Acessibilidade / Reportar erro

Análise e tematização da imagem fotográfica

Analysis and themes of photographic images

Resumos

A imagem sempre foi um dos principais meios de comunicação na história da humanidade, conquistando, nos dias atuais, importância extraordinária, em especial com o advento da Internet e a difusão da comunicação global. A invenção da fotografia permitiu, desde o seu surgimento, uma expansão gradativa na produção e no uso de imagens. A imagem fotográfica é polissêmica por natureza, isso é, pode ser passível de inúmeros significados. Para ser utilizada, necessita ser organizada, o que implica análise e tematização de seu conteúdo, indexação, armazenamento e recuperação. O presente texto aborda alguns aspectos conceituais e históricos da imagem e da imagem fotográfica e enfoca algumas questões relativas à análise e à tematização da imagem fotográfica.

Imagem; Imagem fotográfica; Análise da imagem fotográfica; Tematização da imagem fotográfica; Fotografia


Images have always been one of the most important means of communication in the human history. Nowadays they have gained an extraordinary importance, mainly through global communication offered by the Internet. The invention of photograph allowed a gradual increasing in the production and in the use of images. A photographic image has many meanings and must be organized to be used. This implies a definition of its analysis and theme of its contents, and indexing, storage and recuperation. This paper is about some concepts and the history of Images and Photographic Images and about some questions related with analysis and themes of photographic images.

Images; Photographic Images; Photographic Image-Analysis; Photographic Image-themes; Photograph


ARTIGOS

Análise e tematização da imagem fotográfica

Analysis and themes of photographic images

Ricardo Crisafulli Rodrigues

Mestrando em ciência da informação pela Universidade de Brasília. E-mail: ricardo@ibict.br

RESUMO

A imagem sempre foi um dos principais meios de comunicação na história da humanidade, conquistando, nos dias atuais, importância extraordinária, em especial com o advento da Internet e a difusão da comunicação global. A invenção da fotografia permitiu, desde o seu surgimento, uma expansão gradativa na produção e no uso de imagens. A imagem fotográfica é polissêmica por natureza, isso é, pode ser passível de inúmeros significados. Para ser utilizada, necessita ser organizada, o que implica análise e tematização de seu conteúdo, indexação, armazenamento e recuperação. O presente texto aborda alguns aspectos conceituais e históricos da imagem e da imagem fotográfica e enfoca algumas questões relativas à análise e à tematização da imagem fotográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Imagem fotográfica. Análise da imagem fotográfica. Tematização da imagem fotográfica. Fotografia.

ABSTRACT

Images have always been one of the most important means of communication in the human history. Nowadays they have gained an extraordinary importance, mainly through global communication offered by the Internet. The invention of photograph allowed a gradual increasing in the production and in the use of images. A photographic image has many meanings and must be organized to be used. This implies a definition of its analysis and theme of its contents, and indexing, storage and recuperation. This paper is about some concepts and the history of Images and Photographic Images and about some questions related with analysis and themes of photographic images.

KEYWORDS: Images. Photographic Images. Photographic Image-Analysis. Photographic Image-themes. Photograph

INTRODUÇÃO

A imagem sempre foi um dos principais meios de comunicação na história da humanidade, ainda que por longo período a escrita a tenha sobrepujado em importância. Nos dias atuais ganhou grande destaque, em especial com o advento da Internet e a difusão da comunicação global, em virtude da hipermidiação, que consiste na combinação da informação em suas múltiplas dimensões: texto, imagem e áudio.

A invenção da fotografia, ocorrida no período da Revolução Industrial, permitiu, desde o seu surgimento, uma expansão gradativa na produção e no uso de imagens, primeiramente de forma mais seletiva e quase individual e, posteriormente, de maneira mais massificada, com as ilustrações fotográficas em jornais e revistas e o uso de imagens em mídias publicitárias.

A fotografia é cópia de um referente, ou seja, de algo ou de alguém - pessoa, objeto, paisagem, animal, acontecimento etc. - reproduzido como imagem. No mundo da representação fotográfica, o referente é uma primeira realidade, e a imagem é uma segunda realidade. Esta última quase sempre sobrevive à primeira, pois, como documento, pode existir por muitos anos após o desaparecimento - morte ou destruição - de seu referente. A imagem fotográfica é polissêmica por natureza, passível de inúmeros significados. Possui um sentido denotativo representado de modo literal por aquilo que se vê registrado em seu suporte físico, e um sentido conotativo que corresponde à sua polissemia.

Para ser utilizada, a imagem fotográfica deve ser organizada, o que implica análise e tematização de seu conteúdo, indexação, armazenamento e recuperação. Por tematização entende-se "a capacidade de criar discursos usando formatos predefinidos, que seriam delineadas através do conteúdo proposto ou recuperadopelo sistema" (SIMEÃO; RODRIGUES, 2007). Em outras palavras, significa que os sentidos conotativos1 1 Sentido conotativo refere-se às diversas interpretações que uma imagem fotográfica pode ter. Sentido denotativo refere-se àquilo que é realmente visível na imagem. de uma imagem devem ser contextualizados a priori pelos especialistas que analisam e indexam as informações imagéticas e a posteriori pelos receptores, quando da elaboração de suas queries de pesquisa. A contextualização desses sentidos conotativos permitirá o uso de uma fotografia em diferentes contextos e para diferentes interpretações e usos2 2 A tematização de uma imagem não deve ser confundida com a indexação ou classificação dessa imagem. Uma foto de uma criança chorando sozinha numa praia, por exemplo, pode ser indexada por CRIANÇA, CHORO, PRAIA, MAR etc. Todavia essa foto pode ser contextualizada ( tematizada) para ilustrar matérias de diferentes conteúdos temáticos como, por exemplo, CRIANÇAS ABANDONADAS, FOME, CRIANÇAS MANHOSAS, ACIDENTES INFANTIS etc. Qualquer que seja a tematização os termos de indexação serão sempre os mesmos. Na base de dados, sob a expressão tematizada CRIANÇAS ABANDONADAS poderão vir centenas de termos que indexam outras fotos de assuntos os mais diversos, mas que podem ilustrar o tema CRIANÇAS ABANDONADAS como, por exemplo, ORFANATOS, MENDIGOS, FLANELINHAS etc. . Desse conjunto de atividades, e em razão do elevado número de significados que podem ter, a análise e a tematização são, talvez, as tarefas mais importantes, pois a partir delas é que será possível garantir ao receptor o acesso e a recuperação do que necessita.

O presente texto enfoca algumas questões relativas à análise e à tematização da imagem fotográfica, tendo como embasamento, além das idéias do próprio autor, opiniões de relevantes autores contidas numa significante bibliografia sobre o assunto. O tópico específico sobre Análise e Tematização de Imagens Fotográficas é precedido de dois outros que abordam conceitual e historicamente a imagem e a imagem fotográfica.

