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Frações da matéria orgânica em seis solos de uma toposseqüência no Estado do Rio de Janeiro

Organic matter Fractions in a toposequence of six soils in the state of Rio de Janeiro, Brazil

Resumos

O relevo é um importante fator de formação dos solos, condicionando o fluxo de água na paisagem. Com o objetivo de avaliar a influência desse fator sobre a distribuição da matéria orgânica, analisou-se uma toposseqüência de solos localizada no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. Os seis perfis estudados, Podzólico Vermelho-Amarelo (perfis 1 e 2) localizados no terço superior da encosta, Podzólico Amarelo (perfil 3) situado no terço médio, Planossolo (perfis 4 e 5) no terço inferior e Glei Pouco Húmico (perfil 6) situado ao pé da encosta, apresentaram baixos teores de carbono orgânico total. O fluxo de água condicionou a distribuição das frações da matéria orgânica, principalmente as frações ácidos fúlvicos livres e ácidos fúlvicos. A matéria orgânica apresentou correlação significativa com o valor da cor do solo, com a densidade, porosidade total, conteúdo de Ca2+, K+, Na+, H+, soma de bases e valor T. A via de humificação identificada nos perfis 1, 2, 3, 4 e 5 foi a da insolubilização. No perfil 6, situado ao pé da encosta, a humificação dos compostos orgânicos ocorre pela lenta transformação dos restos vegetais, caracterizando a via de herança como a principal rota de humificação.

húmus; frações de matéria orgânica; humificação; substâncias húmicas


The influence of topographical position on organic matter fractions was studied in tropical soil toposequence in the campus of Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, State of Rio de Janeiro, Brazil. Six soil profiles were selected for the study, two at the shoulder position (Typic Kannapludalf, profiles 1 and 2), one on backslope (Typic Kannapludalf, profile 3), two on footslope (Fragiaquult, profiles 4 and 5) and one on the tooslope position (Mollic endoaquent, profile 6). These soils have lower content of organic carbon. The main organic fractions modified through all water flux in the toposequence were free fulvic acids and fulvic acids. Organic matter was correlated with soil properties, namely soil color, bulk soil density, total porosity, Ca2+, K+, Na+ and H+ content, and CEC. At the slope position, the major pathway of organic matter humification was the herance pathway.

humus; organic matter fractionation; humification; humic substances


FRAÇÕES DA MATÉRIA ORGÂNICA EM SEIS SOLOS DE UMA TOPOSSEQÜÊNCIA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO1 1 Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail: canellas@ufrrj.br 3 Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ. 4 Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA. 5 Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA. 6 Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq.

Luciano Pasqualoto Canellas2 1 Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail: canellas@ufrrj.br 3 Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ. 4 Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA. 5 Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA. 6 Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq. , Paulo Guilherme Berner3 1 Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail: canellas@ufrrj.br 3 Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ. 4 Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA. 5 Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA. 6 Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq. , Saulo Guilherme da Silva4 1 Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail: canellas@ufrrj.br 3 Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ. 4 Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA. 5 Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA. 6 Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq. Marlem Barros e Silva5 1 Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail: canellas@ufrrj.br 3 Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ. 4 Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA. 5 Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA. 6 Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq. e Gabriel de Araújo Santos6 1 Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999. 2 Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail: canellas@ufrrj.br 3 Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ. 4 Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA. 5 Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA. 6 Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq.

RESUMO - O relevo é um importante fator de formação dos solos, condicionando o fluxo de água na paisagem. Com o objetivo de avaliar a influência desse fator sobre a distribuição da matéria orgânica, analisou-se uma toposseqüência de solos localizada no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. Os seis perfis estudados, Podzólico Vermelho-Amarelo (perfis 1 e 2) localizados no terço superior da encosta, Podzólico Amarelo (perfil 3) situado no terço médio, Planossolo (perfis 4 e 5) no terço inferior e Glei Pouco Húmico (perfil 6) situado ao pé da encosta, apresentaram baixos teores de carbono orgânico total. O fluxo de água condicionou a distribuição das frações da matéria orgânica, principalmente as frações ácidos fúlvicos livres e ácidos fúlvicos. A matéria orgânica apresentou correlação significativa com o valor da cor do solo, com a densidade, porosidade total, conteúdo de Ca

2+

, K

+

, Na

+

, H

+

, soma de bases e valor T. A via de humificação identificada nos perfis 1, 2, 3, 4 e 5 foi a da insolubilização. No perfil 6, situado ao pé da encosta, a humificação dos compostos orgânicos ocorre pela lenta transformação dos restos vegetais, caracterizando a via de herança como a principal rota de humificação.

