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Informação científica: proposta de um novo modelo para o Brasil

Scholarly information: purpose of a new model for the Brazil

Resumos

O acesso à informação científica tem sido um grande desafio para países em desenvolvimento como o Brasil. Com a crise dos periódicos, surgida em função dos altos custos na manutenção das assinaturas das revistas científicas, o acesso à informação científica ficou bastante limitado. Embora essa crise tenha começado em meados dos anos 80, ainda hoje não existe nenhuma solução definitiva. Com as tecnologias da informação e da comunicação, surge a iniciativa de arquivos abertos (Open Archvies Initiative), a qual define um modelo de interoperabilidade entre bibliotecas e repositórios digitais, possibilitando alternativas para a comunicação científica. Ao mesmo tempo, consolida-se o movimento em favor do acesso livre à informação científica em todo o mundo, pelos grandes editores ou publishers, por meio de propostas de ações que possam viabilizar essa iniciativa. Essas são as bases da proposta de um novo modelo para intensificar e consolidar o registro e a disseminação da produção científica brasileira, assim como do acesso à informação científica. Com as experiências obtidas na implantação da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) detém, hoje, a competência técnica para consolidar e implantar essa proposta.

Informação científica; Arquivos abertos; Acesso livre Bibliotecas digitais; Repositórios digitais; BDTD; Iniciativa de arquivos abertos; Acesso à informação científica; Crise dos periódicos


Scientific information access has been a great challenge to undeveloped countries as Brazil. With the scientific journal crisis motivated by the high prices on the scholarly journals subscriptions, that access became very limited. Even that crisis had started in the middle 80's, until today there is not a definitive solution. With the information and communication technologies, rises, the Open Archives Initiative, which defines a model of interoperability for libraries and digital repositories, making possible new alternatives for scientific communication. At the same time, the open access to scientific information movement got stronger around the world, confronting the big editors and publishers, proposing actions to make possible the consolidation that initiative. Those are the bases proposed by the new model to intensified and consolidate the register and dissemination of the Brazilian scientific information content, as well as its access. With the experiences brought with the development of Brazilian Digital Library of Theses and dissertations (BDTD), the Brazilian Institute for Information on Science and Technology has today the technical ability to implement and consolidate that project.

Scientific information; Open archives; Open access; Digital libraries; Digital repositories; BDTD; Open access initiative; Scientific information access; Scientific journal crisis


ARTIGOS

PROGRAMAS E PROJETOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Informação científica: proposta de um novo modelo para o Brasil

Scholarly information: purpose of a new model for the Brazil

Hélio Kuramoto

Coordenador geral de Projetos Especiais do Ibict. E-mail: kuramoto@ibict.br

RESUMO

O acesso à informação científica tem sido um grande desafio para países em desenvolvimento como o Brasil. Com a crise dos periódicos, surgida em função dos altos custos na manutenção das assinaturas das revistas científicas, o acesso à informação científica ficou bastante limitado. Embora essa crise tenha começado em meados dos anos 80, ainda hoje não existe nenhuma solução definitiva. Com as tecnologias da informação e da comunicação, surge a iniciativa de arquivos abertos (Open Archvies Initiative), a qual define um modelo de interoperabilidade entre bibliotecas e repositórios digitais, possibilitando alternativas para a comunicação científica. Ao mesmo tempo, consolida-se o movimento em favor do acesso livre à informação científica em todo o mundo, pelos grandes editores ou publishers, por meio de propostas de ações que possam viabilizar essa iniciativa. Essas são as bases da proposta de um novo modelo para intensificar e consolidar o registro e a disseminação da produção científica brasileira, assim como do acesso à informação científica. Com as experiências obtidas na implantação da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) detém, hoje, a competência técnica para consolidar e implantar essa proposta.

Palavras-chave: Informação científica. Arquivos abertos. Acesso livre Bibliotecas digitais. Repositórios digitais. BDTD. Iniciativa de arquivos abertos. Acesso à informação científica. Crise dos periódicos.

ABSTRACT

Scientific information access has been a great challenge to undeveloped countries as Brazil. With the scientific journal crisis motivated by the high prices on the scholarly journals subscriptions, that access became very limited. Even that crisis had started in the middle 80's, until today there is not a definitive solution. With the information and communication technologies, rises, the Open Archives Initiative, which defines a model of interoperability for libraries and digital repositories, making possible new alternatives for scientific communication. At the same time, the open access to scientific information movement got stronger around the world, confronting the big editors and publishers, proposing actions to make possible the consolidation that initiative. Those are the bases proposed by the new model to intensified and consolidate the register and dissemination of the Brazilian scientific information content, as well as its access. With the experiences brought with the development of Brazilian Digital Library of Theses and dissertations (BDTD), the Brazilian Institute for Information on Science and Technology has today the technical ability to implement and consolidate that project.

Keywords: Scientific information. Open archives. Open access. Digital libraries. Digital repositories. BDTD. Open access initiative. Scientific information access. Scientific journal crisis.

CONTEXTUALIZAÇÃO

A informação científica é o insumo básico para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país. Esse tipo de informação, resultado das pesquisas científicas, é divulgado à comunidade por meio de revistas. Os procedimentos para a publicação dessa informação foram estabelecidos pelo sistema de comunicação científica, o qual vem se consolidando ao longo de mais de três séculos.

Com o nascimento da ciência ocidental, na antiga Grécia, veio também a comunicação científica e a troca de conhecimentos, ainda que de maneira informal. No século XVII, nascem as revistas científicas, consideradas a base do sistema moderno de comunicação científica (ANDRÉ, 2005).

Nos anos 60, segundo Francis André,

o americano Eugene Garfield teve a idéia, na década de 60, de analisar as citações bibliográficas presentes em artigos de revistas, convenientemente escolhidas, e de definir, assim, uma base de referência: o SCI (Science Citation Index), referência mundial segundo a qual são definidas as métricas para a classificação das revistas segundo o seu impacto1 1 "...Eugene Garfield. Ce dernier eut l'idée, dans les années 1960, d'analyser les citations bibliographiques présentes dans les articles de revues convenablement choisies et de d[efinir ainsi une base de reference: le SCI (Science Citation Index), reference mondiale selon laquelle sont defines des m[etriques aboutissant au classement des revues selon leur impact (encadré)" .