A IMAGEM

A história da humanidade foi e ainda é marcada pela presença da imagem como um dos principais mecanismos de comunicação entre os homens, que a utilizaram na forma dos mais variados suportes e técnicas, tais como "madeira, pedras, argila, osso, couro, materiais orgânicos em geral, metais, papéis, acetatos, suportes digitais, [...] desenho, pintura, escultura, fotografia, cinema, televisão, web [...]" (RAMOS, 2007, p. 1).

Levando-se em conta a importância da visão para a percepção humana, sendo um dos mais relevantes recursos cognitivos, é possível entender a afirmação acima e ter melhor idéia do significado da produção de imagens pelo homem.

Como a ciência mostra, 75% da percepção humana é visual. Depois vem a percepção auditiva (20%), enquanto outras modalidades somam juntas apenas 5% de nossa capacidade de perceber o mundo que nos cerca. (BRASIL, 2005, p. XIX).

Mas o que é imagem? Numa síntese de definições - sejam elas filosoficamente oriundas de Platão e de outros mestres, sejam elaboradas por especialistas em semiótica, comunicação e outras ciências -, a imagem (do latim Imago) é uma representação visual, construída pelo homem, dos mais diversos tipos de objetos, seres e conceitos. Pode estar no campo do concreto, quando se manifesta por meio de suportes físicos palpáveis e visíveis, ou no campo do abstrato, por meio das imagens mentais dos indivíduos.

Nas palavras de Costa (2005, p. 27),

Os estudos sobre imagens mostraram que elas têm, na cultura humana, uma função muito mais complexa que na vida de outras espécies animais. Além de reconhecer amigos e inimigos, de diferenciar presas e predadores, de situar os seres num espaço de onde podem entrar e sair, as imagens mentais que obtemos de nossa relação com mundo podem ser armazenadas, constituindo nossa memória, podem ser analisadas por nossa reflexão e podem se transformar numa bagagem de conhecimento, experiência e afetividade. E mais, desenvolvemos técnicas que nos permitem expressar todo esse movimento interno, mental e subjetivo através de outras imagens, estas criadas por nós. Desenhos, pinturas e esculturas permitem que compartilhemos com os outros as emoções e sentimentos despertados na nossa relação com o mundo.

Desde a pré-história, as imagens fizeram parte das relações entre os homens e, mesmo após a invenção da escrita, continuaram a ser fundamentais na comunicação humana. Os povos antigos comunicavam muitos de seus conhecimentos valendo-se de imagens, principalmente porque a maior parte das populações não dominava "os mistérios" da escrita. Ler e escrever era privilégio de poucos e sinônimo de certa distinção social. Funcionários (na maioria das vezes de origem plebéia) "incumbidos de ler e escrever gozavam de respeito e distinção" (COSTA, 2005, p. 18). Na Idade Média o monopólio da leitura e da escrita era reivindicado pela Igreja, que tinha nas bibliotecas dos mosteiros verdadeiros "exércitos de copistas". Mas a grande massa populacional continuava iletrada e dependente das imagens.

Segundo Manguel (2006, p. 143),

No século VI, o Papa Gregório, o Grande, havia declarado: 'uma coisa é adorar um quadro, outra é aprender em profundidade, por meio dos quadros, uma história venerável. Pois aquilo que a escrita torna presente para o leitor, as pinturas tornam presente para os iletrados, para aqueles que só percebem visualmente, porque nas imagens os ignorantes vêem a história que devem seguir, e aqueles que não conhecem o alfabeto descobrem que podem, de certa maneira, ler. Portanto, especialmente para o povo comum, as pinturas são o equivalente da leitura'.

A invenção da imprensa permitiu que mais pessoas pudessem ter acesso aos livros e à leitura e, nesse contexto, embora a imagem continuasse a exercer seu papel - inclusive como ilustração de muitos livros -, a escrita passou a dominar os meios de transmissão de conhecimento existentes, minimizando o significado da imagem. A educação e a ciência passaram a basear-se no texto escrito. Somente no início do século XIX, com a expansão do capitalismo - que exigia que povos com diferentes idiomas se expressassem de uma maneira comum -, a imagem foi retomada como meio de comunicação. Os jornais começaram a ilustrar suas matérias, primeiro lentamente, pois seus proprietários tinham receio da reação negativa dos leitores. Iniciou-se então um novo processo de convivência texto-imagem.

O século XX foi marcado pelo desenvolvimento de tecnologias e idéias que levaram à maior compreensão da imagem e de sua importância não só como meio de comunicação, mas como auxiliar significativo para as tarefas de pesquisa e ensino. A imagem deixou de ser apenas arte e transformou-se em informação e conhecimento. Expandiu-se por meio de jornais, revistas científicas e de entretenimento, televisão e fotografia. As novas tecnologias computacionais desenvolveram maiores possibilidades de produção e uso de imagens, permitindo uma hipermidiação com outros modos de comunicação.

No século XXI, "o universalismo da linguagem visual aparece como uma possibilidade de se alcançar um maior número de pessoas, rompendo-se as fronteiras do nacionalismo: fotos, filmes e programas de TV unem audiências do mundo todo sob as mesmas mensagens." (COSTA, 2005, p. 36). A comunicação extensiva (MIRANDA; SIMEÃO, 2003), através da computação, que faz uso do hipertexto, acelerou a hipermidiação principiada em fins do século XX e aumentou maciçamente o uso de imagens.

Imagens que aparecem de diversas formas, ora como ilustrações que são acrescidas às informações da escritura alfabética do hipertexto, ora como mapas criados pelos autores de hipertextos que auxiliam os navegantes a se localizarem nos mares abertos e infinitos da informação. (RIBEIRO, 2007, p. 1).

Existe uma quantidade incalculável de imagens sendoproduzida atualmente e colocada ao alcance do público. É preciso aprender a pensar por meio delas usando-as de maneira adequada para os fins a que se destinam.

A criação de imagens vincula-se a uma causa ou a um fim específico, seja ele religioso, político, ideológico, publicitário, educacional, informacional, ilustrativo, artístico etc., sempre com uma ligação às características sociais, culturais, religiosas, econômicas etc. de cada sociedade ou grupo.

Ou seja, é preciso entender a representação imagética enquanto produto cultural de uma sociedade, com múltiplas diferenciações entre os diversos grupos sociais. (LOPEZ, 2000, p. 44).

Muitas imagens não são assimiladas por determinadas culturas simplesmente porque estas não possuem conhecimentos cognitivos adequados para entendê-las.