Termos para indexação: húmus, frações de matéria orgânica, humificação, substâncias húmicas.

ORGANIC MATTER FRACTIONS IN A TOPOSEQUENCE OF SIX SOILS IN THE STATE OF RIO DE JANEIRO, BRAZIL

ABSTRACT - The influence of topographical position on organic matter fractions was studied in tropical soil toposequence in the campus of Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, State of Rio de Janeiro, Brazil. Six soil profiles were selected for the study, two at the shoulder position (Typic Kannapludalf, profiles 1 and 2), one on backslope (Typic Kannapludalf, profile 3), two on footslope (Fragiaquult, profiles 4 and 5) and one on the tooslope position (Mollic endoaquent, profile 6). These soils have lower content of organic carbon. The main organic fractions modified through all water flux in the toposequence were free fulvic acids and fulvic acids. Organic matter was correlated with soil properties, namely soil color, bulk soil density, total porosity, Ca

2+

, K

+

, Na

+

and H

+

content, and CEC. At the slope position, the major pathway of organic matter humification was the herance pathway.

Index terms: humus, organic matter fractionation, humification, humic substances.

Introdução

O conteúdo de matéria orgânica em solos de regiões tropicais, altamente intemperizados, é geralmente baixo. A quantidade de matéria orgânica presente é regulada pela taxa de produção primária de material orgânico, pela distribuição dos fotoassimilados entre parte aérea e raízes e pela velocidade de decomposição dos compostos orgânicos (Batjes, 1996). As substâncias húmicas são consideradas o estádio final da evolução dos compostos de C no solo (Stevenson, 1994) e representam cerca de 30% a 85% do húmus (Kononova, 1982).

A dinâmica da matéria orgânica influencia os principais processos químicos, físicos e biológicos nos solos, e determina, muitas vezes, seu comportamento químico e fertilidade (Coleman et al., 1989). Portanto, é fundamental a quantificação das frações que compõem a matéria orgânica para a compreensão dos processos pedogenéticos que refletem ou induzem as propriedades dos solos (Peixoto, 1997). Três solos com diferentes materiais de origem, sedimentos cenozóicos da bacia de Curitiba-PR (Rubrozem), basaltos, Santa Catarina (Cambissolo) e migmetitos, Minas Gerais (Cambissolo), sob a mesma vegetação (campos de altitude), apresentaram características comuns na distribuição das substâncias húmicas: elevadas proporções de ácidos fúlvicos livres e frações alcalino solúveis e pouca humina (Volkoff & Cerri, 1988). Numa seqüência de solos sujeitos a regimes de encharcamento e secagem, Cerri & Volkoff (1988) encontraram matéria orgânica bastante humificada com baixo percentual de ácidos fúlvicos que foram exportados nas épocas de cheia.

Este trabalho teve como objetivos avaliar o efeito do relevo na distribuição das frações da matéria orgânica ao longo de uma seqüência de solos localizada no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e estabelecer correlações entre a distribuição do carbono e características morfológicas, químicas e físicas dos solos estudados.

Material e Métodos

Caracterização do meio físico

Os seis perfis estudados encontram-se distribuídos num morro de topo arredondado, com 500 m de vertente e declividade de 5%. Os perfis 1 e 2, de solos Podzólicos Vermelho-Amarelos (PVA1 e PVA2), encontram-se no terço superior da encosta, de contorno convexo. O perfil 3, Podzólico Amarelo (PA3), está situado no terço médio da encosta, de contorno retilíneo. No terço inferior, com superfície côncava, situam-se os perfis 4 e 5, Planossolos (PL4 e PL5). Na baixada, ao pé da encosta, foi descrito o perfil 6, Glei Pouco Húmico (GPH6). As principais características da toposseqüência são a uniformidade de clima, do material de origem e da vegetação original. A distribuição na paisagem dos perfis estudados encontra-se na Fig.1.


