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Características de sementes de gramíneas nativas do cerrado

Characteristics of seeds of native grasses from "cerrado"

Resumos

Avaliaram-se características de sementes de 22 espécies de gramíneas nativas do cerrado, como: ocorrência de esterilidade, massa de sementes cheias e vazias, possibilidade de ventilação e quantidade de sementes por peso. As espécies dos gêneros Aristida, Ctenium, Diectiomis e Schizachyrium apresentaram os maiores índices de espiguetas férteis (superior a 50%), enquanto as dos gêneros Andropogon e Hypogynium apresentaram valores intermediários (25-49%); em Paspalum, Setaria e Thrazya, a ocorrência de espiguetas férteis foi baixa (5-24%), e em Axonopus, muito baixa (inferior a 5%). O número médio de sementes cheias por grama variou de 20 em Paspalum reduncum a quase 3.000 em Aristida gibbosa; esta informação é importante na determinação da taxa de semeadura. As espécies consideradas palhentas, a respeito das quais recomenda-se o uso de desaristadores no beneficiamento, são as seguintes: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum e Schizachyrium microstachyum. As espécies classificadas como não palhentas, para as quais pode-se recomendar a ventilação, são: Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata e Thrasya glaziovii.

desaristamento; espiguetas; esterilidade de sementes; massa; taxa de semeadura; ventilação


Some characteristics of seeds of 22 native grass species from cerrado region in Brazil, such as sterility, weight of full and empty seeds, possibility of ventilation and number of seeds per weight were evaluated. Species of the genus Aristida, Ctenium, Diectiomis and Schizachyrium showed the highest levels of fertile spikelets (higher than 50%); Andropogon and Hypogynium showed levels of fertile spikelets between 25-49%; whereas in Paspalum, Setaria and Thrazya the occurrence of fertile spikelets varied from 5 to 24% and in Axonopus it was lower than 5%. The average number of full seeds per gram varied from 20 in Paspalum reduncum to almost 3,000 in Aristida gibbosa, which affects the rate of sowing. The seeds classified as "hairy", with which the use of "de-awners" during processing is recommended, belonged to the species: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum and Schizachyrium microstachyum. The species classified as non "hairy", with which ventilation can be recommended, were: Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata and Thrasya glaziovii.

de-awn; spikelets; sterility of seeds; weight; rate of sowing; ventilation


Características de sementes de gramíneas nativas do cerrado1 1 Aceito para publicação em 20 de outubro de 1998. 2 Eng. Agr., Ph.D., Fac. Agronomia e Med. Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Caixa Postal 04508, CEP 70910-970 Brasília, DF. E-mail: rcarmona@unb.br. 3 Eng. Flor., M.Sc., IBAMA/DIREC/DEUC, Av. W4 N, SAIN, CEP 70800-200 Brasília, DF. 4 Acadêmica de Agronomia, Fac. Agronomia e Med. Veterinária, UnB.

Ricardo Carmona2 1 Aceito para publicação em 20 de outubro de 1998. 2 Eng. Agr., Ph.D., Fac. Agronomia e Med. Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Caixa Postal 04508, CEP 70910-970 Brasília, DF. E-mail: rcarmona@unb.br. 3 Eng. Flor., M.Sc., IBAMA/DIREC/DEUC, Av. W4 N, SAIN, CEP 70800-200 Brasília, DF. 4 Acadêmica de Agronomia, Fac. Agronomia e Med. Veterinária, UnB. , Carlos Romero Martins3 1 Aceito para publicação em 20 de outubro de 1998. 2 Eng. Agr., Ph.D., Fac. Agronomia e Med. Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Caixa Postal 04508, CEP 70910-970 Brasília, DF. E-mail: rcarmona@unb.br. 3 Eng. Flor., M.Sc., IBAMA/DIREC/DEUC, Av. W4 N, SAIN, CEP 70800-200 Brasília, DF. 4 Acadêmica de Agronomia, Fac. Agronomia e Med. Veterinária, UnB. e Alessandra Pereira Fávero4 1 Aceito para publicação em 20 de outubro de 1998. 2 Eng. Agr., Ph.D., Fac. Agronomia e Med. Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Caixa Postal 04508, CEP 70910-970 Brasília, DF. E-mail: rcarmona@unb.br. 3 Eng. Flor., M.Sc., IBAMA/DIREC/DEUC, Av. W4 N, SAIN, CEP 70800-200 Brasília, DF. 4 Acadêmica de Agronomia, Fac. Agronomia e Med. Veterinária, UnB.