Tal iniciativa promoveu uma espécie de classificação das revistas selecionadas pelo SCI. Como resultado desse processo, existem hoje as revistas indexadas pelo SCI e aquelas que não são indexadas. As indexadas pela SCI são as que possuem maior fator de impacto, ou seja, os artigos publicados nessas revistas têm uma média de citação maior do que aqueles publicados em outras revistas não indexadas por essa base de referência.

Assim, a tendência é que os pesquisadores busquem publicar prioritariamente nas revistas indexadas pela SCI. Aqueles que publicam nessas revistas passam a ter melhor reconhecimento por parte das instituições às quais são filiados, assim como por parte das agências de fomento. As agências de fomento, ao analisarem a concessão de auxílios, avaliam a produção científica do pesquisador que os pleiteia. Nessa avaliação, a publicação em revistas indexadas pela SCI tem maior pontuação que a realizada em revistas não indexadas pela SCI.

As revistas indexadas pela SCI, por sua vez, são também as mais procuradas e adquiridas pelas instituições de ensino e pesquisa, em especial pelas suas bibliotecas, assim como pelos próprios pesquisadores. Os editores ou publishers dessas revistas, ao perceberem a valorização/ reconhecimento de suas publicações, promoveram exagerada alta no preço das assinaturas de suas revistas. Em conseqüência, as bibliotecas de todo o mundo, assim como os próprios pesquisadores, vêm encontrando dificuldades na manutenção de suas coleções de periódicos científicos, e os pesquisadores, conseqüen-temente, têm menos acesso a esse insumo para o desenvolvimento de suas pesquisas.

Segundo Tenopir e King (1988),

É praticamente indiscutível que os preços das revistas aumentaram de modo considerável nos últimos 20 anos. Estima-se que os preços das revistas acadêmicas e científicas norte-americanas aumentaram de US$ 39 em média no ano de 1975 para US$ 284 em 1995. Portanto, os preços médios aumentaram em um fator de 7.3, ou 2.6 vezes em uma taxa monetária constante.

Tenopir e King atestam essa crise dos periódicos verificada ao final da década de 90. Esses autores apontam ainda que as estratégias que levaram a essa crise das assinaturas das revistas científicas resultaram em lucros menores para os editores e em custos maiores para os indivíduos, bibliotecas e mantenedores de bibliotecas e seus usuários.

André (2005) corrobora, da mesma forma, esses autores, ao exemplificar que, no período de 1990 a 2000, os preços das publicações da Blackwell na área de medicina aumentaram em 184%, enquanto o custo de vida na França tivera um aumento de 33%. Esse autor diz mais ainda: entre 1980 e 2000, os preços das revistas não francesas, na área de medicina, tiveram um crescimento na ordem de 581% (ANDRÉ, 2005).

Soares (2004) constata essa escalada de preços das assinaturas de revistas, comparando-os com o Índice Geral de Preços (IGP):

O aumento dos preços das revistas (acima do Índice Geral de Preços) não é recente. Chegou primeiro ao conhecimento dos bibliotecários, que foram os primeiros a ter que lidar com o problema, juntamente com os administradores universitários. Os pesquisadores só tomaram conhecimento do problema quando lhes foi pedido que cortassem algumas assinaturas. Porém, o aumento se acelerou nas últimas décadas – tivemos aumentos de mais de 1 mil por cento entre 1989 e 2001. Algumas assinaturas de revistas individuais, como a Chemical Engineering Science e a Developmental Biology, passaram a marca dos quatro mil dólares anuais, em edições de papel, algumas também incluindo edições eletrônicas. Pacotes, como os IEEE Proceedings: All-Society Package, chegaram a trinta mil dólares (SOARES, 2004).

É importante ressaltar que as pesquisas científicas, em sua maioria, são financiadas pelo Estado, portanto, com recursos públicos. Do ponto de vista ético, os resultados dessas pesquisas deveriam ser de livre acesso. Não é isso, entretanto, o que acontece no sistema de comunicação científica tradicional. O pesquisador ou qualquer outro cidadão, para ter acesso àquilo que foi produzido com o apoio do Estado, precisará pagar pela assinatura de uma publicação científica. Trata-se de uma situação paradoxal, pois o Estado, para promover o acesso àquilo que produz, é obrigado a arcar com os custos de manutenção das coleções das revistas em que são publicados os resultados de sua produção científica. É evidente que essas coleções disseminam também resultados de pesquisas promovidas por outros países e instituições.

Tais colocações constituem apenas uma faceta do problema, existe a questão dos direitos autorais, os quais são entregues aos editores das revistas. Os autores nada recebem pelas publicações de seus trabalhos, tendo muitas vezes de pagar para ver os seus trabalhos publicados. Portanto, os autores não se interessam pelo retorno financeiro obtidos pela publicação de seus trabalhos, mas pelo prestígio e notoriedade que essas publicações podem lhes trazer. O peso desse prestígio é sentido no momento em que esses pesquisadores submetem um projeto ou pedido de auxílio junto às agências de fomento, ou mesmo no seu próprio ambiente de trabalho, quando de sua avaliação de desempenho.

Trata-se de um modelo cujo maior beneficiário são os editores das revistas científicas, suportado pelos pesquisadores e pelo Estado, que, em última análise, mantém as assinaturas dessas revistas e, indiretamente, exige que seus pesquisadores tenham a notoriedade de publicar nessas revistas.

Apesar das dificuldades apontadas, o fato é que o acesso ao conhecimento científico continua sendo fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país. Chan e Costa defendem que:

... o acesso ao conhecimento, basicamente na agricultura, medicina e tecnologia, pode ajudar a criar uma forte infra-estrutura social, econômica e técnica, que são essenciais no processo de desenvolvimento2 2 "...access to knowledge, primarily in agriculture, medicine, and technology, can help to create stronger social, sconomic, and technical infrastructures that are essential in the development process." (CHAN; COSTA, 2005).