O clima, AW na classificação de Köppen, é quente e úmido, sem inverno pronunciado, com período chuvoso no verão e estiagem não rigorosa no inverno. A temperatura média do mês mais frio é de 18oC e a média anual, de 22oC. A umidade relativa do ar situa-se em torno de 78%, e a precipitação pluvial é de 1.500 mm ano-1 (Departamento Nacional de Produção Mineral, 1983). A vegetação original é constituída pela floresta tropical subcaducifólia, enquanto a atual é dominada por gramíneas das espécies Melinis minutiflora, Panicum maximum e Imperata brasiliensis. Nas áreas mais altas, observa-se o desenvolvimento recente de vegetação arbustiva, denominada popularmente de capoeira. O material de origem é composto, segundo Ramos (1970), por rochas de caráter ácido (gnaisse) do pré-cambriano. O relevo é suave ondulado a ondulado, com altitudes reduzidas, compreendendo morros arredondados em forma de meia laranja de vertentes côncavo-convexa e vales assoreados.

Descrição morfológica, análises químicas e físicas dos perfis estudados

A descrição completa dos perfis encontra-se em Silva (1993). Os perfis foram descritos em trincheiras abertas na toposseqüência segundo Lemos & Santos (1982). As análises químicas e físicas das amostras dos horizontes coletadas nas trincheiras foram realizadas segundo Embrapa (1979). As análises do ponto de efeito salino zero (ponto de invariância de pH com a variação da força iônica da solução) foram realizadas conforme Raij & Peech (1972), adaptado por Uehara & Gillman (1981). Nas Tabelas 1, 2 e 3 encontram-se as principais características morfológicas, físicas e químicas dos perfis estudados.

Determinação do carbono orgânico total

A determinação do carbono orgânico total (COT) nas amostras dos perfis estudados foi realizada pelo método da oxidação da matéria orgânica, com dicromato de potássio 0,4 mol L-1 em meio sulfúrico e titulação pelo sulfato ferroso e amoniacal 0,1 mol L-1 (Embrapa, 1979).

Extração e fracionamento da matéria orgânica

A extração e o fracionamento da matéria orgânica foram realizados de acordo com Dabin (1976), modificados por Santos (1984). As amostras de terra foram uniformizadas, passadas em peneiras de 2 mm e sofreram pré-tratamento com ácido ortofosfórico 2 mol L-1 que separou, por densidade, a fração matéria orgânica leve (MOL) coletada após filtração em filtros Waksman no 20, e solubilizou a fração ácidos fúlvicos livres (AFL). Em seqüência, sobre a amostra de terra foi colocada a mistura do extrator NaOH 0,1 mol L-1 + Na4P2O7 0,1 mol L-1 na proporção 1:5 com pH ajustado a 8,0, o que extraiu os ácidos húmicos (AH) ligados ao complexo sortivo do solo mais os ácidos fúlvicos (AF). Os AH foram separados dos AF por centrifugação, após precipitação em meio ácido até pH 1 com a adição de H2SO4 concentrado e medição do pH com potenciômetro. No resíduo sólido insolúvel, fração denominada humina (H), foi determinado o conteúdo de carbono. Desta forma, foram obtidas cinco frações da matéria orgânica (MOL, AFL, AF, AH e H), cujos teores de carbono foram determinados com dicromato de potássio 0,4 mol L-1 em meio sulfúrico e titulação pelo sulfato ferroso e amoniacal 0,1 mol L-1.