RESUMO - Avaliaram-se características de sementes de 22 espécies de gramíneas nativas do cerrado, como: ocorrência de esterilidade, massa de sementes cheias e vazias, possibilidade de ventilação e quantidade de sementes por peso. As espécies dos gêneros Aristida, Ctenium, Diectiomis e Schizachyrium apresentaram os maiores índices de espiguetas férteis (superior a 50%), enquanto as dos gêneros Andropogon e Hypogynium apresentaram valores intermediários (25-49%); em Paspalum, Setaria e Thrazya, a ocorrência de espiguetas férteis foi baixa (5-24%), e em Axonopus, muito baixa (inferior a 5%). O número médio de sementes cheias por grama variou de 20 em Paspalum reduncum a quase 3.000 em Aristida gibbosa; esta informação é importante na determinação da taxa de semeadura. As espécies consideradas palhentas, a respeito das quais recomenda-se o uso de desaristadores no beneficiamento, são as seguintes: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum e Schizachyrium microstachyum. As espécies classificadas como não palhentas, para as quais pode-se recomendar a ventilação, são: Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata e Thrasya glaziovii.

Termos para indexação: desaristamento, espiguetas, esterilidade de sementes, massa, taxa de semeadura, ventilação.

Characteristics of seeds of native grasses from "cerrado"

ABSTRACT - Some characteristics of seeds of 22 native grass species from cerrado region in Brazil, such as sterility, weight of full and empty seeds, possibility of ventilation and number of seeds per weight were evaluated. Species of the genus Aristida, Ctenium, Diectiomis and Schizachyrium showed the highest levels of fertile spikelets (higher than 50%); Andropogon and Hypogynium showed levels of fertile spikelets between 25-49%; whereas in Paspalum, Setaria and Thrazya the occurrence of fertile spikelets varied from 5 to 24% and in Axonopus it was lower than 5%. The average number of full seeds per gram varied from 20 in Paspalum reduncum to almost 3,000 in Aristida gibbosa, which affects the rate of sowing. The seeds classified as "hairy", with which the use of "de-awners" during processing is recommended, belonged to the species: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum and Schizachyrium microstachyum. The species classified as non "hairy", with which ventilation can be recommended, were: Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata and Thrasya glaziovii.

Index terms: de-awn, spikelets, sterility of seeds, weight, rate of sowing, ventilation.

INTRODUÇÃO

As gramíneas apresentam variadas formas de reprodução, tanto sexuada como assexuada (sementes botânicas, rizomas, estolões, caules). Algumas espécies são propagadas quase que exclusivamente de forma vegetativa, devido às dificuldades de obtenção de sementes de boa qualidade. Dentre estas, cita-se a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum), que só produz sementes em condições edafo-climáticas muito específicas, e a grama-batatais (Paspalum notatum), que normalmente apresenta elevados índices de esterilidade de espiguetas. Nestes casos, tem-se recomendado o uso de material vegetativo mesmo para o cultivo de áreas extensivas.

Apesar de apresentar bom desenvolvimento inicial, a propagação vegetativa apresenta várias limitações agrícolas, como os custos elevados, grande necessidade de mão-de-obra, maior disseminação de doenças e pragas, necessidade de grande quantidade de material propagativo para áreas extensivas, além da mais rápida perecibilidade do material. Estes fatores mostram claramente as vantagens da utilização de sementes para a instalação das culturas.