Ciente da importância do conhecimento científico no processo de desenvolvimento e que grande parte desse conhecimento foi gerado por países do hemisfério norte, verifica-se que existe um entendimento de que somente o compartilhamento desse conhecimento pode diminuir as desigualdades sofridas de forma crônica em nosso planeta (ANDRÉ, 2005).

Em função desse cenário, surge o movimento em favor do acesso livre à informação. Esse movimento vem ganhando adeptos em todo o mundo, por meio de declarações e manifestos como o de Bethesda3 3 < http://www.earlham.edu/~peters/fos/bethesda.htm> , de Budapeste4 4 < http://www.soros.org/openaccess/read.shtml> , de Berlim5 5 < http://www.zim.mpg.de/openaccess-berlin/berlindeclaration.html> e o manifesto brasileiro6 6 < http://www.ibict.br/openaccess/arquivos/manifesto.htm> lançado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).

Trata-se de um movimento realizado não apenas com base no discurso, mas com suporte das tecnologias da informação e comunicação por meio da utilização do modelo Open Archives (OA), o qual estabelece um conjunto de padrões com vistas à interoperabilidade entre os repositórios digitais7 7 Segundo Viana, Arellano e Shintaku (2006), um repositório digital é uma forma de armazenamento de objetos digitais que tem a capacidade de manter e gerenciar material por longos períodos de tempo e prover o acesso apropriado. .

O Ibict foi criado com o propósito de registrar e disseminar a produção científica brasileira. Com o surgimento das tecnologias da informação e da comunicação, combinado com o movimento do acesso livre à informação, verifica-se a existência de um cenário amplamente favorável ao Instituto para o cumprimento de sua missão inicial. Assim, o Instituto, ao lançar o manifesto brasileiro de apoio ao movimento de acesso livre à informação, inicia o desenho de uma política nacional de acesso livre à informação científica, tendo esse manifesto como guia orientador para a definição dessa política.

As experiências observadas no desenvolvimento e implantação da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), tanto em nível nacional, quanto em nível local nas instituições de ensino superior (IES) mantenedoras de programas de pós-graduação, baseada no modelo Open Archives, permitem ao Ibict o desenho e implementação dessa política. Aliando essas experiências com as da internalização e transferência de outras tecnologias8 8 Open Journal Systems (OJS), o Open Conference System (OCS), ambas desenvolvidas pelo projeto Public Knowledge Project (PKP) na Universidade de British Columbia, no Canadá e o DSPACE, software desenvolvido pelo MIT em parceria com a Hewlett Packard (HP). , o Instituto detém um conjunto de ferramentas que permitirá promover o registro e a disseminação da produção científica brasileira e efetivamente implantar a referida política, por meio da promoção da construção de repositórios digitais institucionais e temáticos e de publicações periódicas eletrônicas. Assim, esse artigo tratará desse modelo e de suas diversas aplicações como suporte à política que o Ibict se propõe a delinear e implantar no país.

O MODELO OPEN ARCHIVES

Esse modelo foi concebido a partir das experiências do Laboratório Nacional de Los Alamos nos EUA, o qual, na década de 90, desenvolveu e implantou um repositório digital (arXiv9 9 < http://www.arxiv.org/>. Acesso em 28 jul. 2006. ), na área de ciência da computação, de física e matemática. Esse repositório foi criado experimentalmente ante as dificuldades encontradas no sistema de comunicação científica, principalmente, com relação ao acesso à informação científica, uma vez que os custos de assinatura dos periódicos científicos cresceram de forma exorbitante e, em conseqüência, tinham dificuldades em ter acesso a essas publicações. Além disso, o sistema de comunicação científica nem sempre respondia à publicação dos resultados de pesquisa no tempo em que os pesquisadores desejavam, havendo normalmente certo retardamento. Assim, os repositórios digitais, também denominados e-prints, surgiram como alternativas ao tradicional sistema de comunicação científica. No entanto, esses repositórios não eram dotados de um conselho editorial que promovesse a avaliação prévia dos trabalhos pelos seus pares (peer review). Em seu lugar, o pacote de software que administra esse repositório era dotado de um moderador, o qual não tinha o papel de peer review como existente no sistema tradicional da comunicação científica, mas apenas o de ser um filtro, de forma a garantir que o paper depositado pertencia ao escopo daquele repositório. Além disso, essa aplicação permitia que os leitores publicassem, nesse repositório, comentários sobre trabalhos ali depositados. Em contrapartida, o autor do referido trabalho poderia depositar uma nova versão contemplando melhorias no trabalho depositado. Essa iniciativa se assemelha, assim, ao colégio invisível, com a diferença que esse colégio tem uma abrangência mundial, uma vez que os membros podem estar em qualquer parte do mundo, dado que o repositório se encontra na Internet.

O êxito dessa iniciativa estimulou outras áreas a criar os seus repositórios, como, por exemplo, o CogPrints10 10 http://cogprints.org/ , que aceita o depósito de papers na área de psicologia, neurociência, lingüística e ciência da computação.

Em julho de 1999, Paul Ginsparg, Rick Luce e Herbert Van de Sompel fizeram uma chamada para uma reunião exploratória entre os responsáveis por repositórios de e-prints acadêmicos, a Convenção de Santa Fé (LAGOZE; SOMPEL, 2000). A partir desse evento, foi criada a Open Archives Initiative (OAI). A meta principal dessa iniciativa é contribuir de forma concentrada para a transformação da comunicação científica. A linha de ação proposta para essa transformação é a definição de aspectos técnicos e de suporte organizacional de uma estrutura de publicação científica aberta, na qual ambas, a camada comercial e livre, possam se estabelecer.