[...] dificilmente conseguimos distinguir aquilo que não podemos nomear. Enquanto todas as línguas comportam distinções de claro e escuro, e a maioria tenha palavras que denotam as cores primarias e as secundárias, nem todas as línguas têm termos específicos para as cores. O idioma tarahumara, do norte do México, não tem palavras especiais para o verde e o azul; em conseqüência, a capacidade dos tarahumaras de distinguir matizes entre essas duas cores é bem menos desenvolvida do que no falante do inglês ou do espanhol. A leitura que um tarahumara fará de uma pintura azul e verde será forçosamente afetada pelas aptidões lingüísticas do espectador (MANGUEL, 2006, p. 33)

A imagem é polissêmica, isso é, pode ter diversos significados. Estes, por sua vez, estão inseridos em dois grupos designados denotativos e conotativos. Os denotativos referem-se àquilo que a imagem representa com "certa precisão", no seu sentido real; os conotativos, àquilo que a imagem pode "interpretar" em um determinado contexto, em um sentido figurado e simbólico.

Para alguns autores, entre os quais SANTAELLA (1998), TACCA (2005), RAHDE (1996) e PLAZA (1993), a imagem evoluiu em ciclos ou paradigmas que incluem: 1) os processos artesanais de criação da imagem (utilizam-se de instrumentos manuais tais como pincéis, cinzéis, lápis etc.); 2) os processos automáticos de captação da imagem (utilizam-se de equipamentos, principalmente aqueles ligados a fotografia, TV e vídeo); 3) os processos matemáticos de geração da imagem (utilizam-se de softwares e outros procedimentos que possibilitam a criação de imagens virtuais). Outros autores classificam apenas em duas categorias: 1) imagens tradicionais, que são semelhantes aos processos artesanais; 2) imagens técnicas, semelhantes aos processos automáticos e aos processos matemáticos.

A IMAGEM FOTOGRÁFICA

Fotografia é a arte de escrever com a luz - conforme a origem grega das palavras foto = luz, grafia = escrita - e, ao mesmo tempo, forma de expressão visual - segundo a origem oriental japonesa: sha-shin = reflexo da realidade. (LIMA, I. 1988, p. 17). Assim, na visão das autoras Lima e Silva (2007, p. 7), é

Uma combinação de luzes, penumbras e sombras que, em frações de segundos, se transforma num elemento visível e interpretável. Protagonista de incontáveis feitos científicos, artísticos, religiosos, psicológicos e afetivos do homem, é utilizada para captar, emocional, documental e plasticamente, a rotina de sociedades de origens e histórias diversas.

Aliada à tecnologia, vem permitindo aos fotógrafos registrarem o modo de viver (costumes, rituais, estímulos culturais e simbólicos), de pensar (filosofia), de sentir e de agir do homem, e de tudo o que está ao seu redor. Os fatos, a natureza em geral, e os personagens que servem como objeto de inspiração são captados pelo fotógrafo que expõe sua interpretação visual do mundo.

Por meio dela cria-se um "arquivo de vida", com o registro de todos os momentos considerados importantes, sejam de caráter estritamente pessoal ou de caráter coletivo, com enfoque particular ou profissional. Permite ainda o registro de fatos decisivos para o conhecimento da história, da cultura, da ciência, das artes, dos esportes, da moda, da política, enfim, da história da humanidade. Nas palavras de Aumont (2004, p.167), ela capta o tempo para restituí-lo depois ao espectador. Desse modo passou a fazer parte da rotina das pessoas, principalmente nos dias atuais, constituindo-se em "testemunha" - às vezes aceita com indiscutível credibilidade - de acontecimentos e fatos variados.

Capaz de capturar o acaso, eternizar determinado instante, a fotografia representa uma visão simbólica da imagem original, a partir do olhar de quem produziu aquela imagem. (COUTINHO, I. 2006, p. 339).

Exatamente por possuir um "olhar que a produziu", a fotografia tem certo grau de ilusão, pois, ao ser "construída", capta aquilo que o fotógrafo deseja mostrar com base em enquadramentos, ângulos de tomada, objetivas usadas, iluminação etc. Ainda assim

Desde o seu surgimento e ao longo de sua trajetória, até os nosso dias, a fotografia tem sido aceita e utilizada como prova definitiva, "testemunho da verdade" do fato ou dos fatos. Graças a sua natureza fisicoquímica - e hoje eletrônica - de registrar aspectos (selecionados) do real, tal como esses fatos se parecem, a fotografia ganhou elevado

status

de credibilidade (KOSSOY 2002, p. 19).

A fotografia traz em si uma mensagem que é produzida por alguém, transmitida por algum tipo de mídia e absorvida por um receptor que dela fará uso, mesmo que apenas no nível de uma visualização despretensiosa. Todavia, qualquer que seja o uso que dela irá fazer, o receptor, ao interpretá-la, será influenciado por suas próprias imagens mentais e por todo o aparato cognitivo, cultural, ideológico, religioso, político etc., que adquiriu durante os anos e que são parte de sua vida. Essas influências fazem com que uma mesma foto possa sofrer diversos tipos de interpretação quando vista por diferentes receptores.

A invenção da fotografia deu-se num contexto mundial de grandes transformações sociais, científicas, culturais e "tecnológicas" propiciadas pelo movimento da Revolução Industrial. Baseando-se nos princípios da câmara obscura, utilizada pelos pintores do Renascimento, a fotografia foi, talvez, não mais que um aperfeiçoamento desses princípios,

mas esse aperfeiçoamento permitiu estender a automatização até a própria inscrição da imagem. Enquanto era necessário a um pintor um longo tempo para refazer à mão, no fundo de uma

câmara obscura

ou num anteparo os contornos da imagem a ser reproduzida, bastavam algumas frações de segundo para capturar a imagem no suporte argêntico da fotografia. À automatização do registro da fotografia ainda acrescentou-se, graças à invenção do negativo, a automatização da reprodução da imagem original (GOUCHOT, 1993, p. 40)

As diferentes nações puderam registrar suas tradições, culturas, paisagens, arquiteturas e monumentos, personagens - desde as figuras mais comuns àquelas mais ilustres -, festas e acontecimentos em geral. Expedições científicas e exploratórias, grandes construções (ferrovias, estradas, açudes e prédios) e destruições (guerras, movimentos cataclísmicos) foram também documentadas. As pessoas sentiam a necessidade de se "deixarem fotografar" para a posteridade. Surgiram as fotos "posadas" de estúdio que retratam o indivíduo de modo solene e circunspeto. O homem se descobriu e descobriu o mundo adquirindo informações e conhecimentos que antes lhe chegavam apenas de forma escrita, oral e por meio de desenhos e pinturas.