Há diversas espécies de gramíneas, nativas nos cerrados latino-americanos, pouco estudadas e praticamente inaproveitadas até o momento (Almeida, 1995). Atualmente, a grande maioria das espécies de gramíneas cultivadas para atividades pecuárias são de origem africana. Só no Distrito Federal, Filgueiras (1991) fez o levantamento de 305 espécies, sendo 209 nativas. A única utilização econômica das gramíneas nativas tem-se limitado à pecuária extensiva, com baixíssimos índices de produtividade (Valls, 1991). Filgueiras (1992), estudando 134 gramíneas nativas do Distrito Federal, concluiu que a grande maioria apresenta baixo valor forrageiro. Outra importante possibilidade de uso destas espécies, com grande potencial de desenvolvimento, é como vegetação pioneira para recuperação de áreas degradadas por atividades mineradoras ou voçorocas em áreas de cerrado (Martins, 1996). O mais usual até hoje tem sido a tentativa de recuperação destas áreas com espécies arbóreas, como eucaliptos, e gramíneas exóticas, como Brachiaria decumbens e Andropogon gayanus (Teixeira & Fonseca, 1992; Moraes, 1993). Entretanto, as espécies nativas apresentam importantes vantagens em relação às espécies introduzidas, como a rapidez de desenvolvimento, manutenção da flora e fauna nativas e a grande adaptação às condições edafo-climáticas locais (Bell & Ungar, 1981; McGinnies & Wilson, 1982; Barbosa et al., 1990).

Além disso, observa-se uma rápida devastação dos cerrados brasileiros para incorporação ao processo produtivo. O cerrado tem sido a principal fronteira agropecuária brasileira nos últimos anos, já respondendo com cerca de um terço da produção nacional. Isto também tem aumentado os riscos de extinção de espécies, inclusive de gramíneas, o que leva à maior necessidade de conservação desse germoplasma. O fato de a maioria destas espécies apresentar sementes classificadas como ortodoxas (Roberts, 1991) facilita o seu armazenamento a longo prazo.

Neste contexto, o conhecimento das características das sementes destas espécies é de fundamental importância para a produção de sementes de alta qualidade. De acordo com Hay & Moreira (1992) há estudos sobre a biologia reprodutiva em menos de 3% das espécies do cerrado. Há pouca informação também no que concerne à germinação de sementes das espécies em geral (Felippe & Silva, 1984). Almeida (1995) destaca que o estudo da fenologia reprodutiva das gramíneas é básico, tanto para compreender suas respostas funcionais às condições ambientais, como para efetuar o manejo das diferentes espécies com vistas à sua manutenção, incremento e/ou eventual eliminação do pasto nativo.

Considerando-se o grande potencial de recolonização de áreas degradadas pelas diversas gramíneas nativas, procurou-se avaliar as características de sementes que podem afetar a seleção de métodos de beneficiamento e taxa de semeadura, como a ocorrência de esterilidade, massa, presença de apêndices e número de sementes por grama.

MATERIAL E MÉTODOS

Sementes

As sementes das espécies estudadas foram coletadas no Parque Nacional de Brasília (coordenadas: 15°44'22" S e 47°57'08" W), Brasília, DF. Trabalhou-se com espiguetas de 22 gramíneas nativas da região dos cerrados: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum gardnerianum, Paspalum pectinatum, Paspalum pilosum, Paspalum polyphilum, Paspalum reduncum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum, Paspalum trichostomum, Schizachyrium microstachyum, Setaria geniculata e Thrasya glaziovii. As espiguetas foram coletadas de infestações naturais em duas áreas no referido Parque. A primeira tratava-se de uma cascalheira abandonada, explorada de 1957 a 1961. Neste local, o solo original era um Cambissolo e a vegetação Campo Limpo de Cerrado (IBAMA, 1989). Esta área estava sendo revegetada naturalmente. A outra área, contígua à cascalheira, tratava-se de um cerrado nativo, apresentando um solo do tipo Latossolo Vermelho-Amarelo.