Essa convenção definiu as especificações técnicas e os princípios administrativos para se estabelecer um mínimo, mas potencialmente alto, nível funcional de interoperabilidade entre esses repositórios. São necessários os seguintes componentes tidos como essenciais para um arquivo de e-prints:

• mecanismo de submissão;

• sistema de armazenamento a longo prazo;

• uma política de gestão para a submissão e preservação de documentos;

• uma interface aberta que permita terceiros coletar os metadados dos respectivos arquivos.

Este último componente é essencial para possibilitar o desenvolvimento e fornecimento de serviços de informação com valor agregado. Ou seja, serviços que permitam a descoberta, apresentação e análise de dados. Evidentemente que muitos arquivos e-prints fornecerão esse tipo de serviço por meio de uma interface própria. No entanto, para que se possa fazer uma ampla disseminação da informação por terceiros, é essencial que os arquivos e-prints open archives sejam dotados do referido componente.

A convenção estabeleceu também a existência de dois atores nesse modelo, os provedores de dados (data providers) e os provedores de serviços (service providers).

Os provedores de dados são os gestores de arquivos e-prints, os quais devem ser dotados, no mínimo, das seguintes funcionalidades:

• mecanismos de submissão para o auto-arquivamento11 11 Auto-arquivamento ou self-archiving é um mecanismo que permite aos próprios autores submeter ou depositar os seus trabalhos ou papers em um repositório digital. dos trabalhos ou papers;

• sistema de armazenamento a longo prazo;

• mecanismos de exposição de metadados do arquivo para facilitar a sua colheita por terceiros, ou provedores de serviços.

Um exemplo de provedores de dados, implementação da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) são as instituições de ensino superior mantenedoras de programas de pós-graduação (IES). Na BDTD, as IES mantêm os repositórios locais onde são depositadas as teses e dissertações.

Os provedores de serviços são as instituições ou serviços de terceiros que implementam os serviços com valor agregado a partir dos dados coletados junto aos arquivos e-prints, ou repositórios digitais.

Um exemplo de provedor de serviço, no caso da BDTD, é o Ibict, instituição de âmbito nacional que faz a coleta dos metadados que descrevem as teses e dissertações dos repositórios mantidos pelas IES.

O Ibict, dessa maneira, fornece, de forma integrada, ao país e ao mundo, o acesso em linha às teses e dissertações depositadas nas IES brasileiras e no próprio Instituto12 12 O Ibict é o depositário legal das teses e dissertações defendidas por brasileiros no exterior. .

No modelo implementado para a BDTD, surge um terceiro ator que é o aggregator, ou agregador, o qual desempenha ora o papel de provedor de serviços, ora de provedor de dados em relação a outro provedor de serviços. Nesse caso, o Ibict desempenha esse papel com relação à Networked Digital Library of Thesis and Dissertation (NDLTD). A NDLTD é uma iniciativa mundial de teses e dissertações, portanto, um provedor de serviços em relação a diversos provedores de dados que mantêm repositórios de teses e dissertações. Essa iniciativa fornece serviços a partir dos metadados das teses e dissertações colhidas nos diversos provedores de dados espalhados por todo o mundo. O Ibict é um desses provedores de dados.

O esquema funcional desse modelo é apresentado na figura 1.


Na figura 1, verifica-se que, além dos componentes essenciais apresentados anteriormente, o modelo Open Archives estabeleceu um protocolo de comunicação para que se possibilite a realização da coleta de metadados. Esse protocolo denomina-se Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting. Trata-se de um protocolo de comunicação que possibilita a coleta de metadados a partir de determinado provedor de dados. O provedor de serviços, para realizar a coleta de metadados, deve utilizar um programa chamado Harvester (mecanismo de colheita), o qual implementa esse protocolo, o OAI-PMH. O Harvester, ao visitar um provedor de dados, dialoga com o programa desse provedor, o qual deve estar preparado para atender a uma demanda do Harvester e expor os metadados solicitados por esse mecanismo de colheita.

Os metadados devem também constituir um padrão. O padrão normalmente utilizado pelos mecanismos de colheita é o Dublin Core sem qualificadores. Esse padrão poderá ser adaptado. No caso da NDLTD, por exemplo, o seu harvester faz a colheita de metadados constantes em um padrão denominado ETD-MS (Electronic Thesis and Dissertation Metadata Set). A BDTD utiliza um outro padrão de metadados, o MTD-BR, Padrão Brasileiro de Metadados de Teses e Dissertações, o qual foi estabelecido pelo seu Comitê Técnico-Consultivo (CTC). Esse comitê é composto por representantes especialistas de organismos de governo, como:

– Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);

– Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes);

– Secretaria de Ensino Superior (Sesu) do Ministério da Educação (MEC);

– Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);

– Universidade de São Paulo (USP);

– Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Puc-Rio);

– Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme);

– Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).

O protocolo OAI-PMH pode, portanto, ser adaptado aos padrões de metadados que se tem interesse. Para se ter idéia dessa flexibilidade, a BDTD permite que se faça a colheita de metadados das teses e dissertações depositadas nas IES no padrão MTD-Br, enquanto a NDLTD ou outro provedor de serviço podem proceder à colheita de metadados das teses e dissertações depositadas na BDTD, tanto por meio do padrão ETD-MS, quanto por meio do padrão Dublin Core.

O estabelecimento do protocolo OAI-PMH e a definição de um padrão de metadados possibilitam estabelecer um alto nível de interoperabilidade entre os repositórios digitais, por meio de um processo da colheita de metadados (harvesting).

A partir da criação da Open Archives Initiative (OAI) e, conseqüentemente, do modelo Open Archives, diversos pacotes de software foram desenvolvidos com a adoção desse modelo. Da mesma forma, diversas iniciativas de construção de repositórios e bibliotecas digitais foram desenvolvidas, dentre as quais se destacam as bibliotecas digitais de teses e dissertações em todo o mundo, as diversas publicações periódicas eletrônicas que foram implantadas na Web. No Brasil, ressaltam-se as seguintes experiências: 1) com a implantação da BDTD, foram construídas, até o presente momento, 31 BDTDs locais (nas IES); 2) 93 publicações periódicas científicas eletrônicas implantadas com a utilização do pacote de software Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (Seer), pacote originado a partir do software Open Journal Systems, além de diversos repositórios institucionais e temáticos.