O advento do cartão postal e o aparecimento das revistas ilustradas pictoricamente, em meados do século XIX e início do século XX, levaram ao uso de imagens em maior volume gerando a chamada "civilização da imagem". As pessoas necessitavam consumir informações imagéticas que "reforçavam" de certa maneira as informações contidas em jornais e revistas. Exceto por alguns poucos países em que a tradição escrita era muito arraigada - caso da França, por exemplo -, começou-se a mesclar texto e imagem nas informações jornalísticas. Ainda nesse período, as inovações tecnológicas "popularizaram" as câmeras fotográficas e muitos podiam fazer suas fotos e criar seu próprio "acervo" fotográfico.

No início do século XX, as revistas começaram a ilustrar com fotos suas matérias e anúncios, substituindo aos poucos as ilustrações pictóricas e, assim, mudando os paradigmas da comunicação de massa e de conhecimento do mundo. Hoje, principalmente com o advento da Internet, a imagem fotográfica faz parte do dia-a-dia das pessoas compondo, com a escrita e o som, o fundamento da comunicação. Por isso, "o estatuto de testemunho, portanto de verdade, da fotografia, viu-se reforçado quando multiplicado aos milhares e aos milhões. (KOSSOY, 2007, p. 160) (negrito nosso)

Mas existe "verdade" na fotografia? Segundo grande parte dos autores que tratam do assunto, a "verdade" fotográfica inexiste, uma vez que a imagem criada sofre influências do seu criador - o fotógrafo - e, posteriormente, do seu receptor - o público usuário. A composição da foto, de acordo com determinadas características técnicas, luzes, ponto de vista, objetivas etc., mostra a intenção do fotógrafo em produzir uma mensagem com um objetivo definido. Além disso, a imagem mental ea cognição do receptor podem alterar uma possível "verdade" pretendida pelo emissor da foto. Esse assunto será retomado mais adiante neste artigo, quando forem abordados os aspectos denotativos e conotativos da imagem. Antes, é interessante tratar daquilo que a fotografia mostra, ou seja, o seu referente.

O referente de uma imagem significa um objeto real preexistente a essa imagem, algo concreto ou conceitual que serviu de modelo ou inspirou sua elaboração. Na imagem fotográfica - por mais abstrata que seja - o referente é, necessariamente, real e concreto. O referente na imagem fotográfica é o testemunho de algo acontecido, fixado e "congelado" no tempo após um clique da câmera fotográfica. A imagem registrada mostrará eternamente aquele referente focalizado, que poderá ser apreciado por milhões de pessoas em diferentes épocas, com distintas interpretações. Simulará algo real que, mesmo que não possa ser visto, nos permitirá saber que existiu e foi fixado pela imagem fotográfica, tenha o fotógrafo "manipulado" ou não a elaboração dessa imagem. No século XIX, a fotografia era considerada uma

reprodução perfeita, a exata similitude de seu referente na natureza. Em nosso século essa idéia perdeu terreno para uma nova concepção que passou a ver na imagem uma recriação da realidade, isto é, uma versão do operador da câmera, sendo, portanto culturalmente dirigida. Apesar disso, o mito da fotografia como prova de realidade manteve-se, de certa forma, intacto para a grande maioria de seus receptores (HANTZSCHEL, 2007, p. 3).

De acordo com Kossoy (2007), no mundo da representação fotográfica existem duas realidades: a primeira realidade e a segunda realidade. A primeira diz respeito ao próprio referente, isso é, ao que será fotografado e também ao seu processo de representação. A segunda é a própria imagem fotográfica, resultado do registro da primeira realidade. Essa segunda realidade é sujeita a diferentes interpretações, conforme a visão dos receptores.

As fotografias, em geral, sobrevivem após o desaparecimento físico do referente (primeira realidade) que as originou: são os elos documentais e afetivos que perpetuam a memória. A cena gravada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível. As personagens retratadas envelhecem e morrem, os cenários se modificam, se transfiguram e também desaparecem.

[...] Desaparecida a segunda realidade - seja por ato voluntário ou involuntário - aquelas personagens morrem pela segunda vez. O visível fotográfico ali registrado desmaterializa-se. O ciclo da lembrança e da recordação é interrompido. (KOSSOY, 2001, p. 139).

Ao escolher um referente, o fotógrafo irá registrá-lo de acordo com a sua visão de composição e com os objetivos esperados para a imagem. O que será fotografado não é, portanto, algo aleatório. Baseia-se em necessidade encomendada com determinado propósito cultural, científico, comercial, publicitário etc., ou simplesmente para um fim estético e/ou artístico.

Conforme o seu destino, uma fotografia "falará" de forma mais correta segundo os parâmetros adotados na sua composição. Esses parâmetros fazem parte da própria análise e interpretação da imagem, feitas posteriormente pelo receptor. Por exemplo, se o que se pretende é destacar um homem específico dentro de determinado ambiente, deve-se elaborar uma composição que privilegie esse homem em relação aos demais elementos da cena, de forma a fazer com que o receptor tenha sua visão dirigida imediatamente para ele. Enquadramento, plano da objetiva e foco (profundidade de campo adequada ao objetivo da foto), aspectos cromáticos (cor ou preto e branco), tonalidade, contraste e brilho, posição do objeto a ser fotografado, regras dos terços, linhas, molduras, perspectivas, tipo de luz e intensidade, horizontalidade ou verticalidade, uso de objetivas adequadas. Todos esses elementos constituem a composição da imagem fotográfica e deverão estar consoantes com aquilo que ela pretende "falar".

Por mais que se procure criar uma imagem fotográfica bem definida quanto ao seu conteúdo e expressão, haverá sempre, quando da sua análise, muitas formas de interpretação pelos diversos receptores. Como foi visto, isso se deve aos diversificados níveis socioculturais e à vivência das pessoas. A imagem fotográfica - como todas as formas de imagem - é, portanto, polissêmica ou ambígua, ou seja, permite vários significados causados pelo seu sentido conotativo.

Dois sentidos fazem parte da fotografia quanto ao seu conteúdo: o sentido denotativo e o sentido conotativo. No sentido denotativo não há espaço para interpretações. O que o receptor enxerga e assimila é uma cópia literal, objetiva, prática e - na maioria das vezes - fiel de um determinado referente. É retratada uma ponte destruída sobre um rio, ela está ali e será vista por todos tal como é, ainda que sua cor original, por exemplo, tenha sido modificada pelo fotógrafo ou por algum editor de fotografia. A ponte é vista como sendo uma ponte em um estado de destruição. O rio será visto como um rio simplesmente. Se há alguma pessoa, esta será vista apenas como uma pessoa.