As espiguetas foram coletadas entre março e julho de 1994 e 1995 (algumas espécies em apenas um e outras nos dois anos, em função da disponibilidade de material no campo). As inflorescências foram cortadas manualmente, usando-se o método de caminhamento através de transectos imaginários, de forma a cobrir o máximo das áreas selecionadas, quando foram coletadas amostras em diversos pontos aleatórios. A época de coleta coincidiu com o momento em que aproximadamente a terça parte das espiguetas já havia se desprendido das inflorescências, de forma a coletar-se apenas as maduras, procedimento este bastante usual na colheita de sementes de gramíneas forrageiras (Brown, 1982). O material foi seco à sombra em ambiente de laboratório, após o que realizou-se a trilha manual. A limpeza foi feita por meio de peneiras, e finalizada com catação manual, de forma a obter-se somente as unidades de dispersão da espécie em questão (espiguetas cheias e vazias), doravante referidas como sementes (Allred, 1982), que foram então acondicionadas em sacos de papel.

Parâmetros estudados

Logo após a limpeza dos lotes (com massa aproximada de 2 kg), as sementes foram classificadas com relação à possibilidade de utilização de assoprador para a separação das sementes cheias (contendo cariópse) das vazias. Para isto, utilizaram-se quatro repetições de 5 g de sementes para cada espécie. As sementes de cada repetição foram submetidas à separação utilizando-se um assoprador (marca General Seed Blower) por três minutos, previamente regulado na abertura adequada para cada espécie. As espécies em que as sementes cheias e vazias eram separadas eficientemente desta forma foram denominadas não palhentas, enquanto aquelas em que tal separação não era possível foram denominadas palhentas (Welch, 1980).

A porcentagem de sementes cheias do lote original foi estimada usando-se quatro repetições de 100 sementes de cada espécie. Nas espécies não palhentas utilizou-se o método do assoprador para separar as cheias das vazias, na abertura estabelecida anteriormente. Nas espécies com sementes palhentas, tal separação foi feita manualmente, por leve pressão com pinça, de forma a não afetar a cariópse.

Determinou-se também a massa de 100 sementes cheias e vazias em cada espécie. O procedimento adotado nesta determinação encontra-se descrito nas Regras para Análise de Sementes (Brasil, 1992). Com estes resultados calculou-se a massa média das sementes no lote original, a massa das sementes cheias em relação às vazias (%), e o número de sementes cheias por grama no lote original.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dado o tamanho reduzido da cariópse e, muitas vezes, das glumas nestas espécies de gramíneas, a massa de 100 sementes foi apresentada em miligramas (Tabela 1). De forma geral, a massa média de 100 sementes cheias variou de 24,6 a 68,4 mg, exceto no gênero Diectiomis (198,9 mg) e em algumas espécies do gênero Paspalum (chegando a 205,9 mg/100 sementes cheias). O gênero Paspalum apresentou grande variabilidade neste aspecto, dentre as espécies estudadas. A variação média da massa de 100 sementes vazias foi de 10,2 a 34,1 mg, exceto em Diectiomis e Paspalum. Houve uma variação de resultados, em termos de massa de sementes, entre os dois anos de coleta de 0,1% em Schizachyrium microstachyum, até um máximo de 43,6% em Paspalum splendens. A massa média do lote logicamente depende da proporção entre cheias e vazias.

