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Decomposição e liberação de nutrientes da palhada de cana-de-açúcar em campo

Field decomposition and release of sugar cane trash nutrients

Resumos

Avaliou-se a decomposição e liberação de nutrientes da palhada de cana-de-açúcar colhida mecanicamente sem prévia despalha a fogo. A palhada foi amostrada logo após a colheita da cana, em agosto de 1996, e antes da colheita seguinte, realizada em agosto de 1997. Após um ano de permanência da palhada no campo, verificou-se uma redução de massa de aproximadamente 20%, originária, em sua maior parte, do conteúdo celular e da hemicelulose. Dos carboidratos estruturais, somente a hemicelulose apresentou decomposição. A porcentagem de liberação dos nutrientes K, Ca e Mg, em relação ao total contido na palhada foi de 85, 44 e 39%, respectivamente. A mineralização do N da palhada foi pouco expressiva (18%), o que resultou em diferença estatisticamente não-significativa entre os conteúdos de N da palhada recém colhida e da remanescente.


A field decomposition and release of nutrients from trash of sugar cane mechanically harvested and without previous detrashing through burning was evaluated. During the experimental period -- August 1996 through August 1997 -- rainfall was 1,733 mm and mean maximum and minimum temperatures were 28.0 and 18.0ºC, respectively. After one year the mass of trash remained on field decreased of approximately 20%, mostly derived from the decarboxylation of the cell content and hemicelulose. Among all structural carbohydrates only the hemicelulose decomposed. The percentage of K, Ca and Mg released in relation to the total nutrient content in original trash was 85, 44 and 39%, respectively. The N mineralization of the trash was not significant (18%) thus resulting in a negligible statistical difference among the N contents in original and remaining trash


Decomposição e liberação de nutrientes da palhada de cana-de-açúcar em campo11 Aceito para publicação em 22 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agr., M.Sc., aluno de Doutorado, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: wolivei@pira.cena.usp.br3 Eng. Agr., Dr., CENA/USP. Bolsista do CNPq. 4 Eng. Agr., M.Sc., Centro de Tecnologia Copersucar, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. 5 Química, Dra, CENA/USP. Bolsista do CNPq.

Mauro Wagner de Oliveira21 Aceito para publicação em 22 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agr., M.Sc., aluno de Doutorado, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: wolivei@pira.cena.usp.br3 Eng. Agr., Dr., CENA/USP. Bolsista do CNPq. 4 Eng. Agr., M.Sc., Centro de Tecnologia Copersucar, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. 5 Química, Dra, CENA/USP. Bolsista do CNPq. , Paulo Cesar Ocheuze Trivelin31 Aceito para publicação em 22 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agr., M.Sc., aluno de Doutorado, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: wolivei@pira.cena.usp.br3 Eng. Agr., Dr., CENA/USP. Bolsista do CNPq. 4 Eng. Agr., M.Sc., Centro de Tecnologia Copersucar, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. 5 Química, Dra, CENA/USP. Bolsista do CNPq. , Claudimir Pedro Penatti41 Aceito para publicação em 22 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agr., M.Sc., aluno de Doutorado, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: wolivei@pira.cena.usp.br3 Eng. Agr., Dr., CENA/USP. Bolsista do CNPq. 4 Eng. Agr., M.Sc., Centro de Tecnologia Copersucar, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. 5 Química, Dra, CENA/USP. Bolsista do CNPq. e Marisa de Cássia Piccolo51 Aceito para publicação em 22 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agr., M.Sc., aluno de Doutorado, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: wolivei@pira.cena.usp.br3 Eng. Agr., Dr., CENA/USP. Bolsista do CNPq. 4 Eng. Agr., M.Sc., Centro de Tecnologia Copersucar, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. 5 Química, Dra, CENA/USP. Bolsista do CNPq.

Resumo - Avaliou-se a decomposição e liberação de nutrientes da palhada de cana-de-açúcar colhida mecanicamente sem prévia despalha a fogo. A palhada foi amostrada logo após a colheita da cana, em agosto de 1996, e antes da colheita seguinte, realizada em agosto de 1997. Após um ano de permanência da palhada no campo, verificou-se uma redução de massa de aproximadamente 20%, originária, em sua maior parte, do conteúdo celular e da hemicelulose. Dos carboidratos estruturais, somente a hemicelulose apresentou decomposição. A porcentagem de liberação dos nutrientes K, Ca e Mg, em relação ao total contido na palhada foi de 85, 44 e 39%, respectivamente. A mineralização do N da palhada foi pouco expressiva (18%), o que resultou em diferença estatisticamente não-significativa entre os conteúdos de N da palhada recém colhida e da remanescente.