Outros indicadores poderão ser obtidos no sítio denominado Registry of Open Access Repositories13 13 < http://archives.eprints.org/> acesso em 31 jul. 2006. (ROAR), no qual os provedores de dados e de serviços inscrevem os seus repositórios, indicando o pacote de software utilizado. Esse sítio possui uma metodologia de verificação de conformidade dos repositórios com o protocolo OAI-PMH, o qual possibilita o acompa-nhamento do crescimento dos repositórios, classificando-os por quantidade de registros, por país e por tipo de aplicação. No dia 23 de julho de 2006, esse sítio indicava, por exemplo, que a BDTD encontrava-se em segundo lugar, com um acervo total de 22.021 teses e dissertações, de uma lista com um total de 71 repositórios. À frente da BDTD, encontrava-se apenas a NDLTD, com acervo total de 247.556 teses e dissertações eletrônicas. Apesar dos indicadores favoráveis às iniciativas brasileiras, é importante ressaltar que a inscrição de repositórios neste sítio é voluntária. É possível, portanto, que existam outras iniciativas de teses e dissertações com um acervo maior do que aquele apontado pelo ROAR. Ainda nesse sítio, o Brasil aparece em quarto lugar em termos da quantidade de repositórios de acesso livre. Essa informação foi obtida no mesmo dia indicado nesse parágrafo. À frente do Brasil, encontram-se os EUA, em primeiro lugar. O Reino Unido está em segundo lugar, e a Alemanha, em terceiro lugar.

O estabelecimento desse modelo constitui, portanto, um marco na área de bibliotecas, repositórios digitais e publicações eletrônicas.

O MOVIMENTO DE ACESSO ABERTO À INFORMAÇÃO CIENTÍFICA

No final da década de 90, surgem diversas manifestações em favor do acesso aberto ou acesso livre14 14 O termo em inglês é open access. Não existe consenso com relação à tradução desse termo, existe uma corrente de especialistas que prefere a tradução acesso aberto e outra que prefere acesso livre. à informação científica, conseqüência das dificuldades encontradas em face da crise dos periódicos científicos. Buscaram-se alternativas de solução no sentido de manter o acesso a essas revistas por meio da formação de consórcios, criando-se portais de acesso às revistas eletrônicas, mas as negociações com os editores foram e são difíceis.

Com o estabelecimento do modelo Open Archives e o desenvolvimento de diversas ferramentas de software para a construção de repositórios digitais e publicações periódicas eletrônicas em conformidade com esse modelo, o movimento ganha consistência. Diversas declarações em favor desse movimento foram e estão sendo publicadas, intensificando-se a implantação de publicações periódicas eletrônicas e repositórios institucionais e temáticos de acesso livre.

O movimento se baseia no princípio de que todos os resultados de pesquisas financiadas com recursos públicos devem ser de livre acesso. Na Declaração de Bethesda (2003)15 15 < http://www.earlham.edu/~peters/fos/bethesda.htm> , resultado de encontro sobre publicação de acesso livre realizado no dia 11 de abril de 2003, divulgada em 20 de junho do mesmo ano, definiu-se uma publicação de acesso livre16 16 Acesso livre é uma propriedade de trabalhos individuais, não necessariamente revistas ou editores. ,17 17 A tradução desse trecho da Declaração de Bethesda teve como base a tradução realizada pelo professor Piotr Trzeniak. :

Uma publicação de acesso livre deve satisfazer a duas condições:

– O(s) autor(es) e o(s) detentor(es) de direitos de reprodução (copyright) concede(m) a todos os usuários o acesso livre, irrevogável, mundial e perpétuo ao trabalho, assim como uma licença de cópia, uso, distribuição, transmissão e exibição pública, e ainda de produzir e distribuir trabalhos dele derivados, em qualquer meio digital, para qualquer finalidade responsável, condicionado à devida atribuição de autoria18 18 De uma forma mais apropriada que a lei dos direitos de reprodução ou copyright, os padrões comunitários, como acontece hoje, continuarão a fornecer mecanismos que assegurem os créditos e o uso responsável dos trabalhos publicados. , e concedem adicionalmente o direito de produção de uma pequena quantidade de cópias impressas para seu uso pessoal.

– Uma versão integral do trabalho e de todo o material suplementar, incluindo uma cópia da permissão, em um formato eletrônico adequadamente padronizado, é depositada imediatamente após a publicação inicial em um repositório on-line mantido por uma instituição acadêmica, por uma associação científica, por uma agência governamental ou por qualquer outra organização solidamente estabelecida, a qual vise a propiciar o acesso livre, a distribuição irrestrita, a interoperabilidade e o arquivamento de longo prazo (para as ciências biomédicas, a PubMed Central se constitui em um repositório desta natureza).

Pela definição apresentada, a proposta do movimento não se restringe à publicação apenas de papers, mas inclusive do material suplementar resultado da pesquisa. Essa definição foi também utilizada pela Declaração de Berlim e pelo Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica (2005).

No quadro 1, uma cronologia dos principais marcos do movimento de acesso livre à informação. Cronologia mais detalhada pode ser encontrada no sítio Timeline of the Open Access Movement19 19 < http://www.earlham.edu/~peters/fos/timeline.htm >. Acesso em 27 jul. 2006. , mantido por Peter Suber.


O movimento proporcionou o surgimento de diversas iniciativas de repositórios ou publicação eletrônica, as quais foram classificadas por John Willinsky, em sua obra recente The Access Principle. Willinsky identifica dez modelos de negócio no contexto do acesso livre, como se apresenta a seguir:

1. Home page

Faculdades ou Departamentos de universidade mantêm home page para membros individuais da faculdade, na qual eles colocam os seus papers, tornando-os livremente disponíveis20 20 Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003). .

