para gerar a informação evidencia que ela é "construída" tanto pelos componentes das ONGs, como pelos beneficiários dos serviços dessas organizações, por inúmeros circuitos comunicacionais. Neste contexto, a informação adquire características de processo social, com explícitos objetivos de auxiliar o desenvolvimento de ações diretamente políticas, ou seja, esta informação busca a transformação de mentalidades, dos grupos sociais com os quais as ONGs trabalham, em um primeiro momento, e da sociedade como um todo, em um segundo momento. Assim, a informação gerada deve não apenas informar, mas provocar o repensar de práticas e estruturas sociais e, a partir daí, auxiliar nos processos de mudança dos sujeitos sociais e da sociedade.

A geração de informação no sentido da reapropriação/agregação de valor pode ser sintetizada na figura 6, a seguir.


Transferência de informação – reconceituação

No campo da ciência da informação, de uma maneira geral, conceitua-se a transferência de informação como o conjunto de operações envolvidas na transmissão de informação, desde sua geração até sua utilizaçãoIII * Segundo Berger e Luckmann (1985), a expressão acervo social do conhecimento ou conhecimento já estabelecido, significa que, nos campos semânticos constituídos pela linguagem, a experiência do indivíduo, tanto histórica como biográfica, pode ser objetivada, conservada a acumulada. Tal processo de acumulação é seletivo e constrói um acervo social de conhecimento, que é transmitido de uma geração para outra e é utilizado pelo indivíduo na vida cotidiana. . Esta conceituação gera o seguinte esquema básico do processo de transferência de informação, demonstrado na figura 7, a seguir.


Este esquema orientou vários estudos do campo da ciência da informação. A maior parte desses estudos tratava do tema da transferência de informação a partir do contexto científico e tecnológico e tinha por base teórica o enfoque sistêmico. Outra característica desses estudos, conforme Paiva (1990), é a classificação dos canais de comunicação utilizados para transferência e a tipologia das barreiras que reduzem o acesso/uso da informação.

A partir dessas considerações, surge uma indagação: Se grande parte dos estudos sobre transferência de informação feita no campo da ciência da informação tem como objeto de estudo o campo científico e tecnológico, como deveríamos proceder para analisar este mesmo tema em um outro campo social, no caso as ONGs brasileiras?

Transferência de informação como prática de socialização

Inicialmente, buscamos ampliar a conceituação do termo transferência de informação, o que nos levou ao conceito de transferência de informação como uma prática informacional que trata da socialização da informaçãoIV, em que, com um acordo entre produtores e usuários, definem-se as necessidades informacionais e as metodologias mais adequadas para atendê-los. A socialização da informação tem por base a criação de um contexto comunicativo no qual estejam presentes de forma ativa e igualitária, tanto os produtores, como os usuários de informação. Nas falas dos entrevistados, surgem indicações de ações de socialização da informação gerada.

"(...) eu ainda acredito no Paulo Freire. Então a gente, no trabalho de transferir a informação que a gente gera, seja em uma comunidade popular, seja com profissionais de saúde, com grupos de mulheres ou de adolescentes, a gente tenta uma educativa no sentido de uma troca de saberes. É um trabalho extremamente cuidadoso e delicado; onde se mostra que é possível mudar concretamente alguma coisa, por menor que seja essa coisa. Mas, para alcançar isso, temos que desenvolver uma relação horizontal com os grupos trabalhadores, em termos de saber, ou seja, todo mundo sabe alguma coisa sobre o tema trabalhado. Este é o ponto de partida da prática de transferência de informação enquanto ação de socialização".

"(...) para que a informação que nós disseminamos seja bem aproveitada, bem compreendida, é preciso algumas ações, por exemplo: o levantamento das expectativas, a gente sempre faz isso ao trabalhar com mulheres do meio popular; é fundamental saber se elas sabem ler ou não, se já participaram de alguma atividade desenvolvida por nós etc. Assim, cria-se um perfil das mulheres e com isso a gente pode desenvolver um trabalho mais adequado, uma espécie de fotografia inicial, um diagnóstico para verificar temas de interesse, nível de conhecimento das pessoas, perfil do grupo, e aí construímos toda uma metodologia específica ao grupo com o qual estamos trabalhando. No final, avaliamos o trabalho feito por meio da coleta da opinião do grupo".