Correlações entre as frações da matéria orgânica e propriedades do solo

O conjunto dos dados das análises físicas e químicas dos perfis situados na toposseqüência foram analisados em função de suas correlações de Pearson com o C orgânico total e com as frações da matéria orgânica. As características e propriedades analisadas foram: cor, com a transformação do matiz, obtido pela escala de cores Munsell, realizada incorporando-se valores numéricos ao matiz: 5R= 5; 10R= 10; 5YR= 15; 7,5YR= 17,5; 10YR= 20 (Sanchez-Maranón et al., 1996), valor e croma, textura, grau de floculação, relação silte/argila, densidade aparente, porosidade total, pH em água e em KCl (1 mol L-1), Ca2+, Mg2+, K+, Na+, Al3+, H+, soma de bases, valor T e percentagem de saturação por bases.

Resultados e Discussão

A distribuição do C orgânico total ao longo da toposseqüência é mostrada na Tabela 4 e sua principal característica é a diminuição em profundidade, independentemente da posição do perfil no relevo.

A mesma distribuição em relação à profundidade não foi observada para as frações da matéria orgânica (Tabela 4). A maior parte do C total presente nos solos é composta pelas huminas (H), fração insolúvel não extraível pela mistura utilizada como extrator. É a fração de C que se encontra intimamente associada à fração mineral do solo, estando aleatoriamente distribuída (sem padrão definido) nos perfis. Os perfis situados nos terços superior e médio do relevo apresentaram maior percentual de humina do que os perfis situados no terço inferior e em geral, menor percentual de ácidos húmicos (AH).

A fração ácidos fúlvicos (AF) se encontra mais uniformemente distribuída em profundidade nos perfis e a fração mais móvel, ácidos fúlvicos livres (AFL), apresenta tendência de acúmulo em profundidade.

A segunda maior fração da matéria orgânica encontrada na toposseqüência foi a fração matéria orgânica leve (MOL). Os maiores percentuais desta fração foram encontrados em superfície em todos os perfis, com exceção do GPH6. Nos perfis situados no terço inferior da encosta foi marcante o aumento da fração MOL, na superfície, seguida de uma região de intensa remoção e nova acumulação.

O contorno convexo e retilíneo do relevo no terço superior e médio da encosta desenvolvida sobre embasamento cristalino provocou intensa movimentação lateral de água e redução na infiltração. A menor percolação de água no perfil diminuiu a intensidade de pedogênese nessa cota do relevo. Nesta situação, é de se esperar a presença de sucessivos ciclos de umedecimento e de secagem no solo. A vegetação composta por gramíneas foi dominante em toda toposseqüência. É característico deste tipo de vegetação alta relação C/N, conteúdo elevado de ligninas, polifenóis e estruturas mais rígidas (Heal et al., 1997). Durante a estação seca, os restos vegetais permanecem pouco transformados no solo, e na estação úmida são rapidamente mineralizados e estabilizados na fração humina (Manzatto, 1990).

Na parte superior do relevo, com predominância de texturas mais finas e seqüência de horizontes A-Bt-C, foram encontrados os maiores percentuais de H. O conteúdo maior de argila nas posições mais elevadas do relevo estabiliza e protege grande parte do C (Volkoff et al., 1984). No terço médio e inferior do relevo, nos perfis desenvolvidos sobre depósitos coluviais, as texturas são mais grosseiras. A fração H é ainda a maior fração da matéria orgânica, porém encontrada em menores percentuais.

É possível observar a influência da movimentação lateral da água no topo da vertente sobre as frações humificadas mais móveis, ácidos fúlvicos livres e ácidos fúlvicos. Nota-se, nos horizontes superficiais, em posições menos elevadas no relevo, aumento dessas frações, acompanhando a pendente do terreno. No perfil PL5, já em topografia plana, esse fenômeno não é acentuado.