Exemplo:

<http://www.econ.ucsb.edu/~tedb/>

2. E-print archive

Uma instituição ou uma sociedade ou associação científica hospeda e mantém um repositório, facilitando aos seus membros o auto-arquivamento de material publicado e não-publicado.21 21 Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003).

Exemplos:

<http://www.arXiv.org/>

<http://eprints.ime.usp.br/>

<http://dici.ibict.br/>

<http://arena.portcom.intercom.org.br/>

3. Taxa de autor (Author fee)

Esse modelo permite o imediato e completo acesso a uma revista de acesso livre (ou, em alguns casos, a artigos individuais para os quais as taxas foram pagas), mediante o pagamento da taxa de autor. Essas taxas são cobertas, normalmente, por instituições ou sociedades às quais esses autores são filiados22 22 Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003). .

Exemplo:

BioMed Central <http://www.biomedcentral.com/>

4. Subsidiado (Subsidized)

Sociedades científicas, instituições de governo ou fundações disponibilizam, por meio de subsídio, o acesso livre a revistas23 23 Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003). .

Exemplo:

First Monday <http://www.firstmonday.org/>

5. Modo dual (Dual mode)

Nesse modelo as assinaturas são coletadas para a versão impressa e utilizada para sustentar a edição impressa e a edição em linha com acesso livre.

Exemplo:

Journal of Postgraduate Medicine <http://www.jpgmonline.com/>

6. Postergado (Delayed)

As assinaturas são coletadas para a edição impressa e imediato acesso em linha, com o acesso livre fornecido após um período de tempo (por exemplo: 6 ou 12 meses) Exemplo:

New England Journal of Medicine <http://content.nejm.org/>

7. Parcial

O acesso livre é permitido a uma pequena seleção de artigos da revista – servindo como um mecanismo de marketing – visto que o acesso ao restante da publicação requer uma assinatura.

Exemplo:

Lancet <http://www.thelancet.com/>

8. Per capita

O acesso livre é oferecido a estudantes e pós-graduandos em países em desenvolvimento como uma contribuição de caridade, com despesa limitada para registro de instituições em um sistema de gestão de acesso.

Exemplo:

HINARI <http://www.who.int/hinari/en/>

9. Indexação

O acesso livre a informações bibliográficas e resumos é fornecido como um serviço governamental, ou, por editores, um mecanismo de marketing, sempre com links, pay-per-view, para o texto integral do artigo.

Exemplo:

ScienceDirect http://www.sciencedirect.com/

10. Cooperativo

Instituições como bibliotecas e associações científicas contribuem para o suporte do acesso livre a revistas e o desenvolvimento de recursos de publicação.

Exemplo:

German Academic Publishers <http://www.gap-portal.de/>

No Brasil, apenas dois desses modelos são adotados: e-prints archives e o cooperativo. Além dos exemplos citados, pode-se dizer que o SciELO segue o modelo cooperativo, uma vez que as instituições suportam o acesso livre, assim como o desenvolvimento dos recursos tecnológicos de publicação.

A diversidade de modelos de negócios indica a existência de um campo ainda inexplorado no Brasil, apesar de o país encontrar-se em quarto lugar em quantidade de repositórios.

Existem muitos especialistas, hoje, desconfiados quanto à qualidade dos repositórios e publicações de acesso livre, em função da falsa premissa de que esses repositórios ou publicações eletrônicas não possuem peer-review. Os modelos apresentados comprovam o contrário.

É bem verdade que os repositórios e-prints podem conter trabalhos não revisados pelos pares. Mas é verdade também que neles se podem depositar trabalhos já revisados pelos pares, uma vez que esses trabalhos são cópias dos papers já submetidos e selecionados para publicação em uma revista científica com peer reviewing. É por esse motivo que os provedores de dados costumam estabelecer política de uso desses repositórios, criando, sempre que possível, um repositório contendo apenas papers revisados pelos pares e outro contendo papers não revisados pelos pares. Esse tipo de precaução assegura a qualidade dos repositórios.

As publicações científicas periódicas eletrônicas de livre acesso, entretanto, seguem os padrões da comunicação científica, mantendo um corpo de especialistas revisores e um comitê editorial. Portanto, a diferença entre esse tipo de publicação e o seu similar impresso é apenas o suporte físico (rede mundial de computadores, a Internet).

Esse cenário justifica as ações que o Ibict vem desenvolvendo no contexto do movimento do acesso livre à informação científica. Os modelos apresentados indicam também que há muito a se estudar e desenvolver no campo das publicações eletrônicas e repositórias de acesso livre. É com esse propósito que o Instituto vem discutindo e definindo ações para que se estabeleça, no país, uma política nacional de acesso livre à informação científica.

Nessa discussão, chegou-se à conclusão de que todos os segmentos da comunidade científica devem ser envolvidos, sensibilizados e estimulados a promover o acesso livre à informação científica. Dessa forma, o manifesto brasileiro é composto por uma série de recomendações a todos os segmentos dessa comunidade, como segue: 1) universidades, institutos de pesquisa; associações e sociedades científicas; 2) pesquisadores; 3) agências de fomento; 4) instituições governamentais que atuam em ciência, tecnologia e educação; 5) editores não-comerciais de revistas científicas; 6) editores comerciais de revistas científicas. Dessa comunidade, consideram-se como principais atores os pesquisadores e as agências de fomento, os quais devem estar conscientes e sensibilizados para a questão do livre acesso. As agências de fomento desempenham importante papel nesse movimento, uma vez que são elas que promovem a pesquisa e o ensino de prós-graduação. As pesquisas são realizadas sob o patrocínio dessas agências, portanto os resultados deveriam ser de acesso público. Da mesma forma, são elas que fazem as avaliações dos projetos e dos pesquisadores.

Um exemplo de ação aderente ao movimento de acesso livre e que corrobora as afirmações do parágrafo anterior foi a realizada pela U.S. House Approppiriations Comitee, a qual instruiu a National Institutes of Health (NIH) a estabelecer uma política tornando os resultados das pesquisas, por ela financiadas, livremente acessíveis por meio do repositório PubMed Central, mantido pela Nacional Library of Medicine. Esses papers deveriam ser depositados após um prazo de seis meses depois do seu aceite por uma publicação periódica científica. Para se ter uma idéia do impacto dessa medida, a NIH suporta por volta de US$ 28 bilhões em pesquisas biomédicas, e estima-se como resultado a publicação de cerca de 60 mil papers por ano (WILLINSKY, 2006).