"(...) a informação, para ser transformadora, deve ter um sentido claro, explícito. Deve ser repassada por um sujeito sócio-histórico localizado tanto em nível individual, como social para outro sujeito social, igualmente localizado."

"(...) atualmente, estamos desenvolvendo um projeto de pesquisa sobre o atendimento dado às mulheres nos postos de saúde do município. Nós objetivamos, por meio de um levantamento de informações sobre as condições desse atendimento, sensibilizar as autoridades (para realizar as melhorias/mudanças necessárias) e as mulheres (para atuarem como sujeitos reivindicadores de seus direitos de cidadania). A idéia final é tentar, por um lado, com que a prefeitura instale um posto de saúde modelo para o atendimento de qualidade para a mulher e, por outro lado, construir, em conjunto com as mulheres, uma mudança de mentalidade, para que atuem como cidadãs, como sujeitos reivindicadores de seus direitos de saúde. Isso é um trabalho de longo prazo. É um processo muito demorado".

"(...) uma forma de transferir informações para grupos analfabetos é por meio do teatro popular. É um canal muito importante, porque nele não é a gente que fala, é o personagem e existem também a alegria que o espetáculo transmite, principalmente o teatro de bonecos. É o aspecto do lúdico que funciona muito bem. Tem também o rádio, que como o teatro funciona muito bem para transferir informações para grupos sociais que não dominam o código escrito. Com grupos sociais que dominam esta técnica, textos são bons, mas o vídeo é muito educativo. Nesse negócio de repasse de informação, têm detalhes que significam muito. Uma vez fizemos um boletim para mulheres da zona rural com letra cursiva. Elas falaram: `Por que vocês escreveram com essa letrinha de criança? Nós queremos com letra de gente da cidade, com letra de vocês da cidade, letra de máquina'."

Observamos que, na prática informacional de transferência enquanto socialização, o diálogo é o elemento central. Outro elemento que se faz presente é o uso da linguagem cotidiana, que permite a comunicação entre os diferentes sujeitos sociais.

Conforme Teixeira (1993), "a trama social é constituída pela pluralidade das trocas de palavras, (que, por sua vez, transmitem informações). As palavras, a comunicação é a base estruturante da socialidade". Assim, por meio das várias formas/canais de comunicação, a informação estrutura a ligação entre os indivíduos, dos indivíduos com o social e vice-versa e também se constitui em um dos elementos fundantes do cotidiano. Segundo Orlandi, (1996), "a fala é um paradigma de toda relação social e se constitui numa troca simbólica por excelência, ela mediatiza toda a troca, a partir da qual se cria e se estrutura toda a vida coletiva". Neste sentido, podemos considerar que a informação é elemento estruturante da realidade.

O processo de transferência de informação enquanto socialização pode ser sintetizado como na figura 8.


No contexto da transferência de informação, são usados vários canais de comunicação:

• canais formais, que são livros, periódicos, vídeos, folhetos educativos;

• canais informais, representados por palestras, programas de rádio, contatos interpessoais, troca de correspondência, visitas e reuniões;

• canais semiformais, amplamente utilizados, uma vez que, por definição, esses canais permitem a reunião dos canais formais e informais. Dentre eles, temos:

• oficinas, grupos de estudo e cursos (livros, periódicos, uso do correio eletrônico e conversa face a face);

• dramatizações (textos e conversa face a face);

• projeção/discussão de vídeos (conversa face a face e vídeos);

• mobilização dos meios de comunicação de massa (textos, correio eletrônico e conversa face a face);

• pesquisa (livros, periódicos relatórios de pesquisas, correio eletrônico e conversa face a face);

• lobby e pressão política (livros, periódicos, conversa face a face e correio eletrônico);

• participação em fóruns temáticos (textos, periódicos, conversa face a face e correio eletrônico).

Em termos de barreiras, foram citadas as seguintes:

• Barreira ideológica: a comunicação de idéias e o desenvolvimento de ações conjuntas das ONGs com órgãos governamentais é um processo muito difícil devido às diferentes posições políticas sobre a dinâmica socioeconômica e cultural.