Nos perfis situados no terço inferior da encosta, os processos de pedogênese são intensificados, e ocorre maior diferenciação dos horizontes. A superfície côncava do relevo favorece a retenção e infiltração vertical de água. É evidente, nos perfis PL4 e PL5, o aumento nos teores de AFL e AF em profundidade, acompanhando a movimentação da água. As frações humificadas com maior densidade de carga superficial negativa participam do processo de diferenciação dos horizontes. O processo de lessivage, caracterizado pela eluviação de argila e formação de um horizonte de intensa remoção (horizonte E), pressupõe o transporte de argila dispersa para o horizonte de acúmulo (Fanning & Fanning, 1989). O maior percentual de AFL e AF nos horizontes E dos perfis PL4 e PL5 indica que a matéria orgânica participa desse processo, e promove, pelo menos momentaneamente, a repulsão de partículas minerais carregadas negativamente, favorecendo a dispersão da argila. A formação de complexos solúveis entre os grupamentos funcionais oxigenados da matéria orgânica com Ca2+e Mg2+ aumentam a mobilidade dos cátions. Também foi observado aumento na concentração de Al3+ em profundidade (Tabela 3) nos horizontes iluviais. O aumento da concentração dos ácidos fúlvicos e húmicos e de cátions polivalentes é acompanhado pelo aumento da concentração de H+ em profundidade. A formação de complexos solúveis com a matéria orgânica pode favorecer reações de hidrólise, aumentar a mobilização e o transporte de metais. A formação de complexos insolúveis provoca o aumento relativo em profundidade de Al e Fe.

No horizonte iluvial dos Planossolos, há desenvolvimento de um horizonte fracamente cimentado devido ao acúmulo de argila e óxidos de Fe e Al transportados. O aumento na concentração de ácidos húmicos indica que a matéria orgânica auxilia a cimentação no horizonte. A gênese dos AH nos horizontes Btx é explicada pelo impedimento da drenagem, que restringe a movimentação de AFL e AF. Os grupamentos funcionais presentes nesses ácidos são estabilizados através de interações com cátions polivalentes e com a argila iluviada.

O perfil GPH6, situado ao pé da encosta, apresenta uma dinâmica de C determinada pelo alagamento do solo durante parte do ano e pela posição alta do lençol freático. A diminuição da presença de oxigênio na atmosfera do solo dificulta a oxidação da matéria orgânica. Nessa posição, são encontrados os maiores teores de COT, favorecidos também pela deposição de materiais transportados por erosão das encostas da vertente.

A análise da distribuição das frações da matéria orgânica e as características e propriedades dos solos permite indicar que a principal via de formação das substâncias húmicas nos perfis 1, 2, 3, 4 e 5 é a da insolubilização, caracterizada por Santos (1984) como a humificação de compostos fenólicos solúveis a partir da sua oxidação a quinonas e polimerização, formando unidades orgânicas precursoras das substâncias húmicas. Com a policondensação de núcleos aromáticos são formados os ácidos fúlvicos que, ao se condensarem, originam os ácidos húmicos. A formação de humina, estádio final do processo de humificação, é caracterizada pela estabilização química e física dos compostos orgânicos com a fração mineral do solo. A via de condensação abiótica de compostos fenólicos não é a preferencial de gênese de substâncias húmicas no perfil GPH6. Nessa posição do relevo, os resíduos vegetais são pouco transformados, basicamente ocorrendo perda de grupamentos OCH3 das ligninas, originando a humina herdada.

Os índices Ki e Kr utilizados para avaliar o grau de intemperismo, obtidos pela razão molar SiO4/Al2O3 e SiO4/(Al2O3 + Fe2O3)respectivamente, aumentam à medida que se desce a encosta, provavelmente devido à ressilificação dos minerais na fração argila, provocada pelo fluxo de matéria translocada pelo movimento lateral da água para as partes mais baixas da vertente (Silva, 1993). Os valores obtidos para os índices Ki e Kr permitem indicar que minerais de argila do tipo 1:1, caulinita e óxidos-hidróxidos de F e Al, predominam na toposseqüência. Os perfis são caracterizados pelo intemperismo intenso, refletido nos baixos valores de COT encontrados. O índice utilizado para avaliação do grau de humificação da matéria orgânica, a relação AH/AF, acompanha a variação dos índices Ki e Kr, aumentando com a descida na encosta. O impedimento de drenagem, encontrado no terço inferior, e o fluxo vertical de água mais intenso favorecem as reações de policondensação dos compostos orgânicos, aumentando a relação AH/AF nos perfis PL4 e PL5.

Na Tabela 5, encontram-se os valores para as correlações significativas entre C orgânico total e as propriedades do solo analisadas.