O FUTURO DA INFORMAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL: UMA PROPOSTA POSSÍVEL

Apesar de o crescimento da produção científica brasileira ter ganhado destaque nos últimos anos, o país não detém um número significativo de publicações científicas consideradas relevantes para a comunidade científica. São poucas as publicações científicas brasileiras constantes na SCI. Os principais papers de nossos pesquisadores são publicados em revistas científicas de editores comerciais internacionais. O país é, dessa forma, altamente dependente das publicações científicas estrangeiras. O acesso a essas publicações é bastante oneroso aos cofres públicos. A Capes desembolsou em 2004 algo em torno de 21 milhões de dólares para manter o seu Portal de Periódicos24 24 Relatório de atividades de 2004, por Elenara Chaves Edler de Almeida < http://www.icml9.org/program/track5/public/documents/ Elenara%20Chaves%20Edler%20de%20Almeida-175544.pdf >. Acesso em 30 jul. 2006. . Vale ressaltar que, além da Capes, outras instituições assinam revistas científicas. Portanto, o custo para os cofres públicos em 2004 deve ter sido bem mais do que esses 21 milhões de dólares gastos pela Capes. Cabe observar que a crítica que ora se faz não se refere à Capes nem ao seu Portal de Periódicos, o qual tem uma importância estratégica para o país. As principais e mais importantes revistas utilizadas pelos pesquisadores brasileiros encontram-se nesse portal. Portanto, o país não pode prescindir desse portal, sem o qual o desenvolvimento científico e tecnológico ficará debilitado.

Em contrapartida, conforme demonstram as estatísticas e os registros do sítio ROAR, o Brasil ocupa o quarto lugar em termos da quantidade de repositórios de acesso livre, ficando atrás apenas dos EUA, Reino Unido e Alemanha. Além disso, a quantidade de repositórios de acesso livre vem crescendo em todo o mundo, especialmente nos países desenvolvidos. Em boa parte desses países, estão sendo estabelecidas políticas de acesso livre, por meio de recomendações e ações como as da NIH.

Considerando-se que esses repositórios são de livre acesso e que a sua maioria é compatível com o modelo Open Archives, nada impede que se construam provedores de serviços com o propósito de se fazer a colheita de metadados dos papers depositados nesses repositórios. Esses papers são peer reviewed, tendo em vista que os mesmos foram publicados em revistas científicas peer reviewed, muitas delas referenciadas na base SCI. A cons-trução desses provedores de serviços não exige muito investimento, tendo em vista a existência de diversas ferramentas de software em conformidade com o modelo Open Archives, e são em sua quase totalidade, open source. Do ponto de vista de infra-estrutura tecnológica (hardware), o investimento também é muito pequeno, uma vez que essas ferramentas são executadas em servidores com ambiente operacional linux compatível. Esses servidores podem ser baseados em plataforma Intel, demandando, portanto, um investimento que não chega à ordem dos milhares de dólares.

Considerando, ainda, que a produção científica brasileira poderá ser registrada, por meio da construção de repositórios, utilizando a modelo OA, verifica-se que o Brasil poderá alcançar, em futuro próximo, certa autonomia com relação ao acesso à informação científica. A crença nessa possibilidade se explica pelo fato de o movimento de acesso livre obter ampla aceitação de várias instituições de pesquisa, de fomento e, principalmente, pela ampla adesão dos pesquisadores em vários países do hemisfério norte25 25 Boa parte do conhecimento gerado no mundo é proveniente dos países localizados no hemisfério norte. . Basta ver a cronologia dos movimentos de acesso livre apresentada, assim como o sítio de Peter Súber, que apresenta ampla e detalhada cronologia26 26 http://www.earlham.edu/~peters/fos/timeline.htm. Acesso em 27 jul. 2006. .

O cenário apresentado demonstra ser bastante propício aos países em desenvolvimento como o Brasil. Esses países contam com uma oportunidade inédita de ampliar o acesso à informação científica. O Brasil, em especial, detém condições bastante propícias para alcançar esse objetivo, tendo em vista que gerou, por meio de projetos como a Biblioteca Digital Brasileira (BDB) e a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), uma competência técnica quanto ao uso e desenvolvimento de sistemas utilizando OA. Além disso, o Ibict vem promovendo o uso e a transferência de ferramentas de software que implementam o modelo OA, e diversos repositórios estão sendo construídos para o armazenamento da produção técnico-científica. Exemplos de repositórios OA: Reposcom27 27 < http://reposcom.portcom.intercom.org.br/ >. Acesso em 31 jul. 2006. ; BDJur28 28 < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/>. Acesso em 31 jul. 2006. ; BDBComp29 29 < http://www.lbd.dcc.ufmg.br/bdbcomp/>. Acesso em 31 jul. 2006. .

A figura 2 mostra uma proposta de esquema para se ter acesso à produção científica brasileira e produção científica internacional. Para que esse esquema funcione, é necessário que a comunidade científica brasileira se sensibilize quanto à importância do movimento de apoio ao livre acesso à informação científica e que as instituições de governo atuantes em ciência, tecnologia e educação dêem completo apoio às recomendações constantes do Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica (2005).


A operacionalização das recomendações constante desse manifesto configura o estabelecimento de uma política nacional de acesso livre à informação científica. Essa política não se restringe às recomendações estabelecidas no referido manifesto, mas deve ser complementada no contexto de um comitê consultivo a ser criado com o propósito de discuti-la e orientá-la. O comitê teria o papel de analisar as recomendações, avaliando-as e aprovando aquelas que melhor atendessem ao delineamento dessa política.