"(...) eu acho que hoje a gente já conquistou um reconhecimento político, um reconhecimento da Secretaria de Saúde. Mas é um reconhecimento contraditório, porque vai bater nas questões políticas nossas e dessas autoridades que são, na verdade, visões políticas diferentes sobre a realidade. (...) dessas lideranças políticas que estão no poder e que têm uma visão diferente da nossa. Então, é um reconhecimento conflitante".

• Barreira de eficiência: sob o ponto de vista dos componentes das ONGs, ela ocorre devido à dificuldade em avaliar o nível de utilidade da informação transferida.

"(...) gente faz pré-teste para avaliar o nível de informação dos educadores e dos meninos e meninas em situação de rua sobre DST/AIDS. Depois, trabalhamos este tema em uma oficina com os educadores de rua. E futuramente vamos fazer um pós-teste com estes educadores e com os meninos e meninas para verificar o nível de informação, Mas isso é muito lento; é um trabalho de transferência de informação da nossa parte, e de construção de sentido, de uma informação nova, por parte deles."

• Barreira de idioma: dificuldades em trabalhar línguas estrangeiras.

"(...) às vezes temos dificuldades com termos em inglês, mas temos que dar um jeito, pois esta é língua dos organismos internacionais de cooperação não-governamentais, que são nossos maiores financiadores."

• Barreira terminológica: decorrente de limites na interface homem/tecnologias de informação.

"(...) sou uma pessoa mais afastada dessa coisa de Internet, porque eu prefiro usar o papel."

"(...) a Internet fez com eu me sentisse uma anta de galocha. Quando eu comecei a navegar na famosa Internet, eu pude ver que não era exatamente a maravilha que me falavam; muita porcaria, o acesso é demorado e o conteúdo das informações nem sempre é bom."

• Barreira de capacidade de leitura: pois a maioria dos beneficiários dos serviços das ONGs têm baixo nível de escolaridade, apresentando dificuldades na decodificação da linguagem escrita.

"(...) em relação à informação transferida principalmente, a informação escrita, é muito difícil pois elas (as parteiras) lêem muito pouco e são pessoas de idade avançada, que estão muito cansadas."

Vale salientar ainda um último ponto em relação à prática informacional de transferência. Assim o sentido atribuído à mesma nesta pesquisa se diferencia radicalmente de disseminação de informação, no sentido de que tal termo se caracteriza como a simples emissão de informação, de forma quase mecânica, ou seja, mediante uma ação de fabricação, no sentido atribuído por Arendt, (1997). Consideramos que a transferência de informação se caracteriza como prática de socialização a partir de um contexto participativo-comunicacional, conforme o sentido atribuído por Freire, (1977).

As diferenças entre a transferência de informação como ação de socialização e da disseminação de informação como ação de fabricar e emitir informações podem ser vistas na figura 9.


CONCLUSÃO

Consideramos que uma das principais características do homem é a sua capacidade de representar simbolicamente as experiências vividas, transformando-as em discursos com significação, em informações sobre o mundo que podem ser comunicadas entre seus semelhantes. Assim, o aprendizado cotidiano do mundo realiza-se não em uma simples relação direta com ele, estando antes mediado pelas informações geradas, preservadas e transmitidas na cultura, as quais ordenam e dão sentido a essa relação. Receber, gerar e transferir informações sobre si mesmo e sobre o mundo são atividades sem as quais não se poderia pensar o homem, pois é por meio dessas ações que ele constrói e reconstrói seu projeto de civilização. Assim, no âmbito das sociedades históricas, a produção e a reprodução de artefatos culturais

A partir das considerações feitas no decorrer deste texto, podemos colocar que a relação entre informação e cidadania no contexto estudado caracteriza-se pelo elemento diretamente político, ou seja, a informação pode auxiliar na construção de espaços sociais de cidadania, entretanto tal fato só ocorrerá se a mesma for gerada para a ação política de forma direta, ou, ainda, se for recebida e analisada a partir de necessidades específicas e transferida para atender a estas mesmas necessidades. A gestão da informação e do conhecimento, por sua vez, também se dá sob tal orientação. Assim a relação entre informação e cidadania não é algo gerado a partir do simples acesso/uso de informação. Tal relação exige reflexão e análise crítica por parte do usuário de informação. Diante desta consideração, a sociedade de informação e do conhecimento é apenas um espaço de possibilidades que ainda espera uma ação crítica por parte dos sujeitos sociais, no sentido de colocar tais elementos a serviço do bem-estar coletivo.