Essa cena, todavia, poderá ser interpretada de inúmeras maneiras por distintas pessoas. Algumas poderão interpretar a cena da ponte caída como sendo resultado de um tremor de terra, outras como uma implosão, outras como sendo resultado de um bombardeio numa guerra, e assim por diante. Essas diferentes interpretações dão um sentido conotativo à imagem, uma vez que a colocam em outros contextos, dando a ela novos sentidos carregados de valores distintos. Essas são formas conotativas "concretas", pois interpretam a cena observando os elementos constitutivos da imagem - a ponte, o rio, a pessoa etc. Outras formas de conotação mais "abstratas" poderiam também envolver essa imagem da ponte. Alguns receptores podem associá-la, por exemplo, à miséria (pelo efeito da destruição), à falta de manutenção pelas autoridades etc. Segundo Kossoy (2007, p. 61),

a imagem fotográfica vai além do que mostra em sua superfície. Naquilo que não tem explícito, o tema registrado tem sua explicação, seu porquê, sua história. Seu mistério se acha circunscrito, no espaço e no tempo, à própria imagem. Isto é próprio da natureza da fotografia: ela nos mostra alguma coisa, porém seu significado a ultrapassa.

Exatamente por ser polissêmica, ambígua e conotativa por natureza, gerando possibilidades de diversas interpretações, a maioria das imagens, quando utilizada em mídias de comunicação, vem acompanhada de títulos, legendas ou de algum outro tipo de identificação. O texto, nesse caso, supre deficiências da imagem e ambos se completam, permitindo inserir a imagem num contexto histórico-documental - no qual se identifica o seu contexto real de produção: como local, data, motivo, fato ou objeto representado etc. - e/ou indicando claramente o sentido conotativo - concreto ou abstrato - que o fotógrafo ou o editor de imagens quis dar a ela.

[...] na maioria das vezes o texto só faz amplificar um conjunto de conotações já incluídas na fotografia; mas às vezes também o texto produz (inventa) um significado inteiramente novo e que é de algum modo projetado retroativamente na imagem, a ponto de aí parecer denotado [...] (BARTHES, 2000, p. 334).

Todas as características da imagem fotográfica anteriormente mencionadas - composição, relação com um referente, primeira e segunda realidade, sentidos denotativos e conotativos, contexto histórico-documental -, bem como as questões ligadas às características dos seus produtores e receptores - imagens mentais, cognição, ambientação etc. - são fundamentais para a sua análise e tematização, assuntos que serão tratados no próximo tópico deste texto.

ANÁLISE E TEMATIZAÇÃO DE IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Análise Conceitual

Analisar conceitualmente uma imagem fotográfica implica determinar os seus sentidos denotativo e conotativo. Conforme o fim a que se destina - fins arquivísticos puramente históricodocumentais ou uso como ilustração ou composição de informação em mídias diversas -, a análise aprofunda-se em mais ou menos detalhes informativos.

Uma fotografia de um comício em praça pública, por exemplo, quando analisada para fins histórico-documentais, deverá incluir na sua análise e posterior indexação, informações concretas sobre o fato real (nome do evento, data, local, pessoas envolvidas etc.) que levaram à sua elaboração. Sem essas informações - e principalmente se não for armazenada com o conjunto de documentos ao qual pertence -, há uma perda do contexto documental, ainda que contenha uma série de informações sobre o referente. Nesse caso, o sentido denotativo da imagem estará bem determinado, e a mesma praticamente carecerá de outros sentidos conotativos além daquele que identifica o evento.

Entretanto, se a mesma fotografia tiver por finalidade apenas se constituir em um item de um banco de imagens de temas diversos para fins de ilustração ou composição de mídias fora do seu contexto histórico, os dados específicos acerca do evento não necessitam ser obrigatoriamente analisados e indexados - embora seja altamente desejável que isso ocorra. Ainda assim, permanece o sentido denotativo, que mostra a imagem do referente tal como ele é. Nesse caso, a imagem poderá ter vários sentidos conotativos que serão vistos e sentidos pelos diversos receptores.

Não importando o fim a que se destina, a análise de uma imagem fotográfica deve incluir não apenas uma leitura dos seus sentidos denotativo e conotativo. A composição da imagem, bem como as características dos produtores (fotógrafos) e receptores (público a que se destina), deve ser observada.

Ao ler uma imagem, é necessário observar que, além do aspecto objetivo, do domínio da técnica e do equipamento, existe um componente subjetivo que depende da vivência, da percepção e da sensibilidade do autor. Quando as pessoas se empenham em entender e dar sentido ao mundo, elas o fazem com emoção, com sentimento e com paixão. Portanto, não se busca mais na imagem fotográfica a coisa propriamente dita, mas a sua representação conceitual. Os valores culturais agregados ao sentido de ritmo e da relação entre formas e significados é o que vai reforçar a expressão do conteúdo de uma fotografia.

O conhecimento dos elementos da linguagem fotográfica, que é adquirido a partir de uma base técnica da realização da fotografia, possibilita uma maior compreensão da capacidade narrativa e do conteúdo dramático contido em cada foto. O que irá reforçar o conteúdo da imagem fotográfica é a disposição dos elementos para a composição do campo visual. No entanto, para a efetiva compreensão desta mensagem, o espectador irá buscar, em sua bagagem (memória visual) e na sua concepção de mundo, elementos de equivalência para chegar a uma dada interpretação (LIMA; SILVA, 2007, p. 7)

A maneira de analisar uma imagem é concebida de formas distintas por vários autores. Há, todavia, um senso comum que nomeia alguns aspectos que podem interferir diretamente no significado de uma imagem e que, por isso, precisam ser identificados. Muitos desses autores baseiam-se nas idéias de Panofsky (1976), que indica três níveis para a análise conceitual da imagem. Kossoy (2007, p. 47) é um desses autores e faz os seguintes comentários:

Para a análise e interpretação das fotografias nos apoiamos, em parte, nos conceitos de Erwin Panofsky - apesar de o autor ter proposto seu método para a representação pictórica - especialmente no que se refere à interpretação iconológica que corresponde ao nível interpretativo mais profundo, o "significado intrínseco". Na realidade, Panofsky propôs três etapas de interpretação: a descrição pré-iconográfica (nível primário ou natural), a análise iconográfica propriamente dita (secundário ou convencional) e o terceiro nível, mais profundo, que diferia dos anteriores, centrado na busca do significado intrínseco (ou conteúdo), que comporta vários valores simbólicos.

Manini (2007, p. 4) também sugere que se faça uma análise baseada nas idéias de Panofsky e propõe respostas para algumas perguntas extraídas da fotografia no momento da análise:

[....]

