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Parâmetros microbiológicos indicadores do efeito do diuron sobre a microflora do solo

Microbiological parameters indicators of the effect of diuron on soil microflora

Resumos

A biomassa microbiana (Cmic), a respiração básica (RB), as razões Cmic:Corg e o qCO2 foram usados para avaliar o efeito do herbicida diuron, nas dosagens de 0, 2 e 20 mig g-1 , na microflora do solo. O estudo foi conduzido em dois solos com texturas diferentes, e as avaliações, realizadas aos 0, 3, 10, 20 e 33 dias após a aplicação do pesticida. No solo mais argiloso, o Cmic e a razão Cmic:Corg forneceram resultados semelhantes quanto ao efeito prejudicial do diuron. A RB não foi afetada pelo diuron. O qCO2 foi o único parâmetro capaz de demonstrar uma diferenciação no efeito prejudicial entre doses. No solo mais arenoso não se detectou efeito do diuron.


Microbial biomass (Cmic), basal respiration (BR), Cmic:Corg ration and the qCO2 were used to evaluate the influence of 0, 2 and 20 mug g-1 of the herbicide diuron on the soil microflora. The study was carried out with two soil types. Evaluations were made at 0, 3, 10, 20 and 33 days after the herbicide application. In the more clayed soil, the Cmic and the ration Cmic:Corg gave similar results in relation to the effect of diuron. The BR was not affected by diuron application. The qCO2 was the only parameter able to demonstrate a differentiation between the doses. In the more sandy soil it was not possible to detect any effect of the herbicide.


NOTAS CIENTÍFICAS

Parâmetros microbiológicos indicadores do efeito do diuron sobre a microflora do solo1 1 Aceito para publicação em 2 de setembro de 1998. 2 Eng ª Agr ª, Dr ª, Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental (CNPMA), Caixa Postal 69, CEP 13820-000 Jaguariúna, SP. E-mail: rosana@cnpma.embrapa.br

Rosana Faria Vieira2 1 Aceito para publicação em 2 de setembro de 1998. 2 Eng ª Agr ª, Dr ª, Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental (CNPMA), Caixa Postal 69, CEP 13820-000 Jaguariúna, SP. E-mail: rosana@cnpma.embrapa.br

RESUMO - A biomassa microbiana (Cmic), a respiração básica (RB), as razões Cmic:Corg e o qCO2 foram usados para avaliar o efeito do herbicida diuron, nas dosagens de 0, 2 e 20 mg g-1 , na microflora do solo. O estudo foi conduzido em dois solos com texturas diferentes, e as avaliações, realizadas aos 0, 3, 10, 20 e 33 dias após a aplicação do pesticida. No solo mais argiloso, o Cmic e a razão Cmic:Corg forneceram resultados semelhantes quanto ao efeito prejudicial do diuron. A RB não foi afetada pelo diuron. O qCO2 foi o único parâmetro capaz de demonstrar uma diferenciação no efeito prejudicial entre doses. No solo mais arenoso não se detectou efeito do diuron.

Microbiological parameters indicators of the effect of diuron on soil microflora

ABSTRACT - Microbial biomass (Cmic), basal respiration (BR), Cmic:Corg ration and the qCO2 were used to evaluate the influence of 0, 2 and 20 mg g-1 of the herbicide diuron on the soil microflora. The study was carried out with two soil types. Evaluations were made at 0, 3, 10, 20 and 33 days after the herbicide application. In the more clayed soil, the Cmic and the ration Cmic:Corg gave similar results in relation to the effect of diuron. The BR was not affected by diuron application. The qCO2 was the only parameter able to demonstrate a differentiation between the doses. In the more sandy soil it was not possible to detect any effect of the herbicide.