Information, society and citizenship: information management in the context of non-governmental organizations – Brazilian NGOs

Abstract

Analysis of relationship between information and citizenship of information production for No-Governamental Organization (NGOs) Brazilian that work with poitn of gender and women's rights. The information production that instance are characterizad through there actions: reception (as a selection action), generation (as a reppropriation action, in the way of value added of information) and information transference (as a socializacion action).

Keywords

Information and citizenship; Information and contemporary society; No-governamental organizations (NGOs) and information; Gestante of information on contemporary society.

Eliany Alvarenga de Araújo

Professora do Departamento de Biblioteconomia e Documentação - DBD/UFPB; Coordenadora do Curso de Mestrado em Ciência da Informação - CMCI/CCSA/UFPB

E-mail: eliany@openline.com.br

II/situação vivenciada, onde ele pretende utilizar tal informação e a informação recebida, o que nos leva ao esquema da figura 3. Realidade é a qualidade à qual pertencem os fenômenos que reconhecemos terem um ser independente da nossa vontade pessoal, ou seja, não podemos desejar que não existam.

IISocialidade: experiência coletiva. In: Teixeira (1993).

III FIGUEIREDO, N.(1979).

IV NORA, S., MINC, A.L. L'Informatisation de la societé. Paris: La Documentation Française, 1978. p. 123; socializar a informação é dispor de mecanismos por meio dos quais sejam gerados e se harmonizem as contradições e as liberdades (...) Hoje, a informação descendente (que chega às pessoas comuns) é mal aceita porque aparenta ser o prolongamento de um poder, como uma manipulação; será mais e mais necessário que seus usuários estejam associados à sua elaboração, que os emissores e que as emissões tenham em conta as condições de recepção. Esta participação não será aceitável e não ser que os grupos antagônicos sejam igualmente capazes de fabricar, tratar e comunicar sua própria informação.

VIcampos sociais: Situações institucionalizadas onde os atores desenvolvem suas ações e representações regida por regras válidas para cada campo específico. Fonte: Bourdieu. P. Sociologia. Org. por Renato Ortiz. São Paulo: África, 1983.

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  • I * Segundo Berger e Luckmann (1985), a expressão acervo social do conhecimento ou conhecimento já estabelecido, significa que, nos campos semânticos constituídos pela linguagem, a experiência do indivíduo, tanto histórica como biográfica, pode ser objetivada, conservada a acumulada. Tal processo de acumulação é seletivo e constrói um acervo social de conhecimento, que é transmitido de uma geração para outra e é utilizado pelo indivíduo na vida cotidiana. /situação vivenciada, onde ele pretende utilizar tal informação e a informação recebida, o que nos leva ao esquema da
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    Segundo Berger e Luckmann (1985), a expressão acervo social do conhecimento ou conhecimento já estabelecido, significa que, nos campos semânticos constituídos pela linguagem, a experiência do indivíduo, tanto histórica como biográfica, pode ser objetivada, conservada a acumulada. Tal processo de acumulação é seletivo e constrói um acervo social de conhecimento, que é transmitido de uma geração para outra e é utilizado pelo indivíduo na vida cotidiana.
  • V V realiza-se a partir do modo informacional. Nessas sociedades, toda prática social pode ser considerada como uma prática informacional, pois toda interação humana pressupõe recepção, geração ou transferência de informação. Em contrapartida, deve-se salientar que não se pode considerar que o funcionamento dos campos sociaisVI seja integralmente informacional ou baseado apenas nas práticas informacionais, pois, além dessas práticas, existem, nos campos sociais, as condições de produção, os objetos, os valores e sentidos que acompanham as informações. Essas colocações nos levam a considerar que a informação é um operador de relação, ou, ainda, um indicador de mediação que possibilita e é possibilitado pelas relações sociais. E as práticas informacionais, por sua vez, auxiliam na constituição de redes sociais, pois são, em última instância, conjuntos de múltiplas relações de associações coletivas.
    artefatos culturais: palavras, conceitos, técnicas, regras, linguagens por meio das quais os sujeitos sociais dão sentido, representam, produzem e reproduzem sua vida material e simbólica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 1999
    • Data do Fascículo
      Maio 1999
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