O comitê deveria ser formado por representantes das agências de fomento, dos pesquisadores, das associações e sociedades científicas, das instituições de ensino superior e de pesquisa, além de outras instituições atuantes na área de ciência, tecnologia e educação. Os representantes das agências de fomento teriam o papel, nesse comitê, além de participar das discussões e tomadas de decisão, internalizar em suas agências as recomenda-ções aprovadas. Nesse contexto, o Ibict deveria ter também representação nesse comitê e, além disso, desempenhar o papel de principal articulador e executor dessa política.

Portanto, a Política Nacional de Acesso Livre, ao ser delineada por um comitê composto por representantes da comunidade científica brasileira, será importante mecanismo para a implantação das ações de acesso livre no país.

Nesse sentido, o Ibict já desenvolve uma série de ações, como:

1. implantação da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações usando o modelo OA;

2. absorção e transferência de conhecimentos sobre o modelo OA;

3. absorção, customização, divulgação e transferência de ferramentas de software para a construção de publicações eletrônicas e repositórios de acesso livre;

4. capacitação de técnicos quanto ao uso dessas ferramentas;

5. desenvolvimento e implantação do Portal de Repositórios e Publicações de Acesso Livre30 30 Projeto financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). ;

6. aquisição e distribuição de infra-estrutura tecnológica (hardware e software) às instituições de ensino superior e pesquisa para o desenvolvimento e implantação de repositórios institucionais e temáticos de acesso livre;

7. divulgação do Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica (2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um país cujos investimentos em educação e pesquisa são limitados, contrapondo-se com o seu alto potencial de desenvolvimento científico e tecnológico, a implantação de uma política nacional de acesso livre à informação científica deixa de ser uma simples proposta e passa a ser uma ação de governo obrigatória.

Em muitos países, inclusive aqueles mais desenvolvidos, as agências de governo vêm elaborando e implantando ações em prol do acesso livre à informação. Pelo ROAR, verifica-se que países como os EUA, o Reino Unido e a Alemanha vêm investindo na construção de repositórios, despontando como os países que mais implantaram repositórios. Portanto, esses países servem de referência para as nossas ações concernentes a essa questão.

Ignorar esse movimento e não desenvolver qualquer ação no sentido de criar repositórios ou provedores de serviços para colheita dos metadados de publicações ou repositórios nacionais e internacionais significa continuar dependente das publicações científicas comerciais. A adoção das ações propostas neste artigo poderá trazer, como resultados, menor dependência das publicações científicas comerciais, assim como maior registro e disseminação da produção científica brasileira. Com o registro da produção científica brasileira, além da divulgação do conhecimento gerado no país, diversos indicadores poderão ser extraídos e analisados, permitindo melhor planejamento do desenvolvimento científico do país.

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  • WILLINSKY, J. The Access Principle; The case for Open Ac cess to Research and Scholarship. London: The Mit Press, 2006, 287p.
  • 1
    "...Eugene Garfield. Ce dernier eut l'idée, dans les années 1960, d'analyser les citations bibliographiques présentes dans les articles de revues convenablement choisies et de d[efinir ainsi une base de reference: le SCI (Science Citation Index), reference mondiale selon laquelle sont defines des m[etriques aboutissant au classement des revues selon leur impact (encadré)"
  • 2
    "...access to knowledge, primarily in agriculture, medicine, and technology, can help to create stronger social, sconomic, and technical infrastructures that are essential in the development process."
  • 3
    <
  • 4
    <
  • 5
    <
  • 6
    <
  • 7
    Segundo Viana, Arellano e Shintaku (2006), um repositório digital é uma forma de armazenamento de objetos digitais que tem a capacidade de manter e gerenciar material por longos períodos de tempo e prover o acesso apropriado.
  • 8
    Open Journal Systems (OJS), o Open Conference System (OCS), ambas desenvolvidas pelo projeto Public Knowledge Project (PKP) na Universidade de British Columbia, no Canadá e o DSPACE, software desenvolvido pelo MIT em parceria com a Hewlett Packard (HP).
  • 9
    <
    http://www.arxiv.org/>. Acesso em 28 jul. 2006.
  • 10
  • 11
    Auto-arquivamento ou
    self-archiving é um mecanismo que permite aos próprios autores submeter ou depositar os seus trabalhos ou
    papers em um repositório digital.
  • 12
    O Ibict é o depositário legal das teses e dissertações defendidas por brasileiros no exterior.
  • 13
    <
    http://archives.eprints.org/> acesso em 31 jul. 2006.
  • 14
    O termo em inglês é
    open access. Não existe consenso com relação à tradução desse termo, existe uma corrente de especialistas que prefere a tradução acesso aberto e outra que prefere acesso livre.
  • 15
    <
  • 16
    Acesso livre é uma propriedade de trabalhos individuais, não necessariamente revistas ou editores.
  • 17
    A tradução desse trecho da Declaração de Bethesda teve como base a tradução realizada pelo professor Piotr Trzeniak.
  • 18
    De uma forma mais apropriada que a lei dos direitos de reprodução ou
    copyright, os padrões comunitários, como acontece hoje, continuarão a fornecer mecanismos que assegurem os créditos e o uso responsável dos trabalhos publicados.
  • 19
    <
  • 20
    Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003).
  • 21
    Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003).
  • 22
    Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003).
  • 23
    Suporta o acesso livre conforme os termos do Budapest Open Access Initiative (2002) e o Bethesda Statement of Open Access Publissing (2003).
  • 24
    Relatório de atividades de 2004, por Elenara Chaves Edler de Almeida <
  • 25
    Boa parte do conhecimento gerado no mundo é proveniente dos países localizados no hemisfério norte.
  • 26
  • 27
    <
    http://reposcom.portcom.intercom.org.br/ >. Acesso em 31 jul. 2006.
  • 28
    <
    http://bdjur.stj.gov.br/dspace/>. Acesso em 31 jul. 2006.
  • 29
    <
    http://www.lbd.dcc.ufmg.br/bdbcomp/>. Acesso em 31 jul. 2006.
  • 30
    Projeto financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
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