Quando os herbicidas são aplicados em sistemas agrícolas, podem exercer certos efeitos prejudiciais sobre a microflora do solo (Duah-Yentumi & Johnson, 1986; Wardle & Parkinson, 1990). Isso pode influenciar a fertilidade do solo, uma vez que aqueles organismos têm importante papel nos seus ciclos biogeoquímicos, além de atuarem como um "pool" altamente lábil de nutrientes que são rapidamente ciclados.

Vários parâmetros, tais como atividade enzimática, nitrificação, respiração do solo (Domsch et al., 1983) e denitrificação (Yeomans & Bremner, 1987), têm sido utilizados na determinação do efeito de herbicidas sobre os microrganismos do solo. Segundo Wardle & Parkinson (1990), um aspecto que tem recebido pouca atenção é a influência de pesticidas sobre a biomassa microbiana do solo. Harden et al. (1993) observaram, quase sempre, redução no tamanho da biomassa microbiana em decorrência da aplicação ao solo de quatro herbicidas e do fungicida benomyl.

A microflora do solo pode também ser caracterizada pela eficiência no uso de energia, obtida por meio da relação entre respiração básica e biomassa microbiana (coeficiente metabólico para CO2 ou qCO2) (Domsch & Anderson, 1993). Alto qCO2 indica estresse, causado pela compactação do solo, por pesticidas, pela toxidez de metais pesados (Wardle & Ghani, 1995).

A razão C da biomassa microbiana para C orgânico do solo (Cmic:Corg) também responde prontamente a efeitos de distúrbios no solo (Wardle, 1992). São poucos, porém, os estudos que consideram as relações Cmic:Corg e o qCO2 como possíveis bioindicadores de efeitos detrimentais de herbicidas na microflora do solo.

O presente trabalho teve como objetivo verificar o efeito do diuron na biomassa microbiana e na respiração dos microrganismos do solo de diferentes texturas. Procurou-se também avaliar, juntamente com as razões qCO2 e Cmic:Corg o melhor parâmetro indicador do efeito do diuron na microflora do solo.

Os solos utilizados neste estudo ¾ um mais argiloso e um mais arenoso ¾ foram coletados em Jaguariúna, Estado de São Paulo, em fevereiro de 1997, em áreas não cultivadas e classificados como Latossolos Vermelho-Amarelos. As características químicas do solo franco-argilo-arenoso (areia grossa, 61%; areia fina, 13%; silte, 5%; argila, 21%) e do solo argilo-arenoso (areia grossa, 43%; areia fina, 13%; silte, 4%; argila, 40%) são apresentadas a seguir: Solo franco-argilo-arenoso: pH (H2O), 4,0; MO, 33,5 g dm-3 ; P (Mehlich 1), 1,2 mg dm-3; K, 3,6 cmolc dm-3; e 1,5, 0,2, 0,4 e 4,8 cmolc dm-3, respectivamente, de Al, Ca, Mg e H+Al; Solo argilo-arenoso: pH (H2O), 5,3; MO, 36,1%; P, 4,2 mg dm-3; K 8,3 cmolc dm-3; e 0,1, 1,5, 0,9 e 1,5 cmolc dm-3, respectivamente, de Al, Ca, Mg e H+Al. O solo mais arenoso apresentou, ainda: V, 11,6% e m, 70,4%, e o mais argiloso: V, 62,8%, e m, 3,8%. Ambos os solos foram amostrados a uma profundidade de 0 - 15 cm.

No laboratório, esses solos passaram por peneiras de 2 mm, e foram, em seguida, homogeneizados e mantidos, com a umidade proveniente do campo, à temperatura de 5ºC, durante três dias.

Os tratamentos obedeceram ao esquema fatorial (2x3x4)+1, em que os fatores foram: tipos de solos, doses de diuron (0, 1 e 2) e épocas de avaliação (3, 10, 20 e 33 dias após a aplicação do herbicida). O tratamento extra refere-se à avaliação inicial do solo, sem o diuron. A dose 1 do diuron é a indicada no controle da flora invasora nas culturas de milho e cana-de-açúcar, ou seja, 2 mg do produto comercial L-1 de água (2 µg g-1 de solo). A dose 2 foi dez vezes maior que a dose 1. Foram usadas três repetições.