Field decomposition and release of sugar cane trash nutrients

Abstract - A field decomposition and release of nutrients from trash of sugar cane mechanically harvested and without previous detrashing through burning was evaluated. During the experimental period ¾ August 1996 through August 1997 ¾ rainfall was 1,733 mm and mean maximum and minimum temperatures were 28.0 and 18.0oC, respectively. After one year the mass of trash remained on field decreased of approximately 20%, mostly derived from the decarboxylation of the cell content and hemicelulose. Among all structural carbohydrates only the hemicelulose decomposed. The percentage of K, Ca and Mg released in relation to the total nutrient content in original trash was 85, 44 and 39%, respectively. The N mineralization of the trash was not significant (18%) thus resulting in a negligible statistical difference among the N contents in original and remaining trash.

Durante muitos anos, foi prática usual nas diversas regiões canavieiras do Brasil e do mundo, queimar a cana-de-açúcar antes da colheita. Entretanto, nos últimos anos, a área total de cana colhida mecanicamente, sem a prévia despalha a fogo, tem crescido muito no Estado de São Paulo e em outras regiões de países produtores de cana (Wood, 1991; Trivelin et al., 1997). Nesse novo sistema de colheita de cana, as folhas secas, os ponteiros e as folhas verdes são cortados e lançados sobre a superfície do solo, formando uma cobertura morta denominada palhada. Essa camada de material vegetal aumenta a infiltração de água no solo, diminui a erosão e a evaporação edáfica, melhora a estrutura do solo e aumenta a sua CTC, é fonte de nutrientes para a macro e a microflora do solo e para a própria cultura da cana-de-açúcar (Wood, 1991).

No Estado de São Paulo, a massa de palhada de cana que permanece sobre o solo após o corte da cana varia de 13 a 20 t ha-1 de material seco (MS), sendo que a mineralização dessa massa vegetal é dependente de fatores ambientais como a temperatura, umidade, aeração e, principalmente, da composição química da palhada, especialmente da relação C/N, teores de lignina, celulose, hemicelulose e polifenóis (Ng Kee Kwong et al., 1987; Siqueira & Franco, 1988). Os restos culturais que apresentam teor de N menor que 18 g kg-1 e relação C/N maior que 20 imobilizam o N, e, como a palhada de cana possui, em média, 390 a 450 g kg-1 de carbono e 4,6 a 6,5 g kg-1 de N (Trivelin et al., 1995) esse resto cultural deve apresentar pequena mineralização líquida no período de um ano agrícola. Tem-se verificado maior taxa de decomposição nos carboidratos solúveis (sacarose e amido), seguidos dos carboidratos estruturais, hemicelulose, celulose e lignina, sendo este o mais refratário ao ataque microbiológico (Siqueira & Franco, 1988).

O presente trabalho teve por objetivo avaliar as perdas de C, a decomposição da hemicelulose, celulose e lignina, e a mineralização do N, P, K, Ca, Mg e S da palhada de cana-de-açúcar depositada sobre o solo após a colheita mecânica sem prévia despalha a fogo.

A decomposição da palhada de cana-de-açúcar, variedade SP 79-1011, foi avaliada em área comercial pertencente a Usina Santa Cruz OP, situada no município de Américo Brasiliense, SP. O solo dessa área comercial é um Latossolo Vermelho-Amarelo, textura média/argilosa, epieutrófico, que apresentou na camada de 0-25 cm: pH(CaCl2) de 5,3; CTC de 52,9 mmolc dm-3; V de 60%, e composição em areia e argila de 600 e 330 g kg-1, respectivamente.