Quem

ou o que aparece na imagem (descrição ou nome das pessoas e/ou lugares);

Que

lugar aparece na imagem (localização espacial e geográfica);

Quando

foi realizada a tomada (indicação de data, tempo cronológico ou ocasião);

Como

são ou estão os principais elementos da imagem (complementação da descrição inicial feita do motivo principal da imagem);

O que

indica esta imagem (de que ela é o traço, a marca, o sinal). As respostas a estas perguntas devem ser dadas com base em informações concretas provenientes da imagem ou de seu referente. (negrito nosso)

Outros autores pesquisados mencionam ainda que muitos aspectos importantes devem ser observados no momento da análise:

Para Duarte (1998, p. 146),

1) o plano destaca a importância do tema em relação aos outros elementos presentes na imagem; 2) a composição confere seqüencialidade ou direcionalidade, levando o olhar a percorrer as imagens de acordo com um certo esquema que descobre pontos essenciais e os valoriza; 3) o enquadramento define a posição dos sujeitos em relação a margens da imagem; 4) as tomadas frontais, laterais têm sentido de ordem cultural; 5) a hierarquia de figuras - perceptiva ou narrativa - atribui sentidos diversos ao fixo e ao móvel, ao animado e ao inanimado. Assim, tamanho, enquadramento, formato, plano, tonalidade, contraste, nitidez, além de dados explícitos como indumentária, objetos, tecnologias conferem sentidos e significações.

Já Coutinho, I. (2006, p. 336 e 340) assinala que

Entre os aspectos destacados estariam o enquadramento, a perspectiva, a relação fundo/figura, a composição da imagem, a utilização da luz e cores. A relação entre os objetos representados e a função da mensagem visual. Desta forma, a imagem como texto visual a ser lido, seria marcada pela presença de diferentes maneiras de significar [...] Na análise da imagem fotográfica a qualidade técnica e estética, um dado a ser observado a partir dos elementos discutidos anteriormente, pode também revelar informações importantes sobre seu contexto de produção e ainda sobre sua importância ou significação em determinado momento histórico [...]. A posição da imagem, a presença ou não de texto, a utilização de moldura, cores devem ser interpretados pelo analista. Para alguns autores, a observação destes aspectos permitiria avaliar a função da fotografia em dada mensagem.

Finalmente, Costa (2005, p. 85) tece os seguintes comentários sobre a análise da imagem:

[...] nós, observadores, somos dotados da competência para a leitura de imagens e que é essa competência que faz das imagens unidades coerentes e com sentido. Utilizamos nesse processo não só nosso olhar, mas nossa capacidade de comparação, de fazer analogias e de desenvolver memória visual. Esse processo complexo resulta em inúmeras informações que podem ser organizadas em diferentes níveis:

1. informações técnicas: são as informações que nos permitem distinguir uma foto colorida de outra em branco e preto. Quanto mais conhecemos a respeito do processo fotográfico, mais dados técnicos somos capazes de perceber ou obter;

2. informações visuais: são aquelas que dizem respeito à configuração da imagem, ou seja, como ela foi concebida e os critérios estéticos utilizados. Nesse conjunto de dados está a identificação do fotógrafo e da maneira como ele organizou os elementos plásticos da imagem: qual o recorte que ele deu à cena, o que colocou ao centro, como utilizou a iluminação.

3. Informações textuais: são aquelas que obtemos do assunto tratado e da forma como é tratado.

4. Informações contextuais: são as informações que dizem respeito a tudo aquilo que se sabe sobre as razões e intenções do fotógrafo ao criar a fotografia.

Com base no pensamento dos autores anteriormente citados e de outros que falam sobre o assunto -, pode-se inferir que a análise da imagem deve ser feita de forma bastante criteriosa, cuidadosa e detalhista, para que se possa chegar a uma adequada tematização. Quaisquer aspectos considerados podem auxiliar na definição dos seus contextos históricodocumentais e de seus sentidos conotativos. Existem, inclusive, aspectos "não visíveis" na imagem e que, ao serem encontrados, podem acrescentar novos significados concretos ou abstratos à imagem. Em banco de dados temático destinado a fornecer informações imagéticas para pesquisas e mídias, os sentidos conotativos visíveis e invisíveis devem ser identificados a priori pelos especialistas em informação.

Tematização3 3 A definição de tematização pode ser vista na introdução deste trabalho

O uso de imagens fotográficas em documentos técnicocientíficos e, principalmente, em mídias diversas (jornais, revistas, peças publicitárias etc.), como parte da elaboração de matérias informativas, aumentou nos últimos anos, notadamente após o aparecimento e crescimento da tecnologia digital fotográfica e da facilidade de armazenamento de imagens em bancos de dados disponíveis via Internet. Em vista disso, a recuperação adequada dessas imagens é fator de preocupação por parte de especialistas de múltiplas áreas, de modo particular os da área de ciência da informação, que têm como uma de suas missões propiciar condições ideais de organização, armazenamento e recuperação de informações.

Muitas propostas desses especialistas ressaltam a necessidade de uma correta digitalização; outras valorizam os aspectos relacionados à indexação; outras, a importância de uma análise adequada do conteúdo da imagem. As propostas oriundas da arquivística, de forma procedente, enfatizam a obrigatoriedade de se vincularem as imagens fotográficas sempre ao seu contexto documental, mantendo-as associadas ao seu organismo produtor. Mas o que se nota é que, de maneira geral, as propostas decorrentes de trabalhos de experimentados autores falam, em grande parte, de se trabalhar com a "imagem visível", ou seja, aquela imagem aparente na fotografia. Quando se fala em sentido conotativo da imagem, a menção é feita, comumente, às possíveis interpretações daquela imagem que é visível, isso é, o sentido conotativo concreto da imagem. Poucos textos, todavia, tratam do sentido conotativo abstrato da imagem, dos significados implícitos e não visíveis, embora esses significados possam ser bastante explorados para a composição de informações. Neste tópico serão abordadas duas formas de sentido conotativo, com algumas idéias de como é possível analisar e tematizar uma imagem previamente ao seu uso pelo receptor.

As imagens, na amplitude de seu sentido conotativo - concreto e abstrato - são passíveis de inúmeras utilizações, no todo ou em parte, para diferentes objetivos, dependendo apenas da contextualização que se dê a elas, seja por meio de legendas, títulos, textos ou ainda pela pura inserção das mesmas em matérias técnico-científicas ou informativas. Muitas vezes, ao precisar de uma fotografia para compor um documento, o receptor vai em busca de imagens de arquivo "notadamente no contexto das bases de dados e nos sistemas de busca disponíveis na Internet". (SIMEÃO, 2007). Outras vezes, segundo sua necessidade, elabora a foto de acordo com o tema do assunto a ser tratado, principalmente quando esse assunto é extremamente específico. A posse de um presidente, por exemplo, deverá ser documentada in loco para registrar o fato. As imagens decorrentes farão parte de arquivos histórico-documentais e poderão ser aproveitadas sempre que o assunto a ser ilustrado fizer referência àquela posse específica. Todavia, a foto do presidente, tirada no dia de sua posse, poderá posteriormente ser usada em outros contextos bastante distintos, desde que tematizada para isso. Ainda segundo SIMEÃO (2007),

Seja para utilização em jornais ou revistas ou como elemento complementar a pesquisas de natureza histórica, a imagem ganha seu contorno definitivo como informação quando é

tematizada

pelo usuário-pesquisador.