Cada tratamento foi constituído de 150 g de solo seco. O diuron foi aplicado, juntamente com a água, em quantidade suficiente para atingir 70% da capacidade de campo de cada solo. Os solos úmidos foram incubados a 26ºC, no escuro.

O C da biomassa microbiana (Cmic) de cada tratamento foi determinado pelo método de fumigação-extração, descrito por Vance et al. (1987). Os solos retirados de cada amostra foram divididos em partes iguais de 35 g: uma, foi fumigada com clorofórmio livre de etanol, e a outra, não. Em ambos os casos, o C orgânico foi extraído com K2SO4 0,5 M e quantificados pela técnica de oxidação do dicromato de potássio. O C da biomassa microbiana do solo foi calculado por meio da relação Cmic = Ec/0,33, em que Ec é o C orgânico extraído do solo fumigado, menos o C orgânico extraído do solo não fumigado.

A respiração básica (RB) dos vários tratamentos foi quantificada segundo metodologia descrita por Alef (1995). Quarenta e cinco gramas de solo de cada tratamento foram colocados em frascos herméticos com 10 mL de NaOH 1N e incubados no escuro, a 25 ± 2ºC, por 10 dias. A quantificação do CO2-C foi feita por meio da titulação do NaOH com HCl 0,5N.

As razões Cmic:Corg e o qCO2 (razão entre taxa de respiração e C da biomassa) foram calculados individualmente em relação a cada amostra. Todos os cálculos foram realizados tomando-se por base o peso da amostra seca a 1050C, por 24 horas.

No solo mais argiloso, o Cmic, em todos os níveis de diuron, seguiu a mesma tendência de aumento de crescimento até o vigésimo dia, decaindo de modo acentuado aos 33 dias, notadamente nos tratamentos que receberam o herbicida (Fig. 1). Aos 20 e aos 33 dias, o decréscimo médio no Cmic, em decorrência da aplicação do diuron foi de 15 e 56%, em média, respectivamente, no tocante às duas doses do herbicida. A respiração, nesse solo, não foi afetada pelas doses de diuron; houve apenas efeito das épocas de determinação, ou seja, ela foi máxima no 3º dia, caindo, em média, 44% no 10º e 20º dia, e subindo novamente no 33º dia (Fig. 1). A relação Cmic:Corg teve a mesma tendência observada no Cmic, isto é, o diuron foi prejudicial aos 20 dias e, principalmente, aos 33 dias, com 34 e 56% de diminuição, em média, respectivamente, no tocante às duas doses de diuron (Fig. 1). Portanto, ambas as variáveis permitiram a mesma constatação quanto ao efeito do herbicida sobre a microflora do solo. O qCO2 no 3º dia foi alto em todos os tratamentos em decorrência da alta respiração observada neste período. Esta alta respiração está, possivelmente, relacionada à adaptação dos microrganismos às novas condições ambientais a que foram submetidos. O qCO2 declinou posteriormente até o 20º dia, igualmente, em todos os tratamentos. No 33º dia, ocorreu uma diferenciação deste parâmetro entre os tratamentos com 2 e 20 mg g-1 de diuron; neste período, o qCO2 apresentou um aumento de 71% e 140%, respectivamente, em relação à testemunha (Fig. 1). Este maior qCO2 ocorreu, provavelmente, em decorrência do aumento da taxa de respiração, observado no último dia de avaliação, sem um correspondente incremento na biomassa. Segundo Odum (1985), tal aumento na respiração da comunidade pode ser sinal de estresse, nesse caso, devido ao pesticida, uma vez que reparos nos danos causados pelo agente estressante poderia requerer o desvio da energia de crescimento e produção, para a manutenção.