As sementes das espécies de gramíneas estudadas apresentaram variação bastante acentuada no que se refere à ocorrência de esterilidade de espiguetas (Tabela 2). O grupo composto por espécies dos gêneros Aristida, Ctenium, Diectiomis e Schizachyrium apresentou índices de espiguetas férteis superiores a 50% nos dois anos estudados. Em função da elevada ocorrência de espiguetas estéreis em gramíneas, os padrões mínimos aceitáveis de pureza para a produção de sementes de algumas espécies cultivadas no Distrito Federal, são de: Melinis minutiflora- 30%, Panicum maximum- 40%, Brachiaria humidicola- 40%, Brachiaria decumbens- 50% (Brasil, 1998). Desta forma, os índices de espiguetas férteis observados nos gêneros Aristida, Ctenium, Diectiomis e Schizachyrium podem ser considerados satisfatórios em relação às gramíneas forrageiras, pois ultrapassam 50%. Em seguida, o grupo que apresentou valores medianos de espiguetas férteis (na faixa de 25-49%) foi composto pelos gêneros Andropogon e Hypogynium. Nos gêneros Paspalum, Setaria e Thrazya a ocorrência de espiguetas férteis foi baixa (de 5 a 24%). Uma ocorrência muito baixa de espiguetas férteis ocorreu no gênero Axonopus (inferior a 5%). Várias podem ser as causas condicionantes do fenômeno da ocorrência de esterilidade de espiguetas em espécies de gramíneas (Maschietto, 1981). Os resultados mostram que o componente genético é também bastante importante na ocorrência de espiguetas férteis nestas espécies. Entretanto, as causas deste fenômeno não estão devidamente elucidadas, e há necessidade de mais pesquisas nesta área.

O número médio de sementes cheias por grama variou de 20 em Paspalum reduncum a quase 3.000 em Aristida gibbosa (Tabela 2). Espécies cultivadas de gramíneas forrageiras também apresentam bastante variação no número médio de sementes por grama, como: Brachiaria brizantha (130), Brachiaria decumbens (200), Panicum maximum (1.000) e Melinis minutiflora (8.000) (Brasil, 1992). Esta informação, aliada a outras como a germinação, sobrevivência e população desejada no campo são importantes na determinação da taxa de semeadura destas espécies.

As sementes classificadas como palhentas não deslizam facilmente, por apresentarem estruturas como pêlos e aristas, o que dificulta o beneficiamento (Vaughan et al., 1980; Welch, 1980). Dentre as espécies estudadas, 14 comportaram-se como palhentas e 8 como não palhentas (Tabela 3). Os gêneros que apresentaram sementes palhentas foram os seguintes: Andropogon, Aristida, Ctenium, Diectiomis, Hypogynium e Schizachyrium. No gênero Paspalum ocorreram algumas espécies palhentas e outras não palhentas. As sementes dos gêneros Axonopus, Setaria e Thrasya foram classificadas como não palhentas. A ocorrência de sementes não palhentas é uma vantagem muito grande para a produção de sementes de elevada qualidade. Nestes casos, pode-se utilizar o método da ventilação natural ou através de máquinas para eliminar as sementes chochas. Além disso, facilita a determinação da qualidade das sementes em laboratório.

Outro aspecto importante no beneficiamento é a diferença de massa entre as sementes cheias e vazias. Quanto maior esta diferença, maiores são as possibilidades de separação entre as mesmas através da ventilação. No presente trabalho, diferenças de massa superiores a 100% entre sementes vazias e cheias foram verificadas nos gêneros Aristida, Axonopus, Ctenium, Paspalum e Setaria (Tabela 3). Diferenças inferiores a 100% ocorreram nos gêneros Andropogon, Aristida, Ctenium, Diectiomis, Hypogynium, Paspalum e Thrasya (Tabela 3). De forma geral, as espécies com sementes não palhentas (Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata e Thrasya glaziovii) apresentaram diferença de massa superior a 100% entre cheias e vazias, à exceção da Thrasya glaziovii (80%). Estas características favorecem o beneficiamento de sementes nestas espécies, ou seja, torna possível a obtenção de sementes com alto índice de fertilidade através de ventilação.

Por outro lado, a maior dificuldade de beneficiamento de sementes deve ocorrer nas seguintes espécies: Andropogon spp, Aristida spp, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum e Schizachyrium microstachyum. Isto se deve ao fato das mesmas serem palhentas e apresentarem pouca diferença de massa entre as sementes cheias e vazias (Tabela 3).