Em agosto de 1996, em um talhão de cana de segundo corte, logo após a colheita mecânica e sem queima prévia do canavial, procedeu-se à amostragem da palhada, ao acaso, em unidades de 0,25 m2 (quatro repetições). A área do talhão utilizada para a amostragem não foi adubada na safra 1996-97. As amostras de palhada foram picadas e secadas a 65oC por 72 horas, em estufa de ventilação forçada, sendo posteriormente obtida a massa de material seco. Em subamostras do material da palhada seca em estufa, após ser passada em moinho tipo Willey, foram feitas as determinações de teores de C total por combustão a seco em analisador LECO CR-412, N total (Parkinson & Allen, 1975), P, K, C, Mg e S (Malavolta et al., 1989). Na determinação da hemicelulose, celulose, lignina e conteúdo celular usou-se a metodologia descrita por Silva (1990), descontando-se dos resultados a massa da cinza de amostras incineradas a 550oC, por seis horas.

Após um ano agrícola e antes de nova colheita da cana, na mesma área foi amostrada a palhada remanescente no solo. Na amostragem de agosto de 1997, a área de unidade amostral foi reduzida para 0,07 m2, mas aumentou-se o número de repetições para sete. Nessas amostras foram feitas as mesmas determinações químicas realizadas nas amostras de 1996.

Os valores médios mensais de temperatura (máxima e mínima) e de pluviometria, de agosto de 1996 a agosto de 1997, foram obtidos em estação meteorológica da Usina Santa Cruz OP, localizada próximo ao local de trabalho. A precipitação pluvial totalizou 1.733 mm, e as médias de temperaturas máximas e mínimas foram de 28,0 e 18,0oC, respectivamente, sendo de 3oC o desvio padrão para ambas as médias.

Os teores médios de C orgânico, hemicelulose, celulose, lignina, conteúdo celular, N total, P, K, Ca, Mg, S e relação C/N obtidos no material da palhada amostrada em 1996 e em 1997, foram submetidos à análise de variância, e as médias, comparadas pelo teste t a 5% de probabilidade.

Como a mineralização é fortemente influenciada pela temperatura e pela umidade da palhada, pode-se constatar que, mesmo nos meses mais quentes e de maior disponibilidade hídrica (setembro a março), a decomposição da palhada não foi limitada somente pela sua composição química; houve, ao menos, o efeito da temperatura na mineralização potencial desses restos culturais, uma vez que foi constatado em onze solos, incubados em temperaturas variando de 5 a 35oC, que a cada acréscimo de 10oC a taxa de mineralização praticamente dobrou (Stanford et al., 1973). A análise dos resultados mostra que houve diferença significativa para MS, K, Ca, Mg, C, conteúdo celular, hemicelulose e também para a relação C/N da palhada amostrada em 1996 e da palhada remanescente em 1997 (Tabela 1). A redução da massa de material seco foi aproximadamente de 22%, sendo originária principalmente dos decréscimos ocorridos nas quantidades de hemicelulose e conteúdo celular, o que confirma os relatos de Siqueira & Franco (1988). Dos carboidratos estruturais presentes na palhada de 1996, a hemicelulose e a celulose representavam, respectivamente, 37% e 53%; entretanto, na palhada remanescente a hemicelulose reduziu-se para 12%, e a celulose elevou-se para cerca de 74%.

Em relação ao elemento K, houve liberação de 56 kg ha-1, o que correspondeu a um percentual de 85% do inicialmente existente na palhada. Essa grande liberação do K deveu-se ao fato de esse elemento não ser constituinte de nenhum composto existente na planta, e estar presente na forma iônica (Malavolta et al., 1989), o que facilita a sua saída da célula após o rompimento da membrana plasmática. Yaday et al. (1987) verificaram que a palhada de cana, incubada a 28oC, liberou 35% do K nos 15 primeiros dias de incubação, sendo que ao final do período experimental (120 dias), 70% de todo o K existente neste resto cultural havia sido liberado. A liberação do Ca e a do Mg atingiu percentuais de 44% e 39%, respectivamente, porque parte desses elementos está ligada a compostos iônicos e moleculares solúveis. Alta porcentagem do N e a totalidade do P e do S permaneceram na palhada remanescente.

Referências

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  • 1
    Aceito para publicação em 22 de fevereiro de 1999.
    2
    Eng. Agr., M.Sc., aluno de Doutorado, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail:
    3
    Eng. Agr., Dr., CENA/USP. Bolsista do CNPq.
    4
    Eng. Agr., M.Sc., Centro de Tecnologia Copersucar, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP.
    5
    Química, Dr
    a, CENA/USP. Bolsista do CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Aceito
      22 Fev 1999
    • Recebido
      22 Fev 1999
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