A capacidade de troca de cátions (CTC) é bastante influenciada pelo conteúdo de matéria orgânica do solo, principalmente pelas frações AFL e AF. Usando a estimativa da CTC atribuída ao COT proposta por Ramos & Cunha (1985), onde 1 g de C kg solo-1 corresponde a 4 Cmolc kg solo-1, observa-se que a contribuição da matéria orgânica para CTC dos solos variou de 14,6% a 117,5%, diminuindo em profundidade. Os valores encontrados para os horizontes A2 e E do perfil PL5 acima de 100% indicam que essa metodologia superestima a contribuição da CTC em solos com baixo conteúdo de argila de baixa atividade. Vale Júnior et al. (1997) revelaram a inadequação de se utilizar um valor fixo para estimar a contribuição da matéria orgânica na CTC dos solos.

A grande contribuição da matéria orgânica para CTC dos solos, principalmente nos horizontes superficiais, mostra a importância dessa fração nas propriedades físico-químicas do solo. As correlações significativas entre COT, densidade do solo (dap) e porosidade total (PT) encontradas revelam que, quanto maior o teor de C orgânico, menor a dap e maior a PT. Não foi encontrada correlação entre o matiz da cor e o teor de COT. Entretanto, o valor da cor é influenciado pela matéria orgânica, principalmente pela fração H. Os grupamentos funcionais insaturados covalentes conferem coloração escura à matéria orgânica (Hayes et al., 1989) e diminuem o valor da cor no solo.

Os íons monovalentes K+ e Na+ correlacionaram-se com os teores de COT e com as frações AFL e AF. O maior valor da correlação para o K+ foi com a fração H, que apresenta menor quantidade de grupamentos funcionais dissociados e com possibilidade de interações eletrostáticas fracas. O mesmo comportamento não foi observado quanto ao Na+, íon com menor efeito polarizante (maior raio iônico), enfraquecendo as ligações H-Na+. A maior correlação foi obtida entre COT e H+. As frações AFL, AF e AH são consideradas ácidos fracos poliprotonados e produzem um poder tampão, já que os grupos funcionais não estão totalmente dissociados nos valores de pH do solo. Conseqüentemente, a acidez do solo é influenciada pela matéria orgânica (Peixoto, 1997). Os menores valores quanto ao pH no ponto efeito salino zero (PESZ), encontrados nos horizontes diagnósticos superficiais, está correlacionado com o maior teor de COT. Siqueira et al. (1990) também observaram a contribuição da matéria orgânica no abaixamento doPESZ,chamadopelosautoresdepcz, principalmente nos solos mais intemperizados.

Conclusões

1. A posição na toposeqüência influencia a dinâmica da água, que por sua vez determina os teores das frações da matéria orgânica, principalmente das frações AFL e AF, que são transportadas pelo fluxo lateral e vertical de água no relevo.

2. Com exceção do perfil GPH6, onde a gênese das substâncias húmicas deve-se à lenta transformação de restos vegetais em ambientes reduzidos, a via de humificação dominante na toposseqüência foi a da insolubilização de compostos fenólicos.

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    Aceito para publicação em 8 de fevereiro de 1999.
    2
    Eng. Agrôn., PhD., Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), antiga Rodovia Rio-São Paulo, km 47, CEP 23851-970 Seropédica, RJ. E-mail:
    3
    Eng.Agrôn.,M.Sc., Aluno do curso de doutorado, Dep. de Solos, UFRRJ.
    4
    Eng.Agrôn.,EscolaAgrotécnicaFederaldeCodó, Caixa Postal 3, CEP 64500-000 Codó, MA.
    5
    Eng. Agrôn., M.Sc., Prof. Substituto, Dep. de Solos, Universidade Estadual do Maranhão, CEP 64500-000 São Luís, MA.
    6
    Eng. Agrôn., Ph.D., Prof. Titular, Dep. de Solos, UFRRJ, CEP 23851-970, Seropédica, RJ. Bolsista do Cnpq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2000

    Histórico

    • Aceito
      08 Fev 1999
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