Também Lopez (2000, p. 19) pondera sobre a tematização da imagem fotográfica quando afirma:

As reciclagens e reproduções de documentos imagéticos são fenômenos comuns [...] Aquela imagem de formatura de Dr. Fulano pode eventualmente vir a ser reproduzida por um jornal. Nesse caso, o conteúdo informativo primário permanece igual, porém torna-se um documento absolutamente diferente em termos de

arquivística.

A busca de imagens pelo receptor, para ser bem-sucedida, deve ser feita com adequada estratégia de pesquisa nas bases de dados imagéticas. Todavia, a maioria dessas bases elabora a indexação dos conteúdos levando em conta apenas a análise descritiva da imagem, ou seja, o seu conteúdo visível. Quando fazem uma análise que inclui o sentido conotativo, fazem-na abordando apenas o óbvio, o concreto, o visível, dentro de um enfoque temático único.

Constantemente o que se vê é o receptor tematizar a sua necessidade e, a partir daí, iniciar sua busca em diferentes bases de imagens, tendo como parâmetro não apenas o tema objeto de sua pesquisa, mas vários temas correlatos sob os quais esperaencontrar o que procura. Às vezes as imagens encontradas são pertinentes ao assunto de interesse, mas não são adequadas às necessidades, já que estão indexadas, mas não tematizadas. Uma pesquisa sobre imagens que reflitam tristeza, por exemplo, deveria apresentar imagens diferenciadas conforme as diversas tematizações requeridas: dor, morte, esporte, fome, amor etc. Nas palavras de Brasil (2005, p. IX),

Quem quer que já tenha se deparado com a necessidade de utilização de imagens previamente produzidas para a construção de um novo produto sabe da importância de instrumentos que permitam classificar adequadamente essas imagens. A dificuldade de localizar tais instrumentos deve-se a muitos fatores, em particular à multiplicidade de leituras existentes em cada imagem.

Lopez (2005, p. 107) comenta que:

A respeito da referenciação temática da imagem, o filósofo Max Black indica a impossibilidade de alguém encontrar, em um grande conjunto de documentos fotográficos, uma determinada imagem, tendo como base apenas um enunciado que, a principio, a traduziria.

Nesse caso, o enunciado - ou assunto - careceria de um tema para contextualizá-lo.

A maneira de analisar uma imagem é concebida de formas distintas por vários autores, como pôde ser visto no tópico anterior. Há, porém, um senso comum que nomeia alguns aspectos que podem interferir diretamente no significado de uma imagem e que, por isso, precisam ser identificados. Com base nesse senso comum, podem-se propor os seguintes elementos para a análise e tematização da imagem fotográfica:

1. descrição física (formato e tamanho da imagem fotográfica, tipo de suporte, autor, transformações ocorridas a partir do original etc.);

2. composição (objetiva e filtros utilizados, abertura e tempo de exposição, tipo de luz, nível de nitidez dos assuntos, ponto de vista do fotógrafo, profundidade de campo e hierarquia das figuras, enquadramento etc.);

3. contexto arquivístico da foto (relação da mesma com determinado fato ou documento);

4. conteúdo da foto ou assunto - sentido denotativo da foto (descrição do que a foto contém);

5. sentidos conotativos da foto (descrição dos sentidos conotativos concretos e abstratos que a foto pode conter).

6. tematização (enquadrar os sentidos conotativos nos temas que lhes forem adequados)

Pelo que se depreende, um bom sistema de recuperação de imagens deverá permitir não apenas as análises denotativa e conotativa da imagem fotográfica, mas também a sua inserção em diferentes contextos tematizados, seja da foto como um todo, seja de cenas que a compõem. Ao analisar uma fotografia - além dos aspectos já comentados anteriormente, quando se mencionou a análise da imagem -, o responsável pela análise e indexação deverá ter a capacidade de encontrar todos os sentidos conotativos - concretos e abstratos - existentes na imagem, bem como as possíveis tematizações - possibilidades de uso - em que poderão ser utilizados. Essa etapa conceitual é de suma importância, pois refletirá na qualidade das respostas, quaisquer que venham a ser os sistemas de recuperação de imagens (manuais ou automatizados) utilizados. Por sua vez, de posse das respostas requeridas, caberá ao receptor fazer adequada tematização de seu uso, em especial quando se tratar de mídias informativas nas quais a imagem assume um papel de grande relevância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvida de que o mundo de hoje é um mundo eminentemente imagético e que a fotografia é o seu representante maior, compondo com a escrita e o som a hipermidiação da comunicação extensiva moderna. Devido a isso, os meios de comunicação tradicionais ou informatizados - principalmente jornais, revistas e mídias publicitárias - necessitam de mecanismos que possibilitem, de forma rápida, segura, eficaz e eficiente, a recuperação de imagens fotográficas adequadas aos temas de suas matérias.

As seis etapas propostas no final do tópico anterior são de grande importância num sistema de análise e recuperação de imagens fotográficas, em particular a etapa seis, que permite o direcionamento de um assunto ao sentido ou tema desejado pelo pesquisador. Cada serviço de informação deveria criar sistemas que viabilizassem, de maneira antecipada, a tematização das imagens analisadas, de acordo com as necessidades e demandas de seus usuários. Assim, ao preparar um documento técnicocientífico, uma matéria informativa para um jornal ou revista, uma peça publicitária (ou qualquer outro documento que requeira o uso de uma fotografia), o usuário teria a certeza de encontrar material diretamente relacionado ao seu tema. Não correria o risco de, por exemplo, ao procurar uma foto de um menino sorrindo, para uma matéria sobre crianças, encontrar a foto do sorriso de uma hiena.

Artigo recebido em 14/12/2007 e aceito para publicação em 16/05/2008.