Quanto aos resultados referentes ao solo mais arenoso, verifica-se que, em relação ao Cmic, a tendência de crescimento foi a mesma observada no solo mais argiloso, ou seja, com valores máximos aos 20 dias, e posterior decréscimo aos 33 dias. Isto poderia indicar uma diminuição acentuada de fontes energéticas, para crescimento da microflora, a partir da última data de avaliação. Nesse solo, o herbicida não demonstrou efeito aos 20 dias e, aos 33 dias, houve apenas uma tendência a menor Cmic com a maior dose do pesticida (Fig. 2). A respiração apresentou um decréscimo de 31% no terceiro dia com a dose 1 de diuron e de 47% aos 20 dias com a dose 2. Aos três dias, o provável efeito significativo do herbicida na dose 1 esteve ligado à variação dos dados obtidos nessa época. Aos 33 dias, não houve efeito do herbicida na respiração. A razão Cmic:Corg seguiu a mesma tendência de aumento e queda observada no Cmic, porém não houve efeito da aplicação do diuron. O qCO2 apresentou a mesma tendência de queda do 3º para o 20ºdia de avaliação, verificado no solo mais argiloso. Contrariamente a esse solo, porém, a tendência de aumento no qCO2 observado no 33º dia ocorreu em todos os tratamentos. Isto pode indicar a ação de algum fator estressante nas condições de crescimento, que pode ter mascarado o efeito do diuron no solo arenoso. A ocorrência de tal fator se faz visível também ao se analisar os dados de Cmic. Do 20º dia para o 33º dia de crescimento, houve decréscimo de 45% no Cmic em todos os tratamentos, independentemente da aplicação do diuron. No solo mais argiloso, o decréscimo no Cmic, observado no tratamento-controle, não foi significativo em relação à época anterior, ao passo que nos tratamentos com diuron, os Cmic apresentaram um declínio de mais de 50%. O decréscimo no teor de umidade do solo arenoso ao longo do experimento pode ter contribuído para a quase-ausência de resposta deste solo à aplicação do diuron e pode ser o fator estressante a que nos referimos acima. A umidade caiu de 9,06% (70% CC) para 5,92% (45% CC), da montagem do ensaio à última avaliação, aos 33 dias. Tal fato não ocorreu com o solo mais argiloso, no qual a umidade se manteve entre 13% e 11,5% (70% e 60% CC) durante todo o período experimental.


É importante observar, neste trabalho, que o seu período de condução foi extremamente importante para que o efeito do diuron na microflora do solo pudesse ser detectado. No solo mais argiloso, o efeito detrimental do herbicida sobre o Cmic somente foi notado a partir do 20º dia de avaliação.

O efeito do diuron na microflora do solo, caracterizado pela razão Cmic:Corg, tende a dar a mesma resposta observada com a variável Cmic. Mesmo no caso do solo mais arenoso, onde os dados dessas variáveis não diferiram significativamente entre os tratamentos, observa-se esta tendência. A diferenciação do efeito detrimental das doses 1 e 2 de diuron, medido pelo qCO2 , aos 33 dias, no solo mais argiloso, ocorreu mesmo que o Cmic não tenha diferido significativamente nessas doses. Isto demonstra que o parâmetro qCO2 é altamente sensível para medir efeitos do diuron. Outro fator que torna o qCO2 um parâmetro adequado para a identificação de distúrbios na microflora do solo, causados pela aplicação do diuron, decorre do fato de que embora o Cmic diminuísse de maneira previsível com a adição do pesticida, tal fato não ocorreu com a taxa de respiração.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Aceito para publicação em 2 de setembro de 1998.
    2
    Eng
    ª Agr
    ª, Dr
    ª, Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental (CNPMA), Caixa Postal 69, CEP 13820-000 Jaguariúna, SP. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jun 2006
    • Data do Fascículo
      Maio 1999
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