Os resultados deste trabalho são importantes na proposição de esquemas de beneficiamento de sementes nestas espécies. Embora no presente trabalho não se tenha realizado a operação de desaristamento, certamente esta operação proporcionaria a obtenção de sementes com maior índice de pureza física e de melhor qualidade fisiológica nas espécies palhentas, pela eliminação de apêndices indesejáveis e sementes chochas e deterioradas nas operações subseqüentes do beneficiamento. Algumas máquinas desaristadoras foram desenvolvidas com este fim, removendo apêndices e aumentando, ainda, a massa por volume (Vaughan et al., 1980). Pelos resultados obtidos, recomenda-se a utilização de desaristadoras para as seguintes espécies: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum e Schizachyrium microstachyum.

Nas espécies não palhentas não há necessidade de uso de desaristadoras, porém é conveniente incluir no seu beneficiamento algum processo de ventilação, para melhorar a qualidade geral do lote. Neste caso, recomenda-se a utilização de pelo menos uma das seguintes máquinas: máquina de ventilador e peneiras, mesa de gravidade ou separadores pneumáticos. As espécies que se enquadram nesta categoria são as seguintes: Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata e Thrasya glaziovii.

As informações anteriormente descritas são de grande valia na utilização destas espécies para variados fins. Conforme mencionado, há tentativas no sentido de utilizá-las como vegetação pioneira em programas de recuperação de áreas degradadas em regiões de cerrado. Além disso, há o importante aspecto da preservação deste material em bancos de germoplasma, já que os cerrados estão sofrendo um processo acentuado de substituição da vegetação natural por espécies cultivadas. Com isto várias espécies deste ecossistema estão ameaçadas de extinção. A utilização de sementes com elevada qualidade é de grande importância nestes casos.

CONCLUSÕES

1. O componente genético apresenta grande importância na ocorrência de espiguetas estéreis em gramíneas nativas do cerrado.

2. Dentre as 22 espécies estudadas a fertilidade de espiguetas (no momento em que a terça parte das espiguetas já se desprendeu) varia de 1,7% em Axonopus barbigerus e Axonopus canescens a 80,3% em Aristida torta.

3. O número médio de sementes cheias, por grama, varia de 20 em Paspalum reduncum a quase 3.000 em Aristida gibbosa.

4. As espécies consideradas palhentas, para as quais se recomenda o uso de desaristadores no beneficiamento, são as seguintes: Andropogon bicornis, Andropogon selloanus, Aristida gibbosa, Aristida recurvata, Aristida setifolia, Aristida torta, Ctenium cirrhosum, Diectiomis fastigiata, Hypogynium virgatum, Paspalum pectinatum, Paspalum polyphilum, Paspalum splendens, Paspalum stellatum e Schizachyrium icrostachyum.

5. As espécies classificadas como não palhentas, para as quais se pode recomendar a ventilação para a melhoria da qualidade dos lotes, são: Axonopus barbigerus, Axonopus canescens, Paspalum gardnerianum, Paspalum pilosum, Paspalum reduncum, Paspalum trichostomum, Setaria geniculata e Thrasya glaziovii.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. José Francisco Montenegro Valls (Cenargen-Embrapa), Dr. Tarciso Filgueiras (IBGE) Dr. Ivo Manica (UnB) e Regina Célia de Oliveira, pelas valiosas sugestões e auxílio na identificação das espécies; a diretoria do Parque Nacional de Brasília, por facilitar a coleta das sementes.

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    Aceito para publicação em 20 de outubro de 1998.
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    Eng. Agr., Ph.D., Fac. Agronomia e Med. Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Caixa Postal 04508, CEP 70910-970 Brasília, DF. E-mail:
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    Eng. Flor., M.Sc., IBAMA/DIREC/DEUC, Av. W4 N, SAIN, CEP 70800-200 Brasília, DF.
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    Acadêmica de Agronomia, Fac. Agronomia e Med. Veterinária, UnB.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1999
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