  • AUMONT, Jacques. A imagem. 9. ed. Campinas: Papirus, 2004. 320 p.
  • AZEVEDO NETO, Carlos Xavier; FREIRE, Bernardina Maria Juvenal; PEREIRA, Perpétua. A representação de imagens no acervo da Biblioteca Digital Paulo Freire: proposta e percursos. Ciência da Informação, Brasília, v. 33, n. 3, p. 17-25, set./dez. 2004.
  • BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 325-338.
  • dspace/bitstream/1904/19364/1/Lidia+Basoli.pdf> Acesso em: 2008.
  • BRASIL, Antônio Cláudio. A revolução das imagens. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2005. 161 p.
  • CAMARGO, Luis. A relação entre imagem e texto na ilustração de poesia infantil. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/poesiainfantilport.htm>. Acesso em: 28 nov. 2007.
  • COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005. 198 p.
  • COUCHOT, Edmund. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração. In: PARENTE, André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. p. 37-48.
  • COUTINHO, Iluska. Leitura e análise da imagem. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antônio (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006.
  • COUTINHO, Pedro. O leitor interpelado: movimentos diante do Outro no fotojornalismo. In: VAZ, Paulo Bernardo. (Org.). Narrativas fotográficas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 91-109.
  • CRUZ, Maria Tereza. Teoria da imagem e da representação. Disponível em: <http://historiadaarte.no.sapo.pt/tir.doc> Acesso em: 25 nov. 2007.
  • DUARTE, Elizabeth Bastos. Sobre o texto fotográfico. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia Meialves de; BRITO, Yvana Carla Fechine de. (Org.). Imagens técnicas. São Paulo: Hacker Editores, 1998. p. 139-148.
  • DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994.
  • FREUND, Gisele. Fotografia e sociedade. Lisboa: Veja, 1995.
  • HANTZSCHEL, Ricardo. Ilusão e credibilidade na imagem fotográfica: 1999-2000. Monografia (Pós-graduação)- Senac, São Paulo. Disponível em <http://www.fotopositivo.com.br/tese/tese.html>. Acesso em: 21 nov. 2007.
  • KOSSOY, Boris. Fotografia & história. São Paulo: Ateliê, 2001. 168 p.
  • ______. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê, 2002. 149 p.
  • ______ . Os tempos da fotografia. São Paulo: Ateliê, 2007. 174 p.
  • LIMA, Cláudia Albuquerque de; SILVA, Nerivanha Maria Bezerra da. Representações em imagens equivalentes. Disponível em: <www.bocc.ubi.pt/pag/lima-claudiaimagens-equivalentes.pdf>. Acesso em: 04 out. 2007.
  • LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 368 p.
  • LOPEZ, André Porto Ancona. As razões e os sentidos. 2000. 246 p. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
  • MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e de ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 358 p.
  • MANINI, Miriam Paula. Análise documentária de imagens. Disponível em: <http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/313/236>. Acesso em: 01 dez. 2007.
  • MAUAD, Ana Maria. Fotografia e história: possibilidades de análise. In: CIAVATTA, Maria; ALVES, Nilda (Org.). A leitura de imagens na pesquisa social: história, comunicação e educação. São Paulo: Cortez, 2004. p. 19-36.
  • MIRANDA, Antônio; SIMEÃO, Elmira. Ciência da informação: teoria e metodologia de uma área em expansão. Brasília: Thesaurus, 2003. 212 p.
  • PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. 440p.
  • PENN, Gemma. Análise semiótica de imagens paradas. In: BAUER, Martin W.; GASKELL (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004.
  • PLAZA, Júlio. As imagens de terceira geração, técno-poéticas. In: PARENTE, André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. p. 72-88.
  • RAHDE, Maria Beatriz. Origens e evolução da história em quadrinhos. Revista FAMECOS, n. 5, p. 103-106, nov. 1996.
  • RAMOS, Menandro. Um breve ensaio sobre a fotografia e a leitura crítica do discurso fotográfico. Disponível em: <www.studium.iar.unicamp.br/23/menandro/index.html>. Acesso em: 03 set. 2007.
  • RIBEIRO, José Carlos S.; JUCÁ. Vládia Jamile. Imagens, textualidade escrita e textualidade oral. Disponível em: <www.facom.ufba.br/hipertexto/experien.html>. Acesso em: 07 nov. 2007.
  • SANTAELLA, Lúcia. Três paradigmas da imagem: gradações e misturas. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia Mei alves de; BRITO, Yvana Carla Fechine de (Org.). Imagens técnicas. São Paulo: Hacker Editores, 1998. p. 167-178.
  • SIMEÃO, Elmira; RODRIGUES, Ricardo Crisafulli. Tematização da imagem e criação de discursos: estudo sobre aspectos gerais de análise da imagem como fonte de informação. Brasília: UnB, 2007. 4 p. Texto preliminar preparado para submissão ao VIII ENANCIB.
  • SONTANG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
  • TACCA, Fernando de. Imagem fotográfica: aparelho, representação e significação. Psicolgia & Sociedade, v. 17, n. 3, p. 9-17, set./dez. 2005.
  • TAVARES, Frederico de Mello Brandão. Um outro nos cadernos "cidade" In.: VAZ, Paulo Bernardo (Org.). Narrativas fotográficas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 59-89.
  • VILCHES, Lorenzo. A migração digital. São Paulo: Loyola, 2003. 280 p.
  • WERTHEIN, Jorge. O poder da imagem e a integração regional. Correio Braziliense, Brasília, 11 mar. 2007.
  • 1
    Sentido conotativo refere-se às diversas interpretações que uma imagem fotográfica pode ter. Sentido denotativo refere-se àquilo que é realmente visível na imagem.
  • 2
    A tematização de uma imagem não deve ser confundida com a indexação ou classificação dessa imagem. Uma foto de uma criança chorando sozinha numa praia, por exemplo, pode ser indexada por CRIANÇA, CHORO, PRAIA, MAR etc. Todavia essa foto pode ser contextualizada (
    tematizada) para ilustrar matérias de diferentes conteúdos temáticos como, por exemplo, CRIANÇAS ABANDONADAS, FOME, CRIANÇAS MANHOSAS, ACIDENTES INFANTIS etc. Qualquer que seja a
    tematização os termos de indexação serão sempre os mesmos. Na base de dados, sob a expressão
    tematizada CRIANÇAS ABANDONADAS poderão vir centenas de termos que indexam outras fotos de assuntos os mais diversos, mas que podem ilustrar o tema CRIANÇAS ABANDONADAS como, por exemplo, ORFANATOS, MENDIGOS, FLANELINHAS etc.
  • 3
    A definição de tematização pode ser vista na introdução deste trabalho
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      14 Dez 2007
    • Aceito
      16 Maio 2008
    IBICT SAS, Quadra 5, Lote 6, Bloco H, 70070-914 Brasília DF - Brazil, Tel.: (55 61) 3217-6360 / 3217-6350, Fax: (55 61) 321.6490 - Brasília - DF - Brazil
    E-mail: ciinf@ibict.br